SITUAÇÃO NO BRASIL DA PRÁTICA DE IRRADIAÇÃO DE SANGUE NA PREVENÇÃO DA DOENÇA ENXERTO-VERSUS-HOSPEDEIRO Evamberto Garcia de Góes*, José Carlos Borges*, Dimas Tadeu Covas**, Carlos Alberto Pelá*** *Programa de Engenharia Nuclear, EE/COPPE-UFRJ Caixa Postal 68509 - 21945-970 Rio de Janeiro, RJ **Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto -USP-RP ***Centro de Instrumentação, Dosimetria e Radioproteção - FFCLRP-USP RESUMO A transfusão de sangue e dos componentes celulares contendo linfócitos vivos pode resultar na Doença do Enxerto-Versus-Hospedeiro (DEVH) em pacientes imunocomprometidos. Ela pode ser prevenida pela irradiação dos componentes do sangue antes da transfusão. Este trabalho apresenta uma visão da realidade brasileira na prática de prevenção da doença, e apresenta proposta de otimização do problema. l. INTRODUÇÃO Antes de 1990 a Doença Enxerto-VersusHospedeiro Associada à Transfussão (DEVH-AT) era considerada uma reação associada à transfusão relativamente rara para alguns receptores imunocompromissados. Hoje, esta doença está adquirindo importância não somente para pacientes imunocompromissados, mas também para pacientes supostamente imunocompetentes. Essas mudanças são caracterizadas por novos desenvolvimentos em transfusão de sangue e práticas cirúrgicas, incluindo o aumento do uso de doações diretas por parte de membros familiares como medida de segurança contra doenças potencialmente transmissíveis por doadores randômicos. A DEVH-AT induzida por transfusão alogênica de sangue é um problema sério para pacientes imunocomprometidos, sendo fatal em mais de 90% dos casos[1]. Os linfócitos T provenientes do sangue do doador proliferam-se e diferenciam-se em resposta aos antígenos de histocompatibilidade distintos. As próprias células T ou mecanismos secundários atacam as células do receptor, determinando o surgimento da DEVH-AT, cuja prevenção requer que células T (auxiliares e supressoras) sejam eliminadas dos componentes do sangue a ser transfundido. O limiar de concentração de células T necessário para estimular o surgimento da DEVH-AT não é conhecido, apesar dos inúmeros experimentos com animais e experiências clínicas. Dos resultados obtidos com modelos animais, estima-se que um mínimo de 107 linfócitos por quilograma de peso do receptor seja necessário para a indução da doença. Em humanos, uma concentração tão baixa como 8x104 linfócitos tem causado DEVH letal[2]. Com base nas experiências clínicas com humanos, sugere-se que uma quantidade de 104 à 105 células T por quilograma seja suficiente para causar DEVH-AT. A variação no limiar de células T necessárias para desencadear a doença pode ser atribuida aos vários graus de disparidade HLA (Humanus Leukocytes Antigens) envolvidos nos transplantes de medula estudados. Dessa maneira, uma pequena quantidade de células T poderá ser suficiente para causar a reação em casos de HLA mal combinados, ao contrário de casos envolvendo fenótipos HLA idênticos entre doadores e receptores. Também é possível que dificuldades em quantificar um número muito baixo de concentração residual de células T seja a causa da diferença entre os limiares relatados. Assim, seria necessário remover dos componentes do sangue a ser transfundido todas as células T, fisicamente mensuráveis, para evitar-se completamente a DEVH associada à transfusão. Contudo, até o presente, não existe nenhum método disponível capaz de executar esse grau de leucoredução. Estocagem prolongada à 40 C, glicerolização, congelamento em -700 C e subsequente deglicerolização poderá reduzir 1-2 log10 dos leucócitos existentes, mas não os elimina totalmente, sendo que essas células remanescentes têm-se mostrado mitoticamente ativas. O uso de filtros de segunda e terceira geração não consequem uma menor leucoredução que 3-4 log10, sendo que casos de DEVH letal têm sido registrados após a transfusão de células vermelhas administradas através desses filtros. A técnica de irradiação dos componentes do sangue com raios gama (provenientes de fontes de Césio137 de irradiadores específicos para sangue e dos equipamentos de telecobaltoterapia) e raios-X de aceleradores lineares é a única disponível que, dependendo da dose de irradiação, seja capaz de eliminar completamente o potencial mitótico dos linfócitos. Entretanto, em face das altas doses necessárias (da ordem de 15-35 Gy), e do curto intervalo de tempo (da ordem de minutos) em que devem ser administradas aos componentes do sangue para evitar a sua deterioração, os equipamentos de irradiação empregados precisam de fontes com elevadas atividades (24 à 96 TBq). Com isto, os requisitos de blindagem tornam-se críticos e o custo final do equipamento atinge valores muito elevados, inacessíveis à maioria das instituições brasileiras. Este trabalho apresenta um estudo da realidade brasileira no campo de irradiação de sangue, e uma alternativa para solução do problema através da proposta de construção de um irradiador nacional, utilizando fontes exauridas de unidade de teleterapia de cobalto. ll. METODOLOGIA Para um adequado diagnóstico da situação presente da irradiação