7º Simpósio de Ensino de Graduação A INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA É CONDICIONAL? Autor(es) DANIELI LAGO Orientador(es) ALESSANDRO JACOMINI 1. Introdução O direito à vida é o fundamento do Direito Positivo, (art. 5, inciso III, CF), e precisa ser resguardado contra a insânia Estatal e social. “A vida tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido” (DINIZ, 2002, P. 40). A vida humana é anterior ao próprio ordenamento jurídico, uma vez, que é um direito natural, intrínseco ao indivíduo. Desta forma, perante a liberação da utilização das células-tronco embrionárias, para fins terapêuticos, indaga-se: a partir de que momento o direito afere proteção a vida? Tem o direito, legitimidade para decidir, a quem, e quando, conceder o privilégio de viver? O direito à vida é inviolável? 2. Objetivos O trabalho tem como objetivo, abordar a legitimidade da utilização das células-tronco embrionárias, e com isto, responder, se a inviolabilidade do direito à vida é condicional. 3. Desenvolvimento A metodologia utilizada foi a analítica, critica à proteção conferida pela norma ao direito à vida. 1 O DIREITO À VIDA A vida humana é um bem anterior ao direito. A ordem jurídica deve respeitá-la, pois, ainda que não houvesse tutela constitucional de proteção à vida, a vida é norma de direito natural, deduzida da natureza do ser humano. O direito natural é o fundamento do direito positivo. A vida tem preferência sobre todas as coisas. O direito à vida é um direito fundamental, cláusula pétrea do ordenamento jurídico que consiste no maior bem do homem, pois condiciona os demais direitos da personalidade. Sendo assim, deve ser protegido contra tudo e contra todos. O direito à vida é indisponível. Ninguém tem autoridade pra desfazer-se do direito de continuar a viver. É o mais básico de todos os direitos, é um pré-requisito para a existência dos demais direitos aferidos constitucionalmente. O direito à vida é estendido aos nacionais e estrangeiros que se encontrem em solo pátrio. “O direito à vida integra a pessoa até o seu óbito, abrangendo o direito de nascer, o de continuar vivo e o de subsistência”( DINIZ, 2002, P. 22), mediante uma vida digna, onde há saúde, educação, lazer, trabalho etc. O direito à vida e os demais direitos que deste decorrem, devem ser garantidos pela sociedade e, em especial, pelo Estado. 1.1 Proteção jurídica a partir da concepção Na aferição da vida como direito, faz-se necessário apontar o momento a partir do qual se considera haver um ser humano vivo. A partir da concepção, ou seja, ainda na fase embrionária o direito resguarda os direitos da vida por nascer, inclusive o de nascer. Silva definiu personalidade humana como sendo a “aptidão para figurar como sujeito passivo ou sujeito ativo de uma relação jurídica” (SILVA, 2002, P. 204). A personalidade é uma figura jurídica criada para aferir direitos ou obrigações à pessoa humana. Assim sendo, o embrião humano (concepto) tem personalidade jurídica, e, por isto, é amparado pela lei. Destarte, a utilização das células-tronco embrionárias é um desacato à norma constitucional e infraconstitucional, pois a sua retirada resulta na morte súbita do embrião. O fato de o embrião existir a um, dois, três ou há quatorze dias, ou mesmo, o fato de ser um conjunto de oito ou de cem milhões de células, não autoriza a ciência médica a desqualificá-lo na vida que contém e na dignidade que lhe é intrínseca. A lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) em seu artigo 7° estabelece: A criança e o adolescente têm direito de proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. O dispositivo citado acima declara que a criança e o adolescente, assim como as demais pessoas humanas, gozam de proteção do direito à vida e à saúde, mediante efetivação de medidas públicas. As medidas públicas também devem permitir o nascimento sadio e harmonioso do ser humano. Sendo assim, o objeto da proteção jurídica é o próprio ser em concepção. O Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, dispõe: Art. 4°, 1 - Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. Novamente a lei confere proteção jurídica ao embrião desde o momento da concepção. Portanto, a vida é amparada juridicamente desde o momento da concepção, momento este específico que foi comprovado cientificamente ser o começo da formação da pessoa humana. 1.2 A vida como direito relativo A expressão “em geral”, contida no artigo 4° do Pacto de São José da Costa Rica ressalta a possibilidade de quebra desta diretriz quando houver interesse do Estado. Esta quebra deve ser proporcional, violando, no mínimo possível, o direito à vida. (TAVARES, 2006, p. 486). O direito à vida, embora essencial, não é absoluto. Encontra limitação quando há confronto com outros interesses do Estado. A própria Carta Magna prevê em tempo de guerra a pena de morte (art. 5, XLVII). “Em regra protege-se a vida, mas nada impede que ela seja perdida, por ordem do Estado, que se incumbiu de lhe dar resguardo, desde interesses maiores devam ser abrigados” (NUCCI, 2006, p. 520). Sempre que o direito à vida se chocar com os interesses do Estado, será violável