História de Vida do Paciente Renal Crônico: a realidade pós

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>>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 História de Vida do Paciente Renal Crônico: a realidade pós-­‐transplante 1
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Vanina Tereza Barbosa Lopes da Silva , Laurineide de Fátima Diniz Cavalcante , Juliana Gomes Ramalho de 1
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1 Oliveira , Renata Carneiro Ferreira , Geraldo Bezerra da Silva Júnior , Christina Cesar Praça Brasil
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Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva Universidade de Fortaleza, Brasil. [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] Resumo. Transplante renal constitui procedimento importante para a população com doença renal crônica e traz modificações significativas para os pacientes. Estudo desenvolveu-­‐se por meio de narrativas sobre a história oral de vida e objetivou conhecer os sentidos, as ações e as interpretações relacionados à vida após o transplante renal. Estudo qualitativo, realizado nos meses de outubro a novembro de 2015. Entrevistou-­‐se um paciente transplantado, 42 anos de idade, residente na cidade de Fortaleza – Ceará. Os dados foram analisados com base na Análise de Conteúdo modalidade temática, identificando-­‐se três temáticas: sentimentos, comportamentos e ressignificação após o transplante. Os relatos referem-­‐se a novas formas de ver a vida e os contextos nos quais está inserido. O paciente refere-­‐se ao transplante como cura cotidiana, gratidão pela oportunidade de continuar a viver e à busca pelo conhecimento pós-­‐transplante. O transplante renal tem ação significativa na vida do paciente acarretando uma mistura de sentimentos e expectativas. Palavras-­‐chave: Insuficiência Renal Crônica, Transplante de rim, Diálise renal, Pesquisa qualitativa, Análise de Conteúdo A chronic kidney disease patient´s life story: reality after transplant Abstract. Kidney transplantation is an important procedure for people with chronic kidney disease and brings significant changes in their lives. The study was developed through the oral history of life of a kidney recipient and aims to uncover the meanings, actions and interpretations linked to the experience after transplantation. Qualitative study conducted from October to November 2015. A 42-­‐year-­‐old kidney recipient was interviewed, he lives in Fortaleza -­‐ Ceará. Narratives were analyzed by content analysis in the thematic mode and three themes were identified: feelings, behaviors and reframing after transplantation. The narratives refer to new ways of seeing life and the contexts in which he is inserted. The patient refers to the transplantation as everyday healing, gratitude for the opportunity to continue alive and to search for post-­‐transplant knowledge. Kidney transplantation has significant share in the life of the patient resulting in a mixture of feelings and expectations. Keywords: Chronic Renal Insufficiency; Kidney Transplantation; Renal dialysis; Qualitative research; Content Analysis 1 Introdução O transplante renal constitui um procedimento importante para a população com doença renal crônica (DRC), no entanto, traz modificações significativas na vida das pessoas. A DRC consiste na perda progressiva e lenta da função dos rins, os quais, na fase final da doença, passam a não realizar sua principal função -­‐ a regulação metabólica e eletrolítica do organismo (Siviero, Machado, & Rodrigues, 2013). Destaca-­‐se que esta doença afeta 10% da população mundial, com uma estimativa de um em cada cinco homens e uma em cada quatro mulheres com idades entre 65 e 74 anos (Ministério da Saúde do Brasil [MSB], 2015). Ademais, a trajetória do cuidado enfrenta uma diversidade de percalços, dentre eles, as dificuldades de acesso ao serviço especializado e ao atendimento contextualizado às necessidades dos pacientes. 410 >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 Devido ao crescimento mundial e progressivo da DRC, suas modalidades de tratamento têm sido exaustivamente estudadas e aperfeiçoadas. Entre as terapias existentes, o transplante renal destaca-­‐
