Transtorno de Pânico - Associação Brasileira de Psiquiatria

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REVISTA
DEBATES EM
Ano 3 • n°4 • Jul/Ago 2013
ISSN 2236-918X
Publicação destinada exclusivamente aos médicos
www.abp.org.br
ARTIGOS
Transtorno de Pânico:
Aspectos Psicopatológicos e Fenomenológicos
Tratamento Combinado:
Psicofarmacologia e Psicoterapia
Afinal, o lítio é um teratógeno relevante?
Delírio parasitário em idoso com doença
encéfalo-vascular e múltiplas comorbidades
Considerações Sobre Risco-Benefício
do Tratamento do Transtorno Bipolar
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
1
////////////// EDITORIAL
OPINIÃO
A
RDP deste mês abre com um artigo de Alexandre Valença sobre o Pânico,
um transtorno de ansiedade caracterizado por ataques de pânico, ansiedade
antecipatória e esquiva fóbica. O autor apresenta um artigo de revisão onde
descreve a psicopatologia e fenomenologia desse relevante transtorno,
atualizando o estado da arte com referência a estudos laboratoriais desse tipo de ansiedade.
Uma leitura proveitosa para o psiquiatra clínico, residentes e estudantes.
Luiz Mabilde apresenta um artigo em que discute o tratamento combinado de psicoterapia
e terapêutica medicamentosa. O assunto é controvertido na psiquiatria, e o autor
apresenta uma conclusão favorável baseando-se numa revisão da evolução de aspectos
psicodinâmicos e psicofarmacológicos envolvidos nesse tratamento combinado. Ele
então introduz um modelo terapêutico integrativo, cujo sucesso está na dependência da
capacidade do psiquiatra. O artigo abre uma discussão interessante, especialmente para os
que se dedicam à psiquiatria psicodinâmica.
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
EDITOR
Em uma oportuna revisão, Amaury Cantilino e colaboradores chamam atenção para o
efeito teratógeno do lítio, implicado no risco de malformações cardíacas. Em seu artigo os
autores revisam os dados da literatura e assinalam possíveis vieses que podem colocar em
dúvida as estimativas aceitas na atualidade. O potencial teratogênico do lítio não deve ser
desprezado, enfatizam os autores, pois apresentam uma série de medidas que o psiquiatra
deve tomar ao prescrever o lítio na gravidez.
Na sessão Relato de Casos, Raimundo Mourão, Rogério Beato e Alexandre Ferreira
descrevem a clínica de um delírio parasitário em idoso com doença encéfalo-vascular e
múltiplas comorbidades, uma excelente oportunidade para o leitor revisitar a Síndrome de
Ekbom e atualizar seus conhecimentos.
Também em uma Comunicação Breve, Jorge Salton nos proporciona uma excelente leitura
sobre o diagnóstico abusivo do TAB e as consequências indesejáveis desse overdiagnosis,
notadamente o uso abusivo da lamotrigina. Em um breve comentário, ele nos mostra os
perigos da lamotrigina e esclarece se este fármaco tem algum valor no tratamento do TAB.
Os editores
JOÃO ROMILDO BUENO
EDITOR
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
3
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revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
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Antonio Pacheco Palha (Portugal), Marcos Teixeira (Portugal), José Manuel Jara
(Portugal), Pedro Varandas (Portugal), Pio de Abreu (Portugal), Maria Luiza
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Celso Arango López (Espanha), Manuel Martins (Espanha), Giorgio Racagni
(Italia), Dinesh Bhugra (Londres), Edgard Belfort (Venezuela)
Jornalista Responsável: Lucia Fernandes
Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Ilustração: Lavinia Góes
Produção Editorial: Luan Comunicação
Impressão: Gráfica Editora Pallotti
//////////////////// JUL/AGO
ÍNDICE
2013
6/artigo
Transtorno de Pânico: Aspectos Psicopatológicos e
Fenomenológicos
por ALEXANDRE MARTINS VALENÇA
14/artigo
Tratamento Combinado: Psicofarmacologia
e Psicoterapia
por LUIZ CARLOS MABILDE
24/artigo
Afinal, o lítio é um teratógeno relevante?
por AMAURY CANTILINO, JOEL RENNÓ JR,
HEWDY LOBO RIBEIRO, JULIANA PIRES CAVALSAN,
RENAN ROCHA, RENATA DEMARQUE,
JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES RIBEIRO,
GISLENE VALADARES, ANTONIO GERALDO DA SILVA
32/relato
Delírio parasitário em idoso com doença
encéfalo-vascular e múltiplas comorbidades
POR RAIMUNDO JORGE MOURÃO, ROGÉRIO BEATO,
ALEXANDRE DE AGUIAR FERREIRA
36/comunicação breve
* As opiniões dos autores são de exclusiva responsabilidade dos
mesmos
Considerações Sobre Risco-Benefício
do Tratamento do Transtorno Bipolar
por JORGE ALBERTO SALTON
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
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ARTIGO
DE REVISÃO
por ALEXANDRE MARTINS VALENÇA
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TRANSTORNO DE PÂNICO: ASPECTOS
PSICOPATOLÓGICOS E FENOMENOLÓGICOS
PANIC DISORDER: PSYCHOPATHOLOGICAL
AND PHENOMENOLOGICAL FEATURES
Resumo
O transtorno de pânico é um transtorno de ansiedade caracterizado pela presença de três síndromes clínicas: o ataque de pânico, a
ansiedade antecipatória e a esquiva fóbica. Nesse artigo de revisão
o autor descreve a psicopatologia e fenomenologia desse importante transtorno de ansiedade. São também mencionados estudos laboratoriais de ataques de pânico.
Palavras-chave: ansiedade; pânico; transtorno; psicopatologia;
fenomenologia.
Abstract
Panic disorder is an anxiety disorder characterized by the presence of three clinical syndromes: the panic attack, the anticipatory
anxiety and or phobic avoidance. In this review article the author
describes the psychopathology and phenomenology of this important anxiety disorder. Laboratory studies of panic attacks are also
mentioned
Keywords: anxiety; panic; disorder; psychopathology; phenomenology
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revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
Introdução
C
om a abolição do termo “neurose” e consequente reclassificação dos transtornos de ansiedade, os ataques
recorrentes de ansiedade (ataques de pânico), associados ou não a agorafobia, passaram a ter uma nova classificação nosológica: DSM-III1, DSM-III-R2, DSM-IV3, DSM-IV-TR4 e
CID-105. O diagnóstico do Transtorno de Pânico (TP) é baseado
na existência de três síndromes clínicas importantes: o ataque de
pânico, a ansiedade antecipatória e a esquiva ou evitação fóbica.
De acordo com Faravelli e Paionni6, o TP parece ter uma prevalência ao longo da vida de aproximadamente 1,5 a 2% da população, estando associada a maior morbidez psiquiátrica (depressão,
alcoolismo, risco de suicídio).
Uma das mais notáveis características da descrição de um paciente com Transtorno do Pânico é a natureza física dos sintomas.
Ao contrário do Transtorno de Ansiedade Generalizada, onde a
preocupação e tensão são predominantes, pacientes com Transtorno do Pânico invariavelmente começam descrevendo a doença
com referência ao pulmão, coração, trato gastrointestinal e “nervos”. O número de queixas físicas puras no Transtorno do Pânico o
distingue das queixas mais “emocionais” dos pacientes com transtorno de ansiedade generalizada7.
Os ataques de pânico estão entre os diagnósticos mais frequentes que levam os pacientes a procurar atendimento em serviços
clínicos de emergência. Desta forma, o diagnóstico e manejo do
ataque de pânico interessam a psiquiatras e clínicos gerais. De
acordo com Ballenger8, 90% dos pacientes com TP acreditam que
têm um problema físico e não um problema psiquiátrico ou psicológico.
É muito comum o paciente com TP fazer uma verdadeira “peregrinação”, consultando-se com diversos especialistas e fazendo
diversos exames, muitas vezes desnecessários. Dentro deste aspecto, o paciente pode procurar diversos médicos, de acordo com
ALEXANDRE MARTINS VALENÇA 1
1 Doutor em Psiquiatria pelo IPUB/UFRJ. Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da
Universidade Federal Fluminense- Niterói-RJ. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde
Mental do IPUB-UFRJ. Médico da Divisão de Saúde do Trabalhador (DVST-UFRJ) e do Programa de Ensino e
Pesquisa em Psiquiatria Forense do IPUB-UFRJ. Pós-Doutorado em Fisiologia da Respiração- Instituto de Biofísica
Carlos Chagas Filho- UFRJ. Pesquisador do Laboratório de Pânico & Respiração do IPUB/UFRJ. Editor Associado da
revista Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Psiquiatra Forense pela Associação Brasileira de Psiquiatria.
as queixas somáticas predominantes: gastroenterologista (diarreia,
náusea, cólon irritável), pneumologista (hiperventilação, dificuldade de respirar, sensação de sufocação ou asfixia), cardiologista (dor
no peito, taquicardia) otorrinolaringologista (dificuldade de engolir, tonteira, desequilíbrio), ginecologista (ondas de calor), neurologista (cefaleia, parestesias, “derrame”). Certamente o diagnóstico e
tratamento precoces do TP são essenciais para reduzir as consequências físicas e sociais do transtorno.
