98 J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104 F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal Revisão/Atualização em Transplante Renal: Moléculas de adesão na isquemia e no transplante de órgãos Frederico Castelo Branco Cavalcanti Unidade de Transplante Renal, Divisão de Clínica Urológica, Hospital das Clínicas, FMUSP Endereço para correspondência: Frederico Castelo Branco Cavalcanti Av. Dr. Enéas Carvalho Aguiar 255, 7º andar, sala 706F, CEP: 05403-900 - São Paulo, SP Tel.: (011) 852-9006 Fax: (011) 3064-7013 Introdução As moléculas de adesão do sistema imunológico são receptores de superfície celular que vêm sendo descritos e estudados nos últimos anos e que apresentam ações importantes nos mecanismos de interação celular em transplante de órgãos. Estas moléculas podem facilitar vários processos de adesão entre células, leucócitos, sítios de inflamação e aloantígenos e funcionar como co-estimuladores da ativação celular. 1,2 Em transplante renal, várias evidências experimentais e clínicas sugerem que as moléculas de adesão estão envolvidas nos mecanismos de injúria isquêmica 3 e de rejeição aguda. 4 A regulação de sua expressão e de sua capacidade de adesão é mediada por citocinas, fatores quimiotáticos e outros mediadores. São três os sub-grupos de moléculas de adesão do sistema imune: a) selectinas; b) integrinas; c) superfamília das imunoglobulinas. As selectinas 4,5 são encontradas em leucócitos, plaquetas e células endoteliais. Elas são proteínas de cadeia única que apresentam em comum uma estrutura em mosaico constituída de um domínio Nterminal que liga-se a carboidrato, um domínio semelhante ao Epidemal Growth Factor (E.G.F.), um número variável de domínios homólogos, os short consensus repeats (S.C.R.), um domínio transmembrana e um domínio C-terminal intra-citoplasmático. São selectinas: a) E-selectina (E.L.A.M.-1); b) P-selectina (GMP-140 ou CD62); c) L-selectina (L.E.C.A.M.-1, L.A.M.-1). A L-selectina está expressa em todos os leucócitos, exceto nos linfócitos de memória ativados. Esta selectina contribui para a migração de linfócitos e neutrófilos até sítios inflamatórios. A P-selectina expressa-se em células endoteliais e plaquetas, e é a selectina responsável na célula endotelial pela fase mais precoce do recrutamento celular no processo inflamatório. A E-selectina é responsável pela adesão de neutrófilos, monócitos e células T a sítios inflamatórios. As integrinas são compostas por duas cadeias polipeptídicas ligadas não-covalentemente, a e b. Até o momento são conhecidas oito diferentes cadeias b, mas são três os grupos bem caracterizados, conhecidos como b1, b2 e b3 integrinas. As duas cadeias consistem de segmentos extracelular, transmembrana e citoplasmático. Os segmentos extracelulares ligam-se a proteínas da matriz extracelular, a fragmentos ativos do SC e a outras proteínas de superfície celular, inclusive moléculas de adesão da classe da superfamília das imunoglobulinas. As b1 integrinas, também conhecidas como very late antigen proteins (V.L.A.), estão presentes em células circulantes e em tecidos. São classificadas de acordo com a cadeia a em V.L.A. de 1 a 6 (CD49a/CD29 a CD49f/CD29) e são responsáveis pelo direcionamento da migração celular através dos tecidos. A interação VLA-4/VCAM-1 é importante na ligação de leucócitos ao endotélio no processo inflamatório. As b2 integrinas, conhecidas como integrinas leucocitárias, localizam-se em células circulantes. São elas: a) aLb2 (Leukocyte Function Associated Antigen 1-L.F.A.-1; CD11a/CD18); b) aMb2 (Complement Receptor 3; CR3; Mac-1; CD11b/CD18); c) aNb2 (Complement Receptor 4; CR4; p150,95; CD11c/CD18). O LFA1 é importante na ligação e ativação linfocitária através da interação com o seu principal ligante, o Intercellular adhesion molecule-1 (I.C.A.M.