se quando se leva em consideração a melhora do quadro clínico e a qualidade de vida dos pacientes após o procedimento (Mendonça et al., 2014). Nesse contexto, o Brasil tem apresentado notáveis resultados nos números de transplantes realizados, tendo sido considerado em 2013 o segundo país em número absoluto de transplantes renais, entre 30 países (Associação Brasileira de Transplantes de orgão [ABTO], 2014). Em virtude da rigidez do tratamento hemodialítico e das suas exaustivas demandas par o paciente e para a sua família, a realização do transplante renal representa, muitas vezes, a esperança de uma vida com mais liberdade e qualidade. O paciente deixa para trás as sessões de hemodiálise e o rigoroso controle dietético, passando a vivenciar uma terapia mais amena centrada na adesão medicamentosa. Porém, o fato esquecido por muitos é que os mesmos continuam a ser portadores de uma doença crônica cujo transplante é uma das modalidades terapêuticas e, portanto, exige cuidado e atenção. A partir da realização do transplante, o paciente adentra em uma trajetória de muitos acontecimentos positivos e negativos, expectativas, sensações, incertezas e até mesmo frustrações, principalmente nos casos da perda do rim transplantado. Estudos indicam que sintomas depressivos são frequentes nesses pacientes (Andrade, Sesso, & Diniz, 2015). Porém, aqueles que dispõem de recursos pessoais -­‐ cognitivos, psicológicos e sociais -­‐ possuem importantes ferramentas no processo de adaptação à nova rotina (Brito et al., 2015). Conhecer os sentimentos e ações de um paciente renal que se submeteu a um transplante renal é de fundamental importância para o bom desenvolvimento terapêutico e para facilitar a sua adesão ao tratamento (Brito et al., 2015). Esse conhecimento auxilia os profissionais da saúde a interagirem de forma humanizada e contextualizada, compreendendo e respeitando o paciente em sua integralidade. Este estudo desenvolveu-­‐se por meio de narrativas sobre a história oral de vida de um paciente com DRC e tem como objetivo conhecer os sentidos, as ações e as interpretações relacionados à experiência vivenciada após o transplante renal. 2 Metodologia Trata-­‐se de um estudo qualitativo, realizado nos meses de outubro e novembro de 2015, utilizando-­‐
se a História Oral de Vida de Meihy (2005) como referencial metodológico. Para este estudo, utilizou-­‐se a pesquisa qualitativa, uma vez que esta permite ao pesquisador investigar o fenômeno em pauta sob a ótica do grupo ou indivíduo estudado, uma vez que leva em consideração a subjetividade dessa população. Assim, almeja compreender o problema em conformidade com a perspectiva do informante-­‐chave, contextualizada ao seu contexto (Minayo, 2010). Diante do exposto, a História Oral de Vida permitiu conhecer e compreender a realidade de um paciente renal crônico a partir do transplante, considerando-­‐se uma série de dados trazidos por meio de narrativas, documentos, registros escritos e fotográficos que o paciente apresentou às pesquisadoras. Na técnica de História Oral, três universos de investigação são característicos: a comunidade de destino, as colônias e as redes (Meihy & Holanda, 2007). Neste estudo, a comunidade de destino correspondeu aos pacientes renais transplantados acompanhados nos serviços especializados do Estado do Ceará; a colônia, aos pacientes renais transplantados atendidos no serviço de um hospital público referência em transplante renal da cidade de Fortaleza – Ceará e a rede, aos pacientes transplantados do sexo masculino atendidos nesse mesmo local. 411 >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 Neste trabalho, as pesquisadoras apresentaram a História Oral de Vida de um informante-­‐chave da rede apontada, por ser esta representativa da realidade em foco. Para isso, entrevistou-­‐se profundamente um paciente transplantado renal, com idade de 42 anos, pedagogo, casado, nascido e residente na cidade de Fortaleza – Ceará; o qual é acompanhado em um hospital público referência em transplante renal da cidade de Fortaleza – Ceará. Para a coleta de dados, o paciente compareceu à Universidade de Fortaleza, inicialmente, para participar de um evento sobre transplante renal e, numa segunda oportunidade, para uma aula sobre o mesmo tema. No primeiro contato, o paciente fez um relato detalhado, com uma hora e trinta minutos de duração, sobre a sua trajetória de vida, tendo ressaltado todas as etapas que envolveram a história da doença, a hemodiálise, o transplante e a vida após o transplante. No segundo momento, ele foi entrevistado em profundidade por um grupo de alunos de Mestrado e Doutorado em Saúde Coletiva, com duração de 2 horas. Em ambos os momentos, o paciente trouxe, além do seu relato oral, muitos subsídios que permitiram as pesquisadoras