Ainda em relação a este aspecto, um estudo retrospectivo de
Katon9 encontrou que de 55 indivíduos com TP encaminhados a
consulta com psiquiatra por clínicos gerais, 89% se apresentaram
inicialmente com uma ou mais queixas somáticas, havendo manutenção do diagnóstico incorreto por meses ou anos. Neste estudo
as apresentações clínicas mais comuns foram sintomas cardíacos
(dor no peito, taquicardia, batimentos cardíacos irregulares), sintomas gastrointestinais (pirose, dor abdominal, diarreia) e sintomas
neurológicos (cefaleia, tontura, vertigem, parestesias). Cerca de
81% dos pacientes tinham queixa atual de dor. De acordo com este
autor, os intensos sintomas fisiológicos do TP e a estigmatização
dos transtornos mentais contribuem para que muitos indivíduos
“selecionem” seu foco de atenção em um ou mais sintomas físicos,
como dor no peito, tontura e taquicardia, e os apresentem ao clínico geral, minimizando ou negando outros sintomas de ansiedade.
Por outro lado, a ansiedade grave pode causar alterações psicofisiológicas, tais como diarreia, náusea, dor epigástrica ou exacerbação de uma doença pré-existente como asma brônquica.
Psicopatologia e Fenomenologia
O Transtorno do Pânico (TP) caracteriza-se por ataques de ansiedade frequentes e recorrentes. O DSM-IV-TR4 define o ataque
de pânico como um período de intenso medo ou desconforto,
no qual quatro ou mais dos seguintes sintomas se desenvolvem
abruptamente e atingem um pico em torno de dez minutos:
1) Falta de ar (dispneia) ou sensação de asfixia
2) Vertigem, sentimentos de instabilidade ou sensação de desmaio
3) Palpitações ou ritmo cardíaco acelerado (taquicardia)
4) Tremor ou abalos
5) Sudorese
6) Sufocamento
7) Náusea ou desconforto abdominal
8) Despersonalização ou desrealização
9) Anestesia ou formigamento (parestesias)
10) Ondas de calor ou frio
11) Dor ou desconforto no peito
12) Medo de morrer
13) Medo de enlouquecer ou cometer ato descontrolado
Ao contrário do DSM-III-R2, que valorizava muito a frequência
dos ataques, os critérios diagnósticos do DSM-IV3 DSM-IV-TR4
para Transtorno do Pânico com ou sem agorafobia enfatizam mais
a preocupação sobre as implicações do ataque de pânico (“... preocupação persistente em ter ataques adicionais, preocupação sobre
as consequências do ataque e alteração significativa de comportamento relacionada aos ataques de pânico...”).
O ataque de pânico é descrito como um período de intenso
medo ou ansiedade, acompanhado de sintomas somáticos e psíquicos. Tem um início súbito e rapidamente atinge uma intensidade máxima em poucos minutos, com duração de 10 a 30 minutos
em média. A ansiedade característica de um ataque de pânico é
intermitente, de natureza paroxística e tipicamente de grande intensidade. Esta forma de ansiedade assim é diferenciada da encontrada no Transtorno de Ansiedade Generalizada, definida como
uma ansiedade crônica, de menor intensidade6.
Diversos tipos de ataques de pânico podem ocorrer. O mais comum é o ataque espontâneo de pânico, definido como aquele que
não está associado a nenhuma situação desencadeadora conhecida. Outro tipo é o situacional, que ocorre quando o indivíduo se
depara ou se expõe a certas situações, como por exemplo, trânsito, multidões, etc10. Também existem os ataques de pânico noturnos, caracterizados por despertar súbito, terror e hipervigilância.
Cerca de 40% dos pacientes com Transtorno do Pânico apresentam ataques de pânico durante o sono11. Outro tipo é aquele desencadeado por determinados contextos emocionais, como por
exemplo, desentendimentos familiares ou ameaça de separação
conjugal. Por último, temos os ataques de pânico com sintomas
limitados, quando os pacientes apresentam três ou menos de sintomas somato-psíquicos durante o ataque de ansiedade.
Klein e Gorman12 formularam um modelo fenomenológico trifásico para o TP. O ataque de pânico seria a característica mais importante deste transtorno, caracterizado por uma ansiedade súbita, surgimento de sintomas autonômicos de forma crescente e um
senso subjetivo de terror, com duração de 10 a 30 minutos e posterior retorno ao funcionamento normal. A segunda característica
seria a ansiedade antecipatória. Nesta fase o paciente desenvolve
uma preocupação de que um ataque de pânico ocorra novamente, surgindo um estado crônico de ansiedade. A ansiedade antecipatória ocorre no intervalo entre os ataques de pânico, sendo uma
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ARTIGO
DE REVISÃO
por ALEXANDRE MARTINS VALENÇA
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ansiedade constante e difusa. Esta forma de ansiedade tem muitas
características da ansiedade encontrada no Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): aumento da atenção sobre sensações
somáticas, apreensão e hiperatividade. A ansiedade antecipatória
frequentemente leva a um comportamento de evitação (fobia).
Alguns pacientes (um terço a dois terços) podem desenvolver
uma terceira fase do transtorno: a evitação fóbica. Eles ficam tão
amedontrados de sofrerem novo ataque de pânico que evitam
estar em locais ou situações de onde seja difícil ou embaraçoso
escapar ou obter ajuda, caso sejam acometidos por um ataque
de pânico.
O termo agorafobia foi descrito pela primeira vez por Westphal
(apud Faravelli e Paionni6), em 1871, em sua descrição de três homens que apresentaram intensa ansiedade ao caminhar em espaços abertos ou através de ruas vazias. Frequentemente a agorafobia está associada a sintomas de ansiedade psíquica, como medo
de perder o controle, medo de enlouquecer ou de ficar envergonhado, medo de desmaiar ou morrer. Isto vai levar o indivíduo a
evitar uma série de situações que podem incluir: estar sozinho em
casa ou sair sozinho para a rua, estar em lugares com muitas pessoas, viajar, utilizar transportes públicos (ônibus, metrô), andar de
carro, atravessar uma ponte, etc.
Em geral o indivíduo agorafóbico enfrenta melhor uma determinada situação quando acompanhado, mesmo se esta companhia for incapaz de ajudá-lo, como uma criança ou um animal de
estimação. Quando esta agorafobia é muito grave, vai trazer uma
grande limitação ao indivíduo, impedindo-o de viajar, trabalhar ou
assumir responsabilidades. A agorafobia grave pode ser totalmente incapacitante, sendo considerada um indicativo de prognóstico desfavorável, a longo prazo13. Em alguns casos o indivíduo não
consegue sair de casa ou não consegue ficar em casa sozinho. É
comum que aqueles com agorafobia apresentem mais ataques de
pânico situacionais do que ataques de pânico espontâneo. O componente de agorafobia está presente em um terço a dois terços
dos casos de TP, sendo mais frequente em serviços de referência
para tratamento psiquiátrico, especialmente aqueles com programas estruturados para atendimento de transtornos de ansiedade.
O curso da agorafobia em relação ao curso do ataque de pânico
é variável. Em alguns casos, uma diminuição ou remissão de ataques de pânico é seguida de uma diminuição do comportamento
de evitação fóbica. Em outros casos, a agorafobia pode ser crônica,
independente da presença de ataques de pânico. Na agorafobia
persistente, a terapia cognitivo-comportamental, com técnicas de
exposição progressiva a estímulos temidos (fóbicos), vai adquirir
grande importância.
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O Transtorno de Pânico na CID-10
e DSM-IV-TR
No DSM-IV-TR4, os transtornos ansiosos estão contidos no item
transtornos de ansiedade, conforme abaixo.
TP sem agorafobia
TP com agorafobia
Agorafobia sem pânico
Fobia específica
Fobia social
Transtorno obsessivo-compulsivo
Transtorno de estresse pós-traumático
Transtorno de estresse agudo
Transtorno de ansiedade generalizada
Transtorno de ansiedade por doenças médicas
Transtornos de ansiedade por uso de substâncias
Na CID-105, os transtornos de ansiedade estão englobados no
capítulo F40 - F48, com subcapítulos: transtornos fóbico-ansiosos,
outros transtornos de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, reação a estresse grave e transtornos de ajustamento, transtornos dissociativos, transtornos somatoformes e outros transtornos
neuróticos.
Em 1980, o DSM-III1 considerou três categorias separadas: TP,
agorafobia com TP e agorafobia sem TP. Entretanto, vários investigadores14 passaram a considerar que a agorafobia não seria uma
entidade separada, mas sim uma complicação secundária ao TP.
Eles descreveram que agorafobia antes do início de ataques de pânico era incomum e que TP e agorafobia eram semelhantes em
sua apresentação clínica. Estudos genéticos do TP deram suporte
ao conceito de agorafobia como uma variante mais grave do TP, e
não uma entidade separada15. Assim, consistente com esta visão, o
DSM-III-R2, a reclassificou com uma sequela principal do TP, o qual
poderia se apresentar com ou sem agorafobia, sendo esta classificação mantida no DSM-IV3 e DSM-IV-TR4.
Entretanto, a agorafobia sem ataques de pânico permaneceu em
ambos os sistemas classificatórios, por causa de repetidas descrições desta forma de ansiedade, que embora não existente na prática clínica, continuou a ser um diagnóstico comum em estudos
comunitários. O DSM-IV-TR4, entretanto, privilegia o ataque de
pânico como um componente essencial do TP, sendo a agorafobia
uma complicação. Como foi postulado por Klein16, o TP começa
com um ataque de pânico inicial, que é seguido pelo medo de
ter novos ataques (ansiedade antecipatória) e posteriormente pela
evitação de situações consideradas desencadeadoras de ataques
de pânico pelo indivíduo. A CID-105, ao contrário, classifica a associação de TP e agorafobia entre os transtornos fóbico-ansiosos,
desta forma aceitando a visão de que a agorafobia é o elemento
central do TP.
