UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA Relatório de Pesquisa Enumerabilidade em Subconjuntos de R Laís Ribeiro Lima Bolsista pelo Programa de Iniciação Cientí…ca Projeto "Integrando a Amazônia"/UNIR/SBM Thiago Ginez Velanga Moreira Orientador Porto Velho, Dezembro de 2013 IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO 1. TÍTULO DO PROJETO Iniciação aos Fundamentos da Análise Matemática 2. LOCAL DE EXECUÇÃO Departamento de Matemática - NCET - UNIR - Campus de Porto Velho 3. ÁREA DE PESQUISA Análise 4. COORDENADOR Prof. Dr. Tomas Daniel Menendez Rodriguez 5. ORIENTADOR Prof. Msc. Thiago Ginez Velanga Moreira 6. ORIENTANDA Laís Ribeiro Lima 7. PERÍODO DE REALIZAÇÃO Fevereiro a Dezembro de 2013 Thiago Ginez Velanga Moreira Orientador Laís Ribeiro Lima Aluna ii Sumário 1 Detalhamento do Relatório 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . 1.2 Objetivos . . . . . . . . . . . . 1.3 Metodologia . . . . . . . . . . . 1.3.1 Conteúdo Desenvolvido . . . . 1 1 2 2 2 2 De…nições Básicas 2.1 Conjuntos e funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2 O Princípio da Boa Ordenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 4 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Conjuntos …nitos e in…nitos enumeráveis 3.1 Conjuntos …nitos . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2 Conjuntos in…nitos . . . . . . . . . . . . . . . 3.3 Conjuntos in…nitos enumeráveis . . . . . . . . 3.3.1 A enumerabilidade de Z . . . . . . . . 3.3.2 Enumerabilidade num conjunto in…nito 3.3.3 Enumerabilidade em N . . . . . . . . . 3.3.4 A enumerabilidade de Q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . X . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 Corpos Ordenados 4.1 De…nições e propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 Corpo ordenado completo . . . . . . . . . . . . . . . . 4.3 Corpo completo arquimediano . . . . . . . . . . . . . . 4.4 Números Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.4.1 O Axioma Fundamental da Análise Matemática 4.4.2 R não é enumerável . . . . . . . . . . . . . . . . 4.4.3 Intervalos de números reais não são enumeráveis 4.4.4 (R Q) não é enumerável . . . . . . . . . . . . iii . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 9 11 13 13 14 17 21 . . . . . . . . 22 22 25 27 27 28 28 30 32 Capítulo 1 Detalhamento do Relatório 1.1 Introdução O projeto "Integrando a Amazônia"é uma proposta da Sociedade Brasileira de Matemática para desenvolver e consolidar as atividades de pesquisa e pós-graduação em Matemática (SBM) na região norte. Propõe-se uma estrutura de cooperação acadêmica entre as universidades federais desta região e os programas de pós-graduação de excelência na área (notas 6 e 7), coordenada pela SBM. Espera-se, com isto, que seja elevado o nível dos conhecimentos de matemática dos alunos desta região, a …m de incrementar a qualidade dos professores nas escolas do estado.e o número de mestres e doutores na área. A aluna Laís Ribeiro Lima, do curso de Licenciatura em Matemática da Fundação Universidade Federal de Rondônia –UNIR, foi submetida a um exame de ingresso o qual a selecionou para formar parte do programa de iniciação cientí…ca criado pelo projeto “Integrando a Amazônia”. Ao longo de suas atividades gerais, a aluna foi iniciada na realização de pesquisas que fazem uso dos elementos e técnicas de demonstrações da Análise Matemática visando, com isso, progressivo e futuro aprofundamento nessa área de conhecimento e suas aplicações. Este trabalho descreve e resume as atividades exercidas pela bolsista neste programa de iniciação cientí…ca no período de fevereiro a dezembro de 2013. Serão exibidos aqui uma exposição introdutória do plano de trabalho executado, seus objetivos, a metodologia e, …nalmente, o conteúdo pesquisado e desenvolvido. 1 1.2 Objetivos O objetivo geral deste trabalho é norteado por duas importantes perspectivas, a saber: incrementar os conhecimentos da bolsista em conteúdos da Análise Matemática visando introduzí-la em pesquisas petinentes a este ramo da matemática pura e, …nalmente, reforçar sua preparação em conteúdos relevantes para o ingresso em cursos de mestrado em matemática. Podemos dizer que o objetivo especí…co deste trabalho passa por duas etapas. A primeira é compreender e obter um relativo domínio sobre os conceitos gerais e fatos básicos a respeito de conjuntos e funções. A segunda é aplicar tais conceitos para fazer um estudo sobre a enumerabilidade em Subconjuntos de R. 1.3 Metodologia A orientanda participou de um curso de extensão, com duração de 100 horas/aula, denominado Introdução à Análise Matemática. Neste curso, foi desenvolvido, com detalhes, todo o conteúdo referente à teoria geral dos conjuntos e das funções, culminando num estudo relativamente aprofundado sobre o corpo ordenado dos números reais. Concomitantemente e, com freqüência de uma vez a cada mês, foram realizados encontros especí…cos, em forma de seminário, nos quais foram resolvidos exercícios e problemas em geral relacionados ao curso. Paralelamente, sob orientação especí…ca de seu orientador, a bolsista realizou um estudo dirigido sobre Conjuntos Finitos, Enumeráveis e Não-Enumeráveis, o qual forneceu embasamento teórico su…ciente para a construção da Enumerabilidade dos conjuntos: N dos números naturais, Z dos números inteiros e Q dos Números Racionais, e a não-enumerabilidade dos reais e irracionais. Tal construção, encontra-se desenvolvida e escrita neste relatório 1.3.1 Conteúdo Desenvolvido De acordo com o cronograma elaborado no plano de