de sangue no país, fez-se necessário levantar a demanda e a oferta deste serviço. Pela óptica da oferta, recorreu-se à Comissão Nacional de Energia Nuclear. Para isto, buscou-se informações acerca da quantidade, localização geográfica e atividade inicial registrada das unidades de teleterapia de cobalto do país. Pelo lado da demanda, fez-se um levantamento da realidade brasileira na área de irradiação de sangue, através da aplicação de um questionário junto aos 56 hemocentros regionais existentes no país. A utilização dessa metodologia permitiu conhecer a realidade brasileira no campo de irradiação de sangue sob os principais aspectos: 1) se a instituição empregava sangue irradiado e se possuía recursos próprios para fazê-lo. 2) os métodos de irradiação empregados. 3) os detalhes de irradiação quanto a doses empregadas, tipo, volume e demanda dos componentes irradiados. 4) a metodologia empregada no controle de qualidade do processo, do produto e dos equipamentos. 5) as alternativas à irradiação específica. 1) facilidades de Irradiação: a) 2 instituições utilizam-se de irradiadores específicos para essa finalidade; b) 4 instituições têm facilidade local para irradiar seus componentes de sangue ( raios-X de aceleradores lineares ou raios gama de cobaltoterapia), c) uma instituição não tem facilidade local e utiliza outros hospitais para suas necessidades de irradiação. 2) doses de irradiação empregadas: a) 2 instituições irradiam os componentes do sangue com dose entre 15 à 20 Gy; b) 4 instituições irradiam os componentes do sangue com dose entre 21 à 25 Gy; c) uma instituição irradia componentes de sangue com dose entre 26 à 30 Gy. 3) total de unidades de sangue irradiadas e previsão de crescimento da demanda: 782 unidades de sangue têm sido irradiadas semanalmente por estas instituições com previsão de crescimento superior a 30% nos próximos 3 anos. 4) controle de qualidade: 2 instituições fazem o controle de qualidade dos componentes de sangue irradiados e somente uma faz o controle de qualidade dos equipamentos. Com base na pesquisa realizada junto a Comissão Nacional de Energia Nuclear, quanto a localização geográfica dos serviços de radioterapia, mostrou que 63% dos hemocentros regionais poderiam ter seus componentes de sangue irradiados por estes serviços de teleterapia. lV. DISCUSSÃO A doença Enxerto-Versus-Hospedeiro associada a transfusão de sangue é uma doença de difícil diagnóstico, rara (para uma população homozigótica ocorre, aproximadamente, um caso em cada 600 cirurgias de coração) porém fatal na maioria dos casos. Estudos recentes[3] têm mostrado que a doença não se restringe a pacientes imunocomprometidos, mas manifesta-se em pacientes imunocompetentes e, também, naqueles que sofreram transfusões autólogas. Isso mostra a necessidade de adotar-se uma metodologia na prevenção da doença. A situação brasileira no campo de irradiação de sangue apresentou resultados semelhantes àqueles recentemente publicados por membros da Sociedade Americana de Bancos de Sangue[4]. Nesse estudo, verificou-se: a) uma heterogeneidade na escolha da dose para inativar os linfócitos; b) que somente os grandes centros de hematologia têm facilidade para irradiar sangue. Essa heterogeneidade na escolha da dose é atribuída ao fato de não se conhecer a quantidade de linfócitos viáveis necessária para desencadear a doença. lll. RESULTADOS V. CONCLUSÃO Dos 56 questionários enviados aos hemocentros regionais, 28 (50%) retornaram e foram analisados. Observou-se que: Uma vez que o custo de um irradiador de Césio137 é de aproximadamente duzentos mil dólares, a maioria dos hemocentros regionais brasileiros não poderão absorver este custo e terão que dispor de outras facilidades para irradiar seus componentes de sangue. Isso poderá ser conseguido através de um programa nacional de irradiação de sangue com uma alternativa para a solução do problema através da construção de irradiadores que utilizariam fontes exauridas pelos serviços de cobaltoterapia. REFERÊNCIAS [1] Brubaker, D.B. , Human postransfusion graftversus-host disease, Vox Sang, vol.45, p 401-420, 1983. [2] Rosen, N.R., Weidner, J.G., Boldt, H.D., Rosen, D.S., Prevention of transfusion-associated graft-versus-host disease: selection of an adequate dose of gama radiation. Transfusion., v.33, p.125-127, 1993. [3] Capon,S.M., DePond, W.D., Tynan, D.B., Transfusion-associated graft-versus-host disease in an immunocompetent patient, Int Med., vol.114 p 10251026, 1991. [4] Anderson, C.A., Goodnough, L.T., Sayers, M., Pisciotto, P.T., Kurtz, S.R., Lane, T.A., Anderson, C.S., Silberstein, L., Variation in Blood Component Irradiation Practice: Implication for Prevention of Transfusion-Associated GraftVersus-Host-Disease, Blood, v.10 p 2096-2102, 1991. ABSTRACT Transfusion of blood and cellular components containing viable lymphocytes can result in Graft-VersusHost Disease (GVHD) in immunocompromised patients. It can be prevented by irradiation, prior to transfusion, of blood components. This work presents an overview of the brazilian reality and suggests policies to optimise GVHD prevention.