Estudos fenomenológicos do
Transtorno de Pânico
Embora os ataques de pânico tenham uma importância central no TP, o conhecimento deles é limitado e baseado em dados
retrospectivos, cuja fidedignidade é incerta. Poucos estudos fenomenológicos sobre TP têm sido realizados, a maioria em ambiente
natural, não controlado. Shiori e col.17 entrevistaram 247 pacientes
com TP, avaliando os sintomas que aconteceram durante o ataque
de pânico mais recente dos pacientes. Os sintomas mais encontrados foram palpitação, dispneia, tonturas e sensação de desmaio.
Margraf e col.18, num estudo com 27 pacientes com TP, constataram que os sintomas mais frequentemente descritos foram palpitação, tontura, dispneia, náusea, sudorese e dor ou desconforto
no peito. De Beurs e col.19, avaliando 1276 ataques de pânico registrados por 94 pacientes com TP, verificaram que os sintomas mais
frequentes foram palpitação (78%), tontura (75%), sudorese (66%),
dificuldade de respirar (65%) e tremores (65%).
De acordo com o DSM-IV-TR4, no TP há presença de sintomas
respiratórios como dispneia, sensação de falta de ar e sufocação.
Para Briggs e col.20, os sintomas físicos de ataque de pânico nos
pacientes podem ser semelhantes, e uma diferença apropriada,
baseada em sintomas, é a presença ou ausência de sintomas respiratórios. Valença e col.21, em estudo fenomenológico de ataques
de pânico em laboratório, utilizando o teste de indução de ataques
de pânico com CO2 a 35% (agente panicogênico) em uma amostra com 31 pacientes com TP, encontraram que os sintomas respiratórios como dificuldade de respirar e sensação de sufocação/
asfixia, foram os mais frequentes sintomas de ataque de pânico
apresentados após a inalação de CO2. Biber e Alkin22, em estudo
com metodologia semelhante, utilizaram o teste de indução de
ataques de pânico com CO2 a 35% em 51 pacientes com TP. Estes
foram divididos em dois subtipos: um “respiratório” (n=28), que
apresentava sintomas respiratórios proeminentes, e outro “não
respiratório”. Foi verificado que 22(79%) dos 28 pacientes do subtipo “respiratório” e 11(48%) dos 23 pacientes do subtipo “não respiratório” apresentaram ataques de pânico após inalação de CO2
a 35% (diferença estatisticamente significativa). É levantada a hipótese de que indivíduos com subtipo “respiratório” de TP seriam
mais sensíveis ao teste de indução de ataques de pânico com CO2.
Bandelow e col.23 encontraram que um grupo de pacientes com
TP com sintomas cardiorespiratórios (medo de morrer, dor no peito, dispneia, parestesias e sensação de sufocação) tinham menos
ataques de pânico situacionais e mais ataques de pânico espontâneos. Biber e Alkin22 apontam para o fato de que, de forma geral,
aqueles pacientes com sintomas respiratórios proeminentes têm
mais ataques de pânico espontâneos e noturnos; história de experiência traumática passada de sufocação; passado de doenças
respiratórias; história de tabagismo pesado; maior duração do TP;
e melhor resposta ao tratamento com antidepressivos tricíclicos.
De acordo com Freire e Nardi24, estudos indicam que os pacientes
com TP que apresentam sintomas respiratórios dominantes são
particularmente sensíveis a testes respiratórios, comparados àqueles que não manifestam sintomas respiratórios dominantes, representando um subtipo distinto.
O estudo fenomenológico do TP é importante por poder identificar subtipos de TP, com curso, evolução e gravidade diversos,
bem como respostas terapêuticas distintas. O maior estudo desse
tema certamente poderá contribuir para elucidação de intervenções terapêuticas mais específicas para diferentes apresentações
clínicas do TP.
Correspondência:
R. Conde de Bonfim, 232, sala 511- Tijuca
Rio de Janeiro
CEP 20520-054
Email: [email protected]
Não há conflitos de interesse
Não houve fontes de financiamento.
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ARTIGO
DE REVISÃO
por ALEXANDRE MARTINS VALENÇA
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Referências
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revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
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ARTIGO
DE REVISÃO
por LUIZ CARLOS MABILDE
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TRATAMENTO COMBINADO:
PSICOFARMACOLOGIA E PSICOTERAPIA
COMBINED TREATMENT:
PSYCHOPHARMACOLOGY AND PSYCHOTHERAPY
Resumo
De uma posição conflitante em direção a uma posição de maior
integração, a psicoterapia combinada com a terapêutica medicamentosa vem obtendo mais psiquiatras praticantes. Eles têm caracterizado sua prática clínica por uma abordagem não dicotômica
entre a Psiquiatria Biológica e a Psiquiatria Psicodinâmica.
O objetivo deste trabalho é revisar a evolução de aspectos psicodinâmicos e psicofarmacológicos envolvidos no tratamento combinado.
Na segunda parte, é apresentar um modelo psiquiátrico terapêutico integrativo. A origem remonta a história de cada uma dessas
vertentes, sendo o resultado consequência da capacidade do psiquiatra. Ele deve integrar diagnóstico clínico com diagnóstico estrutural, bem como usar técnicas distintas.
Para melhor entender como o modelo funciona, o autor incluiu
duas ilustrações clínicas.
Palavras chaves: Tratamento Combinado, Psicofarmacologia,
Psicoterapia.
Summary
From a position of conflict to a position of greater integration,
psychotherapy combined with medication is attracting more
psychiatric practitioners.
Their clinical practice has been characterized by a non- dichotomous approach using both psychodynamic and biological psychiatry. The objective of this paper is to review psychodynamic and
psychopharmalogical evolution when involved in a combined treatment programme.
The second part of this paper presents an integrated therapeutic
psychiatric model.
The history of both these two approaches goes back to their
origins with subsequent consequences in psychiatric capacity and
skills.
The psychiatric practitioner should integrate a clinical diagnosis
with a structural diagnosis as well as using distinct techniques.
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revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
To better understand how this model functions the author has
included two clinical illustrations.
Keywords: Combined Treatment, Psychopharmacology, Psychotherapy.
INTRODUÇÃO
O
presente trabalho teve origem em uma mesa redonda sobre o tratamento dos transtornos ansiosos,
realizada no XVI Congresso Brasileiro de Psiquiatria,
em 1997. Naquela ocasião, foram apresentadas duas
abordagens distintas do transtorno ansioso, quais sejam a vertente
psicodinâmica e a farmacológica. Posteriormente, essa exposição
conjunta foi publicada na Revista de Psiquiatria RS.
Nas duas oportunidades, os autores¹ salientaram que tais modalidades terapêuticas psiquiátricas eram frequentemente vistas
como antagônicas, isto é, uma prevalecendo sobre a outra. Este
enfoque dicotômico pode ser explicado de diferentes formas. Por
exemplo, quanto aos objetivos manifestos do tratamento, o farmacológico visa a redução dos sintomas e o psicodinâmico a origem
dos sintomas; portanto o primeiro busca o alívio sintomático e o
segundo o desenvolvimento pessoal do paciente. Por outro lado,
o tratamento medicamentoso é pautado pelo diagnóstico clínico.
No psicodinâmico, além da constelação clínica, interessa muito o
diagnóstico caracteriológico, em termos dinâmicos (como o paciente funciona).
Segundo o CID -10² são seis os principais transtornos de ansiedade: fobias específicas, fobia social, transtorno do pânico, ansiedade
generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo, reação a estresse
grave e transtorno misto de ansiedade e depressão. Nas décadas
de 60 e 70, a ansiedade era tratada como uma dimensão, ou seja,
a ansiedade leve era tratada com tranquilizantes menores ou benzodiazepínicos e a ansiedade grave ou psicótica era tratada com
antipsicóticos. A partir dos anos 80, o enfoque passou a ser mais
LUIZ CARLOS MABILDE1
Psiquiatra. Professor/Supervisor Convidado dos Cursos de Especialização em Psiquiatria, Psicoterapia e
de Supervisão do CELG/UFRGS; Psicanalista Didata e Professor do Instituto de Psicanálise da Sociedade
Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).
categórico. Conforme a categoria diagnóstica instituía-se o tratamento. A importância das categorias ficou evidente quando estudos demonstraram que o tratamento da ansiedade; no transtorno
do pânico, por exemplo, era diferente do tratamento da ansiedade
no transtorno obsessivo-compulsivo. As teorias biológicas, relativas aos transtornos de ansiedade, desenvolveram-se a partir de
estudos pré-clínicos: 1) Com modelos de animais; 2) Pacientes e
determinação de fatores biológicos; 3) Aumento do conhecimento na área das neurociências; 4) Ação dos medicamentos.