-1), da superfamília das imunoglobulinas, induzindo a ligação leucócitoendotélio e contribuindo para a agressão endotelial A publicação desta seção foi possível graças à colaboração da Novartis Biociências S.A. J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104 99 F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal mediada por neutrófilos. Tal ativação pode ocorrer por ação de citocinas ou pela ligação do leucócito a selectinas endoteliais. A ligação LFA-1/ICAM-1 adere o leucócito à célula endotelial ou a outros receptores facilitadores de sua migração ao sítio inflamatório. O CR3 e o CR4 são receptores do SC, do fragmento C3bi, sendo esta interação importante nos mecanismos de fagocitose. Além disto, o CR3 ou Mac-1 é responsável pelo recrutamento de células mielóides para o sítio inflamatório. A superfamília das imunoglobulinas compreende uma variedade de proteínas de cadeia única com múltiplos domínios de características semelhantes às das imunoglobulinas e atuam como ligantes de outras moléculas de adesão. São membros desta classe: o receptor de célula T (T cell receptor-TCR), CD3, CD4, CD8, antígenos MHC classe I e classe II, LFA-2 (CD2), LFA-3 (CD58), ICAM-1 (CD54), ICAM-2 (CD56b), ICAM-3 (CD56c), VCAM-1 (CD108), PECAM-1 (CD31). Quatro destes membros funcionam como ligantes para leucócitos nas células endoteliais: ICAM-1, ICAM-2, VCAM-1 e PECAM-1. As moléculas de adesão atuam em conjunto facilitando a migração de células circulantes a sítios inflamatórios. Inicialmente, a lesão tecidual leva à liberação de mediadores inflamatórios (componentes ativados do SC, citocinas) que induzem a expressão das mesmas em células endoteliais. As selectinas ativadas por estes mediadores induzem a ligação inicial de leucócitos ao endotélio, permitindo o mecanismo de rolamento celular (cell rolling) sobre células endoteliais. Em conseqüência da ligação a selectinas, ocorre uma mudança conformacional das b2 integrinas para um estado de alta afinidade, passando-se de uma fase selectina-dependente para outra integrina-dependente, o que induz a interação destes receptores celulares aos ligantes endoteliais da superfamília das imunoglobulinas. A ativação do linfócito T é um mecanismo dependente de adesão celular. O TCR, membro da superfamília das imunoglobulinas, reconhece como antígenos fragmentos peptídicos ligados às moleculas MHC. Sua ativação ocorre através da ligação específica de seus receptores a complexos peptídeomolécula MHC na superfície de células apresentadoras de antígeno, como macrófagos. As moléculas CD4 e CD8, também da superfamília das imunoglobulinas, funcionam como co-receptores para as moléculas MHC classe I e classe II, respectivamente, também participando do processo de ativação e levando à diferenciação de dois tipos funcionais de células T, as células helper CD4+ e as células citotóxicas CD8+. Outras moléculas atuam como co-estimulatórias neste processo. Em superfície de leucócitos foram descritas os leukocyte-function associated antigens (LFA) 1, 2 e 3. O LFA-1, descrito acima, faz parte do grupo das b2-integrinas e seus contra-receptores na célula-alvo ou na célula apresentadora de antígeno são o ICAM-1 e o ICAM2, ambos da superfamília das imunoglobulinas. O LFA-2 é o CD2, expresso em linfócitos e seu contrareceptor é o LFA-3 (CD58), sendo ambos da superfamília das imunoglobulinas. Os pares de moléculas de adesão ligantes LFA-1/ICAM-1 e LFA2(CD2)/LFA-3 atuam assim em cooperação com o complexo TCR/MHC nas interações do linfócito T. Ensaios in vitro 6 demonstraram que anticorpos monoclonais anti-LFA-1 inibem a ativação de células T em resposta à ligação TCR-antígeno, mesmo na ausência de interação LFA-1/ICAM-1. Estes resultados sugerem que o LFA-1 pode não ser importante apenas para a adesão, mas também para uma maior interação com a célula apresentadora do antígeno, talvez funcionando como uma molécula sinalizadora com importantes inter-relações com o TCR. Dentro desta visão, Fan et al. 7 demonstraram o envolvimento do LFA-1 na ativação de células T, levando ao aumento específico da síntese de citocinas TNF-a e IL-2. Assim, em situações em que a célula endotelial funciona como célula apresentadora de antígeno, como no transplante, a interação célula T/célula endotelial pode transduzir sinais que levam ao aumento da síntese de citocinas. Em várias situações patológicas, o envolvimento de múltiplos mediadores e tipos celulares inflamatórios resulta na expressão e função destas moléculas, que promovem a adesão endotélioleucócito. Quando o processo inflamatório levar a uma lesão tecidual importante ou mesmo a um excessivo processo de fibrose, a interrupção para inibir a sua progressão poderia ser benéfica do ponto de vista terapêutico. Dentro da área de transplante, os processos relacionados à injuria isquêmica e às rejeições do enxerto poderiam ser citados. Isquemia Embora os mecanismos precisos da lesão de isquemia/reperfusão ainda sejam objeto