conhecerem a sua doença e o enfrentamento a essa nova condição, devidamente contextualizados em sua trajetória de vida. Todos os depoimentos e entrevistas foram filmados em câmera digital Sony, os quais foram transcritos, textualizados e transcriados, como preconiza Meihy (2005). Além dos relatos orais, toda a documentação apresentada pelo paciente (resultados de exames pré e pós-­‐operatórios, diários de vida, fotografias, vídeos, recortes de jornais, laudos médicos, entre outros) foi considerada para a coleta de dados. Além dos seus relatos, também foram ouvidos a sua atual companheira, dois médicos e uma enfermeira que o acompanham no hospital em que é atendido. Ressalta-­‐se que, neste recorte do estudo, privilegiaram-­‐se os dados que versam sobre a vida a partir do transplante. Assim, após coletados, os dados foram analisados com base na Análise de Conteúdo na modalidade temática (Bardin, 1979; Minayo, Deslandes, & Gomes, 2013), tendo sido identificadas três temáticas referentes aos sentimentos, comportamentos e ressignificação após o transplante. A interpretação dos dados foi feita à luz do Interacionismo Simbólico (Blumer, 1969), por meio do qual é possível identificar os sentidos, as ações e interpretações sobre o assunto em questão, os quais são diretamente influenciados pelos contextos pessoais e sociais. Verificou-­‐se a utilização do Interacionismo Simbólico como fundamentação teórico-­‐metodológica em muitos estudos qualitativos na área de Enfermagem, ao investigarem como as pessoas definem suas realidades e de que modo agem em relação a elas e às suas crenças (Chenitz & Swanson, 1986). Outros estudos também foram verificados, nos quais o Interacionismo Simbólico constitui um método para que pesquisadores e profissionais da saúde compreendam os juízos de valor sobre um determinado fenômeno em estudo (Andrade & Tanaka, 2000). A literatura que aborda a temática sobre transplante renal e história de vida dessa população (Lima & Gualda, 2001) também subsidiou a interpretação dos achados. Todos os preceitos éticos foram criteriosamente seguidos para a realização do estudo, o qual se encontra albergado no projeto guarda-­‐chuva “Qualidade de vida do doador vivo de transplante renal após a doação”, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza sob parecer de número 1.215.156. O informante-­‐chave assinou o Termo de Consentimento e Livre Esclarecido declarando a sua anuência em participar desta pesquisa. 3 Resultados e Discussões A história oral de vida retrata o percurso de um paciente renal crônico com 42 anos de idade, o qual narrou sua trajetória do transplante focando mais efetivamente nos seguintes períodos: transoperatório e pós-­‐operatório. Estes momentos foram descritos com riqueza de detalhes e 412 >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 possibilitaram a identificação das seguintes temáticas: sentimentos relacionados ao transplante, comportamentos pós-­‐transplante e ressignificação da vida. 3.1 Sentimentos relacionados ao transplante O período transoperatório para o paciente renal é revestido de muitos sentimentos. Nesse momento, os sentimentos negativos entrelaçam-­‐se com os positivos, gerando no paciente, ao mesmo tempo, medo de complicações e morte, sofrimento, esperança e otimismo. Quintana, Santos e Hermann (2011) apontam que, ao estar prestes a realizar o transplante, o principal sentimento dos pacientes é o de ansiedade. Entretanto, esta sensação associa-­‐se com a expectativa de que sua vida voltará ao “normal”. Os mesmos autores comparam a realização do transplante com o fato de “sair do escuro” para ver a beleza das coisas e ter mais autonomia, o que pode ser verificado por meio dos seguintes relatos: “(...) Eu cheguei lá na maca sozinho e ainda estava lúcido. Já estava recebendo a anestesia...eu disse para a doutora: ‘A senhora faz um favor pra mim?’ Ela respondeu: ‘O que é?’ Eu continuei: ‘Peça para o médico usar o capacete, uma proteção para o rosto dele.’ E ela disse: ‘Por quê?’ Eu respondi: ‘Porque assim que eu colocar o rim eu vou urinar na cara dele (risos)....” “(...)E no outro dia, amanheci transplantado, gritando feito um louco: Enfermeiro, eu estou com fome, eu quero batata frita e bife, eu já posso comer? Eu já estou urinando? Quando eu olhei, eu estava todo entubado, cheio de coisa e não podia nem me mexer... Parece que até a minha voz mudou, na época da diálise eu estava sem voz, a minha voz era baixa, fraquinha (...)” A expectativa da resolução rápida do funcionamento do rim mistura-­‐se com o sentimento de otimismo que o paciente utiliza como ou mecanismo de defesa para o enfrentamento de tudo o que ainda virá. Muitas vezes, o desfecho positivo ou negativo depende da forma de lidar com a carga de estresse emocional que acompanha os medos decorrentes desse procedimento. Os tipos de medo que o paciente cirúrgico sente vão desde o medo da cirurgia, da anestesia, de ser abandonado pela família, até o medo das complicações e da morte (Fighera & Viero, 2005). O informante-­‐chave deste estudo, em vários momentos da sua narrativa, expressou sentimentos que se alinham à literatura pesquisada: “(...) eu tinha muito medo, porque você assina um termo de morte para poder transplantar. Qualquer coisa que acontece lá... você é responsável e a gente assina antes... no momento da pressa e parece que eles até aproveitam psicologicamente para a gente não pensar duas vezes(...)” “No dia trinta, não teve reagente. No dia seis, a creatinina foi aumentando... eu fiquei desesperado. Pronto, vou morrer, minha creatinina aumentou e agora? Rejeição? Vinham os medos, os mitos... a gente conversa com os outros pacientes, troca experiências... e sempre isso acontece nos momentos de consulta, a gente troca muita experiência(...)” O paciente em questão expressa seus medos, em especial o medo da morte, desencadeado pela assinatura do termo de consentimento para o ato cirúrgico. Em seguida, ele relata as expectativas relacionadas ao medo de complicações pós-­‐operatórias, rejeição do rim, entre outros. Embora os estudos (Fighera & Viero, 2005) discutam que o modo de lidar com esses sentimentos podem interferir no pós-­‐operatório, no caso desse paciente, ele os utilizou a seu favor, apoiando-­‐se na troca 413 >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 de experiências com outros transplantados, o que lhe deu maior suporte para enfrentar aquele momento. A troca de experiência com outras pessoas que vivenciaram a mesma situação trouxe mais tranqüilidade ao informante-­‐chave deste estudo, uma vez que o possibilitou verificar que muitos transplantados passaram pelos mesmos tipos de problemas, tendo sentido os impactos de forma similar. Esse aspecto refletiu no seu comportamento após o transplante, no modo como passou a encarar a nova condição e na forma de adaptar-­‐se a esses sentimentos. Na realidade do nosso informante-­‐chave, as complicações vieram, porém o paciente interpretou e transformou esses sentimentos em força, superação e vontade de viver, fato este que contribuiu significativamente para a superação das dificuldades e uma melhor qualidade de vida. O sofrimento que sentiu no pós-­‐operatório e a espera angustiante pela retomada do funcionamento do rim podem ser verificados a seguir: “(...) eu passei vinte e oito dias, o rim demorou a funcionar e foi um sofrimento muito grande e só a minha esposa ia me visitar, eu sentia muita falta da família, nesse momento, muita falta mesmo... Os visitantes dos outros pacientes passaram a ser a minha família, iam lá conversar comigo, iam me dar atenção e só a minha esposa ia e ninguém tinha tempo e eu chorava muito, e até que uma vez uma tia minha apareceu de surpresa lá e eu chorei tanto (...)” “(...) Nesse período aí eu já estava fazendo diálise porque houve algumas complicações e o rim demorou a funcionar e passei vinte e oito dias enclausurado... Para mim foi um enclausuramento (...)” O medo da rejeição do órgão é corriqueiro entre pacientes transplantados renais (Santos et al., 2015). Isto ocorre devido a Função Retardada do Enxerto (FRE), que é uma complicação comum e pode ser definida como a necessidade de diálise durante a primeira semana após o transplante renal (Motta, Rocha, Souza, & Cruz, 2013). Esse quadro prolonga o tempo de internamento e expõe o paciente às infecções advindas do ambiente hospitalar, além de gerar ansiedade sobre seu prognóstico. 