Tem sequência no trabalho ‘A integração da psicofarmacoterapia e psicoterapia de orientação analítica’, no qual os autores³
destacaram o que se segue abaixo:
Freud, inicialmente, um neuropatologista, desenvolveu no final
do século XIX – um método de tratamento psíquico, que revolucionou o entendimento da mente humana e que denominou
de Psicanálise. Mesmo sem ter uma base neurofisiológica para os
transtornos mentais, Freud4 já aludia – na obra ‘Sobre o narcisismo:
uma introdução’ – a uma provável integração biopsíquica ao declarar: “Nós devemos recordar que todas nossas ideias provisórias
da psicanálise serão, presumivelmente, um dia baseadas em uma
subestrutura orgânica!”. Durante a primeira metade do século XX,
houve um grande avanço no estudo da teoria psicanalítica, sendo
esta terapia a predominante na época. Entretanto, contrariando
as próprias ideias de Freud, a pesquisa do somato (cérebro, corpo
orgânico) desenvolveu-se dentro da Psiquiatria, dissociada da Psicanálise (mente, psique).
Neste período, alguns psiquiatras tentaram integrar as teorias
cérebro/mente, em especial Adolf Meyer5, pioneiro do modelo
‘biopsicossocial’, que defendia o estudo do paciente ‘como um
todo’. Na década de 50, surgiram os primeiros medicamentos psicotrópicos e, nas décadas seguintes, ao mesmo tempo em que as
drogas entravam na prática ambulatorial (até então domínio dos
psicanalistas), também aumentava a polarização entre Psiquiatria
biológica e Psiquiatria dinâmica. Com o avanço das diretrizes diagnósticas e da metodologia das pesquisas, a medicina cada vez mais
passou a ser baseada em evidências, território no qual os estudos
com psicofármacos muito se desenvolveram, o que não ocorreu
com a Psicanálise e com a Psicoterapia de orientação analítica.
De fato, as diversas razões pelas quais se advoga uma linha de
tratamento ou outra (posição reducionista) são baseadas primariamente em argumentos teóricos e ideológicos e não em dados empíricos. Durante muitos anos, os psicanalistas entendiam
as neuroses como exclusivamente psicológicas, considerando os
tratamentos biológicos como inapropriados ou indesejados, pois
suprimiriam apenas os sintomas, paliativamente, e, portanto, obs-
truiriam a exploração do problema real. Desta forma, a medicação
agiria não a serviço da cura, mas a favor da resistência. Especialistas
em farmacoterapia, por sua vez, afirmavam que a psicoterapia era
desnecessária ou até mesmo danosa, pois mantinha os pacientes
preocupados com assuntos carregados de conflitos insalubres.
Hoffman6 sustentou a necessidade de um modelo unitário de
tratamento, uma vez que os transtornos mentais ocorriam permanentemente sob uma matriz psicológica e biológica. Revisando o
uso adjuvante da medicação na psicoterapia, Marmor7 e Karasu8
concluíram que as medicações eram mais úteis no alívio dos sintomas em curto prazo, permitindo que o paciente se tornasse mais
acessível à exploração psicoterapêutica. Bellak e cols.9 salientaram
que, para algumas formas de psicoterapia e mesmo para algumas
formas modificadas de psicanálise, as medicações faziam o papel
dos anestésicos na cirurgia: eles representam as condições que permitem a intervenção. Karasu8 concluiu, ainda, que cada modalidade teria diferentes ações e agiria em diferentes tempos durante o
tratamento. As drogas teriam sua maior eficácia na formação dos
sintomas e nas alterações afetivas, e fariam efeito mais precocemente, enquanto a psicoterapia influenciaria mais diretamente nas
relações interpessoais e no ajustamento social, com efeito, mais
tardio e mais prolongado.
Marcus10, em seu estudo sobre o tratamento combinado em
transtornos de personalidade e depressões, argumentou que os
antidepressivos melhoram dramaticamente a rapidez e eficácia da
psicoterapia, atuando em funções autônomas do ego, como a regulação e a modulação do afeto. Referiu, ainda, que essas melhoras
das funções do ego poderiam fazer a diferença entre uma relação
terapêutica negativa, que poderia destruir a psicoterapia, além de
modificar a transferência de um nível quase psicótico para níveis
neuróticos de organização e intensidade.
Donavan e Roose11 realizaram interessante estudo sobre integração terapêutica, no qual, de início, enviaram a todos os analistas
didatas do Centro de Treinamento e Pesquisa Psicanalítica de Colúmbia, EUA, a seguinte pergunta: “Quantos pacientes tomaram
medicação durante o curso de seu tratamento psicanalítico?”.
Demonstrou que 62% deles tinham pacientes em uso de psicotrópicos nos últimos cinco anos, o que correspondia a 20% do total dos pacientes tratados; e, para a grande maioria dos pacientes,
os analistas julgaram efetiva a ajuda da medicação, inclusive para
o processo analítico. Mais recentemente, Guimón e cols.12 conduziram uma pesquisa avaliando os métodos de tratamento dos psiquiatras suíços e evidenciaram que o uso associado da medicação
e psicoterapia era conduzido por 91,9% dos psicanalistas e 95,8%
dos psicoterapeutas.
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ARTIGO
DE REVISÃO
por LUIZ CARLOS MABILDE
1
MODELO PSIQUIÁTRICO
TERAPÊUTICO INTEGRATIVO
Este modelo é composto por três itens básicos:
1) Questões técnicas iniciais;
2) Formulação de um diagnóstico integrado;
3) Utilização de técnicas distintas;
1) Questões técnicas iniciais.
Os tratamentos medicamentosos e psicoterápicos podem
ser utilizados sob a forma de tratamento combinado ou em co-terapia. No primeiro, o mesmo Psiquiatra conduz ambas as modalidades, no mesmo paciente. Na co-terapia (split treatment, na
literatura internacional), o paciente consulta dois profissionais, um
para a psicoterapia e outro para a medicação. Esta é, naturalmente,
uma decisão que depende, por um lado, de cada psiquiatra, segun-
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revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
do sua preferência ou domínio dos dois tipos de tratamentos. Por
outro lado, depende do paciente, de acordo com sua preferência
ou tipo de patologia.
Para Busch e Gould13, o triângulo terapêutico (paciente, psicoterapeuta e psicofarmacologista) pode ser altamente recompensador para todas as partes, conquanto possa também promover
um campo fértil para o desenvolvimento de transferências negativas e respostas contratransferenciais de ambos profissionais. De
fato, segundo Bradley, o encaminhamento pode ser em parte um
enactment contratransferencial para lidar com um impasse na
psicoterapia. Nesta fase, sentimentos transferenciais negativos em
relação ao psicoterapeuta podem resultar em uma dissociação, em
que o psicofarmacologista, pela sua posição mais ativa e diretiva,
somada ao alívio dos sintomas pelo fármaco, torna-se o objeto
bom e idealizado. Portanto, o papel de cada terapeuta deve ser
claramente definido desde o início. São também importantes as
discussões periódicas, em especial no início do tratamento, para
que os profissionais não atuem a favor da dissociação do paciente.
Greene14 publicou um caso de análise em que praticara a terapia
combinada e concluiu que existem casos em que é crucial que o
analista prescreva a medicação, pois nesta modalidade pode ocorrer um ‘re-enactment’ transferencial específico, mais importante
do que a medicação per se. Nos casos em que o mesmo terapeuta
conduz a psicoterapia e o tratamento farmacológico, a via comum
destas forças é a transferência. Assim sendo, tanto a ação farmacológica pode modificar a transferência, assim como a transferência
pode modular a experiência subjetiva da ação do medicamento.
Outro ângulo técnico importante, durante a terapia combinada,
é a diferença da ‘distância ótima’ entre terapeuta e a experiência
emocional do paciente. Na prática psicoterápica – como é sabido
– o terapeuta mantém uma proximidade maior com a vida emocional do paciente do que ocorre na psicofarmacoterapia. Nesse
sentido, na terapia combinada, Hamilton e cols.15 sugeriram que o
terapeuta inicie a sessão com uma posição mais distante, com o
objetivo de revisar as doses, sintomas, efeitos colaterais, etc. e vá se
aproximando no decorrer da sessão.
Outro aspecto técnico diz respeito ao fato de que os programas
de residência em Psiquiatria raramente ensinam sobre o tratamento combinado. A supervisão dos residentes, em geral, é dividida
(dissociada) nas duas partes do tratamento. Como consequência,
é comum encontrar residentes preocupados (culpados) por implantarem o tratamento combinado, pois ‘estariam’ se desviando
do procedimento ortodoxo. Segundo Lipowski16, os residentes devem ser ensinados sobre avaliação diagnóstica multifatorial, bem
como sobre as diversas modalidades terapêuticas. De qualquer
forma, é possível que a realidade do ensino reflita não só a prática usual e atual, assim como a realidade no campo das pesquisas.
Kandel17 argumentou que, embora a Psicanálise tenha sido científica em seus objetivos, não foram assim seus métodos. Isto é, não
foram desenvolvidos instrumentos de pesquisa capazes de testar
as hipóteses geradas. Drob18 destaca, a propósito, a teoria da comensurabilidade e a teoria do relativismo (incomensurabilidade).
