documento associado - Ordem dos Farmacêuticos

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Ficha técnica
do
CIM
c e n t r o d e
i n f o r m a ç ã o
d o m e d i c a m e n t o
O fraccionamento de formas farmacêuticas sólidas (FFS) é utili-
convencionais, dificilmente se justifica o seu fraccionamento. Sen-
zado:1,2
do este necessário, por manifesta ausência de alternativas (como
Na administração de doses mais baixas que as comercializadas e
na titulação do regime posológico, geralmente pela divisão de comprimidos pelo doente ou profissional de saúde;
Em casos de dificuldade de deglutição ou administração por sonda
entérica, através da trituração de comprimidos ou abertura de cápsulas, geralmente por um profissional de saúde ou cuidador.
formas farmacêuticas líquidas ou medicamentos de libertação não
modificada), é aconselhável a consulta do RCM da especialidade
farmacêutica e/ou o produtor, para averiguar o efeito que este procedimento tem na farmacocinética e farmacodinâmica.
As formas farmacêuticas de libertação sublingual pretendem evitar
o efeito de primeira passagem e/ou conseguir uma absorção rápida
pela mucosa sublingual.12 É importante ter em conta que a trituração
A divisão de comprimidos é ainda utilizada por alguns prescritores,
e subsequente administração por via entérica pode reduzir a biodis-
normalmente em terapêuticas crónicas, para reduzir custos.1 No en-
ponibilidade do fármaco,12 comprometendo a sua eficácia.5,8
tanto, mesmo em países como Portugal, em que o preço unitário das
Deve-se evitar fraccionar fármacos com sabor desagradável,2,5,13
especialidades farmacêuticas é diferente consoante a dose, o alcance
como a ciprofloxacina e o ibuprofeno, bem como aqueles que podem
desta estratégia em termos de poupança gerada é questionável.
corar os dentes, como o ferro. Está igualmente desaconselhado o
Apesar de por vezes necessário por razões clínicas, o fraccionamento
fraccionamento de medicamentos irritantes para a mucosa da boca
de FFS pode comprometer a efectividade e segurança do medica-
ou esófago, como os que contêm isotretinoína e ácido valpróico,5
mento, particularmente em fármacos com margem terapêutica es-
bem como aqueles cuja substância activa é lábil à luz ou à humida-
treita. Contudo, a experiência profissional dos autores e a literatura3
de (ex: vitaminas A, B e C).2 Esta última situação é especialmente
sugerem que a decisão de fraccionar estas formas farmacêuticas é
relevante quando a administração dos medicamentos fraccionados
por vezes tomada de ânimo leve, sem considerar aspectos como as
não é imediata.
características do fármaco e dos sistemas farmacêuticos.
Finalmente, não é recomendável fraccionar medicamentos com po-
Quando se pretende fraccionar uma FFS impõe-se, antes de mais,
tencial carcinogénico e teratogénico, não tanto pela modificação
analisar se este procedimento é recomendável. Em caso afirmativo,
das suas características farmacocinéticas, mas sim pelo risco que
devem então ser ponderados outros factores, como a possibilidade
surge da sua manipulação, por aerossolização do fármaco.5,7,8
FICHA TÉCNICA N.º 88 / 2009
O fraccionamento de formas farmacêuticas
sólidas na prática clínica
de alteração das características farmacotécnicas do medicamento
e a aceitabilidade para o doente.
Que problemas estão associados
à divisão de comprimidos?
Podem-se fraccionar todas as formas
farmacêuticas sólidas?
Ao dividir comprimidos, a exactidão da dose fica comprometida,1
Devido às características de alguns fármacos e sistemas farmacêuti-
tes da divisão, em particular quando os comprimidos são partidos
cos, o fraccionamento pode não ser possível ou recomendável.
em quartos.14 Este aspecto é influenciado por uma variedade de
Uma situação particularmente relevante diz respeito a formulações
factores, incluindo o tamanho, forma e características dos compri-
uma vez que existe diferença de massas entre os produtos resultan-
de libertação modificada (FLM). Estas são utilizadas para evitar
midos, a técnica de divisão e a prática do operador.1 A divisão de
flutuações na concentração plasmática do fármaco (obviando efeitos
comprimidos não ranhurados é desaconselhada, por se tornar difícil
secundários dose-dependentes e melhorando a efectividade), para
e poder resultar em consideráveis variações da dose.12
reduzir a frequência da administração (com o intuito de promover
As diferenças de massa entre os produtos da divisão e consequentes
a adesão à terapêutica) e/ou para controlar o local de libertação do
variações da dose de fármaco podem implicar que as concentrações
fármaco no tracto gastrointestinal (como no caso de substâncias
plasmáticas atingidas não permaneçam na janela terapêutica, es-
activas que se degradam no meio ácido do estômago ou irritantes
pecialmente quando esta é estreita (ex: digoxina). Estudos em do-
para a mucosa gástrica).4-8 Dividir ou triturar FLM pode resultar na
entes que receberam a mesma dose nominal de atorvastatina, sin-
libertação imediata da dose, com risco de aparecimento de aconte-
vastatina e lisinopril1 em comprimidos inteiros versus comprimidos
cimentos adversos ou toxicidade.4,5,9,10 Esta sobredosagem, conhe-
divididos ao meio não encontraram diferenças clínicas. No entanto,
cida como “dose-dumping”, é particularmente perigosa em doen-
a evidência disponível sobre o impacto clínico de variações da dose
tes naive.11 O fraccionamento de FLM pode ainda levar a perda de
resultantes do fraccionamento é escassa, particularmente no caso
eficácia e compromete os pressupostos que justificam o uso destas
de fármacos com margem terapêutica estreita. Assim, é prudente
formulações. Assim, sendo também mais caras que as formulações
evitar a divisão de comprimidos nestas circunstâncias.
