Crise Tireotóxica: Relato de Caso e Revisão de Literatura

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Crise Tireotóxica: Relato de Caso e Revisão de Literatura
Jairo Maropo de Alencar, Carlos Henrique Câmara de Souza, Camilla Menezes Fonseca, Geyson Santos Florêncio,
Karen Batista Vogas e Vivian Ellinger
CRISE TIREOTÓXICA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE
LITERATURA
Jairo Maropo de Alencar
Acadêmico da Universidade Severino Sombra, Centro de Ciências da Saúde, Curso de
Medicina, [email protected]
Carlos Henrique Câmara de Souza
Acadêmico da Universidade Severino Sombra, Centro de Ciências da Saúde, Curso de
Medicina, [email protected]
Camilla Menezes Fonseca
Acadêmico da Universidade Severino Sombra, Centro de Ciências da Saúde, Curso de
Medicina, [email protected]
Geyson Santos Florêncio
Acadêmico da Universidade Severino Sombra, Centro de Ciências da Saúde, Curso de
Medicina
Karen Batista Vogas
Médica dos Serviços de Clínica Médica e Terapia Intensiva do Hospital
Universitário Sul Fluminense, [email protected]
Vivian Ellinger
Professora titular da Disciplina de Endocrinologia da Universidade Severino
Sombra
Resumo. A crise tireotóxica é uma manifestação clínica aguda decorrente de exacerbação da
atividade tireoideana em pacientes acometidos por hipertireoidismo. É uma desordem rara,
secundária à tireotoxicose, que acomete mais comumente adultos. O artigo faz um relato de
caso de uma paciente acometida por crise tireotóxica que só obteve o diagnóstico de
hiperfunção tireoidiana após o quadro de descompensação. Salientamos a necessidade de
medidas emergenciais, como o diagnóstico oportuno e a instituição precoce de drogas, que
sejam capazes de reduzir os níveis hormonais tireoidianos e compensá-la hemodinamicamente,
de tal forma que possamos evitar um desfecho trágico para o evento, além disso, essa descrição
visa reforçar os dados epidemiológicos locais quanto a essa situação clínica, uma vez que esse
é o 1º caso de crise tireotóxica relatado no Hospital Universitário Sul Fluminense.
Palavras-chave: Crise Tireotóxica; Hipertireoidismo; Tempestade Tireoideana.
Thyrotoxic Crisis: a Case Report and Literature Review
Abstract. Thyrotoxic crisis is a manifestation of acute exacerbation due to thyroid activity in
patients suffering from hyperthyroidism. It is a rare disorder secondary to thyrotoxicosis, which
most commonly affects adults. The article reviews the clinical picture of a patient affected by
thyrotoxic crisis that just got diagnosed with thyroid hyperfunction after the onset of
decompensation, we stress the need for emergency measures such as early institution of drugs
that are able to reduce levels hormonal thyroid and compensate her hemodynamically. So that
we can avoid a tragic outcome for the event, in addition, this description is intended to
strengthen the local epidemiological data regarding this clinical situation, since this is the 1st
case of crisis thyrotoxic reported University Hospital Sul Fluminense.
Keywords: Thyrotoxic Crisis; Hyperthyroidism, Thyroid Storm.
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1. Introdução
A crise tireotóxica é definida como um estado grave de hipertireoidismo associado a
descompensação de um ou mais órgãos (Akamizu et al., 2012).
Existe uma série de teorias que tentam explicar a fisiopatogenia da crise tireotóxica, no
entanto, ainda não existe uma definição exata que explique os mecanismos da doença. As
principais hipóteses que a tentam explicar baseiam-se no aumento súbito dos hormônios
tireoideanos que circulam pelo sangue e/ou pelo aumento da quantidade de receptores adrenérgicos
nas células alvo, o que explicaria os grandes fenômenos adrenérgicos presentes na doença (Maciel,
2003).
