Revisão/Atualização em Transplante Renal: Moléculas de adesão

Propaganda
98
J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104
F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal
Revisão/Atualização em Transplante Renal: Moléculas de
adesão na isquemia e no transplante de órgãos
Frederico Castelo Branco Cavalcanti
Unidade de Transplante Renal, Divisão de Clínica Urológica, Hospital das
Clínicas, FMUSP
Endereço para correspondência: Frederico Castelo Branco Cavalcanti
Av. Dr. Enéas Carvalho Aguiar 255, 7º andar, sala 706F,
CEP: 05403-900 - São Paulo, SP
Tel.: (011) 852-9006 Fax: (011) 3064-7013
Introdução
As moléculas de adesão do sistema imunológico
são receptores de superfície celular que vêm sendo
descritos e estudados nos últimos anos e que
apresentam ações importantes nos mecanismos de
interação celular em transplante de órgãos. Estas
moléculas podem facilitar vários processos de adesão
entre células, leucócitos, sítios de inflamação e
aloantígenos e funcionar como co-estimuladores da
ativação celular. 1,2 Em transplante renal, várias
evidências experimentais e clínicas sugerem que as
moléculas de adesão estão envolvidas nos
mecanismos de injúria isquêmica 3 e de rejeição
aguda. 4 A regulação de sua expressão e de sua
capacidade de adesão é mediada por citocinas,
fatores quimiotáticos e outros mediadores. São três os
sub-grupos de moléculas de adesão do sistema
imune: a) selectinas; b) integrinas; c) superfamília das
imunoglobulinas.
As selectinas 4,5 são encontradas em leucócitos,
plaquetas e células endoteliais. Elas são proteínas de
cadeia única que apresentam em comum uma
estrutura em mosaico constituída de um domínio Nterminal que liga-se a carboidrato, um domínio
semelhante ao Epidemal Growth Factor (E.G.F.), um
número variável de domínios homólogos, os short
consensus repeats (S.C.R.), um domínio transmembrana e um domínio C-terminal intra-citoplasmático. São selectinas: a) E-selectina (E.L.A.M.-1);
b) P-selectina (GMP-140 ou CD62); c) L-selectina
(L.E.C.A.M.-1, L.A.M.-1). A L-selectina está expressa
em todos os leucócitos, exceto nos linfócitos de
memória ativados. Esta selectina contribui para a
migração de linfócitos e neutrófilos até sítios
inflamatórios. A P-selectina expressa-se em células
endoteliais e plaquetas, e é a selectina responsável na
célula endotelial pela fase mais precoce do recrutamento celular no processo inflamatório. A E-selectina é responsável pela adesão de neutrófilos, monócitos e células T a sítios inflamatórios.
As integrinas são compostas por duas cadeias
polipeptídicas ligadas não-covalentemente, a e b. Até
o momento são conhecidas oito diferentes cadeias b,
mas são três os grupos bem caracterizados,
conhecidos como b1, b2 e b3 integrinas. As duas
cadeias consistem de segmentos extracelular, transmembrana e citoplasmático. Os segmentos extracelulares ligam-se a proteínas da matriz extracelular,
a fragmentos ativos do SC e a outras proteínas de
superfície celular, inclusive moléculas de adesão da
classe da superfamília das imunoglobulinas. As b1
integrinas, também conhecidas como very late
antigen proteins (V.L.A.), estão presentes em células
circulantes e em tecidos. São classificadas de acordo
com a cadeia a em V.L.A. de 1 a 6 (CD49a/CD29 a
CD49f/CD29) e são responsáveis pelo direcionamento
da migração celular através dos tecidos. A interação
VLA-4/VCAM-1 é importante na ligação de leucócitos
ao endotélio no processo inflamatório. As b2
integrinas, conhecidas como integrinas leucocitárias,
localizam-se em células circulantes. São elas: a) aLb2
(Leukocyte Function Associated Antigen 1-L.F.A.-1;
CD11a/CD18); b) aMb2 (Complement Receptor 3; CR3;
Mac-1; CD11b/CD18); c) aNb2 (Complement Receptor
4; CR4; p150,95; CD11c/CD18). O LFA1 é importante
na ligação e ativação linfocitária através da interação
com o seu principal ligante, o Intercellular adhesion
molecule-1 (I.C.A.M.-1), da superfamília das
imunoglobulinas, induzindo a ligação leucócitoendotélio e contribuindo para a agressão endotelial
A publicação desta seção foi possível graças à colaboração da
Novartis Biociências S.A.