trabalho deste projeto de iniciação cientí…ca, a aluna trabalhou os seguintes tópicos abaixo listados: 1. Conjuntos e Funções (a) Conjuntos (b) Operações entre conjuntos (c) Funções (d) Composição de funções 2 2. Conjuntos Finitos, Enumeráveis e Não-Enumeráveis (a) Números naturais (b) Princípio da boa ordenação (c) Conjuntos …nitos e in…nitos (d) Conjuntos enumeráveis (e) Conjuntos não-enumeráveis 3. Numeros Reais (a) Corpos (b) Corpos ordenados (c) Números reais 3 Capítulo 2 De…nições Básicas Neste capítulo, provaremos alguns fatos básicos a respeito de conjuntos e funções que se farão necessários para a compreensão de nosso resultado principal. Alguns resultados encontram-se apenas enunciados, sem demonstração. Assim o …zemos pois optamos pelo critério da objetividade do trabalho, no qual tais resultados têm aplicações mais relevantes do que sua própria demonstração. 2.1 Conjuntos e funções Passaremos agora a adotar os conceitos de função injetora, sobrejetora e composição de funções com o objetivo de enunciar e provar os resultados desta seção. Começaremos com a seguinte Proposição 2.1.1 Sejam f : A ! B e g : B ! C funções bijetoras. Então, a composta g f : A ! C é também uma bijeção. Demonstração: Sejam dados x; y 2 A quaisquer. Temos que (g f )(x) = (g f )(y) ) g(f (x)) = g(f (y)), como g é injetora, esta última igualdade implica f (x) = f (y): Utilizando agora o fato de f ser injetora, concluímos que x = y. Fica mostrado, com isto, que a composta g f é injetora. Para mostrar que g f é sobrejetora, seja dado z 2 C arbitrário. Vamos mostrar que existe x 2 A tal que z = (g f ) (x). De fato, g é sobrejetora, então, existe y 2 C tal que z = g(y). 4 (2.1) Utilizando agora o fato de f ser sobrejetora, obtemos x 2 A tal que y = f (x) . (2.2) Segue de (2:1) e (2:2) que z = (g f ) (x) , mostrando que g f é sobrejetora. Concluimos daí que a composta g f é bijeção. Observação 2.1.2 O resultado que acabamos de mostrar é de aplicação rotineira e muitas vezes é utilizado sem ao menos ser citado. É importante notar que, a …m de que a composta g f seja injetora, basta que a imagem f (A) esteja contida no domínio da g: Daqui em diante, faremos constante uso do conceito de função inversível Antes disso, de…niremos inversa à esquerda e à direita de uma dada função f . De…nição 2.1.3 Dadas as funções f : A ! B e g : B ! A, diremos que g é uma inversa à esquerda para f quando g f = idA : A ! A De…nição 2.1.4 Dadas as funções f : A ! B e g : B ! A, diremos que g é uma inversa à direita para f quando f g = idB : B ! B Os dois seguintes teoremas caracterizam funções injetivas e sobrejetivas. Teorema 2.1.5 Uma função f : A ! B possui inversa à esquerda se, e somente se, é injetiva. Teorema 2.1.6 Uma função f : A ! B possui inversa à direita se, e somente se, é sobrejetiva. Finalmente, daremos agora o conceito de função inversa. De…nição 2.1.7 Uma função g : B ! A chame-se inversa da função f : A ! B quando g f = idA e f g = idB , isto é, quando g é inversa à esquerda e à direita para f: Composição de funções é uma operação associativa, isto é consequência imediata da própria de…nição desta operação. Utilizaremos este fato para mostrar que se uma função f : A ! B possui uma inversa, ela é única. 5 Proposição 2.1.8 Seja f : A ! B uma função inversível. Então, a função inversa de f é única. Demonstração: Suponhamos que g : B ! A e h : B ! A sejam duas inversas de f: Então, utilizando a De…nição 2.1.7, obtemos que h = h idB = h (f g) = (h f ) g = idA g = g, e, portanto, a inversa é única. Observação 2.1.9 Esta última demonstração contém um fato extra, o qual podemos enunciá-lo da seguinte forma: "Se f possui uma inversa á esquerda, h, e uma inversa à direita, g, então h=g e f tem uma inversa. Observação 2.1.10 Escreveremos f f :A!B 1 : B ! A para indicar a inversa da bijeção Uma função inversível passa a ser agora caracterizada pelo seguinte fato: Proposição 2.1.11 Uma função f : A ! B possui inversa se, e somente se, f é uma bijeção. Demonstração: Se f possui uma inversa, seja g sua inversa. Então, pela De…nição 2.1.7, g é uma inversa à esquerda e à direita para f . Segue dos Teoremas 2.1.5 e 2.1.6 que f é bijeção. Reciprocamente, se f é bijeção, então os teoremas 2.1.5 e 2.1.6 garantem a existência de uma inversa à esquerda, h, e de uma inversa à direita, g, para f: Pela Observação 2.1.9, h = g = f 1. Portanto, f possui inversa. 2.2 O Princípio da Boa Ordenação Seja X um conjunto de números naturais. Dizemos que um número p 2 X é o menor elemento de X (ou elemento mínimo de X) quando se tem p n para todo n 2 X: Muitas vezes, escreveremos p = min X para signi…car que p 2 X é o menor elemento de X: Vamos mostrar que o menor elemento de um conjunto, quando existe, é unico. 