Teóricos da primeira delas defendem que deveria ser provado qual
das teorias psiquiátricas seria a mais adequada, tendo por base
determinado critério de validade, o que se aproximaria muito da
chamada Medicina baseada em evidências. Já os teóricos do relativismo acreditam que, em nenhum momento, qualquer critério
de validade deve ser aceito, pois cada teoria depende das hipóteses iniciais sobre a natureza do homem, hipóteses que não estão disponíveis para serem testadas empiricamente. Dessa forma,
as hipóteses fundamentais da Psiquiatria seriam incomparáveis e
incomensuráveis. Lipowski16 – frente ao problema – defende um
reducionismo metodológico como estratégia. Ou seja, o pesquisador elegeria pesquisar as variáveis de apenas uma das classes, biológica ou psicológica, na tentativa de estudar a contribuição de cada
classe. Mais recentemente, com o surgimento da Neuropsicanálise,
estudos estão sendo conduzidos com o objetivo de integrar psicanálise e neurobiologia. Fonagy e cols.19 estudaram os resultados dos
tratamentos psicanalíticos e concluíram que:
1) Não há um estudo que demonstre a eficácia da psicanálise
em relação a um placebo ativo ou a um método alternativo de
tratamento;
2) Entre as limitações metodológicas, encontraram o viés de
seleção da amostra e a falta de diagnósticos padronizados, de
grupo-controle, de indicação aleatória (randomização) e de uma
avaliação independente de resultados; 3) muitos dos estudos em
andamento são metodologicamente mais modernos.
2) Formulação de um Diagnóstico Integrado / Utilização
de Técnicas Distintas
No modelo integrado – como era de se prever – o estabelecimento do diagnóstico não seguirá uma ordem prévia, do tipo
primeiro o clínico, depois o estrutural. Seguirá, sim, a um plano
dinâmico de escuta e de observação dos dados clínicos e do funcionamento do paciente, que lembra muito o modelo psicanalítico. Isto é, de início, valem muito os dados transferenciais e das
associações livres do paciente, além dos clínicos. De parte do terapeuta, a valorização da atenção flutuante e das reações contratransferenciais. Essa atitude receptiva e neutra do terapeuta permite que o mesmo vá construindo, mentalmente, uma hipótese
(s) diagnóstica (s), a qual não imporá precedência de um tipo de
diagnóstico sobre o outro. Tampouco implicará a necessidade de
a hipótese diagnóstica preceder a investigação, a compreensão e
mesmo qualquer ideia terapêutica do caso.
Por diagnóstico estrutural pretendo caracterizar, nas palavras de
Bergeret20, o “modo de funcionar das infraestruturas latentes, tanto no estado normal quanto nas evoluções mórbidas dessas estruturas de base da personalidade”. Por conseguinte, “sua classificação
não repousa sobre supercategorias manifestas e sua metodologia
visa ligações, associações e investimentos que regem os processos
de escoamento, representação e satisfação pulsional”. O conjunto
de quatro elementos organiza essa visão estrutural de cada paciente: 1) Estrutura de base da personalidade; 2) Caracteres; 3) Traços;
4) Sintomas.
Dois extratos clínicos, a seguir, procuram ilustrar tal modelo:
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
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ARTIGO
DE REVISÃO
por LUIZ CARLOS MABILDE
1
A Senhora A, de 62 anos, profissional liberal de sucesso, divorciada há muitos anos, uma filha solteira, de 33 anos, mesma profissão da mãe, comparece ao consultório, seguindo indicação do
Psiquiatra da sua filha. Ao olhá-la, tão logo abri a porta, pude sentir
e observar o grande sofrimento que carregava. Suas roupas eram
muito escuras, tinha os olhos congestionados, a face encovada e
parecia ser bem mais velha do que sua idade real. Entrou, sentou,
deu rápidas olhadelas em volta, fixou-se em mim e, esforçando-se
para articular o pensamento, disse ser muito bom o fato de que
não me conhecia pessoalmente. Isto era um alívio, já que conhecia muita gente, inclusive Psiquiatras. Já se tratara com três. Veio à
consulta obrigada por sua filha e seu irmão, pois já desistira de se
tratar outra vez. A pressão dos familiares era relativa ao seu estado
depressivo cada vez pior. Sofria, igualmente, de ansiedade crônica,
intensa, a ponto de tremer de tal forma que era inevitável pensar
em quadro neurológico. Tomava uma porção de remédios e não
melhorava. Não queria voltar a tratamento, pois não conseguira
nada com seus três psiquiatras anteriores, em longos tratamentos. Com um deles, tornou-se amiga. Com outro também teve
que romper, devido os repetitivos atrasos dele. E com o terceiro,
desentendeu-se por questões financeiras.
Indagada sobre perdas em sua vida, irrompeu em pesado choro,
ao relatar a morte de seu pai ocorrida há dois anos, e o quanto
o amara. Quanto mais elogiava o pai (“bonito, elegante, educado,
culto...”) mais literalmente se desmanchava em compulsivo e desesperado choro. Já aqui, eu ‘filtrava’ suas informações, aliás, preciosas para um diagnóstico futuro e integrado. Refiro-me a detalhes relativos aos traços de caráter: 1) Ela era carente, mas parecia
também sedutora, a ponto de transformar seu anterior Psiquiatra
em amigo (traço histérico); 2) Amara o homem mais formidável
do mundo, bonito, dotado! (traço narcisista); 3) Não parecia ser
somente exigente, mas padecer de orgulho extremado, revelado
ao não ‘perdoar’ seu atrasado Psiquiatra (traço paranóide); 4) Via-se como desprendida, mas interromper com o Psiquiatra por dinheiro fez-me supor traço oral/anal regressivo e impositivo ao self
(traço melancólico).
A senhora A – imaginei! - sofria de melancolia, causada pelo luto
patológico (do pai) e, vi depois, sentimentos de abandono relacionados à filha. Outras perdas poderiam ter ocorrido, assim como
era possível doença afetiva familiar e transtorno de personalidade
(Narcisista? Paranóide?). Do ponto de vista relacional, parecia carente, exigente e impulsiva.
Não houve tempo (e nem achei indicado), nas primeiras sessões, interrompê-la para saber de sua medicação. Mas, frente à
intensidade de seus sintomas e a inclusão de ideias supervaloriza-
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revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
das de suicídio (imaginava atirar-se do alto de sua cobertura) em
seus relatos, assim procedi. Alterei as doses de Clonazepam e de
Topiramato, substitui Escitalopram por Venlafaxina e retirei Metilfenidato. Aumentei, gradativamente, as doses dos medicamentos; diminui, depois, a de um deles (Clonazepam) até encontrar a
composição ideal, dada pelo duo eficácia máxima/ efeito colateral
mínimo. Procurei, também, estabelecer um ponto de equilíbrio
entre a resposta medicamentosa e a resposta psicoterápica, já
que a paciente demonstrava responder a ambas. Em razão disso,
embora de forma muito lenta, sua sintomatologia decresceu e foi
sendo possível estabelecer conexões entre fatos de sua vida e suas
reações emocionais.
A senhora A completou um ano e três meses de tratamento,
em outubro de 2012. No início do tratamento, digamos os três
primeiros meses, foi muito importante desenvolver um diagnóstico integrado, pois, graças a ele, pude implantar, gradativamente,
o tratamento combinado, que me pareceu ideal e que segue até
hoje: três sessões semanais de psicoterapia mais o esquema medicamentoso, descrito acima.
Esse diagnóstico integrado foi feito à medida que as entrevistas
de avaliação e tratamento foram se sucedendo. Não houve uma
ordem preestabelecida. Tanto chamou minha atenção sintomas
produtivos agudos (intensa depressão e ansiedade), assim como
uma constante autorreferência. Por exemplo, a senhora A falava
tanto de si, de seu sofrimento, que não sobrava nada para os seus
objetos, embora aludisse sofrer por eles. Tais dados (clínicos, dinâmicos) fizeram com que eu supusesse uma depressão do tipo melancólica, dentro de transtorno de personalidade prévio (Narcisista?). Quer dizer, era como se seus objetos (perdidos) pertencessem
a ela, daí a sua ambivalência em relação a eles: por ‘abandoná-la’,
eles não eram libertados e nem perdoados, sendo atacados nela
mesmos. Seu luto, em razão disso, prolongava-se, cronificava-se,
tornava-se patológico.
Nas sessões, tratou de seu luto patológico e acrescentou outras
importantes perdas, mais recentes, tais como grande perda financeira, assaltos, doença da sua mãe e o fato da sua única sua filha
deixar de morar com ela, após 35 anos de convivência simbiótica.
É claro que essas últimas perdas (em especial, a última) reacentuaram o luto com o pai. Figuras idealizadas, este pai e esta filha
funcionavam como verdadeiros ‘self-objetos’ 21, sem os quais não
queria mais viver.
A Senhora B, de 51 anos, dona de casa, um filho, veio à consulta
pressionada por seus persistentes sintomas de ansiedade, tremores
e insônia (não referiu depressão). Acreditava ser a causa deles as dificuldades sexuais com seu segundo marido. Em síntese, queixava-
-se da disfunção sexual dele, embora cinco anos mais moço do
que ela. Geralmente, ele perdia a ereção ao penetrá-la. Não era
assim ao se conhecerem, dez anos atrás, quando ela se encontrava
recém-divorciada de um homem rico e maníaco-depressivo, mas
com quem sempre tivera vida sexual gratificante. Já seu marido
atual parecia tímido, depressivo, retraído e mal sucedido financeiramente. Costumava, ao chegar à casa do trabalho, ingerir algumas doses de wiskhy, jantar e dormir, sem maiores interações com
a paciente, incluindo qualquer aproximação sexual.
O único filho da paciente, de 24 anos, não morava com ela, pois
havia preferido residir na casa de seu pai, por ocasião do divórcio
(solicitado por ela). Este era igualmente motivo de muita tristeza
para ela, apesar dos anos transcorridos. Outra razão de tristeza era
a morte de seu pai, ocorrida recentemente. Pai idealizado, como
homem e como médico, “que fora sempre bravo e incansável na
tarefa de sustentar sete pessoas, educar os filhos e encaminhá-los
para a vida”. Relatou, ainda, o péssimo relacionamento com sua
mãe, de quem se queixava amargamente por considerá-la inadequada como mãe. Chamou a minha atenção, o fato da paciente
não se queixar de depressão, pois era visível tal sintoma. Talvez este
fato fosse justificado por certa hipomania.