J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104
99
F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal
mediada por neutrófilos. Tal ativação pode ocorrer
por ação de citocinas ou pela ligação do leucócito a
selectinas endoteliais. A ligação LFA-1/ICAM-1 adere
o leucócito à célula endotelial ou a outros receptores
facilitadores de sua migração ao sítio inflamatório. O
CR3 e o CR4 são receptores do SC, do fragmento
C3bi, sendo esta interação importante nos
mecanismos de fagocitose. Além disto, o CR3 ou
Mac-1 é responsável pelo recrutamento de células
mielóides para o sítio inflamatório.
A superfamília das imunoglobulinas compreende
uma variedade de proteínas de cadeia única com
múltiplos domínios de características semelhantes às
das imunoglobulinas e atuam como ligantes de outras
moléculas de adesão. São membros desta classe: o
receptor de célula T (T cell receptor-TCR), CD3, CD4,
CD8, antígenos MHC classe I e classe II, LFA-2 (CD2),
LFA-3 (CD58), ICAM-1 (CD54), ICAM-2 (CD56b),
ICAM-3 (CD56c), VCAM-1 (CD108), PECAM-1 (CD31).
Quatro destes membros funcionam como ligantes
para leucócitos nas células endoteliais: ICAM-1,
ICAM-2, VCAM-1 e PECAM-1.
As moléculas de adesão atuam em conjunto
facilitando a migração de células circulantes a sítios
inflamatórios. Inicialmente, a lesão tecidual leva à
liberação de mediadores inflamatórios (componentes
ativados do SC, citocinas) que induzem a expressão
das mesmas em células endoteliais. As selectinas
ativadas por estes mediadores induzem a ligação
inicial de leucócitos ao endotélio, permitindo o
mecanismo de rolamento celular (cell rolling) sobre
células endoteliais. Em conseqüência da ligação a
selectinas, ocorre uma mudança conformacional das
b2 integrinas para um estado de alta afinidade,
passando-se de uma fase selectina-dependente para
outra integrina-dependente, o que induz a interação
destes receptores celulares aos ligantes endoteliais da
superfamília das imunoglobulinas.
A ativação do linfócito T é um mecanismo
dependente de adesão celular. O TCR, membro da
superfamília das imunoglobulinas, reconhece como
antígenos fragmentos peptídicos ligados às moleculas
MHC. Sua ativação ocorre através da ligação
específica de seus receptores a complexos peptídeomolécula MHC na superfície de células apresentadoras de antígeno, como macrófagos. As
moléculas CD4 e CD8, também da superfamília das
imunoglobulinas, funcionam como co-receptores para
as moléculas MHC classe I e classe II, respectivamente, também participando do processo de
ativação e levando à diferenciação de dois tipos
funcionais de células T, as células helper CD4+ e as
células citotóxicas CD8+. Outras moléculas atuam
como co-estimulatórias neste processo. Em superfície
de leucócitos foram descritas os leukocyte-function
associated antigens (LFA) 1, 2 e 3. O LFA-1, descrito
acima, faz parte do grupo das b2-integrinas e seus
contra-receptores na célula-alvo ou na célula
apresentadora de antígeno são o ICAM-1 e o ICAM2, ambos da superfamília das imunoglobulinas. O
LFA-2 é o CD2, expresso em linfócitos e seu contrareceptor é o LFA-3 (CD58), sendo ambos da
superfamília das imunoglobulinas. Os pares de
moléculas de adesão ligantes LFA-1/ICAM-1 e LFA2(CD2)/LFA-3 atuam assim em cooperação com o
complexo TCR/MHC nas interações do linfócito T.
Ensaios in vitro 6 demonstraram que anticorpos
monoclonais anti-LFA-1 inibem a ativação de células
T em resposta à ligação TCR-antígeno, mesmo na
ausência de interação LFA-1/ICAM-1. Estes resultados
sugerem que o LFA-1 pode não ser importante apenas
para a adesão, mas também para uma maior interação
com a célula apresentadora do antígeno, talvez
funcionando como uma molécula sinalizadora com
importantes inter-relações com o TCR. Dentro desta
visão, Fan et al. 7 demonstraram o envolvimento do
LFA-1 na ativação de células T, levando ao aumento
específico da síntese de citocinas TNF-a e IL-2.