6 De fato, dado X N, suponhamos que p 2 X e q 2 X sejam ambos os menores elementos de X. Como p = min X e q 2 X, segue que p q. q p, Analogamente, obtemos que donde vem que q p q; e, portanto, p = q. Assim, o menor elemento de um conjunto X N é unico. Um resultado de grande importância é o fato de que todo conjunto não-vazio de números naturais possui um menor elemento. Este fato é conhecido como o Princípio da Boa Ordenação. Teorema 2.2.1 (Princípio da Boa Ordenação (PBO)) g Todo subconjunto nãovazio A N possui um elemento mínimo. Observação 2.2.2 A demonstração deste teorema faz uso dos chamados Axiomas de Peano, os quais são de extrema importância para a construção do conjunto N dos números naturais. Por brevidade e objetividade, optamos por evitar as regressões necessárias e enunciá-lo sem sua demonstração. O leitor poderá encontrá-la em [7, p. 39] O Princípio da Boa Ordenação pode ser aplicado ao conjunto Z desde que seja satisfeita uma determinada condição. Enunciaremos e provaremos tal resultado a seguir. Proposição 2.2.3 Se um conjunto não-vazio X X possui um elemento mínimo. Z for limitado inferiormente, então Demonstração: A hipótese garante a existência de um número a 2 Z tal que a x; 8x 2 X. Se existir x 2 X tal que a = x, então o resultado está provado com a = min X: Basta então apresentar uma prova para o caso a < x; 8x 2 X. Neste caso, como X Z é não-vazio, o conjunto A = fx a; x 2 Xg é um subconjunto não-vazio A N. Pelo Princípio da Boa Ordenação, existe n0 2 A tal que n0 n; 8n 2 A. 7 Seja x0 2 X tal que n0 = x0 a. Assim, dado x 2 X qualquer, o número x Pela minimalidade de n0 , vem que x0 a = n0 x ) x0 a 2 A. a x; 8x 2 X, mostrando que x0 = min X, como queríamos demonstrar. Como o leitor pôde perceber, esta versão do PBO para Z é uma consequência quase imediata do próprio Teorema 2.2.1: Ao longo do texto desta monogra…a, as duas versões serão amplamente utilizadas e estarão presentes em demonstrações de resultados centrais como, por exemplo, na demonstração de que os reais R não é enumerável. 8 Capítulo 3 Conjuntos …nitos e in…nitos enumeráveis Em 1915 o matemático G. Cantor publicou um artigo (veja [2]) de importância fundamental à posteridade no qual identi…ca e analisa os diversos tipos de in…nito. Para nossos propósitos, quanto ao número de elementos, faremos uma apresentação sucinta dos conjuntos …nitos e dos conjuntos in…nitos enumeráveis. 3.1 Conjuntos …nitos Nesta seção, indicaremos pelo símbolo In o conjunto In = fp 2 N; 1 p ng . De…nição 3.1.1 Um conjunto X chama-se …nito quando é vazio ou quando existe, para algum n 2 N, uma bijeção ' : In ! X No primeiro caso, diremos que X tem zero elementos. No segundo caso, diremos que n 2 N é o número de elementos de X, ou seja, que X possui n elementos. Teorema 3.1.2 Se X é um conjunto …nito então todo subconjunto Y X é …nito. O número de elementos de Y não excede o de X e só é igual quando Y = X: Demonstração: Vamos mostrar para X = In . A demonstração se faz por indução. Se n = 1, então, os únicos subconjuntos de I1 são ? e I1 . Estes são …nitos e o número de seus elementos é 1. Portanto, o Teorema está demonstrado para n = 1. Suponhamos que o mesmo esteja demonstrado para um certo número m 2 N. Mostraremos que o teorema continua válido para m + 1. Seja dado Y Im+1 9 (3.1) um subconjunto arbitrário de Im+1 . Devemos mostrar que Y é …nito e seu número de elementos é m + 1. Existem apenas duas possibilidades para m + 1. Devemos ter (m + 1) 2 = Y ou (m + 1) 2 Y . Vamos analisar os dois casos separadamente. Caso 1: (m + 1) 2 = Y . Neste caso, segue de (3:1) que Y fm + 1g = Im . Im+1 Pela hipótese de indução, Y é …nito e seu número de elementos é m, portanto, m + 1. Caso 2: (m + 1) 2 Y . Neste caso, temos também por (3.1) que Y Pela hipótese de indução, Y fm + 1g Im . fm + 1g é …nito e seu número de elementos é p m: (3.2) Então, para este p 2 N, existe uma bijeção : Ip ! Y fm + 1g De…na, agora, a seguinte função ' : Ip+1 ! Y dada por ' (x) = (x) ; se x 6= p + 1 . m + 1; se x = p + 1 ' é uma bijeção. Portanto, Y é …nito e seu número de elementos é, por (3.2), p+1 m + 1. Em qualquer caso, …cou mostrado que o conjunto Y é …nito e seu _ Portanto, o Teorema é verdadeiro para todo número de elementos não excede m + 1. n 2 N, e o resultado segue. Corolário 3.1.3 Seja f : X ! Y uma função injetiva. Se Y for …nito então X também será. Além disso, o número de elementos de X não excede o de Y . Demonstração: Ao invés de uma demonstração formal, faremos um breve comentário sobre a prova. Uma função f injetiva estabelece uma correspondência um a um entre os elementos de X e Y . Assim, supondo Y …nito, o domínio X deverá ser …nito também, pois, caso fosse in…nito, seria possível encontrar x 2 X que não estivesse relacionado com elemento algum y 2 Y . Um absurdo, pois f é função: Corolário 3.1.4 Seja g : X ! Y uma função sobrejetiva. Se X for …nito então Y também será. Além disso, o número de elementos de Y não excede o de X. Demonstração: Pelo Teorema 2.1.6, existe uma função f : Y ! X tal que g f = idY . Isto nos diz que g é uma inversa à esquerda de f . Pelo Teorema 2.1.5, f é uma função injetiva. Como seu contradomínio X é …nito, segue do corolário anterior que Y é …nito e seu número de elementos não excede o de X: 10 3.2 Conjuntos in…nitos De…nição 3.2.1 Um conjunto X chama-se in…nito quando não é …nito. Isto se expressa com as seguintes palavras: "X é in…nito quando não é vazio e, além disso, não existe uma bijeção ' : In ! X para todo n 2 N". Exemplo 3.2.2 Vamos mostrar que o conjunto N dos números naturais é in…nito. De fato, sejam dados n 2 N e uma função ' : In ! N quaisquer: Pondo p = '(1) + ::: + '(n), e observando que p 2 N, obtemos que p > '(x); 8x 2 In : Portanto, p 2 = '(In ). Logo, nenhuma função ' : In ! N é sobrejetiva. Concluímos que N é in…nito. Observação 3.2.3 Os corolários 3.1.3 e 3.1.4, escritos na sua forma contra-positiva, fornecem-nos resultados equivalentes sobre conjuntos in…nitos. Por exemplo, o Corolário 3.1.4 tem a seguinte versão equivalente: Corolário 3.2.4 Seja g : X ! Y uma função sobrejetiva. Se Y é in…nito, então, X é in…nito. De…nição 3.2.5 Um conjunto X que N chama-se limitado quando existe um p 2 N tal n p para todo n 2 X. Um conjunto X N chama-se ilimitado quando não é limitado. Isto é, para todo p 2 N, existe algum xp 2 X tal que xp > p. Os subconjuntos ilimitados X N são, exatamente, os