Inúmeros sinais e sintomas clínicos podem acompanhar um quadro de crise tireotóxica, a
maioria deles são causados pelos altos níveis de hormônios tireoideanos circulantes, a literatura cita
como os principais achados clínicos a hipertermia, a taquicardia com ritmo de fibrilação atrial,
sinais de disfunção do Sistema Nervoso Central (de agitação ao coma), hipertensão arterial
sistêmica e insuficiência cardíaca de alto débito (Burch e Wartofsky, 1993). Abaixo segue os
critérios diagnósticos (Tabela 1) de Crise Tireotóxica propostos por Burch e Wartofsky:
Tabela 1: Critérios diagnósticos de tempestade tireotóxica
Disfunção termoregulatória
Temperatura
Disfunção Cardiovascular
Taquicardia
37,0-37,7
Pts
5
10
15
20
25
30
37,8-38,1
38,2-38,5
38,6-38,8
38,9-39,2
> 39,3
Efeitos SNC
90-109
110-119
120-129
130-139
> 140
Pts
5
10
15
20
25
ICC
Ausente
Leve (agitação)
0
10
20
Ausente
Leve (edema MMII)
Moderado (delirium, psicose, letargia)
Grave (convulsão, coma)
0
5
10
Moderada (estertores em bases)
30
Grave (EAP)
15
Disfunção gastrointestinal / hepática
Ausente
Moderada (dor abdominal, diarréia, vômitos)
0
10
Fibrilação Atrial
Grave (icterícia)
Ausente
20
Presente
Fator Precipitante
Negativo
Positivo
0
10
0
10
Escore superior a 45 pontos indica tempestade tireotóxica
Escore entre 25 e 44 pontos indica que a crise é eminente
Escore menor do que 25 pontos indica que a crise é improvável
Fonte: Maciel, 2003
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O diagnóstico dessa patologia é baseado em achados clínicos sugestivos associados a valores
hormonais séricos compatíveis com hiperatividade tireoidiana. Além disso, alguns exames podem
ser solicitados principalmente para acompanharmos a evolução da paciente, como os mencionados
na Tabela 2 (Maciel, 2003).
Tabela 2: Exames solicitados na Crise Tireotóxica
TSH
Suprimido (TSH normal ou elevado, se a etiologia for excesso
de secreção de TSH por tumor hipofisário).
T3 e T4 (total ou livre)
Elevados.
Leucócitos
Leucocitose com desvio à esquerda, mesmo na ausência de
infecção.
Glicemia
Hiperglicemia leve a moderada, mesmo na ausência de
Diabetes Mellitus, provavelmente pelo aumento da
glicogenólise e da liberação de glucagon mediados por
catecolaminas.
Cortisol Sérico
Elevado na crise tireotóxica, como em qualquer outra situação
estressante, porém, se o resultado for normal, deverá ser
interpretado como inapropriadamente baixo, compatível com
insuficiência adrenal ou por incapacidade da glândula adrenal
em atender à demanda decorrente do acelerado turnover dos
glicocorticoides.
Eletrocardiograma
Taquicardia, Fibrilação atrial.
Raio-X de Tórax
Poderá evidenciar aumento da área cardíaca e congestão
pulmonar devido a ICC ou velamentos associados à infecção
pulmonar.
Avaliação hepática
Pode haver hiperbilirrubinemia (casos mais graves), além de
aumento das transaminases, FA e GGT.
Fonte: Maciel, 2003
Quanto mais precoce a instituição da terapêutica nos pacientes com Crise Tireotóxica
melhor é o prognóstico. As bases do tratamento da crise baseiam-se na correção do hipertireoidismo
com a utilização da droga de escolha que é o Propiltiouracil (fármaco que age inibindo a síntese de
hormônios tireoidianos através do bloqueio da incorporação do iodo na tireoglobulina, além de
inibir a conversão periférica de T4 em T3) e não menos importante é a utilização de
betabloqueadores (Propranolol). O objetivo desta droga é controlar os sintomas adrenérgicos típicos
da crise tireotóxica e, principalmente, reduzir as taxas de frequência cardíaca de modo a melhorar o
desempenho cardiovascular (Fadel et al., 2000). Alguns autores recomendam também o uso de
soluções iodadas (lugol) e Glicocorticoides a fim de reduzirem a conversão periférica de T4 em T3
(Migneco et al., 2005). Deve-se reforçar o tratamento de suporte nesses pacientes. Cada paciente
deve ter sua prescrição individualizada de acordo com suas necessidades, isso porque uns
necessitam de mais ou menos hidratação venosa, a correção da hiperpirexia deve ser feita com
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Acetaminofeno, preferencialmente, e, nos casos de insuficiência cardíaca, pode ser necessário o uso
de digitálicos (Chiovato, Barbesino e Pinchera, 2001).