Assim, em situações em que a célula endotelial
funciona como célula apresentadora de antígeno,
como no transplante, a interação célula T/célula
endotelial pode transduzir sinais que levam ao
aumento da síntese de citocinas.
Em várias situações patológicas, o envolvimento
de múltiplos mediadores e tipos celulares
inflamatórios resulta na expressão e função destas
moléculas, que promovem a adesão endotélioleucócito. Quando o processo inflamatório levar a
uma lesão tecidual importante ou mesmo a um
excessivo processo de fibrose, a interrupção para
inibir a sua progressão poderia ser benéfica do
ponto de vista terapêutico. Dentro da área de
transplante, os processos relacionados à injuria
isquêmica e às rejeições do enxerto poderiam ser
citados.
Isquemia
Embora os mecanismos precisos da lesão de
isquemia/reperfusão ainda sejam objeto de
controvérsia, vários estudos 3,8,9 evidenciaram que a
reperfusão pós-isquêmica ativa várias cascatas
inflamatórias que se interrelacionam.
Em transplante ocorre invariavelmente algum grau
100
J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104
F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal
de isquemia, condição capaz de ativar células
endoteliais a expressar moléculas de adesão.
Rejeições agudas nas fases iniciais podem cursar com
maior expressão vascular de moléculas MHC ou da
molécula ICAM-1, podendo ser este um dos possíveis
fatores responsáveis pela predisposição a uma maior
incidência de perda do enxerto entre pacientes
receptores de rim cadavérico que cursaram com
necrose tubular aguda. Em modelo de necrose tubular
aguda por clampeamento da artéria renal em ratos 10
demostrou-se uma maior expressão de moléculas
MHC em células tubulares e no interstício, o que
poderia facilitar a ativação da célula T, e acúmulo de
infiltrado inflamatório. Ainda no mesmo modelo,
observou-se 11 indução de citocinas (IL-2, IL-10, GMCSF, IFN-g, TNF-a, TGF-b) e expressão de moléculas
MHC pós-necrose tubular aguda, fenômenos estes
que foram reduzidos com o tratamento com o
insulin-like growth factor-1 (IGF-1).
Isquemia em outros órgãos ou tecidos também foi
capaz de induzir expressão de citocinas e de
moléculas de adesão. Em modelo de isquemia de
membro posterior de rato, ocorreu aumento dos
níveis circulantes de TNF-a, IL-1 e IL-6 e expressão
tecidual de b2-integrinas e selectinas na lesão
pulmonar secundária. 12 Em miocárdio pós-isquêmico
de ratos, evidenciou-se indução de citocinas e
infiltração por macrófagos. 13
O papel da interação ICAM-1/LFA-1 na lesão
isquêmica passou a ser objeto de estudo de vários
pesquisadores, visto que esta lesão estava relacionada
a infiltrado inflamatório e à ação de neutrófilos. De
fato, a lesão de isquemia/reperfusão é iniciada pela
produção de radicais livres de oxigênio (RLO), capazes
de induzir a geração de fatores quimiotáticos para
neutrófilos. Estas células então, aderidas ao endotélio
por ação de selectinas e b2-integrinas, contribuem
para a lesão isquêmica através da liberação adicional
de RLO e de enzimas proteolíticas. 14
As integrinas leucocitárias (LFA1, Mac1, p150,95/
CD11a,b,c/CD18) poderiam ser assim importantes
alvos para o bloqueio da adesão através de anticorpos monoclonais. Particularmente a cadeia b (CD18)
tornou-se interessante objeto de avaliação, por ser
comum às três moléculas. LFA1 (CD11a/CD18)
expressa-se na superfície de leucócitos, em particular
em linfócitos. Mac1 (CD11b/CD18) e p150,95 (CD11c/
CD18) expressam-se em neutrófilos, monócitos e
macrófagos. LFA1 está relacionada à adesão de
linfócitos T e B, tendo papel na proliferação de
linfoblastos, na citotoxicidade da célula T e na síntese
de imunoglobulinas. Mac1 e p150,95 intervêm na
adesão de partículas e germes opsonizados por
complemento e também na adesão de leucócitos ao
endotélio vascular e sua migração através da parede
vascular ao foco inflamatório.