subconjuntos in…nitos de N. Este é o conteúdo do próximo teorema. Teorema 3.2.6 Seja X N não-vazio. As seguintes a…rmações são equivalentes: (a) X é …nito; 11 (b) X é limitado; (c) X possui um maior elemento. Demonstração: Prova de (a) =) (b). Se X é …nito, podemos escrever X = fx1 ; :::; xn g: Pondo p = x1 + ::: + xn , temos que p é um número natural tal que x p; para todo x 2 X. Logo X é limitado. Prova de (b) =) (c): Supondo X segue-se que o conjunto A = fp 2 N; p N limitado, n; para todo n 2 Xg é não-vazio. Pelo Princípio da Boa Ordenação (Teorema 2.2.1), o conjunto A possui um menor elemento p0 2 A. Vamos mostrar que p0 2 X: De fato, suponha por absurdo que fosse p0 2 = X. Como p0 2 A, teríamos p0 > n; 8n 2 X: (3.3) Como X 6= ?, a desigualdade acima obrigaria p0 > 1: Então, existe p1 2 N tal que p0 = p1 + 1: ) p1 < p 0 (3.4) A…rmamos que p1 n; 8n 2 X: (3.5) Isto ocorre pois, se existisse algum n 2 X com p1 < n, teríamos p0 = p1 + 1 n. Como estamos supondo que p0 2 = X, devemos ter p0 < n, o que contradiz (3.3). Logo, a a…rmação (3.5) é verdadeira. Segue daí que p1 2 A. 12 De (3.4) e do fato de p0 = min A, resulta que p1 2 = A, o que é um absurdo. Portanto deve ser p0 2 X. Como p0 n para todo n 2 X, concluimos que p0 é o maior elemento de X: Prova de (c) =) (a):Se X possui um maior elemento, seja p o maior elemento de X N, então, 1 p; 8x 2 X. x Então, X Ip : Como Ip é …nito, segue do Teorema 3.1.2 que X também é …nito. 3.3 Conjuntos in…nitos enumeráveis De…nição 3.3.1 Um conjunto X diz-se enumerável quando é …nito ou quando existe uma bijeção f : N ! X: No segundo caso, dizemos que X é in…nito enumerável: De…nindo x1 = f (1); x2 = f (2); :::; xn = f (n); :::, podemos descrever X como sendo X = fx1 ; x2; :::; xn ; :::g. Cada bijeção f : N ! X chama-se uma enumeração (dos elementos) de X: 3.3.1 A enumerabilidade de Z Exemplo 3.3.2 O conjunto Z dos números inteiros é enumerável. Para mostrar isto, de…na h:Z!N da seguinte forma: h (n) = 2n; se n > 0 : 2n + 1 se n 0 (i) Vamos mostrar que h é sobrejetiva. De fato, seja dado n 2 N. Se n é par, existe k 2 N n = 2k. 13 Z; k 6= 0; tal que Pela de…nição de h obtemos que n = h (k) ; e h é sobrejetiva. Analogamente, se n é impar, existe k 2 N [ f0g tal que n = 2k + 1: Então, k 2 Z tal que k 0. Segue da de…nição de h que n = 2k + 1 = 2 ( k) + 1 = h ( k) ; donde vem que h é sobrejetiva. Em todo caso, …ca demonstrado a sobrejetividade de h. (ii) Vamos mostrar que h é injetiva. Sejam dados x; y 2 Z quaisquer. possíveis. Caso 1. x 0ey Vamos considerar os três seguintes casos 0 Caso 2. 0 < x e 0 < y Caso 3. x 0 < y (ou y < 0 x) Nos casos (1) e (2), a injetividade de h segue como consequência imediata da Lei do Corte em N. No terceiro caso temos que h (x) é ímpar e h (y) é par, portanto, h (x) 6= h (y) onde x 6= y. Segue que h é injetiva. Em qualquer caso, a função h é injetiva. Os itens (i) e (ii) provam que h é uma bijeção. Portanto, h 1 :N!Z é uma bijeção, donde concluímos que Z é in…nito enumerável: 3.3.2 Enumerabilidade num conjunto in…nito X Neste tópico, estudamos a enumerabilidade em conjuntos completamente arbitrários. O resultado seguinte mostra-nos como é possível construir um conjunto enumerável a partir de um conjunto in…nito X qualquer. Teorema 3.3.3 Todo conjunto in…nito X contém um subconjunto in…nito enumerável. 14 Demonstração: Primeiramente, vamos construir uma função f :N!X que seja injetiva. Para de…nir uma tal f , usaremos indução. Como X é in…nito, então X é não-vazio. Escolhemos, portanto, xx 2 X e de…nimos f (1) = xx : Suponhamos, por indução, que f esteja de…nida para f1; :::; ng: Vamos mostrar que f está de…nida para n + 1: Considere o conjunto ff (1); :::; f (n)g. An = X Por hipótese de indução, a função f : In ! X está bem de…nida. A…rmamos que f não é sobrejetiva. De fato, se fosse f sobrejetiva, como In é …nito, então X seria …nito pelo Corolário 3.1.4, o que é um absurdo. Logo f não é sobrejetiva. Segue daí que ff (1); :::; f (n)g = 6 ;: An = X Escollhemos, portanto, xAn 2 An e de…nimos f (n + 1) = xAn : Isto conclui a de…nição de f . Mostraremos agora que f é injetiva. Sejam dados m; n 2N com m 6= n (digamos m < n). Então, f (m) 2 ff (1); :::; f (n 1)g, enquanto que f (n) = xAn 1 2 An 1 =X ff (1); :::f (n 1)g Logo f (m) 6= f (n), donde concluímos que f é injetiva. Considere agora a função f : N ! f (N) dada por f (n) = f (n) ; 8n 2 N. Obtemos daí que f é uma bijeção. Portanto, o subconjunto f (N) enumerável. X é in…nito Corolário 3.3.4 Um conjunto X é in…nito se, e somente se, existe uma bijeção f : X ! Y; de X sobre uma parte própria Y X. 15 Demonstração: Suponha que X seja in…nito. Pelo Teorema 3.3.3, X contém um subconjunto in…nito enumerável A = fa1 ; a2 ; :::; an ; :::g: É importante lembrar aqui que, para cada n 2 N, o elemento an 2 A é dado por an = a (n) , onde a é a bijeção a : N !A que torna o conjunto A enumerável. De…na A) [ fa2 ; a4 ; :::; a2n ; :::g: Y = (X Note que a1 2 X mas a1 2 = Y . Isto mostra que Y é uma parte própria de X. Considere agora a função f :X!Y dado por x; se x 2 X A a2n se x = an 2 A f (x) = Vamos mostrar que f é uma bijeção de X em Y . (i) Prova de que f é sobrejetiva. Seja dado y 2 Y arbitrário. Se for y 2 X A então, y 2 X e, pela própria de…nição de f , y = f (y): Se for y 2 fa2 ; a4 ; :::; a2n ; :::g então, existe um n 2 N tal que y = a2n . Como x = an 2 A, segue novamente da de…nição de f que y = a2n = f (x) . Em todo caso, temos f sobrejetiva: (ii) Prova de que f é injetiva. Sejam dados x1 ; x2 2 X quaisquer, e suponha que f (x1 ) = f (x2 ) . Existem apenas três possibilidades: 16 Caso 1. x1 ; x2 2 X A; Caso 2. x1 ; x2 2 A; Caso 3. x1 2 (X A) e x2 2 A: O primeiro e terceiro caso são fáceis de demonstrar. O Caso (2).se prova assim: existem n1 ; n2 2 N tais que x1 = n1 e x2 = n2 . Logo, f (x1 ) = f (x2 ) =) f (an1 ) = f (an2 ) =) a2n1 = a2n2 (Pela de…nição de f ) =) a(2n1 ) = a(2n2 ) (Pela de…nição de a) =) 2n1 = 2n2 (Pois a é injetiva) , =) n1 = n2 =) x1 = an1 = a(n1 ) = a(n2 ) = an2 = x2 (Pois a é função) donde concluímos que f é injetora. Os itens (i) e (ii) mostram que f é a bijeção procurada. 