3.2 Comportamentos pós-­‐transplante Ao enfrentar a nova condição, mesmo com as limitações impostas pelo transplante, o paciente adotou uma postura de superação que o levou a exercer uma atividade profissional e cultivar os seus talentos. “(...)Tem gente que não sai de casa nem para respirar... Gente, depois do transplante, eu não me senti assim, me sentia bem... fui para o supermercado, trabalhei vendendo quentinha, porque eu fiquei parado dentro de casa, minha esposa trabalhava, meu filho ia para o colégio e eu ficava fazendo quentinha em casa e o meu filho chegava e ia distribuir as quentinhas para mim, para eu não ficar parado(...)” “(...)Atualmente, sou pedagogo, fiz licenciatura em pedagogia, estou fazendo pós-­‐graduação em gestão e coordenação escolar e sou arte-­‐educador, ator e contador de estórias(...)” Com o passar do tempo, o paciente retomou suas atividades como professor de artes em uma escola pública e suas performances artísticas como ator e contador de histórias. Segundo ele, representar personagens e trabalhar com arte trazem prazer e realização, além disso, o mantém com a agenda cheia. Apesar dessa proatividade e disposição física e mental, ele reforça que não descuida da sua saúde, pois a considera como o bem mais valioso que possui. 414 >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 Em seu estudo, Andrade, Sesso e Diniz (2015) concluíram que pacientes que não exercem atividade laboral apresentam mais sintomas depressivos do que pacientes profissionalmente ativos. Outros estudos apontam que o exercício da atividade laboral após o transplante renal está fortemente associado a uma melhor qualidade de vida (Costa & Nogueira, 2014), o que demonstra a importância do trabalho no autoconceito, enquanto ser produtivo, e na autopercepção dentro do seu contexto social. Na prática assistencial, é comum encontrar pacientes que abandonam suas atividades, embora estejam aptos fisicamente, e usam a doença como justificativa. 3.3 Ressignificação da vida Os relatos identificados nesta temática referem-­‐se a novas formas de ver a vida e os contextos nos quais está inserido. Assim, o paciente refere-­‐se ao transplante como cura cotidiana, manifestando sua gratidão pela oportunidade de continuar a viver e evidencia a importância da busca pelo conhecimento sobre a nova condição de saúde após o transplante. A vida cotidiana pode ser compreendida como espaço de formação do sujeito que se inicia desde o nascimento e, com a sua imersão no universo cultural, o sujeito vai se legitimando e dando continuidade nesse crescimento (Silva, 2012). Cotidiano pode ser definido como uma sucessão de acontecimentos vividos, incluindo espaços sociais, tempos diversos, pessoas, objetos variados e que são desenvolvidos no dia a dia (Takatori, 2001; Ferraço, 2007; Pirágine & Aule, 2010). É o espaço social em que o indivíduo vive e ocupa, não sendo mera rotina, nem repetição automática de ações e movimentos, ou seja, fazer por fazer; mas espaço próprio, onde o sujeito busca praticar atividades que possibilitem a criatividade e a transformação (Duarte & Uchôa-­‐Figueiredo, 2010). Verifica-­‐se nas narrativas do paciente, que essa busca pela criatividade e transformação fazem parte da sua realidade pós-­‐transplante e isso remete às formas de superação encontradas por ele em busca de uma melhor qualidade de vida. No relato a seguir, fica clara a retomada da rotina cotidiana e do lazer; porém revestidos pela consciência das suas limitações, do cuidado necessário e da importância de sua recuperação, fato que contribuiu de forma significativa para o resgate da vida normal. Camargo, Quintana,
Weissheimer, Junges e Martins (2013) defendem que a realização do transplante para muitos pacientes está associada a ideia de morte; mas, para outros, pode significar a concepção da vida nova e a sua adaptação ao adoecimento e à expectativa de cura. “(...) Depois de três meses do transplante, eu já fui para Canoa Quebrada com protetor solar. Meu cunhado veio de outro estado, quis passear e eu levei ele dirigindo...fiquei lá na barraquinha quietinho, levei meu almoço, levei minha água e fiquei lá na sombra e não tive medo de jeito nenhum... depois, viemos embora e não aconteceu nada de errado.” No estudo de Brito et al. (2015) foi constatado que o retorno às atividades normais foi o ganho mais importante na opinião dos participantes. Conforme as mesmas autoras, o fato de sua vida não depender de uma máquina e o retorno a uma dieta com menores restrições, favorece a participação social e fortalece sua autoestima. A ressocialização, a retomada da autonomia e do direito de ir e vir, são alguns dos ganhos secundários adquiridos pelo paciente que se submete ao transplante renal. Outro aspecto importante é a gratidão evidenciada nos relatos do paciente. Ele reflete isso no agradecimento que faz aos profissionais que cuidaram dele e à Deus. “(...) E esse aqui foi o doutor que me operou o doutor R. Uma vez eu estava lá no corredor e tive o prazer de conhecê-­‐lo pessoalmente e foi ele que colocou o rim em mim..., então foi um prazer muito grande vê-­‐lo nesse dia e bater essa foto com ele (...)” 