Vários autores em diferentes modelos em
diferentes órgãos demonstraram o papel das
moléculas de adesão e dos neutrófilos na lesão
isquêmica. No miocárdio, o tratamento com AcMo
anti-Mac-1 (CD11b) após a indução de isquemia
regional reduziu a lesão de reperfusão. 15 Também
mostraram benefício, em isquemia mocárdica,
anticorpos monoclonais anti-CD18 16 e anti ICAM-1. 17
Considerando-se que a adesão de neutrófilos ativados
na reperfusão do miocárdio é mediada por integrinas,
observou-se experimentalmente que a administração
de AcMo anti-CD18 no momento da reperfusão levou
à recuperação do fluxo coronariano e à diminuição
do acúmulo de neutrófilos em modelo de coração
isolado de ratos. 18 Em isquemia/reperfusão de veias
mesentéricas de rato, anticorpos monoclonais contra
as moléculas de adesão CD18, CD11b, ICAM-1 e Lselectina reduziram a aderência e a migração
leucocitária e a lesão isquêmica. 19 Também no fígado
a lesão de isquemia/reperfusão pode trazer feitos
deletérios. Observou-se que o tratamento com AcMo
anti-neutrófilo reduziu o número destas células no
fígado pós-reperfusão em modelo de isquemia/
reperfusão hepática em ratos, protegendo-o da lesão.
20
Segundo os mesmos autores, o tratamento dos
animais do mesmo modelo com AcMo anti-Mac-1
(CD11b) 21 ou anti-ICAM-1 22 também diminuiu o
número de células e a lesão pós-reperfusão.
Anticorpos monoclonais anti-CD18 foram capazes de
reduzir a injúria e a letalidade em um modelo de
choque hipovolêmico em coelhos 23 e de atenuar a
lesão de isquemia-reperfusão em outros órgãos e
tecidos, como pulmão. 24
Em modelo de clampeamento bilateral das
artérias renais em ratos, o tratamento com anticorpo
monoclonal (AcMo) anti-ICAM-1 foi capaz de proteger
o rim da agressão isquêmica isoladamente ou
associado a um AcMo anti-LFA-1, prevenindo a
insuficiência renal funcional e suas alterações
histológicas. 3 Em modelo semelhante em ratos por
isquemia renal por 60 minutos, o tratamento com
anticorpos monoclonais anti-CD11a e anti-CD11b
protegeu os animais da lesão isquêmica, sugerindo
que as moléculas CD11/CD18, ou seja, as integrinas
leucocitárias, podem mediar a insuficiência renal
aguda isquêmica em ratos. 25
Em transplante renal experimental também se
demonstra a importância das moléculas de adesão na
J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104
101
F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal
lesão isquêmica. Dentro dos possíveis mecanismos
que podem explicar a relação entre isquemia e
rejeição do enxerto, podemos citar a infiltração
leucocitária do enxerto secundária à isquemia e a
expressão de moléculas de superfície importantes na
estimulação de células T. 10 A indução de isquemia e
o transplante renal singenéico em ratos levaram à
infiltração por macrófagos e à expressão de moléculas
MHC classe II (Ia) e de ICAM-1 em células tubulares,
o que pode facilitar a ação destas células em
estimular linfócitos CD4 alorreativos ou a lise das
mesmas por linfócitos citotóxicos. 26 Em transplante
renal cadavérico humano demonstramos, através de
imunohistoquímica, maior infiltração glomerular por
células CD11a+, CD18+ e por macrófagos (CD68+) na
fase pós isquemia-reperfusão, em relação a biópsias
controle de transplante com doador vivo, sem
isquemia ou reperfusão. 27
Transplante de órgãos
As moléculas de adesão têm papel fundamental
nos mecanismos de migração leucocitária e de
ativação da célula T na rejeição do enxerto. O
endotélio do mesmo, íntegro ou sob agressão
isquêmica, expressa moléculas MHC classe I e classe
II, que promovem a ligação de células T através do
TCR. No entanto, como já discutido, esta ligação leva
à ativação da célula T apenas quando moléculas coestimulatórias são envolvidas, como citocinas e
moléculas de adesão.
Uma maior expressão de moléculas de adesão já
foi observada em rejeição de transplantes renais,
cardíacos e hepáticos. Este fato provavelmente resulta
de vários fatores, como citocinas geradas durante a
resposta imune e pelos efeitos da isquemia descritos
acima. Assim, também nos mecanismos de rejeição
poder-se-ia intervir através da utilização do bloqueio
destas moléculas através de anticorpos monoclonais.