2. Objetivo
Descrever um caso de crise tireotóxica em uma paciente atendida no Hospital Universitário SulFluminense (HUSF) e relacionar com os dados disponibilizados na literatura.
3. Metodologia
Participou do presente estudo uma paciente internada no Hospital Universitário Sul Fluminense
(RJ), com diagnóstico de Crise Tireotóxica. A paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido autorizando a publicação científica de seu caso.
4. Relato de Caso
Identificação:
K.P.O, sexo feminino, parda, 32 anos, casada, professora, católica, natural e residente em
Paracambi-RJ.
Queixa Principal:
“Corpo todo inchado”.
História da Doença Atual:
Paciente chegou até a Emergência de Clínica Médica do Hospital Universitário Sul Fluminense
relatando quadro de surgimento de anasarca há aproximadamente 15 dias, sendo que o quadro vem
acompanhado de palpitações, dispnéia em repouso e forte quadro de ansiedade. A mesma refere
ainda quadro de hipooligomenorréia há cerca de 12 anos e diarréia sem sinais inflamatórios há
aproximadamente 02 anos. Concomitante ao quadro diarreico relata perda ponderal importante
apesar de grande ingesta calórica, confirma sudorese, pele quente e segundo familiares a paciente se
mostra com extrema labilidade emocional nos últimos meses. Diante das alterações, a família da
paciente procurou um médico em sua cidade, que solicitou ultrassonografia de abdome, o laudo do
exame de imagem sugeriu o diagnóstico de líquido livre na cavidade abdominal. Sendo assim, foi
encaminhada para um segundo médico para investigação, o qual solicitou exames de função
tireoideana que vieram com os seguintes resultados: T3: 5,7 ng/dl (VR: 70-200 ng/dl); T4 livre: 216
ng/dl (VR: 0,7-1,5 ng/dl); TSH: 0,03 mUI/L (VR: 0,45-4,5 mUI/L). Com resultados em mãos o
médico lhe orientou a procurar nossa emergência. Paciente foi internada no HUSF com quadro
clínico de crise tireotóxica, foi encaminhada para o serviço de UTI onde permaneceu de 06/09/12 a
08/09/12, e depois foi encaminhada para enfermaria onde permaneceu até o dia 06/10/2012, data em
que foi liberada a alta hospitalar com orientações para acompanhamento ambulatorial.
História Patológica Pregressa:
Nega Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial Sistêmica, Doenças infecciosas, transfusões
sanguíneas, traumas e alergias medicamentosas. Confirma doenças comuns da infância (Cartão de
vacinação em dia com as vacinações preconizadas pelo ministério da saúde), e parto operatório via
cesariana há 12 anos. Nega tireoideopatias na família, assim como doenças autoimunes.
Durante a anamnese concluímos que nenhum dos dados presentes na História Familiar, Fisiológica
e Social são relevantes para o quadro clínico da paciente.
Exame Físico na Internação:
Ectoscopia: Paciente lúcida e orientada no tempo e espaço, algo agitada, fácies hipertireoidea,
exoftalmia bilateral, anictérica, acianótica, hipocorada (+/++++), desidratada (++/++++) e
taquidispnéica.
Sinais Vitais: PA 150 X 90 mmHg; FC 151 bpm; FR 25 irpm; temperatura axilar de 38 °C.
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Tireóide: Consistência elástica, superfície irregular, presença de frêmito, aumentada de tamanho
difusamente com predomínio do aumento em lobo esquerdo.
Aparelho Respiratório: Murmúrios Vesiculares Universalmente Audíveis sem ruídos adventícios.
Aparelho Cardiovascular: Ritmo Cardíaco Irregular em 2 tempos, Bulhas normofonéticas, Sopro
sistólico pancardíaco, ausência de extrassístoles. Pulsos periféricos simétricos e irregulares.