Perguntada sobre sua vida pregressa e família de origem, destacou os seguintes aspectos: 1) Cresceu entre os irmãos homens e
era a mais moça deles. Como tal, seguia seus passos e brincadeiras (masculinas). 2) Achava, inclusive, que não se tornou “sapatão”
porque teve uma tia que cuidava (‘dos aspectos femininos’) dela,
pois sua mãe simplesmente estava sempre envolvida com o marido e seus irmãos. 3) Apesar de seus medos de menina, “seguiu em
frente”. Não foi boa estudante e nem teve incentivo para profissão
futura. 4) Assim que apareceu o “pretendente rico”, tratou de casar,
incentivada pela família. 5) Considerava seu pai uma pessoa muito ansiosa, ora deprimido, ora eufórico. Quanto a sua mãe, via-a
como deprimida. 6) Tivera dois tratamentos prévios: O primeiro
– levada pela mãe – quando da sua puberdade, por ansiedade e
dificuldades escolares. O segundo, por ocasião de seu divórcio.
De início, a senhora B me pareceu apresentar quadro neurótico,
ansioso-depressivo e com sintomas produtivos dessa linha: ansiedade, insônia, tremores, apreensão, depressão. Deixei para esclarecer melhor, no correr do tratamento, questões tais como doença
afetiva familiar, fobia infantil e traços predominantes de caráter. No
plano psicodinâmico, era digno de nota, relacionar seu estado atual com o luto pela morte de seu pai. Tal objeto estaria deslocado
para o seu marido ‘morto’ (impotente). Porém, a questão da vida
sexual insatisfatória da paciente era prioridade, cujo responsável
era o marido!
Quanto à paciente, ela se achava menos comprometida do que
ele. Afinal, ao contrário do mesmo, dizia-se (e se mostrava) disposta ao encontro sexual, trabalhava com afinco e sucesso em seu
negócio de vendas de roupas femininas. Tinha boa aparência, era
sociável e alegre entre as inúmeras amigas, com as quais convivia
diariamente, na caminhada matinal, chá da tarde e alguns jantares
de casais, aos fins de semana. Já o marido era visto como fracassado em sua atividade de economista e consultor de empresas.
Em realidade, a paciente parecia identificada com seu pai’ vivo’ e
(potente), que teve cinco filhos e sucesso profissional como médico. Já o marido abrigava desvantagens: parecia identificado com o
pai dele, homem calado, doente e dominado pela mulher.
Ocupamo-nos (duas vezes por semana) com o problema que a
trouxe ao tratamento. E, de fato, foi ficando claro para mim que
seu marido sofria de uma disfunção sexual. Porém, ao mesmo
tempo, percebi que a senhora B sofria de antigos (e atualizados)
problemas, dos quais não tinha consciência. Costumava usar ansiolíticos, retirados do marido, e tudo indicava ser uma pessoa ansiosa, independente de sua inquietação com o marido. Era bem
possível que esta ansiedade, do tipo fóbico, fosse primitiva. O
mesmo se poderia pensar sobre o componente depressivo, que
parecia surgir sempre que suas defesas obsessivas e maníacas eram
rompidas. Embora sua estrutura de base da personalidade fosse
neurótica, provavelmente histérica ou histero-fóbica, vinha tendo
dificuldades de se manter equilibrada.
O marido da senhora B se tratava há anos em psicoterapia, sem
resultados. Um dia - inconformada com este fato – a senhora B
foi falar com o Psiquiatra do marido. Saiu de lá ainda mais desapontada, pois ele lhe dissera: “Na nossa idade, a vida sexual é assim
mesmo!”. Como assim, na ‘nossa’ idade, irritada, reclama para mim,
à senhora B. “Ele deve ter dez anos mais do que eu e mais uns
quinze do paciente dele!”. Sequer deu uns remédios para ele. “Mas
aí entendi tudo: um não contava tudo e o outro achava que estava
tudo bem!”
Desse material, entendi que a senhora B não resolvera (em seus
tratamentos anteriores) boa parte de seus (não tão simples) problemas. E que seu tratamento e psiquiatra atuais - a menos que se
tomassem algumas providências – também teriam como resultados, respectivamente, a nulidade e a ineficiência. Corrigi sua medicação ansiolítica (retirei Bromazepam e introduzi Clonazepam e
Paroxetina), a fim de combater seus sintomas o mais rapidamente
possível, pois a paciente me procurara no fim do ano, aproximava-se o período das minhas férias e já me eram claros que seu equilíbrio era precário, além do fato de se sentir muito aflita com a
aproximação de uma reunião familiar, no verão, para tratarem de
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
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ARTIGO
DE REVISÃO
por LUIZ CARLOS MABILDE
1
(sérios) problemas.
Minha preocupação não se comprovou exagerada. No final de
fevereiro, do litoral de Santa Catarina, ligou-me um dos seus irmãos (médico) para me relatar que a paciente tivera uma ‘crise
muito forte’. No início de março, acompanhada de uma empregada doméstica, a senhora B compareceu a consulta (antecipada)
em um estado deplorável. Tremia, chorava e mostrava pavor incomum. Constatei ter sido ‘crise de pânico’ o que tivera, em meio à
semana de reuniões com todos os seus familiares.
Reestruturado o setting e reajustada sua medicação (Paroxetina
20mg: 1comp./café da/manhã; 1comp./almoço; Clonazepam1mg:
1comp. 3 X dia), as sessões da senhora B, dos primeiros meses, foram utilizadas para tranquilizá-la quanto a novas ‘crises de pânico’
(de fato, não as teve mais) e para entendê-la como uma verdadeira
falência de toda sua estrutura defensiva.
Levou alguns meses para dispensar sua acompanhante (terapêutica) e para retornar ao seu estado pré-mórbido. Passado mais de
um ano, diminui sua medicação para doses de manutenção. Por
mais dois anos, produziu muito, psicoterapicamente falando. Reviu
a relação com sua mãe, reaproximando-se e se tornando a principal
auxiliar na doença dela. Aceitou a idealização/identificação com o
pai como manobra para fugir dos sentimentos de abandono em
relação à mãe (revividos no último verão). Descobriu-se também
uma pessoa fóbica, que ‘mal abria as pernas’ no ato sexual, o que
colaborava para a má qualidade e desentrosamento sexual com o
marido. Este, por sua vez, deixou seu Psiquiatra e começou novo
tratamento com outro, além de consultar um Urologista, tendo
tido pleno êxito em ambos. Seu filho casou, teve um filho e aproximou-se da paciente, não sem lhe trazer graves problemas para
trabalhar e manter sua família.
Até os dias atuais, a senhora B toma 1 comp. de Paroxetina/dia,
às vezes me liga, raramente me consulta. Sua vida - combinados os
fatores terapêuticos e fatos de sua vida acima descritos – “tomou
outro rumo, recobrei a saúde, a família e o prazer”.
ideológica empregada na sua condução.
Este período – não tão distante e nem tão curto – somente
cedeu quando dados empíricos da terapêutica psiquiátrica demonstraram o contrário do apregoado. Ao invés de antagônicas,
técnicas distintas podiam ser complementares e muito úteis no
combate às doenças psíquicas.
Neste trabalho, a expressão ‘tratamento combinado’ procura
consagrar o modelo unitário em detrimento da posição reducionista, bem como o apresenta sob a forma de ‘modelo psiquiátrico
terapêutico integrativo’. Baseado num diagnóstico clínico e estrutural, a abordagem do paciente através de técnicas diferentes é
exemplificada por dois extratos clínicos.
CONCLUSÕES
Houve época de grande incompatibilidade entre Psiquiatras
biológicos e Psiquiatras psicodinâmicos, na qual a valorização de
um implicava na desvalorização do outro. Acreditava-se, inclusive, que a utilização de predicados teóricos ou técnicos de uma
corrente sobre outra trazia prejuízos ao tratamento do paciente.
Cada lado aferrava-se a influência originária, Neurologia e Psicanálise, tornando qualquer discussão estéril, dada a matiz nitidamente
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revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
Correspondência
Luiz Carlos Mabilde
Rua Tobias da Silva, 99/303,
90570-020 Porto Alegre – RS
E-mail: [email protected]
Não há conflitos de interesse. Não há fontes de financiamento.
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Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
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ARTIGO DE REVISÃO
por AMAURY CANTILINO1, JOEL RENNÓ JR2, HEWDY LOBO
RIBEIRO3, JULIANA PIRES CAVALSAN4, RENAN ROCHA5,
RENATA DEMARQUE6, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES
RIBEIRO7, GISLENE VALADARES8,
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA9
AFINAL, O LÍTIO É UM TERATÓGENO
RELEVANTE?
AFTER ALL, IS LITHIUM A RELEVANT
TERATOGEN?
Resumo
O lítio já foi apontado nos anos de 1980 como um forte teratógeno.
Uma revisão de estudos posteriores realizada nos anos 1990 estimou
que o risco de malformações cardíacas era menor do que o relatado
e deveria estar entre 0,9% a 12%.
Este artigo revisa os dados destes estudos e assinala possíveis vieses
que podem colocar em dúvida as estimativas aceitas na atualidade.
