Artigos e Estudos Comentados Ingestão de frutos e vegetais e risco de doença coronária. O Estudo EPIC. Resumo (tradução do abstract original) O aumento da ingestão de frutos e vegetais tem sido associada com um menor risco de doença das coronárias(DC) mas há alguma incerteza sobre a interpretação desta associação. O objectivo do presente estudo é avaliar a relação entre a ingestão de frutos e vegetais e o risco de mortalidade por DC no EPIC – Heart Study. Após um seguimento médio de 8,4 anos, registaram-se 1636 mortes por DC entre 313 074 homens e mulheres, sem enfarte do miocárdio ou AVC prévio, provenientes de oito países europeus. Os participantes que consumiram pelo menos oito porções (80 gr. cada) de frutos e vegetais, por dia, tiveram uma redução de 22% do risco de DC fatal (risco relativo-RR=0,78, intervalo de confiança de 95%(CI): 0,65-0,95) em comparação com os que consumiram menos de três porções por dia. Após calibração da ingestão de frutos e vegetais tendo em conta as diferenças entre dietas dos diferentes centros participantes, o aumento da ingestão de uma porção(80gr) de frutos e vegetais estava associado com uma redução de 4% do risco de DC fatal(RR=0,96, 95% CI:0,92-1,00, p para tendência =0,033). Os resultados deste grande estudo observacional sugerem que uma maior ingestão de frutos e vegetais está associada com uma redução do risco de mortalidade por DC. Se esta associação é causal e, nesse caso, qual o mecanismo biológico pelo qual os frutos e vegetais operam para reduzir o risco de DC permanece obscuro. Rafael Ferreira Professor Agregado da Faculdade de Medicina de Lisboa. Presidente Honorário da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, Fellow da Sociedade Europeia de Cardiologia Fruit and vegetable intake and mortality from ischaemic heart disease: results from the European Prospective Investigation into Câncer and Nutrition (EPIC) – Heart Study Comentário Francesca L. Crowe, A. W. Roddam, T J Key, et al, European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC) – Heart Study Collaborators. Europ H J (2011) 32:1235-43 O estudo em análise vem chamar a atenção para uma nova vertente da relação entre dieta e doença cardiovascular pouco valorizada até recentemente. Na verdade, durante décadas estudou-se de uma forma exaustiva as gorduras da dieta e ficou solidamente estabelecida a relação entre os componentes da dieta, a variação do colesterol e doença coronária(1). O advento das estatinas permitindo o controlo fácil e eficaz dos níveis de colesterol e seus esteres fez com que a atenção dos investigadores, nutricionistas e epidemiologistas, se tenha orientado para outros componentes da dieta. Nos últimos 10 anos trabalhos provenientes de vários estudos cooperativos, the Physician Health Study(2), the Women’s Health Study(3) e o National Health and Nutrition Examination(4), entre outros, colocaram a ingestão de frutos e vegetais na linha da frente da investigação da relação entre dieta e DC, pondo em evidência que os frutos e vegetais diminuem o risco de DC. Em conformidade a Organização Mundial de Saúde recomendou, em 2003, a ingestão de 400-500 gr/dia, o equivalente a cinco ou seis porções de 80 gr. As porções de 80 gr são um valor arbitrário definido pelo OMS tendo em conta os muitos e variados alimentos que integram a rubrica de produtos hortícolas e frutos. Foi esta a unidade assumida no presente trabalho tendo-se verificado, num seguimento superior a 8 anos, que os participantes que ingeriam em média oito porções por dia tiveram uma redução de 22% do risco de DC fatal, em comparação com os que 50 Recebido para publicação: Dezembro de 2011 Aceite para publicação: Dezembro de 2011 Revista Factores de Risco, Nº25 ABR-JUN 2012 Pág. 50-51 «... uma maior ingestão de frutos e vegetais está associada com uma redução do risco de mortalidade por Doença das Coronárias.» Referências ingeriram menos de três porções por dia. Mais concluíram que o aumento de uma porção/dia estava associada com uma redução do risco de 4%. Numa população que compreende 313 074 participantes, homens e mulheres, provenientes de oito países europeus, estes números são imensos! mesmo tendo em conta que apenas 18% desta população ingeriu as oito porções de 80gr(1). Pena é que o presente estudo não permita obter informação sobre a incidência de episódios não letais de DC, como enfarte do miocárdio, insuficiência coronária aguda ou crónica, o que nos daria informação mais diversificada e rigorosa sobre a prevenção da DC, nesta população. O presente trabalho, culminando uma série de investigações nesta área conduzidas ao longo dos últimos 10 anos, mostra que a insistência nos frutos e vegetais na dieta corrente é um problema de saúde publica, e como tal, a sua abordagem pode concorrer, a curto/médio prazo, para a redução da DC tal como se observou com a redução substancial do tabagismo e do sal na dieta. 1. Marmot M. Fruit and vegetable intake reduces risk of fatal coronary heart disease. Europ H J 2011;32:1182-83 2. Liu S, Lee IM, Ajani U, et al. Intake of vegetables rich in carotenoids and risk of coronary heart disease in men: The Physicians Health Study. Int J Epidemiol 2001;30:130-35 3. Liu S, Manson JE, Lee IM, et al. Fruit and vegetable intake and risk of cardiovascular disease : the womens Health Study. Am J Clin Nutr 2000;72:922-28. 4. Bazzano LA, He J, Ogden LG, et al. Fruit and vegetable intake and risk of cardiovascular disease in US adults : the first national health and nutrition examination survey epidemiologic follow-up study. Am J Clin Nutr 2002;76:93-99. Nota: As porções de 80gr de frutos e vegetais encontram-se estandardizadas para a dieta portuguesa graças a um estudo do departamento de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Esta informação foi-me facultada pelo Prof. Alejandro Santos, docente da referida faculdade. Os meus agradecimentos pela colaboração. Rafael Ferreira 51