O papel do par LFA-1/ICAM-1 na função citotóxica da
célula T foi assim o “racional” para a utilização de
anticorpos monoclonais contra moléculas de adesão
em transplante. No transplante cardíaco heterotópico
em coelhos, demonstrou-se redução na incidência de
rejeições celulares e vasculares através do tratamento
com AcMo contra CD18 e contra VLA-4. 28 Também
no mesmo modelo, os mesmos autores demonstraram
que o anticorpo anti-CD18 foi mais efetivo que o antiICAM-1 na prevenção de rejeições celulares e
vasculares, sugerindo que o CD18 é uma importante
molécula para a migração de linfócitos através do
miocárdio. 29 Em outra publicação, o mesmo grupo
demonstrou que AcMo anti-CD18 foi capaz de reduzir
a infiltração de neutrófilos e de linfócitos T no
miocárdio durante rejeição, mas não modificou a
infiltração macrofágica. Também observou-se redução
na expressão do VCAM-1, o que se correlacionou
temporalmente com a redução da infiltração
linfocitária. 30 Em transplante de tireóide em
camundongos, uma dose única de anticorpo antiCD11a prolongou a sobrevida dos enxertos. 31
Em enxertos renais humanos normais, ICAM-1
está expresso em endotélio de grandes vasos,
capilares peritubulares e no glomérulo, mas não em
células tubulares. 32 Durante rejeição aguda, ocorre
expressão tubular proeminente desta molécula 27,33,34
VCAM-1, que não está presente em biópsias normais,
está também expresso no endotélio vascular e em
células tubulares durante rejeição aguda, o que se
correlaciona com o grau infiltração leucocitária
(linfócitos CD3+ e macrófagos CD68+) 32,35 O
significado funcional em transplante das interações
ICAM-1/LFA-1 e VLA-4/VCAM-1 in vivo foi avaliada
em váries séries experimentais e clínicas. Em um
modelo de alotransplante renal em primatas, AcMo
anti-ICAM-1 como terapêutica imunossupressora foi
capaz de retardar o aparecimento de rejeições
agudas, mas não de reverter uma rejeição em curso.
36
A combinação de anticorpos monoclonais antiICAM-1 e anti-LFA-1 foi testada em modelo de
alotransplante cardíaco em ratos. O anticorpo antiICAM-1 foi capaz de retardar o aparecimento de
rejeições agudas e a combinação deste com o antiLFA-1 induziu sobrevida indefinida destes enxertos a
longo prazo. 37 Em transplante renal cadavérico em
humanos, resultados preliminares do uso de AcMo
anti-ICAM-1 pareceu pouco eficaz em retardar o
aparecimento de rejeições agudas, mas contribuiu na
prevenção da injúria de reperfusão. 38
A utilização de AcMo contra o LFA-1, ligante do
ICAM-1, foi descrita pela primeira vez em humanos
em sete crianças receptoras de transplante de medula
óssea (TMO), haplo-idênticas em relação aos seus
doadores, portadoras de imunodeficiências. As
mesmas foram tratadas com AcMo produzido contra
a cadeia a da molécula (CD11a). Houve melhora da
incidência de “pega” do enxerto em relação a um
grupo controle histórico tratado com o mesmo
esquema imunossupressor, com exceção do Ac
experimental (7/7 vs 1/7). Também obteve-se melhor
sobrevida dos pacientes (5/7 vs 2/7). 39 Em uma série
maior de receptores (trinta e oito crianças receptoras
de TMO haplo-idêntico por diversas etiologias), os
102
J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104
F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal
mesmos autores confirmaram a melhora na “pega” do
enxerto e estabeleceram doses e tempo adequado de
tratamento (Perez, 1989). 40 Em outra publicação,
estudo multicêntrico europeu confirmou os resultados
positivos do AcMo contra LFA1 (CD11a) na redução
de falência do enxerto nesta população. 41 Também
foi demonstrada a importância deste AcMo como
terapêutica alternativa para o tratamento da doença
aguda enxerto-versus-hospedeiro graus III e IV
esteróide-resistente. 42 O mesmo AcMo anti-LFA-1a
(CD11a) foi testado isoladamente como terapêutica de
rejeição celular aguda em sete receptores de primeiro