de controvérsia, vários estudos 3,8,9 evidenciaram que a reperfusão pós-isquêmica ativa várias cascatas inflamatórias que se interrelacionam. Em transplante ocorre invariavelmente algum grau 100 J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104 F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal de isquemia, condição capaz de ativar células endoteliais a expressar moléculas de adesão. Rejeições agudas nas fases iniciais podem cursar com maior expressão vascular de moléculas MHC ou da molécula ICAM-1, podendo ser este um dos possíveis fatores responsáveis pela predisposição a uma maior incidência de perda do enxerto entre pacientes receptores de rim cadavérico que cursaram com necrose tubular aguda. Em modelo de necrose tubular aguda por clampeamento da artéria renal em ratos 10 demostrou-se uma maior expressão de moléculas MHC em células tubulares e no interstício, o que poderia facilitar a ativação da célula T, e acúmulo de infiltrado inflamatório. Ainda no mesmo modelo, observou-se 11 indução de citocinas (IL-2, IL-10, GMCSF, IFN-g, TNF-a, TGF-b) e expressão de moléculas MHC pós-necrose tubular aguda, fenômenos estes que foram reduzidos com o tratamento com o insulin-like growth factor-1 (IGF-1). Isquemia em outros órgãos ou tecidos também foi capaz de induzir expressão de citocinas e de moléculas de adesão. Em modelo de isquemia de membro posterior de rato, ocorreu aumento dos níveis circulantes de TNF-a, IL-1 e IL-6 e expressão tecidual de b2-integrinas e selectinas na lesão pulmonar secundária. 12 Em miocárdio pós-isquêmico de ratos, evidenciou-se indução de citocinas e infiltração por macrófagos. 13 O papel da interação ICAM-1/LFA-1 na lesão isquêmica passou a ser objeto de estudo de vários pesquisadores, visto que esta lesão estava relacionada a infiltrado inflamatório e à ação de neutrófilos. De fato, a lesão de isquemia/reperfusão é iniciada pela produção de radicais livres de oxigênio (RLO), capazes de induzir a geração de fatores quimiotáticos para neutrófilos. Estas células então, aderidas ao endotélio por ação de selectinas e b2-integrinas, contribuem para a lesão isquêmica através da liberação adicional de RLO e de enzimas proteolíticas. 14 As integrinas leucocitárias (LFA1, Mac1, p150,95/ CD11a,b,c/CD18) poderiam ser assim importantes alvos para o bloqueio da adesão através de anticorpos monoclonais. Particularmente a cadeia b (CD18) tornou-se interessante objeto de avaliação, por ser comum às três moléculas. LFA1 (CD11a/CD18) expressa-se na superfície de leucócitos, em particular em linfócitos. Mac1 (CD11b/CD18) e p150,95 (CD11c/ CD18) expressam-se em neutrófilos, monócitos e macrófagos. LFA1 está relacionada à adesão de linfócitos T e B, tendo papel na proliferação de linfoblastos, na citotoxicidade da célula T e na síntese de imunoglobulinas. Mac1 e p150,95 intervêm na adesão de partículas e germes opsonizados por complemento e também na adesão de leucócitos ao endotélio vascular e sua migração através da parede vascular ao foco inflamatório. Vários autores em diferentes modelos em diferentes órgãos demonstraram o papel das moléculas de adesão e dos neutrófilos na lesão isquêmica. No miocárdio, o tratamento com AcMo anti-Mac-1 (CD11b) após a indução de isquemia regional reduziu a lesão de reperfusão. 15 Também mostraram benefício, em isquemia mocárdica, anticorpos monoclonais anti-CD18 16 e anti ICAM-1. 17 Considerando-se que a adesão de neutrófilos ativados na reperfusão do miocárdio é mediada por integrinas, observou-se experimentalmente que a administração de AcMo anti-CD18 no momento da reperfusão levou à recuperação do fluxo coronariano e à diminuição do acúmulo de neutrófilos em modelo de coração isolado de ratos. 18 Em isquemia/reperfusão de veias mesentéricas de rato, anticorpos monoclonais contra as moléculas de adesão CD18, CD11b, ICAM-1 e Lselectina reduziram a aderência e a migração leucocitária e a lesão isquêmica. 19 Também no fígado a lesão de isquemia/reperfusão pode trazer feitos deletérios. Observou-se que o tratamento com AcMo anti-neutrófilo reduziu o número destas células no fígado pós-reperfusão em modelo de isquemia/ reperfusão hepática em ratos, protegendo-o da lesão. 