3.3.3 Enumerabilidade em N Teorema 3.3.5 Todo subconjunto X N é enumerável. Demonstração: Se X for …nito ele é enumerável, por de…nição. Se X for in…nito, mostraremos que existe uma bijeção f : N ! X. Uma tal função será de…nida indutivamente, da seguinte maneira: f (1) = min X e, f (n + 1) = min X ff (1); :::; f (n)g. Note que f (1) existe (e é único) e a regra f (n + 1) = min X ff (1); :::; f (n)g, nos permite obter f (n) desde que conheçamos os valores de f (m), para todo m < n. Portanto, …ca de…nida a função f : N ! X dada por f (n) = min X ff (1); :::; f (n 1)g. Mostraremos que f é injetiva. De fato, para cada n 2 N, de…na o conjunto Bn := X ff (1); :::; f (n)g. Então, Bn Bn 1 ,8n 2 N. 17 Portanto, f (n) = min Bn 1 min Bn = f (n + 1) e, como f (n + 1) 2 Bn , segue que f (n + 1) 6= f (n) . Estas duas últimas desigualdades mostram que f (n) < f (n + 1) ; 8n 2 N, donde concluímos que f é estritamente crescente e, portanto, injetiva. Para mostrar que f é sobrejetiva, note que, para cada n 2 N, tem-se f (n) < x; 8x 2 Bn . De fato, dados n 2 N e x 2 Bn , como Bn Bn 1 , temos que x 2 Bn 1 . Segue daí que f (n) = min Bn e, como x 2 Bn = X 1 x ff (1); :::; f (n)g, temos que x 6= f (n) . Estas duas últimas desigualdades mostram que f (n) < x; 8x 2 Bn e 8n 2 N: Agora, suponha que exista x 2 X (3.6) f (N). Então, x 2 Bn ; 8n 2 N. Segue do que acabamos de provar em (3.6), que f (n) < x; 8n 2 N. Isto mostra que o conjunto in…nito f (N) N é limitado, um absurdo contra o Teorema 3.2.6. Logo, X f (N) = ; e, portanto, X = f (N). Concluímos daí que f é uma bijeção, e o resultado segue. Corolário 3.3.6 Se X é enumerável, então todo subconjunto Y X é enumerável. Demonstração: Suponha X enumerável. Então, existe uma bijeção f : X ! N. Esta, por sua vez, fornece-nos a restrição f jY : Y ! f (Y ) 18 de f ao subconjunto Y X, que é também uma bijeção. Como f (Y ) N, segue do Teorema 3.3.5 que f (Y ) é enumerável. Se f (Y ) for …nito, como f jY é injetora, o Corolário 3.1.3 garante que Y seja …nito e, portanto, enumerável. Caso seja f 1 (Y ) in…nito, existe uma bijeção g : N !f (Y ) . Portanto, (f jY ) 1 g:N!Y é bijeção, donde vem que Y é enumerável, como queríamos demonstrar. Corolário 3.3.7 Se f : X ! Y é injetiva e Y é enumerável, então, X é enumerável. Demonstração: bijeção Pondo f (X) = A, observamos que função injetiva f fornece uma f : X ! A. Se Y for …nito, pelo Corolário 3.1.3; X é enumerável. Caso contrário, existe uma bijeção ':N!Y. Esta, por sua vez, fornece uma outra bijeção ':' 1 (A) ! A Como ' 1 (A) N, segue do Teorema 3.3.5 que ' 1 (A) é enumerável. Se ' in…nito, existe uma bijeção g : N ! ' 1 (A) . 1 (A) for Fica, portanto, determinada a bijeção f 1 ' g : N !X, mostrando que X é in…nito enumerável. Caso seja ' 1 (A) …nito, a sobrejeção ' garante que A é …nito. Daí, como f é injetiva, obtemos que X é …nito. Corolário 3.3.8 Se g : X ! Y é sobrejetiva e X é enumerável, então, Y é enumerável. Demonstração: Se g : X ! Y é sobrejetiva, então, pelo Teorema 2.1.6, existe f : Y ! X tal que g f = idY . Então g é uma inversa à esquerda para f . Pelo Teorema 2.1.5, f é injetiva. Segue-se que Y e enumerável.(Corolário 3.3.7): Teorema 3.3.9 Sejam, X; Y conjuntos enumeráveis. O produto cartesiano X enumerável. 19 Y é Demonstração: Se X; Y são in…nitos enumeráveis, existem funções injetivas ':X!N e : Y ! N: De…nimos agora a função Y !N g:X N dada por g(x; y) = ('(x); (y)) A injetividade das funções ' e nos garante a de g. Vamos mostrar que N enumerável. Para isso, de…nimos a função N é f: N N ! N : m (m; n) 7! 2 3n Prova de que f é injetiva Sejam dados (m; n) ; (m0 ; n0 ) 2 N N quaisquer. Temos que f (m; n) = f (m0 ; n0 ) =) 0 0 2m 3n = 2m 3n : Esta última igualdade implica m = m0 e n = n0 : De fato, se não fosse assim, teríamos m 6= m0 ou n 6= n0 . Isto implicaria um mesmo número 0 0 2m 3n = x = 2m 3n , sendo decomposto, de duas maneira distintas, em fatores primos. Isto é um absurdo contra o Teorema Fundamental da Aritmética. Portanto, f (m; n) = f (m0 ; n0 ) =) =) m = m0 e n = n0 , (m; n) = (m0 ; n0 ) e f é injetiva. A função injetiva f , fornece uma bijeção f :N N !f (N N) . Como f (N N) N, segue do Teorema 3.3.5 que f (N N) é enumerável. Como f é injetiva, obtemos que N N é enumerável. Utilizando agora o fato de g ser injetiva, concluímos que X Y é enumerável. 20 3.3.4 A enumerabilidade de Q A seguir, demonstraremos mais um resultado central desta monogra…a. Ressaltamos que os dois resultados desta seção são consequências do Teorema 3.3.9 demonstrado na seção anterior. Corolário 3.3.10 O conjunto Q dos números racionais é enumerável. Demonstração: De fato, considere o conjunto Z = Z f0g . Temos que Z Z e, como já foi mostrado, Z é enumerável. Pelo Corolário 3.3.6, Z é enumerável. Segue do Teorema 3.3.9 que produto cartesiano Z Z é enumerável. De…na agora a seguinte função f :Z Z !Q dada por m . n Observando que f é sobrejetiva, o Corolário 3.3.8 garante que o conjunto Q é enumerável. Como queríamos demonstrar. f (m; n) = Corolário 3.3.11 Sejam X1 ; X2 ; : : : ; Xn ; : : : conjuntos enumerávéis. A reunião 1 X = [ Xn n=1 é enumerável. Demonstração: Pela hipótese X1 ; X2 ; : : : ; Xn ; : : :, são conjuntos enumeráveis, então existem as sobrejeções f1 : N ! X1 ; f2 : N ! X2 ; ; fn : N ! Xn ; De…nimos a sobrejeção f :N dada por N!X f (m; n) = fn (m) Pelo Teorema 3.3.9, temos que o conjunto N f :N N é enumerável. Como a função N!X é sobrejetiva e o conjunto N N é enumerável, segue do Colorário 3.3.8 que X é enumerável. Como queríamos demonstrar. 