legalmente. É certo que não pode ser de forma arbitrária. Mas o que se entende por arbitrário? Será que violar a vida em qualquer hipótese não é um ato arbitrário? Como mensurar o interesse do Estado para saber o que seria realmente necessário ou o que seria dispensável? Se a utilização de células-tronco embrionárias for de interesse do Estado, será, como de fato é licita a utilização, mesmo que o próprio ordenamento a entenda como sendo vida, pois a vida não é absoluta. Ocorre que a vida, a liberdade, a propriedade e a segurança são direitos inerentes ao homem, não podendo o poder legislativo, de forma arbitrária, violar tais direitos. Loke declara que “ninguém pode transferir mais poder do que possui, e ninguém detém um poder arbitrário absoluto sobre si mesmo, ou sobre qualquer outro, para destruir a própria vida ou tomar a vida de outrem (...)”(LOKE apud NUCCI, 2006, p. 105). 1.3 Antinomias na proteção do direito à vida A vida também recebe proteção jurídica no Código Penal, uma vez que são punidos o homicídio, em qualquer de suas modalidades e formas (art.121); o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art.122); o infanticídio (art. 123). E o aborto (art. 124 a 128). Não se admite qualquer ato contrário à vida, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito. Diniz denuncia que há uma antinomia imprópria, em virtude de seus conteúdos, entre os artigos que tipificam a violação do direito à vida no Código Penal. A lei puniu com maior severidade o homicídio doloso que o infanticídio e o aborto, prescrevendo, assim, pena mais leve para delito mais grave, já que neste caso a vítima é inocente e indefesa. (DINIZ, 2002 p. 45-46). A pena cominada para quem utilizar embrião humano em desacordo com o art. 5° da lei de Biossegurança é detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa (art. 24 da lei 11.105/2005). Pena semelhante à imposta pela prática de aborto provocada pela gestante ou com o seu consentimento (art. 124 do CP). Esta forma de aborto tipificado no art. 124 do CP, possui uma pena mais branda comparada as demais formas de aborto. O legislador, ao declarar que a vida é o bem maior e que merece total proteção, comete antinomia, pois no momento de aferir a punição, para o descumprimento da norma, valora a vida conforme o estágio de desenvolvimento que esta se encontra. O legislador se porta de forma desigual, conferindo à vida extra-uterina valor superior à intra-uterina. A norma legal demonstra que o direito à vida de um ser humano nascido é maior que o do por nascer. Entendimento este que não se justifica de acordo com a própria norma. A vida é um bem jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas impeditivas da prática de crueldades inúteis e degradantes. (GARCIA apud DINIZ, 2002, p. 23-24). Sendo assim, se todos são iguais e devem ser protegidos, não há distinção entre homens nascidos e os ainda não nascidos. 4. Resultado e Discussão O direito brasileiro tem a vida como fundamento do ordenamento jurídico, a considera como inviolável. Entretanto, no próprio texto constitucional, relativiza este direito, ao permitir pena de morte em caso de guerra, e ao valorar o direito à vida conforme o grau de desenvolvimento do indivíduo. Sendo assim, o direito é antinômico, pois prescreve pena mais branda para delito mais grave, já que neste caso a vítima é inocente e indefesa. 5. Considerações Finais Ocorre que, por ter o embrião direito à vida desde a concepção, a prática da retirada das células-tronco seria violação do direito à vida. A norma positivada apresenta a vida como o fundamento e alicerce jurídico. O texto constitucional considera que a pessoa seja o fundamento e fim da sociedade. Sem este preceito o Estado não poderá subsistir. Entretanto, o ordenamento jurídico valora o direito à vida conforme o grau de desenvolvimento. Há liberação na utilização das células-tronco embrionárias, ainda que estas sejam o resultado do sacrifício de um embrião. Mas, se o direito à vida é natural e inerente à natureza humana, o Estado não pode utilizar deste direito conforme seus próprios interesses, pois a vida é o fundamento de tudo. Assim a vida humana será protegida conforme o interesse do Estado. Mas quem é o Estado para violar o direito de viver de um ser? O Estado existe em função das pessoas, e não estas em função do Estado. Portanto a vida deve ser protegida a todo o custo, pois não há direito maior ou de maior relevância do que o direito de viver. Referências Bibliográficas BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara Maria Leal; BARRETTO, Vicente de Paulo. (Org.) Novos temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otávio. (Org.). Propriedade intelectual e desenvolvimento. Florianópolis: Boiteux, 2007. BERNARD, Jean. Da biologia a ética: bioética os novos poderes da ciência os novos deveres do homem. São Paulo: Psy. 1994. BOLZAN, Alejandro D. Reprodução assistida e dignidade humana. São Paulo: Paulinas, 1998. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direito fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. KIRCHNER, Luíz. Bioética: o que é? 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