415 >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 “(...) Minha vida é um barco que vai pelo mar, na tempestade balança, mas Deus não deixa virar.(...)” Um estudo realizado por Madeiro et al. (2010) sobre a adesão de portadores de insuficiência renal crônica ao tratamento de hemodiálise mostra que algumas das reações positivas para o enfrentamento do ploblema consistem em ter alegria pelo fato de ter consciência sobre a possibilidade de tratamento e aliviar os sintomas, além da tranquilidade por ter fé em Deus. Os autores ainda revelam que as reações dessas pessoas diante das mudanças e mecanismos de enfrentamento relacionam-­‐se direta ou idiretamente ao suporte que recebem dos seus entes queridos, além de suas crenças e valores. Esses mesmos sentimentos de fé e amparo também permeiam a vida do paciente após o transplante. Outro aspecto que favorece a ressignificação da vida após o transplante é a busca constante pelo conhecimento da nova condição. Essa atitude perpassa a toda a história de vida do paciente, pois ele se define como uma pessoa curiosa e que, ao longo da sua trajetória, sempre buscou amparo no conhecimento para cuidar melhor da sua saúde. “(...) eu não fazia nenhum procedimento se eles não me disserem o que era... Tudo o que eu sentia eu queria saber o que era. Eu fiz uma biópsia do rim... e eu procurava saber o motivo de tudo. Eu pegava no exame, eu pedia ao doutor para eu ver o exame... Então, eu sempre fui muito ativo, muito esperto e muito observador. Assim, eu aprendi muitas ciosas sobre a minha doença e como cuidar melhor da minha saúde.” Lopes e Jorge (2005) e Carvalho, Borges e Rêgo (2010) definem o sentido como uma das três premissas propostas por Blumer (1969). O significado é um dos elementos mais importantes para o estudo do comportamento humano, das interações e dos processos, sendo um produto social que advém do produto das atividades interativas das pessoas. É este significado que favorece aos estudiosos compreender o processo social e as características das interações interpessoais. Para isso, precisam ter familiaridade com os significados experienciados pelos participantes de um determinado grupo. A interpretação, por sua vez, refere-­‐se à capacidade das pessoas que interagem de refrear as inclinações, impulsos, desejos e sentimentos em função do outro e do modo como julga ou ressignifica. Assim, corresponde aos acontecimentos vivenciados que impulsionam a pessoa, orientando uma nova ação ao reconsiderar a conduta. Blumer (1969) deixa a mensagem de que a ação é mediada pelo conhecimento. Assim, observa-­‐se que ao conhecerem em profundidade o seu problema e suas limitações, os pacientes transplantados conseguem cuidar melhor da sua saúde. O informante-­‐chave deste estudo, ao narrar a sua história de vida deixa bastante evidente a sua preocupação com o conhecimento, o que resulta em interpretações que o levam a cuidar bem da sua saúde e lidar de forma saudável com a condição que vivencia. 3 Conclusões A realização do transplante renal desperta sentimentos ambíguos, como coragem e medo, alívio e dor, alegrias e tristezas e liberdade e limitação. O desenrolar da trajetória de vida de um paciente transplantado depende das decisões tomadas pelo próprio paciente, pois os relatos desvelam que as estratégias de enfrentamento da doença e do tratamento são inerentes às subjetividades, repletas de suas histórias de vida, valores, crenças e ideologias. Foram identificados aspectos bastante relevantes ao longo da narrativa do paciente que podem subsidiar profissionais de saúde, outros pacientes e as famílias a lidaram melhor com um 416 >>Atas CIAIQ2016 >>Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en Salud//Volume 2 transplantado renal, visto que as temáticas expressam a importância dos sentidos, dos comportamentos e ressignificações sobre a doença e a vida após o transplante. O conhecimento da história de vida apresentada neste artigo possibilita uma mediação externa, o que poderá auxiliar no empoderamento de outras pessoas que passam por uma situação similar. Essa narrativa possibilita, ainda, uma reflexão sobre as estratégias de assistência e cuidado adotadas nos serviços de saúde do Brasil, visando a uma remodelação que permita o exercício de um cuidado personalizado que atente para os múltiplos contextos, personalidades e etapas do tratamento em que o paciente se encontra. Referências Andrade, S. 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