Concluiu-se que, considerando as sérias limitações dos estudos retrospectivos, caso-controle e prospectivos sobre este tema, o potencial
teratogênico do lítio não deve ser desprezado e, portanto, é uma medicação que deve ser prescrita com muito critério durante a gravidez.
Quando houver a exposição, é aconselhável realizar uma ecocardiografia fetal e neonatal para excluir a possibilidade de anomalias cardíacas. Antipsicóticos e lamotrigina podem ser possíveis alternativas
para o tratamento do transtorno bipolar durante a gravidez.
Palavras-chave: lítio, gravidez, teratogenicidade
Abstract
A major concern brought on by bipolar patients of reproductive
age is the possibility of the fetus exhibits a congenital malformation
secondary to medications. Lithium has been touted in the 1980s as
a powerful teratogen. A review of subsequent studies conducted in
the 1990s estimated that the risk of cardiac malformations should be
between 0.9% to 12.0%.
This article reviews the data from these studies and highlights possible biases that may cast doubt on the accepted estimates today. It
was concluded that considering the serious limitations of the retrospective, case control and prospective studies about this topic, lithium
should not be considered an insignificant teratogen, and hence should
be given very carefully in pregnancy. When there is exposure, it is advisable to perform a fetal and neonatal echocardiography to exclude
the possibility of cardiac anomalies. Antipsychotics and lamotrigine
seem to be possible alternatives for the treatment of bipolar disorder
during pregnancy.
Keywords: lithium, pregnancy, teratogenesis
24
revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
INTRODUÇÃO
N
ão é infrequente o psiquiatra ser questionado na sua
clínica a respeito dos riscos reprodutivos de pacientes
com transtornos psíquicos diversos. Perguntas acerca
da hereditariedade da doença, dos riscos obstétricos
relacionados à mesma e ao tratamento durante a gravidez, e dos
potenciais efeitos tóxico para prole a curto e a longo prazo da
exposição a medicações durante a gravidez, colocam o médico
numa desafiadora tarefa de ponderações e julgamentos difíceis.
Uma preocupação importante trazida pelas pacientes em idade reprodutiva é a possibilidade do concepto apresentar alguma
malformação congênita. Sabe-se que, na atualidade, cerca de
0,52% da população feminina em idade fértil encontra-se em uso
de medicações estabilizadoras do humor ou antipsicóticas para o
tratamento do transtorno bipolar1. Os dados relacionados a este
transtorno e ao seu tratamento parecem tornar esta situação clínica particularmente complexa. Parece haver uma associação entre
algumas malformações congênitas menores e o transtorno bipolar,
como palato elevado, língua sulcada e aumento da diferença entre
o primeiro e o segundo dedo2. Algumas das medicações mais utilizadas na terapêutica apresentam considerável potencial teratogênico já com especificidades de órgãos descritas na literatura, como
o valproato (espinha bífida, malformações cardíacas e de grandes
vasos, dígitos, ossos cranianos e cérebro), a carbamazepina (anomalias do trato urinário) e topiramato (hipospadia e malformações
cerebrais)3.
Ainda que já se tenha passado mais de meio século de aplicação
clínica no transtorno bipolar, o lítio continua sendo considerado
uma medicação de primeira linha para o tratamento de mania
aguda e de manutenção4. Este status foi alcançado em decorrência
de sua definida eficácia. Um estudo de Viguera et al. exemplifica
este aspecto: dentre as bipolares eutímicas que optam por descontinuar o lítio quando se descobrem grávidas, 52% apresentam
AMAURY CANTILINO1, JOEL RENNÓ JR2, HEWDY LOBO RIBEIRO3, JULIANA PIRES CAVALSAN4, RENAN ROCHA5
1
Diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor Adjunto
do Departamento de Neuropsiquiatria da UFPE. 2 Médico Psiquiatra. Diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher
(ProMulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo. Doutor em
Psiquiatria pela FMUSP. Membro fundador da International Association for Women’s Mental Health. Médico do Corpo Clínico
do Hospital Israelita Albert Einstein – SP. 3Psiquiatra Forense, Psicogeriatra e Psicoterapeuta pela Associação Brasileira de
Psiquiatria. Psiquiatra do ProMulher do Instituto de Psiquiatria da USP. 4Psiquiatra do Programa de Saúde Mental da Mulher
(ProMulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo. 5 Médico Psiquiatra.
Coordenador do Serviço de Saúde Mental da Mulher das Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
recorrência de episódios em até 40 semanas, percentual consideravelmente maior do que o esperado, caso permanecessem com a
medicação (21%)5. Os mais de 50 anos de estudos, no entanto, não
foram suficientes para definir claramente o potencial teratogênico
do lítio. As informações disponíveis podem levar a interpretações
e percepções de risco diversas.
Esta revisão objetiva expor os dados a respeito do assunto e fundamentar uma posição interpretativa a respeito dos mesmos.
O QUE DIZEM OS ESTUDOS?
Os primeiros relatos a respeito da exposição ao lítio nos anos de
1960 apontavam para uma taxa elevada de malformações cardíacas, sobretudo a anomalia de Ebstein. A Anomalia de Ebstein (AE)
é um defeito congênito da valva tricúspide e do ventrículo direito
em que os anexos dos folhetos da válvula septal e posterior apresentam deslocamento apical. Esta anomalia rara representa menos
que 1,5% de todas as cardiopatias congênitas. As estratégias de
manejo para a AE correlacionam-se com a idade do paciente e a
gravidade da doença cardíaca e/ou anomalias cardíacas associadas.
Reparo da valva tricúspide ou substituição da válvula são os procedimentos cirúrgicos adotados geralmente 6.
Estes relatos iniciais levaram à fundação do Lithium Baby Register em 19687. Mulheres que utilizaram lítio na gravidez e os médicos que as acompanhavam eram estimulados a relatar voluntariamente os resultados da exposição. Os primeiros resultados já
provocaram alerta para prescritores quanto ao risco elevado de
malformações cardíacas com sugestão de uma política restritiva
sobre o uso do lítio em mulheres em idade fértil e grávidas8. Os
dados coletados ao longo dos anos 1970 contavam com 225 casos,
dentre estes, 25 recém-nascidos apresentaram malformações, sendo 6 delas a AE e 12 defeitos cardíacos diversos. Além destes 225
casos, foram relatadas 10 mortes pós-natais (na primeira semana)
e 7 natimortos. Estas taxas de complicações estavam consideravelmente acima das esperadas, o que levou a recomendação da
utilização de lítio na gravidez apenas quando fosse absolutamente
necessário9.
Obviamente, deve-se considerar o fato de que houve um provável viés de seleção na forma de coletar os dados e que uma parcela
significativa de casos de mulheres tratadas com lítio grávidas de
crianças sem malformações não foram reportados. No entanto,
chama a atenção o fato de que na maioria dos casos relatados as
anomalias eram do sistema cardiovascular.
Num estudo de Kallen, citado numa revisão de Yacobi & Ornoy,
foram pesquisadas todas as crianças com defeitos cardíacos nascidas de 716 mulheres hospitalizadas para tratamento de transtorno
bipolar e estes casos foram comparados a dois controles combinados para cada criança malformada. Quatorze defeitos cardíacos
foram identificados, duas vezes mais do que a taxa esperada. Uma
criança teve uma anomalia cromossômica e, portanto, foi excluída.
Entre as 13 restantes, sete tinham defeito do septo ventricular e
duas tiveram um sopro sistólico - todas consideradas anomalias
relativamente leves. Não houve diferença significativa na taxa de
exposição ao lítio entre os lactentes malformados (3/13) e controles (4/20). Assim, o lítio não pôde ser associado com o aumento da
taxa de anomalias cardíacas. Uma possível explicação para a falta
desta associação foi o fato de que a maioria das mulheres interrompeu o lítio uma vez que a gravidez foi diagnosticada10.
Um outro estudo caso-controle, do mesmo autor, também tentou relativizar este risco. Vinte e cinco casos de AE e 44 casos de
atresia tricúspide foram coletados. Além destes, 15 casos de AE
que foram relatados na França também foram acrescentados. Nenhuma dessas crianças com AE ou com atresia tricúspide haviam
sido expostas in útero ao lítio10.
Estes, dentre outros estudos com desenhos semelhantes,
levaram o eminente pesquisador Lee Cohen e colaboradores
a publicar um influente artigo no prestigioso periódico JAMA
(The Journal of the American Medical Association). Neste artigo, os autores afirmam que a informação inicial sobre o risco
teratogênico do tratamento com lítio foi derivada de relatos
retrospectivos tendenciosos, e que dados epidemiológicos
mais recentes indicavam que o risco teratogênico da exposição de lítio no primeiro trimestre era menor do que o sugerido anteriormente. Assim, aconselhava que o manejo clínico
de mulheres com transtorno bipolar que têm potencial para
engravidar deveria ser modificado com esta nova estimativa de
risco (em 1994, época da publicação deste artigo, o lítio era
intensamente evitado na gravidez). A estimativa de Cohen et al
para AE quanto à exposição ao lítio era de 0,1% a 0,05% (o risco
basal é de 1:20000 nascidos vivos). O risco de outros defeitos
cardiovasculares se situaria entre 0,9%, em estudos prospectivos a 12% em estudos retrospectivos11. O fato é que após este
artigo, observa-se uma atitude bem mais benevolente entre os
pesquisadores quanto ao potencial risco do lítio nos artigos de
revisão sobre o assunto12. Na verdade, a fim de verificar ou refutar a verdadeira correlação entre litioterapia na gravidez e teratogenicidade, estudos prospectivos muito maiores deveriam
ser realizados10 . Ademais, 12% de taxa de malformação cardíaca
não parece desprezível.