transplante renal, sem sucesso. 43 Tais resultados, não
promissores em relação a um tratamento de resgate
de rejeição aguda, não afastam a possibilidade da
utilização destes anticorpos em protocolos de
profilaxia em transplante renal. Com este objetivo,
estudo piloto com AcMo anti-CD11a foi realizado em
receptores de primeiro enxerto renal cadavérico. Não
se observou episódios de rejeição no período de
administração nem no primeiro mês. O período
médio de surgimento do primeiro episódio de
rejeição (>40 dias) foi comparável ao período de um
grupo controle histórico que recebeu globulina antitimocitária. 44 Em estudo comparativo com a
globulina anti-timocitária, o AcMo anti-CD11a
revelou-se comparável em relação à prevenção de
episódios de rejeição aguda e mostrou-se
potencialmente capaz de diminuir a incidência de
função renal tardia, apesar de não ter havido
significância estatística (15% para anti-CD11a vs 29%
para ATG, NS). 45 Em série mais recente, estabeleceuse uma dose adequada para a utilização do AcMo
anti-CD11a em esquema profilático em transplante
renal cadavérico. Uma dose de ataque de 30 mg,
seguida por dose diária de 15 mg por mais nove dias
pareceu adequada quando se utilizou azatioprina 2
mg/kg/dia e prednisona 1 mg/kg/dia a partir do
transplante e se introduziu a ciclosporina apenas a
partir do nono dia. 46
Conclusões
Os resultados até agora relatados sugerem assim
a possibilidade de utilização de AcMo contra
moléculas de adesão em protocolos de transplante
renal cadavérico, com o objetivo de reduzir a lesão
isquêmica e a incidência de episódios de rejeição
aguda. Ainda não existem relatos de observação
clínica que possam imputar a estes anticorpos
melhora de sobrevida do enxerto a longo prazo.
Referências
1.
Imhof BA, Dunon D. Leukocyte migration and adhesion. Adv
Immunol. 1995; 58: 345-416
2.
Springer TA. Adhesion receptors of the immune system.
Nature. 1990; 346: 425-434
3.
Kelly KJ, Williams WW Jr, Colvin RB, Bonventre JV. Antibody
to intercellular adhesion molecule 1 protects the kidney
against ischemic injury. Proc Natl Acad Sci (USA). 1994; 91:
812-816
4.
Heemann UW. Early events in acute allograft rejection:
leukocyte/endothelial cell interactions. Clin Transplant. 1993;
7: 82-89
5.
Cosio F. Adhesion molecules and the kidney in health and
disease. J Nephrol. 1993; 6: 22-32
6.
Gorochov G, Gross G, Waks T, Eshhar Z. Anti-leukocyte
function-associated antigen-1 inhibit T-cell activation
following low-avidity and adhesion-independent interactions.
Immunology. 1993; 79: 548-555
7.
Fan S, Brian AA, Lollo BA, Mackman N, Shen NL, Edgington
TS. CD11a/CD18 (LFA-1) integrin engagement enhances
biosynthesis of early cytocines by activated T cells. Cell
Immunol. 1993; 148: 48-59
8.
Weisman HF, Bartow T, Leppo MK, Marsh HC Jr, Carson GR,
Concino MF. Soluble human complement receptor type 1: in
vivo inhibitor of complement supressing post-ischemic
myocardial inflammation and necrosis. Science. 1990; 249:
146-151
9.
Bulkley GB. Reactive oxygen metabolites and reperfusion
injury: aberrant triggering of reticuloendothelial function.
Lancet. 1994; 344: 934-936
10. Shoskes DA, Parfrey NA, Halloran PF. Increased major
histocompatibility complex antigen expression in unilateral
ischemic acute tubular necrosis in the mouse.
Transplantation. 1990; 49: 201-207
11. Goes N. Insulin-like growth factor-1 (IGF-1) reduces cytokine
and MHC induction after acute tubular necrosis (ATN). J Am
Soc Nephrol. 1994; 5: 897 [abstract]
12. Seekamp A, Mulligan MS, Till GO, Smith CW, Miyasaka M,
Tamatani T, Todd RF, Ward PA. Role of b2-integrins and ICAM1 in lung injury following ischemia-reperfusion of rat hind
limbs. Am J Pathol. 1993; 143: 464-472
13. Herskowitz A, Choi S, Ansari AA, Wesselingh S. Cytokine
mRNA expression in postschemic/reperfused myocardium.