21 Capítulo 4 Corpos Ordenados É bem conhecido e vastamente utilizado o fato de que o conjunto dos números reais é um corpo. Isto é feito de maneira rotineira, principalmente durante as aulas de análise, cálculo e álgebra. Nossa atitude neste texto não será diferente. Faremos uso de uma lista contendo vários fatos elementares a respeito de números reais. Estes fatos serão admitidos como axiomas (axiomas de corpo), ou seja, não serão demonstrados. Tais axiomas apresentarão o conjunto R como um corpo ordenado completo. Apesar de ser esta a atitude comum adotada em cursos de matemática, é importante que o estudante saiba, pelo menos, que o motivo pelo qual o conjunto dos números reais é um corpo decorre de um processo construtivo. Isto quer dizer o seguinte: por meio de extensões sucessivas do conceito de número, chega-se à construção dos números reais que, por sua vez, permite demonstrar aquela lista de propriedades anteriormente adotada sem qualquer demonstração. Dentre os métodos mais conhecidos destacam-se o dos cortes de Dedekind e o das sequências de Cauchy (devido à Cantor). Existem livros, como [4], [8], [3], [1], [5] que tratam apenas das extensões do conceito de número. Outros como [10] e [9] dedicam capítulos ao assunto. Um tratamento bastante acessível ao aluno de graduação sobre o processo de cortes de Dedekind pode ser encontrado no apêndice 4 de [6]: Estas são referências que recomendamos ao leitor interessado. Porém, voltamos a frisar que nosso ponto de vista será o axiomático, isto é, em conformidade com [11], admitiremos que os números reais formam um corpo ordenado completo e, a partir daí, todas as demonstrações serão levantadas. 4.1 De…nições e propriedades Aqui e, no restante do texto, usaremos a noção de corpo sem fornecer sua de…nição. Recomendamos uma veri…cação em [7]: Começaremos com a de…nição de corpo ordenado; a qual será usada com frequência em todo conteúdo seguinte. De…nição 4.1.1 Um corpo ordenado é um corpo K, no qual pode ser encontrado um subconjunto P K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, tal que as seguintes condições são satisfeitas: 22 (i) A soma e o produto de elementos positivos são positivos. Ou seja, x + y 2 P; 8x; y 2 P ; x y 2 P 8x; y 2 P (ii) Dado x 2 K, exatamente uma das três alternativas seguintes ocorre: ou x = 0; ou x 2 P ou x 2 P: De…nição 4.1.2 Num corpo ordenado K, escreveremos x < y, e diremos que x é menor do que y, para sigini…car que y x 2 P . Isto equivale a dizer que existe z 2 P tal que y = x + z. A relação de ordem x < y num corpo ordenado K goza das propriedades seguintes: O1. (Transitividade) Se x < y e y < z, então, x < z: O2. (Tricotomia) Para quaisquer x; y 2 K dados, ocorre exatamente uma das alternativas seguintes: ou x = y; ou x < y ou x > y. O3. (Monotonicidade da adição) Se x < y, então, x + z < y + z; para todo z 2 K. O4. (Monotonicidade da multiplicação) Esta, se apresenta de duas maneiras: Se x < y então, x z < y z; para todo z > 0. Se x < y, então, x z>y z sempre que z < 0. Vamos demonstrar tais propriedades. Todas elas são consequências da De…nção 4.1.2: Veja como, a seguir. 23 [Prova de O1.] Suponha que x < y e y < z. Então, por de…nição, temos que y x2P z y 2 P: e Aplicando (P 1) e, novamente a De…nição 4.1.2, obtemos que (z y) + (y x2P =) z =) x < z. x) 2 P [Prova de O2.] Dados x,y 2 K, temos, por (P 2), três possibilidades que se excluem mutuamente. São elas: x) 2 P ; (y (y x) = 0; (y x) 2 P: No primeiro caso temos, por de…nição, que x < y. No segundo caso, tem-se x = y: O terceiro caso diz que (x y) 2 P; dode vem que x > y, e concluímos (O2). [Prova de O3.] Se x < y; então, (y x) 2 P: Daí, (y + z) =) (x + z) = y x+z <y+z x 2 P: [Prova de O4.] Suponha que x < y: Seja dado z > 0 arbitrário. Então x2P y e z2P 24 O item (i) da De…nição 4.1.2 nos garante que y z x) z 2 P . x z = (y Novamente, pela mesma de…nição, x z<y z donde vem a primeira parte da prova de (O4). A segunda parte se prova assim: Suponha que x < y e, seja dado z < 0 arbitrário. Isto quer dizer que x) 2 P (y e z 2 P. Logo, x z y z = (y x) ( z) 2 P , donde vem que x z > y z, como queríamos demonostrar. Num corpo ordenado K, existe a importante noção de intervalo, cuja de…nição é a que segue. De…nição 4.1.3 Dados a; b 2 K, com a < b, usaremos as notações abaixo: [a; b] = fx 2 K; a x bg [a; b) = fx 2 K; a x < bg (a; b] = fx 2 K; a < x bg (a; b) = fx 2 K; a < x < bg ( 1; b] = fx 2 K; x bg ( 1; b) = fx 2 K; x < bg [a; +1) = fx 2 K; a xg (a; +1) = fx 2 K; a < xg ( 1; +1) = K 4.2 Corpo ordenado completo Antes de falar sobre a completeza de um corpo, apresentaremos algumas de…nições necessárias. De…nição 4.2.1 Um subconjunto X de um corpo ordenado K chama-se limitado superiormente quando existe b 2 K tal que b x para todo x 2 X. 25 De…nição 4.2.2 Um subconjunto X de um corpo ordenado K diz-se limitado inferiormente quando existe a 2 K tal que a x para todo x 2 X. Um subconjunto X de um corpo ordenado K chama-se limitado quando é limitado superior e inferiormente, isto é, quando existem a; b 2 K tais que X [a; b]. De…nição 4.2.3 Sejam K um corpo ordenado e X K um subconjunto limitado superiormente. Um elemento b 2 K chama-se supremo do subconjunto X quando b é menor das cotas superiores de X em K. Assim, para que b 2 K seja supremo de um conjunto X K, é necessário e su…ciente que sejam satisfeitas as duas condições abaixo: S1. Para todo x 2 X, tem-se x S2. Se c 2 K é tal que x b; c para todo x 2 X, então b c. De…nição 4.2.4 Um elemento a 2 K chama-se ín…mo de um conjunto Y K, limitado inferiormente, quando a é maior das cotas inferiores de K. Para que a 2 K seja ín…mo de Y K é necessário e su…ciente que as condições abaixo sejam satisfeitas: I1. Para todo y 2 Y tem-se a I2. Se c 2 K é tal que c y. y para todo y 2 Y , então c a. De…nição 4.2.5 Um corpo K chama-se completo quando todo subconjunto não-vazio, limitado superiormente, X K, possui supremo em K. Resulta da de…nição que, num corpo ordenado completo, todo conjunto não-vazio, limitado inferiormente, Y K, possui um ín…mo. Com efeito, dado Y , seja X = Y , isto é, X = f y; y 2 Y g. Então X é não-vazio e limitado superiormente; logo, existe a = sup X. Mostraremos que a = inf Y . Para isso, note primeiramente que a é cota inferior de Y e, portanto, a condição (I1) é satisfeita. Suponha agora que exista c 2 K tal que c y; 8y 2 Y . Então, y mostrando que c; 8y 2 Y , c é uma cota superior para X. Como a = sup X, segue que ) a = sup X ) c c a , mostrando que a condição (I2) é satisfeita. Portanto, 26 a = inf Y . 4.3 Corpo completo arquimediano Neste tópico, será mostrado um resultado geral que garantirá um fato importante. A saber, o conjunto R dos números reais é arquimediano. De…nição 4.3.1 Teorema 4.3.2 Num corpo ordenado K, as seguintes a…rmações são equivalentes: (i) N K é ilimitado superiormente; (ii) Dados a; b 2 K, com a > 0, existe n 2 N tal que n:a < b; (iii) Dado qualquer a > 0 em K, existe n 2 N tal que 0 < 1 n < a. Demonstração: (i) ) (ii) :Como N é ilimitado, dados a > 0 e b em K, existe n 2 N tal que ab < n e, portanto, b < a:n. Para provar que (ii) ) (iii), dado a > 0, existe, em virtude de (ii), um n 2 N tal que n:a > 1. Então 0 < n1 < a. Finalmente, mostraremos que (iii) ) (i). Dado qualquer b > 0 existe, por (iii) um n 2 N tal que n1 < 1b , ou seja n > b. De…nição 4.3.3 Um corpo ordenado K chama-se arquimediano quando nele é válida qualquer das três condições equivalentes citadas no Teorema 4.3.2. Proposição 4.3.4 Todo corpo completo é arquimediano. Demonstração: Seja dado um corpo não-arquimediano K. Vamos mostrar que K não é completo. De fato, o conjunto N K é limitado superiormente. Se b 2 K é uma cota superior de N, então n + 1 b; 8n 2 N: Segue-se que n b 1; 8n 2 N: Isto mostra que, se b 2 K for uma cota superior de N, então, b 1 também o será. Como b 1 < b, a condição (S2) da De…nição 4.2.3 não ocorre. Segue-se que num corpo não-arquimediano K, o conjunto N dos números naturais é limitado superiormente mas não existe sup N em K. 4.4 Números Reais Nesta seção, voltamos a enfatizar nossa atitude axiomática. Aqui, admitiremos que o corpo ordenado R é completo. O leitor interessado em ver uma demonstração, via cortes de Dedekind, sobre a completeza de R, encontra-lo-á no apêndice 4 de [6]: Adotaremos, portanto, o 27 4.4.1 O Axioma Fundamental da Análise Matemática Axioma 4.4.1 Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo dos números reais. Observação 4.4.2 Sendo um corpo completo, segue da Proposição 4.3.4 que o conjunto R dos números reais é arquimediano. 4.4.2 R não é enumerável Teorema 4.4.3 Seja I1 ::: uma sequência decrecente de intervalos 1 \ In não é vazia. Isto é, existe pelo limitados e fechados In = [an ; bn ]: A interseção I2 ::: In n=1 menos um número real x tal que x 2 In para todo n 2 U2115: Mais precisamente, temos \ In = [a; b]; onde a = sup an e b = inf bn : Demonstração: Para cada n 2 N, temos In+1 an an+1 ::: an In , o que signi…ca bn+1 bn bn ::: Podemos então escrever: a1 a2 ::: b2 b1 . Pondo A = fan ; n 2 Ng e B = fbn ; n 2 Ng a…rmamos que A e B são limitados. Para ver que A é limitado, note que a1 é uma cota inferior de A.e que, para cada n 2 N, bn é uma cota superior de A. De fato, sejam dados n; m 2 N quaisquer. Se for n m, então an am b m . Caso contrário, isto é, se n > m, temos que an bm . bn Em todo caso, tem-se bm ; 8n; m 2 N. an Agora, …xando m e fazendo n variar em N, a desigualdade acima mostra que bm é uma cota superior de A, para todo m 2 N. Isto conclui que A é limitado. Para ver que B é limitado, note que b1 é uma cota superior de B e que, para cada n 2 N (…xo) obtemos, ainda desta última desigualdade, que an é uma cota inferior de B. Isto conclui que B é limitado. Sejam a = sup A e b = inf B. Como cada bn é cota superior de A, temos a bn ; 8n 2 N. Assim, a é cota inferior de B e, portanto, a a1 a2 ::: an ::: a b: Podemos então escrever: b 28 ::: bn ::: b2 b1 : Concluímos que a e b pertencem a todos os In ,donde vem que[a; b] Logo, 1 \ [a; b] In . In para cada n. (4.1) n=1 Para obtermos a inclusão contrária, basta mostrar que ! 1 \ R [a; b] R In . (4.2) n=1 Isto ocorre de fato pois, se x 2 = [a; b] então, x < a ou x > b. Se for x < a, como a = sup A, existe algum an 2 A tal que x < an , donde vem que x 2 = In : Se for b < x, como b = inf B, existe algum bm ! 