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A dureza e a friabilidade de comprimidos diminui e aumenta, res-
preferível que a administração seja feita por dissolução da cápsula
pectivamente, com o processo de divisão.14 Tais factores são impor-
inteira em água.8,12 A trituração de medicamentos contendo fárma-
tantes, pois é sabido que podem afectar a estabilidade e, eventual-
cos carcinogénicos ou teratogénicos deve ser levada a cabo dentro
mente, a biodisponibilidade, especialmente quando os comprimidos
de uma bolsa plástica unitária, com cuidado para a mesma não se
são divididos pelo farmacêutico ou por outro profissional de saúde
romper.7 Finalmente, importa realçar que algumas FFS podem ser
para utilização não imediata.
divididas mas não trituradas, enquanto outras podem ser trituradas
Uma outra questão é a aceitabilidade deste procedimento para
mas não devem ser administradas por sonda entérica, por aderirem
os doentes. A evidência disponível sugere que os doentes preferem
à mesma.2 A sonda entérica deve ser lavada com cerca de 10 ml de
não ter de o executar quando existem comprimidos com uma dosa-
água depois da administração de um medicamento, especialmente
gem equivalente, embora possam estar disponíveis para fazê-lo se
se triturado, para evitar entupimento e interacções com a nutrição
tal resultar em poupança.1 Mesmo a divisão de comprimidos ranhu-
entérica e com outros medicamentos.2,7,10 Também com o propósito
rados não é tão simples como pode parecer à primeira vista. Numa
de evitar interacções, recomenda-se que a administração de vários
amostra de 140 doentes que necessitavam de dividir comprimidos
medicamentos seja feita em separado, lavando a sonda com água
ranhurados, cerca de um terço (36%) reportou problemas, como di-
entre cada um deles.7,10
ficuldade em partir os comprimidos e perdas de massa dos produtos
Aos leitores com interesse neste tópico, sugere-se a consulta do
da divisão.15 É importante levar este último aspecto em considera-
“Handbook of drug administration via enteral feeding tubes”.16
ção quando a divisão de comprimidos é determinada por aspectos
económicos, uma vez que o desperdício pode comprometer a po-
Em conclusão, o fraccionamento de FFS pode ter impacto clínico,
tencial poupança gerada. Há ainda a acrescentar que doentes com
em termos de efectividade e segurança do medicamento. Assim,
deficiências visuais, falta de destreza e/ou função cognitiva diminu-
este procedimento deve assumir-se como último recurso, quando
ída possivelmente sentirão dificuldades acrescidas em realizar este
não existem alternativas disponíveis, e deve ser decidido caso a
procedimento. Em resumo, quando é o doente a gerir a terapêutica
caso, com base nas propriedades galénicas do sistema farmacêuti-
medicamentosa, importa averiguar qual é a aceitabilidade do frac-
co, nas características do fármaco e da sua margem terapêutica. O
cionamento de FFS, de forma a acomodar preferências individuais
farmacêutico pode ajudar a reduzir os riscos inerentes a esta prá-
e antecipar possíveis dificuldades.
tica, através, por exemplo, da avaliação da adequação do fraccio-
E no que toca à administração de formas
farmacêuticas sólidas por sonda entérica…
Em doentes que requerem a administração de medicamentos por
via entérica, as formas farmacêuticas líquidas orais são as mais adequadas.2,7,8 Se estas não se encontrarem disponíveis no mercado,
namento e da identificação de possíveis alternativas.
João Filipe Martinho,
Farmacêutico
Mara Pereira Guerreiro,
Farmacêutica doutorada em Ciências Farmacêuticas
(Drug usage & Pharmacy practice)
deve consultar-se o farmacêutico sobre a possibilidade de preparar
soluções extemporâneas. Há ainda a possibilidade de utilizar comprimidos efervescentes ou saquetas (em ambos os casos dissolvidos
em água aquando da administração) ou injectáveis que possam ser
administrados por via oral.2 Pode também optar-se por uma via de
administração alternativa (ex: supositórios).2,8 Finalmente, quando
exequível, pode substituir-se o fármaco por outro com a mesma indicação, que esteja disponível em forma farmacêutica líquida.2,8,13
Só se devem administrar comprimidos triturados quando não exista
alternativa disponível, e após verificação de que tal procedimento
é adequado; o mesmo se aplica a abrir cápsulas duras e dispersar
o seu conteúdo. Comprimidos revestidos para mascarar o sabor ou
odor desagradáveis do fármaco podem ser triturados para administração por sonda entérica, uma vez que se torna desnecessário
mascarar estas características.7,8 Comprimidos revestidos com o
intuito de proteger a substância activa do meio ácido do estômago
ou proteger a mucosa gástrica da acção irritante daquela também
podem ser triturados se a extremidade distal da sonda se localizar
no intestino.8 No caso de comprimidos sublinguais ou orodispersíveis
é possível proceder à sua administração sem fraccionamento sob e
sobre a língua, respectivamente, em muitos doentes alimentados por
sonda entérica; são excepções óbvias casos de lesões da cavidade
oral e xerostomia marcada.8 Os comprimidos orodispersíveis apresentam-se sob a forma de liofilizado,12 pelo que também podem ser
dissolvidos em água para administração por sonda.11,12
As cápsulas duras podem ser abertas e o pó administrado como se de
um comprimido triturado se tratasse.11 Os microgrânulos podem ser
dispersos em água, mas existe o risco de entupimento de sondas de
menor diâmetro.11,12 As cápsulas moles podem ser administradas por
punção e subsequente esvaziamento do conteúdo directamente para
a sonda.8,12 No caso de as variações da dose poderem ser críticas, é
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