Am J Pathol. 1995; 146: 419-428
14. Welbourn CRB, Goldman G, Paterson TS, Valeri CR, Shepro
D, Hechtman HB. Pathophysiology of ischemia reperfusion
injury: central role of the neutrophil. Br J Surg. 1991; 78:
651-655
15. Simpson PJ, Todd RF, Fantone JC. Reduction of experimental
canine myocardial reperfusion by a monoclonal antibody
(anti-Mo1, anti-CD11b) that inhibits leukocyte adhesion. J
Clin Invest. 1988; 81: 624-629
16. Ma X-L, Tsao PS, Lefer AM. Antibody to CD18 exerts
endothelial and cardiac protective effects in myocardial
ischemia and reperfusion. J Clin Invest. 1991; 88: 1237-1243
17. Ma X-L, Lefer DJ, Rothlein R. Coronary endothelial and
cardiac protective effects of a monoclonal antibody to
J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104
103
F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal
Intercellular Adhesion Molecule-1 in myocardial ischemia and
reperfusion. Circulation. 1992; 86: 937-946
18. Lefer DJ, Shandelya SM, Serrano CV Jr, Becker LC,
Kuppusamy P, Zweier JL. Cardioprotective actions of a
monoclonal antibody against CD18 in myocardial ischemiareperfusion injury. Circulation. 1993; 88: 1779-1787
32. Briscoe DM, Cotran RS. Role of leukocyte-endothelial cell
adhesion molecules in renal inflammation: in vitro and in
vivo studies. Kidney Int. 1993; 42(suppl 42): S27-S34
33. Faull RJ, Ross GR. Tubular expression of intercellular adhesion
molecule-1 during renal allograft rejection. Transplantation.
1989, 48: 226-230
19. Kurose I, Anderson DC, Miyasaka M, Tamatani T Paulson JC,
Todd RF, Rosche JR, Granger DN. Molecular determinants of
reperfusion-induced leukocyte adhesion and vascular protein
leakage. Circ Res. 1994; 74: 336-343
34. Andersen CB, Blaehr H, Ladefoged S, Larsen S. Expression of
the intercellular adhesion molecule-1 (ICAM-1) in human
renal allografts and cultured human tubular cells. Nephrol
Dial Transplant. 1992; 7: 147--154
20. Jaeschke H, Farhood A, Smith CW. Neutrophils contribute to
ischemia/reperfusion injury in rat liver in vivo. FASEB J. 1990;
4: 3355-3359
35. Wuthrich RP. Intercellular adhesion molecules and vascular
cell adhesion molecule-1 and the kidney. J Am Soc Nephrol.
1992; 3: 1201-1211
21. Jaeschke H, Farhood A, Bautista AP, Spolarics Z; Spitzer JJ,
Smith CW. Functional inactivation of neutrophils with a Mac1 (CD11b/CD18) monoclonal antibody protects against
ischemia-reperfusion injury in rat liver. Hepatology. 1993; 17:
915-923
36. Cosimi AB, Conti D, Delmonico FL, Preffer FT, Wee SL,
Rothlein R, Faanes R, Colvin RB. In vivo effects of
monoclonal antibody to ICAM-1 (CD54) in nonhuman
primates with renal allografts. J Immunol. 1990; 144: 46044612
22. Farhood A, McGuire GM, Manning AM, Miyasaka M, Smith CW,
Jaeschke H. Intercellular adhesion molecule 1 (ICAM-1)
expression and its role in neutrophil-induced ischemiareperfusion injury in rat liver. J Leukoc Biol. 1995; 57: 368-374
37. Isobe M. Specific acceptance of cardiac allograft after
treatment with antibodies to ICAM-1 and LFA-1. Science.
1992; 255: 1125-1127
23. Vedder NB, Winn RK, Rice CL. A monoclonal antibody to the
adherence-promoting lukocyte glycoprotein, CD18, reduces
organ injury and improves survival from hemorrhagic shock
and ressuscitation in rabbits. J Clin Invest. 1988; 81: 939-944
24. Horgan MJ, Wright SD, Malik AB, Antibody against leukocyte
integrin (CD18) prevents reperfusion-induced lung vascular
injury. Am J Physiol. 1990; 259: L315-L319
25. Rabb H, Mendiola CC, Dietz J, Saba SR, Issekutz TB, Abanilla
F, Bonventre JV, Ramirez G. Role of CD11a and CD11b in
ischemic acute renal failure in rats. Am J Physiol. 1994; 267:
F1052-F1058
26. Sicher SC. Effects of ischemia and syngeneic transplantation
on expression of class II MHC (Ia) and adhesion molecules
on the cell surfaces of rodent renal tubule cells (RTC). J Am
Sc Nephrol. 1993; 4: 918 [abstract]
27. Cavalcanti FCB. Sistema Complemento, moléculas de adesão
e infiltrado inflamatório: caracterização imunohistoquímica em
transplante renal com doador cadáver. Tese de Doutorado Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. São