2 B tal que bm < x, donde vem que x 2 = Im : Em qualquer caso, 1 \ In . Com isso, …ca demonstrada a inclusão (4.2). Segue de (4.1) tem-se que x 2 = n=1 e (4.2) que 1 \ In = [a; b] , n=1 como queríamos demonstrar. Lema 4.4.4 Dados um intervalo limitado, fechado I = [a; b], com a < b, e um número real x0 , existe um intervalo fechado, limitado J = [c; d], com c < d, tal que x0 2 = J e J I. Demonstração: Sejam dados um número real x0 e um intervalo limitado, fechado, I = [a; b], com a < b. Se for x0 2 = I, o resultado está provado com J = I Se x0 2 I, então x0 b. Caso seja x0 = b, ponha c=aed= a+b : 2 Caso seja x0 < b, ponha x0 + b e d = b. 2 Em qualquer caso, obtemos um intervalo J = [c; d] tal que x0 2 = J e J queríamos demonstrar. c= I. Como Teorema 4.4.5 O conjunto R dos números reais não é enumerável. Demonstração: Usaremos o lema anterior repetidamente para mostrar que, dado qualquer subconjunto enumerável X = fx1 ; x2 ; :::; xn ; :::g 29 R, é possivel encontrar um número real x 2 = X. De fato, seja dado um subconjunto enumerável qualquer X = fx1 ; x2 ; :::; xn ; :::g R: Seja I1 um intervalo limitado fechado e não-degenerado, tal que x1 2 = I1 . Pelo Lema 4.4.4, existe um intervalo I2 do mesmo tipo com x2 2 = I2 e I2 I1 . Suponha, por indução, que sejam obtidos I1 I2 ::: In limitados fehados e não-degenerados, com xi 2 = Ii ; (1 i n). Utilizando novamente o Lema 4.4.4, podemos obter In com xn+1 2 = In+1 : In+1 Isto nos fornece uma sequência decrescente I1 ::: In ::: de intervalos limitados e fechados com a propriedade de que xn 2 = In ; 8n 2 N: Pelo Teorema 4.4.3, existe um número real x que pertence a todos os In : Como xn 2 = In , segue-se que x 6= xn para todo n 2 N e, portanto, x 2 = X. Concluímos daí que, se X R é um subconjunto enumerável de R, então, R *X. Logo X 6= R, e o resultado segue. 4.4.3 Intervalos de números reais não são enumeráveis O próximo resultado mostrará que todo intervalo não-degenerado de números reais é não-enumerável. Sua demonstração será conduzida pelo seguinte roteiro: (a) Mostraremos que todo intervalo aberto (a; b) é não-enumerável; (b) Sabendo que todo intervalo I não-degenerado de números reais contém um intervalo aberto (a; b), resulta do item (a) e do Corolário 3.3.6 que I é não-enumerável. Passemos, então, à demonstração formal. Corolário 4.4.6 Todo intervalo não-degenerado de números reais é não-enumerável: 30 Demonstração: Seja dado um intervalo aberto arbitrário (a; b). De…na a função f : (0; 1) ! (a; b) dada por f (x) = (b a)x + a. Mostraremos que f é uma bijeção. De fato, a injetividade é facilmente mostrada usando que (b a) > 0: Para mostrar a sobrejetividade, seja dado y 2 (a; b). Então, a<y<b ) 0<y ) 0< a<b y a b a a < 1. Tomando x = yb aa , segue que x 2 (0; 1) e é tal que f (x) = y. Isso mostra que f é sobrejetora. Portanto, concluimos que f é uma bijeção de (0; 1) em (a; b), para qualquer intervalo aberto.(a; b). Mostraremos agora que (0; 1) não é enumerável:De fato, suponha, por absurdo, que (0; 1) seja enumerável. Então, o intervalo (0; 1] = (0; 1)[f1g também o seria. Estendendo o que acabamos de mostrar obtemos que, para cada n 2 Z, a função fn : (0; 1] ! (n; n + 1] dada por fn (x) = x + n, é uma bijeção: Do Corolário 3.3.8;teríamos que (n; n + 1] seria enumerável, para cada n 2 Z. Como R = [ (n; n + 1], n2Z segue do Corolário (tal) que R é enumerável, um absurdo. Isto conclui a prova de que o intervalo aberto (0; 1) não é enumerável: Agora, como f é injetiva, segue do Corolário 3.3.7 que (a; b) não é enumerável: Isto conclui a prova de que todo intervalo aberto (a; b) é não-nenumerável: Assim, se I é um intervalo não-degenerado, então, I contém um intervalo aberto (a; b). Como (a; b) é não-enumerável, segue do Corolário 3.3.6 que I é não-enumerável. Como queríamos demonstrar. Observação 4.4.7 Na demonstração do corolário acima, usamos o fato de que R = [ (n; n + 1]. n2Z monstraremos aqui este resultado. De fato, seja dado x 2 R qualquer. Como R é arquimediano, o conjunto X = fn 2 Z; x < ng é não-vazio e limitado inferiormente por x. Pelo Princípio da Boa Ordenação, X possui um elemento mínimo. Seja, portanto, n0 = min X. Como, n0 1 < n0 , segue da minimalidade de n0 que (n0 1) 2 = X. Assim, n0 1 x < n0 31 e, portanto, ( n0 ) < x Pondo m = ( n0 ) + 1: n0 , obtemos que x 2 (m; m + 1] [ (n; n + 1]. n2Z Isto mostra que R [ (n; n + 1], n2Z e o resultado segue. 4.4.4 (R Q) não é enumerável Corolário 4.4.8 O conjunto dos números irracionais não é enumerável. Demonstração: Sabemos que R = Q [ (R Q) : Como já vimos, Q é enumerável e R não é enumerável. Suponha, por absurdo, que (R Q) seja enumerável. Então, pelo Colorário 3.3.11, o conjunto resultante da união Q [ (R Q) = R seria enumerável também, o que é absurdo contra o Teorema 4.4.5. Desta forma, segue que o conjunto (R Q) dos números irracionais não é enumerável. 32 Referências Bibliográ…cas [1] ARAGONA, J. - Números Reais. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2010 [2] CANTOR. G - Contributions to the Founding of the Theory of Trans…nite Numbers. New York, Dover, 1915 [3] COHEN, L.W. e EHRLICH, G. - The Structure of the Real Number System. New York, Van Nostrand, 1963 [4] DEDEKIND, R. - Essays on the Theory of Numbers. La Salle, I11., The Open Court Publ. Co., 1948 [5] FERREIRA, J. - A construção dos números. Rio de Janeiro, SBM, 2011 [6] GUIDORIZZI, H. L. - Um curso de cáculo, vol. 1, Rio de Janeiro: LTC, 2008 [7] LAGES. E - Curso de Análise, Vol. 1. 11. ed., Coleção Projeto Euclides, 2006 [8] LANDAU, E. - Foundations of Analysis. New York, Chelsea, 1951 [9] MONTEIRO, L. H. Jacy - Elementos de Álgebra. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1969 [10] RUDIN, W. - Princípios de Análise Matemática. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1971 [11] SPIVAK, M: - Calculus. 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