Relato de Caso - Crise Tireotóxica Associada a Úlcera Péptica

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Hospital Heliópolis
Relato de Caso - Crise Tireotóxica Associada a
Úlcera Péptica
Araujo, CS1; Copana-Olmos, ZP*1; Mamone, MCOC ¹; Rodrigues, PRR1; Santana LO 2
Serviço de Clínica Médica, Hospital Heliópolis. São Paulo SP, Brasil.
Serviço de endocrinologia, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto SP, Brasil.
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Introdução
Crise Tireotóxica (CT) é uma complicação rara associada ao hipertireoidismo. Esta constitui uma emergência relacionada à exacerbação
aguda do estado hipertireóideo em pacientes inadequadamente
tratados, que cessaram medicamentos ou submeteram-se à cirurgia.
Apesar da prevalência de apenas 1% dos indivíduos hospitalizados
com hipertireoidismo, é potencialmente fatal se não diagnosticada
rapidamente, atingindo mortalidade de 16 a 30%¹. Distinguir o quadro clínico da CT e suas complicações muitas vezes é um desafio. A
úlcera péptica perfurada é uma complicação rara. Uma vez reconhecida, o tratamento imediato deverá ser realizado.
Descrição do caso
MLPC, 59 anos, feminino,antecedente pessoal de hipertireoidismo
há 8 anos, em tratamento irregular há 1 ano com metimazol 60mg/
dia,que foi interrompido há 1 semana e tabagismo (24 maços-ano).
Procurou Emergência por aumento de volume abdominal há 1 mês,
associado a diarréia, náuseas e edema de MMII, pior há 20 dias. Referia ansiedade, labilidade emocional, dispnéia aos médios esforços,
ortopnéia e DPN há 3 meses.Exame de admissão:afebril, PA 110/74
mmHg, FC 148 bpm,FR 36 ipm. Presença de exoftalmia. À ausculta,
creptos bibasais e ritmo cardíaco irregular. Turgência jugular patológica. Abdome semi-globoso, RHA normoativos, flácido, doloroso à
palpação profunda difusamente, sem sinais de peritonite, fígado palpável 6cm. Edema de MMII 2+/4+.Exames complementares: Hb 10,8
iniciado tratamento com solução saturada de iodo (iodeto de potássio 100mg/5ml, 10ml, 6/6h, 2h após metimazol), metimazol 20mg
4/4h, propanolol 40mg 6/6h e hidrocortisona 300mg bolus e 100mg
8/8h. Após 48 horas, paciente evoluiu com dor abdominal difusa, apresentando ao exame físico abdômen hipertimpânico, doloroso à palpação difusamente, com sinal de descompressão brusca. Realizado
USG à beira do leito, que evidenciou líquido na cavidade abdominal.
RX de abdômen em decúbito lateral e TC de abdômen sem contraste
com imagem sugestiva de pneumoperitôneo e líquido livre na cavidade. Realizou laparotomia exploratória, com ráfia de úlcera gástrica pré-pilórica perfurada, drenagem peritoneal e biópsia de lesão.
Após 60 dias de início do quadro, novos exames evidenciaram: T3
33,7 ng/dl (VR: 87 a 178), T4L 0,64 ng/dl (VR: 0,54 a 1,6), TSH 0,03 uIU/
ml (VR:0,34 a 5,6), dosagem sérica de TRAB 17,40IU/L (VR: positivo se
>1,5). Evoluiu com sepse grave de foco abdominal, indo a óbito após
82 dias da admissão.
Discussão
A CT é uma situação grave, que pode estar associada a úlceras induzidas por estresse. Corticóides e agentes iodados, essenciais no tratamento, também são potenciais causadores de lesões de mucosas.
Logo, a crise tireotóxica por si e seu manejo terapêutico aumentariam
o risco de injúria à mucosa e consequente quadro de abdômen agudo ².
Apesar disso, úlcera péptica em pacientes com CT é extremamente rara. Em 1934, Crile relatou a incidência de úlcera péptica em 48
casos de 9.618 examinados com hipertireoidismo, correspondendo
a aproximadamente 0,5%³. Acredita-se que tal fato seja atribuído à
diferença da atividade autonômica associada a essas patologias, com
atividade parassimpática dominante na úlcera péptica versus atividade simpática dominante no hipertireoidismo 4 .
Na literatura, segundo publicação de março de 2015 por Cheng et
al.³, há registro de apenas três casos de CT complicada com perfuração de úlcera péptica, sendo optado por terapia contra tireotoxicose
e rafia da úlcera em todos.
Em conclusão, distinguir sintomas da CT de comorbidades associadas muitas vezes é um desafio. Devido à alta mortalidade, o reconhecimento de um abdome agudo em pacientes com CT é fundamental para tratamento imediato. Logo, é preciso estar atento quanto
às potenciais causas cirúrgicas de descompensação clínica, realizando
julgamentos cuidadosos e cercando-se de medidas laboratoriais e radiológicas que possam auxiliar na decisão terapêutica.
Bibliografia
Figura 1. A RX de abdômen em decúbito lateral evidenciando pneumoperitôneo. B e C: Cortes tomográficos axial evidenciando líquido
livre perihepático e periesplênico, pneumoperitônio, estômago com
‘contraste’ em seu interior.
mg/dL, FA 554 U/L, GGT 139 U/L, BT 2,8 mg/dL, BD 0,9 mg/dL, TSH
0,07 µUI/mL e T4 livre 2,42 ng/dL. Demais exames dentro dos valores
da normalidade. ECG com fibrilação atrial. USG de abdômen:fígado
aumentado, vesícula biliar sem alterações, moderada ascite. Com
base em achados clínicos e Critérios de Burch and Watofsy, considerou-se diagnóstico de CT, pois paciente obteve pontuação 75, sendo
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vol 5, article 102, 2010.
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Endocrinologists. Thyroid. Vol 21, number 6, 2011.
*Email: [email protected]
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