Paulo, 1995. 172 p
28. Sadahiro M, McDonald TO, Allen MD. Reduction in cellular
and vascular rejection by blocking leukocyte adhesion
molecule receptors. Am J Pathol. 1993; 142: 675-683
29. Sadahiro M, McDonald TO, Nelson K, Thomas R, Allen MD.
Leukocyte CD18 receptors may be a better target than ICAM-1
ligands for reducing histologic evidence of cellular and
vascular rejection in the rabbit. Transplant Int. 1995; 8: 452-458
30. Akimoto H, McDonald TO, Weyhrich JT, Thomas R, Rothnie
CL, Allen MD. Antibody to CD18 reduces neutrophil and T
lymphocyte infiltration and vascular cell adhesion molecule-1
expression in cardiac rejection. Transplantation. 1996; 61:
1610-1617
31. Talento A, Nguyen M, Blake T, Sirotina A, Fioravanti C,
Burkholder D, Gibson R, Sigal NH, Springer MS, Koo G. A
single administration of LFA-1 antibody confers prolonged
allograft survival. Transplantation. 1993; 55: 418-422
38. Haug CE, Colvin RB, Delmonico FL, Auchincloss H Jr,
Tolkoff-Rubin N, Preffer FT, Rothlein R, Norris S,
Scharschmidt L, Cosimi AB. A phase I trial of
immunossupression with anti-ICAM-1 (CD54) mAb in renal
allograft recipients. Transplantation. 1993; 55: 766-773
39. Fischer A, Blanche S, Veber F, Delaage M, Mawas C, Griscelli
C, LeDeist F, Lopez M, Olive D, Janossy G. Prevention of
graft failure by an anti-HLFA-1 monoclonal antibody in HLAmismatched bone-marrow transplantation. Lancet. 1986; ii:
1058-1061
40. Perez N, LeDeist F, Chatenoud L, Chanteloup N, Griscelli C,
Fischer A. In vivo infusion of anti LFA-1 in HLA non-identical
bone marrow transplantation in children: serum
concentrations and biological effects. Bone Marrow Transplant.
1989; 4: 379-384
41. Fischer A, Friedrich W, Fasth A, Blanche S, LeDeist F, Giraut
D, Veber F, Vossen J, Lopez M, Griscelli C, Hirn M. Reduction
of graft failure by a monoclonal antibody (anti-LFA-1 CD11a)
after HLA nonidentical bone marrow transplantation in
children with immunodeficiencies, osteopetrosis, and
Fanconi’s anemia: a european group for immunodeficiency/
european group for bone marrow transplantation report.
Blood. 1991; 2: 249-256
42. Stoppa AM, Maraninchi D, Blaise D, Viens P, Hirn M, Olive
D, Reiffers J, Milpied N, Gaspard MH, Mawas C. Anti-LFA-1
monoclonal antibody (25.3) for treatment of steroid-resistent
grade III-IV acute graft-versus-host disease. Transplant. Int.
1991; 4: 3-7
43. Le Mauff B, Hourmant M, Rougier JP, Hirn M, Dantal J,
Baatard R, Cantarovich D, Jacques Y, Soulillou JP. Effect of
anti-LFA1 (CD11a) monoclonal antibodies in acute rejection
in human kidney transplantation. Transplantation. 1991; 52:
291-296
44. Hourmant M, Le Mauff B, Le Meur Y, Dantal J, Cantarovich
D, Giral M, Caudrelier P, Albericci G, Soulillou JP.
Administration of an anti-CD11a monoclonal antibody in
recipients of kidney transplantation. Transplantation. 1994;
58: 377-379
104
J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104
F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal
45. Hourmant M, Bedrossian J, Durand D, Kessier M, Le
Branchu Y, Caudrelier P, Simi B, Soulillou JP. Multicenter
comparative study of an anti-LFA-1 adhesion molecule
monoclonal antibody and antithymocyte globulin in
prophylaxis of acute rejection in kidney transplantation.
Transplant Proc. 1995; 27: 864
46. Le Mauff B, Le Meur Y, Hourmant M, Debray M, Boeffard F,
Albericci G, Soulillou JP, Scherrmann JM. A dose-searching
trial of an anti-LFA1 monoclonal antibody in first kidney
transplant recipients. Kidney Int. 1996; 49(suppl.53): S44-S50
Download