20 Segundo os mesmos autores, o tratamento dos animais do mesmo modelo com AcMo anti-Mac-1 (CD11b) 21 ou anti-ICAM-1 22 também diminuiu o número de células e a lesão pós-reperfusão. Anticorpos monoclonais anti-CD18 foram capazes de reduzir a injúria e a letalidade em um modelo de choque hipovolêmico em coelhos 23 e de atenuar a lesão de isquemia-reperfusão em outros órgãos e tecidos, como pulmão. 24 Em modelo de clampeamento bilateral das artérias renais em ratos, o tratamento com anticorpo monoclonal (AcMo) anti-ICAM-1 foi capaz de proteger o rim da agressão isquêmica isoladamente ou associado a um AcMo anti-LFA-1, prevenindo a insuficiência renal funcional e suas alterações histológicas. 3 Em modelo semelhante em ratos por isquemia renal por 60 minutos, o tratamento com anticorpos monoclonais anti-CD11a e anti-CD11b protegeu os animais da lesão isquêmica, sugerindo que as moléculas CD11/CD18, ou seja, as integrinas leucocitárias, podem mediar a insuficiência renal aguda isquêmica em ratos. 25 Em transplante renal experimental também se demonstra a importância das moléculas de adesão na J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104 101 F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal lesão isquêmica. Dentro dos possíveis mecanismos que podem explicar a relação entre isquemia e rejeição do enxerto, podemos citar a infiltração leucocitária do enxerto secundária à isquemia e a expressão de moléculas de superfície importantes na estimulação de células T. 10 A indução de isquemia e o transplante renal singenéico em ratos levaram à infiltração por macrófagos e à expressão de moléculas MHC classe II (Ia) e de ICAM-1 em células tubulares, o que pode facilitar a ação destas células em estimular linfócitos CD4 alorreativos ou a lise das mesmas por linfócitos citotóxicos. 26 Em transplante renal cadavérico humano demonstramos, através de imunohistoquímica, maior infiltração glomerular por células CD11a+, CD18+ e por macrófagos (CD68+) na fase pós isquemia-reperfusão, em relação a biópsias controle de transplante com doador vivo, sem isquemia ou reperfusão. 27 Transplante de órgãos As moléculas de adesão têm papel fundamental nos mecanismos de migração leucocitária e de ativação da célula T na rejeição do enxerto. O endotélio do mesmo, íntegro ou sob agressão isquêmica, expressa moléculas MHC classe I e classe II, que promovem a ligação de células T através do TCR. No entanto, como já discutido, esta ligação leva à ativação da célula T apenas quando moléculas coestimulatórias são envolvidas, como citocinas e moléculas de adesão. Uma maior expressão de moléculas de adesão já foi observada em rejeição de transplantes renais, cardíacos e hepáticos. Este fato provavelmente resulta de vários fatores, como citocinas geradas durante a resposta imune e pelos efeitos da isquemia descritos acima. Assim, também nos mecanismos de rejeição poder-se-ia intervir através da utilização do bloqueio destas moléculas através de anticorpos monoclonais. O papel do par LFA-1/ICAM-1 na função citotóxica da célula T foi assim o “racional” para a utilização de anticorpos monoclonais contra moléculas de adesão em transplante. No transplante cardíaco heterotópico em coelhos, demonstrou-se redução na incidência de rejeições celulares e vasculares através do tratamento com AcMo contra CD18 e contra VLA-4. 28 Também no mesmo modelo, os mesmos autores demonstraram que o anticorpo anti-CD18 foi mais efetivo que o antiICAM-1 na prevenção de rejeições celulares e vasculares, sugerindo que o CD18 é uma importante molécula para a migração de linfócitos através do miocárdio. 29 Em outra publicação, o mesmo grupo demonstrou que AcMo anti-CD18 foi capaz de reduzir a infiltração de neutrófilos e de linfócitos T no miocárdio durante rejeição, mas não modificou a infiltração macrofágica. Também observou-se redução na expressão do VCAM-1, o que se correlacionou temporalmente com a redução da infiltração linfocitária. 30 Em transplante de tireóide em camundongos, uma dose única de anticorpo antiCD11a prolongou a sobrevida dos enxertos. 31 Em enxertos renais humanos normais, ICAM-1 está expresso em endotélio de grandes vasos, capilares peritubulares e no glomérulo, mas não em células tubulares. 