Abdômen: Ascítico; Ruídos hidroaéreos aumentados; maciço à percussão; Traube ocupado; indolor
à palpação superficial e profunda, não foram palpadas massas e/ou visceromegalias.
Membros: Pulsos periféricos presentes, simétricos e irregulares; panturrilhas livres e presença de
edema periférico ++++/++++ (Figura 1).
Figura 1 - Sinal do Cacifo em Membro Inferior demonstrando franco edema.
Restante do exame físico sem alterações.
Na emergência do Hospital Universitário Sul Fluminense foi solicitado Eletrocardiograma que
demonstrou traçados clássicos de Fibrilação Atrial (Figura 2).
Figura 2 - Intervalo de traçado eletrocardiográfico em derivação DII demonstrando ausência de onda P e
intervalo RR irregular, achados típicos de Fibrilação Atrial
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5. Evolução
Em relação à nossa doente o quadro clínico foi marcado por uma importante instabilidade
cardiovascular desde o início da internação. Logo após a abordagem inicial a paciente foi
encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva do HUSF onde permaneceu por dois dias até ser
transferida para nossa enfermaria, onde foi acompanhada durante 29 dias até receber alta hospitalar
e seguir para acompanhamento ambulatorial.
6. Discussão do Caso
A importante instabilidade cardiovascular presente no hipertireoidismo se justifica pela grande
influência que os hormônios tireoidianos apresentam sobre o sistema cardiovascular. Sendo assim,
ao recebermos uma paciente com quadro de instabilidade clínica e hemodinâmica, sem diagnóstico
prévio de tireoideopatia, imediatamente após a admissão no serviço de emergência a paciente
recebeu cuidados de suporte avançado de vida. Foi realizada cardioversão para reversão de
fibrilação atrial, iniciado dose de ataque de 1200 mg de Propiltiouracil. Hidrocortisona foi prescrita
com intuito de reduzir a conversão periférica de T4 em T3, Propranolol foi iniciado para reduzir a
frequência cardíaca e melhorar o quadro hemodinâmico da paciente. Além disto, foi iniciada
terapêutica com bloqueio triplo do néfron com Furosemida, Hidroclorotiazida e Espironolactona
pelas grandes dimensões da anasarca que a paciente apresentava. Durante a permanência na
enfermaria a paciente desenvolveu quadro importante de hipocalemia (1,7 mEq/L) sendo necessária
a reposição oral e venosa de Cloreto de Potássio. O controle hemodinâmico sem dúvida foi nosso
maior desafio, uma vez que pela hipervolemia refratária a paciente culminava com quadros
hipertensivos que foram controlados com uso de Enalapril associados aos diuréticos citados acima.
Esses distúrbios cardiovasculares são reconhecidos em outros relatos (Gomes et al 2009). As crises
tireotóxicas são habitualmente deflagradas por um fator precipitante. Nesse caso especificamente
supomos que o precipitador da crise possa ter sido uma infecção baixa do trato urinário que a
paciente apresentava no momento da internação. Fato é que, geralmente, esses deflagradores
costumam ser processos infecciosos, a maioria dos trabalhos citam o choque séptico como uma das
principais causas de óbito nesses pacientes. Os corticórticóides e o propiltiouracil podem induzir
uma imunossupressão importante. Este eventual estado de imunossupressão pode explicar a
agressividade das infecções e a respectiva reação inflamatória sistêmica que em certos casos
apresentam um desfecho trágico (Nayak e Burman, 2006).
A diarreia, um achado clássico do hipertireoidismo normalmente costuma apresentar-se por
um intervalo de tempo menor que o relatado pela paciente. Não localizamos relatos na revisão
bibliográfica de diarreia que se aproximasse de 02 anos, tempo esse descrito em nosso relato.
Essa descrição reforça os dados da epidemiologia local e, principalmente, deve servir para
salientar a importância do diagnóstico precoce do hipertireoidismo e assim reduzir a possibilidade
de descompensação desses pacientes, o que poderia acarretar em quadros graves como o de crise
tireotóxica. Reforçamos que esse é o 1º relato de crise tireotóxica realizado no Hospital
Universitário Sul Fluminense (serviço hospitalar referência para uma grande região do interior do
estado do Rio de Janeiro).
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Referências
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