32 Durante rejeição aguda, ocorre expressão tubular proeminente desta molécula 27,33,34 VCAM-1, que não está presente em biópsias normais, está também expresso no endotélio vascular e em células tubulares durante rejeição aguda, o que se correlaciona com o grau infiltração leucocitária (linfócitos CD3+ e macrófagos CD68+) 32,35 O significado funcional em transplante das interações ICAM-1/LFA-1 e VLA-4/VCAM-1 in vivo foi avaliada em váries séries experimentais e clínicas. Em um modelo de alotransplante renal em primatas, AcMo anti-ICAM-1 como terapêutica imunossupressora foi capaz de retardar o aparecimento de rejeições agudas, mas não de reverter uma rejeição em curso. 36 A combinação de anticorpos monoclonais antiICAM-1 e anti-LFA-1 foi testada em modelo de alotransplante cardíaco em ratos. O anticorpo antiICAM-1 foi capaz de retardar o aparecimento de rejeições agudas e a combinação deste com o antiLFA-1 induziu sobrevida indefinida destes enxertos a longo prazo. 37 Em transplante renal cadavérico em humanos, resultados preliminares do uso de AcMo anti-ICAM-1 pareceu pouco eficaz em retardar o aparecimento de rejeições agudas, mas contribuiu na prevenção da injúria de reperfusão. 38 A utilização de AcMo contra o LFA-1, ligante do ICAM-1, foi descrita pela primeira vez em humanos em sete crianças receptoras de transplante de medula óssea (TMO), haplo-idênticas em relação aos seus doadores, portadoras de imunodeficiências. As mesmas foram tratadas com AcMo produzido contra a cadeia a da molécula (CD11a). Houve melhora da incidência de “pega” do enxerto em relação a um grupo controle histórico tratado com o mesmo esquema imunossupressor, com exceção do Ac experimental (7/7 vs 1/7). Também obteve-se melhor sobrevida dos pacientes (5/7 vs 2/7). 39 Em uma série maior de receptores (trinta e oito crianças receptoras de TMO haplo-idêntico por diversas etiologias), os 102 J. Bras. Nefrol. 1997; 19(1): 98-104 F. C. B. Cavalcanti - Revisão/Atualização em Transplante Renal mesmos autores confirmaram a melhora na “pega” do enxerto e estabeleceram doses e tempo adequado de tratamento (Perez, 1989). 40 Em outra publicação, estudo multicêntrico europeu confirmou os resultados positivos do AcMo contra LFA1 (CD11a) na redução de falência do enxerto nesta população. 41 Também foi demonstrada a importância deste AcMo como terapêutica alternativa para o tratamento da doença aguda enxerto-versus-hospedeiro graus III e IV esteróide-resistente. 42 O mesmo AcMo anti-LFA-1a (CD11a) foi testado isoladamente como terapêutica de rejeição celular aguda em sete receptores de primeiro transplante renal, sem sucesso. 43 Tais resultados, não promissores em relação a um tratamento de resgate de rejeição aguda, não afastam a possibilidade da utilização destes anticorpos em protocolos de profilaxia em transplante renal. Com este objetivo, estudo piloto com AcMo anti-CD11a foi realizado em receptores de primeiro enxerto renal cadavérico. Não se observou episódios de rejeição no período de administração nem no primeiro mês. O período médio de surgimento do primeiro episódio de rejeição (>40 dias) foi comparável ao período de um grupo controle histórico que recebeu globulina antitimocitária. 44 Em estudo comparativo com a globulina anti-timocitária, o AcMo anti-CD11a revelou-se comparável em relação à prevenção de episódios de rejeição aguda e mostrou-se potencialmente capaz de diminuir a incidência de função renal tardia, apesar de não ter havido significância estatística (15% para anti-CD11a vs 29% para ATG, NS). 45 Em série mais recente, estabeleceuse uma dose adequada para a utilização do AcMo anti-CD11a em esquema profilático em transplante renal cadavérico. Uma dose de ataque de 30 mg, seguida por dose diária de 15 mg por mais nove dias pareceu adequada quando se utilizou azatioprina 2 mg/kg/dia e prednisona 1 mg/kg/dia a partir do transplante e se introduziu a ciclosporina apenas a partir do nono dia. 46 Conclusões Os resultados até agora relatados sugerem assim a possibilidade de utilização de AcMo contra moléculas de adesão em protocolos de transplante renal cadavérico, com o objetivo de reduzir a lesão isquêmica e a incidência de episódios de rejeição aguda. Ainda não existem relatos de observação clínica que possam imputar a estes anticorpos melhora de sobrevida do enxerto a longo prazo. Referências 1. Imhof BA, Dunon D. Leukocyte migration and adhesion. Adv Immunol. 1995; 58: 345-416 2. Springer TA. Adhesion receptors of the immune system. Nature. 1990; 346: 425-434 3. Kelly KJ, Williams WW Jr, Colvin RB, Bonventre JV. Antibody to intercellular adhesion molecule 1 protects the kidney against ischemic injury. 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