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ARTIGO DE REVISÃO
por AMAURY CANTILINO1, JOEL RENNÓ JR2, HEWDY LOBO
RIBEIRO3, JULIANA PIRES CAVALSAN4, RENAN ROCHA5,
RENATA DEMARQUE6, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES
RIBEIRO7, GISLENE VALADARES8,
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA9
ALGUMAS OBSERVAÇÕES
Uma situação importante pode ter levado a um outro viés nas
novas estimativas de risco realizadas por Cohen e colaboradores.
Uma vez que nos anos 1980 havia uma percepção de risco exacerbada em relação a sua teratogênese, mulheres expostas ao lítio
mais frequentemente podem ter tido ciência de eventuais malformações. Os desfechos dessas gravidezes podem eventualmente
ter mudado em decorrência disso. Vejamos os dados abaixo.
Num estudo prospectivo, 72 mulheres tratadas com lítio na gravidez foram incluídas. Destas, 6 tiveram interrupção da gravidez,
4 resultaram em abortos espontâneos no primeiro trimestre e 12
foram perdidas no seguimento. Apenas 50 restaram com bebês
nascidos vivos, duas delas relataram malformações: uma menin-
26
revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
gomielocele lombar e, outra, hérnia inguinal unilateral. A taxa de
anomalias não foi diferente do que normalmente é observado em
controles. Não houve casos de anomalias cardíacas. É importante
frisar que entraram nas estatísticas os nascidos-vivos. Não se sabe
o que levou a abortamento (voluntários ou espontâneos) em 14%
das gravidezes e o que aconteceu com 17% das mulheres incluídas
no estudo13.
Em outro estudo prospectivo, controlado, Jacob-Filho et al. estudaram o resultado da gravidez de 138 mulheres expostas ao lítio
(que deram origem a 105 nascidos vivos) e 148 controles. Eles observaram um caso de anomalia de Ebstein, mas não conseguiram
mostrar qualquer diferença em relação a anomalias congênitas
maiores nos nascidos vivos entre os controles e grupo exposto ao
lítio (2% x 3%)14. No entanto, uma observação atenta revela que o
grupo exposto ao lítio teve 19% de abortamentos (espontâneos
RENATA DEMARQUE6, JERÔNIMO DE A. M. RIBEIRO7, GISLENE VALADARES8, ANTÔNIO GERALDO DA SILVA9
6
Psiquiatra do Programa de Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo. 7Médico Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria.
Pesquisador do Grupo de Psiquiatria – Transtornos Relacionados ao Puerpério, pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre (UFCSPA). Professor Associado do Centro de Estudos José de Barros Falcão (CEJBF). 8 Médica Psiquiatra pela Associação
Brasileira de Psiquiatria. Mestre em Farmacologia e Bioquímica Molecular. Membro fundador do Serviço de Saúde Mental da
Mulher do HC-UFMG, do Ambulatório de Acolhimento e Tratamento de Famílias Incestuosas (AMEFI, HC-UFMG), da Seção de Saúde
Mental da Mulher da WPA e da International Association of Women’s Mental Health. 9 Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria e
Psiquiatria Forense pela ABP-AMB-CFM. Doutoramento em Bioética pela Universidade do Porto – CFM. Psiquiatra da Secretaria de
Saúde do Distrito Federal – SES-DF. Diretor Científico do PROPSIQ. Presidente da ABP-2010/2013.
ou “terapêuticos”) versus 14% no grupo controle.
Um estudo prospectivo israelense que incluiu 105 mulheres grávidas expostas ao lítio (86% foram expostas no primeiro trimestre),
teve 79 nascidos vivos. Houve uma taxa de 8,7% de interrupções
(comparada com 2,9% nos controles) e 14,3% de abortos espontâneos (comparada com 5,9% nos controles)15. Estes dados sugerem
que o impacto real do lítio pode ter sido sub-representado, uma
vez que muitas mulheres que engravidam durante o tratamento
com lítio preferiram abortar os fetos malformados. Vale ressaltar
que as estimativas de risco teratogênico eram feitas a partir dos
nascidos vivos. Este aspecto já foi apontado por outros pesquisadores16.
POSICIONAMENTO
É uma lástima que nós, após mais de meio século de pesquisas, ainda não tenhamos uma resposta simples para dar às nossas
indagadoras pacientes. Revendo os dados acumulados até hoje a
respeito da exposição ao lítio e malformações cardiovasculares, incluindo anomalia de Ebstein, é de se concluir que o risco é menor
do que pensado nos anos 1980. No entanto, estudos prospectivos
maiores, assim como os realizados com antidepressivos e anticonvulsivantes, serão necessários para que se tenha maior convicção
de que a chance é pequena. Metodologias que avaliem as razões
dos abortamentos “espontâneos” e “terapêuticos” também devem
ser estimuladas. É possível que muitos dos abortamentos “terapêuticos” tenham ocorrido por causa de malformações relacionadas
ao lítio. Como os estudos só investigam os nascidos vivos, um
dado fundamental sobre o potencial teratogênico está perdido
nas pesquisas realizadas até a atualidade.
Até que apareçam dados mais robustos apontando o inverso, o
lítio deveria ser considerado um teratógeno relevante. Somando-se a isso à possibilidade de toxicidade neonatal (em muito relacionada ao nível sérico), as gravidezes de mulheres tratadas com lítio
devem ser consideradas de risco. É aconselhável que se realize uma
ultrassonografia fetal por volta da 20a semana de gestação para
detecção precoce de eventuais anomalias cardíacas além de ecocardiografia e eletrocardiograma no recém-nascido logo após o
parto. O monitoramento frequente da litemia e os cuidados com
o status hidroeletrolítico serão fundamentais para que os efeitos
tóxicos no concepto sejam minimizados.
Diante de casos de transtorno bipolar com episódios brandos
ou moderados e em número pequeno no passado, sugere-se ponderar pela suspensão do lítio e eventual retomada após a orga-
nogênese. A manutenção do lítio no primeiro trimestre poderia
ser considerada em casos graves e com repercussões funcionais
importantes, após discussão exaustiva dos potenciais riscos e benefícios do uso da medicação juntamente com a paciente e seus
familiares. Há indícios de que a suplementação precoce de folato
pode diminuir a chance de anomalias cardíacas relacionadas ao
lítio17.
Uma pesquisa recomenda que um regime máximo de dosagem
do lítio na gravidez com base em um modelo farmacocinético de
base fisiológica. O modelo simula a concentração de lítio em órgãos e tecidos de uma mulher grávida e do seu feto. Em primeiro
lugar, modelaram-se perfis de concentração de lítio dependentes
do tempo resultantes da terapia com lítio conhecida por ter causado defeitos congênitos. Em seguida, foram identificadas concentrações máximas e médias de lítio fetais durante o tratamento. Em
seguida, foi desenvolvido um regime de terapia de lítio para maximizar a concentração de lítio no cérebro da matriz, mantendo ao
mesmo tempo a concentração fetal baixa o suficiente para reduzir
o risco de defeitos congênitos. O regime de dosagem máxima sugerido pelo modelo de lítio foi de 1200 mg por dia, divididos em
três tomadas18. Esta sugestão, no entanto, carece de comprovação
clínica.
Alternativas terapêuticas mais seguras também podem ser consideradas (p.ex., antipsicóticos, lamotrigina). Um estudo liderado
por um pesquisador chamado Epstein, aponta que o uso de antipsicóticos atípicos para o tratamento do transtorno bipolar tem
aumentado ao longo dos últimos anos, enquanto o inverso vem
sendo observado em relação ao lítio 19.
Correspondência
Amaury Cantilino
Av. Domingos Ferreira, 2160. Sala 108.
CEP: 51111-020
Boa Viagem. Recife - PE
E-mail: [email protected]
Fonte de financiamento e conflito de interesse inexistente
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RIBEIRO3, JULIANA PIRES CAVALSAN4, RENAN ROCHA5,
RENATA DEMARQUE6, JERÔNIMO DE ALMEIDA MENDES
RIBEIRO7, GISLENE VALADARES8,
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA9
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RELATO
DE CASO
por RAIMUNDO JORGE MOURÃO , ROGÉRIO
1
BEATO , ALEXANDRE DE AGUIAR FERREIRA3
2
DELÍRIO PARASITÁRIO EM IDOSO COM DOENÇA ENCÉFALOVASCULAR E MÚLTIPLAS COMORBIDADES
DELUSIONAL PARASITOSIS IN ELDERLY PATIENT WITH
BRAIN VASCULAR DISEASE AND MULTIPLE COMORBIDITIES
Introdução
A
s primeiras observações e registros de pacientes com
delírio de parasitose ou de infestação ocorreram no final do século XIX1. Posteriormente, essa apresentação
foi denominada classicamente como Síndrome de Ekbom. Desde então, tem sido descrita em diversos indivíduos com
condições médicas gerais2 e se caracteriza por delírio em que o
indivíduo acredita ter sua pele invadida por pequenos animais (insetos, larvas, vermes)3. Os pacientes relatam estar infestados por
seres “novos para a ciência”, e que não são identificados por evidências médica ou microbiológica4.
Mais do que um acometimento isolado, esse delírio de parasitose tem sido considerado uma síndrome neuropsiquiátrica5 e pode
estar associado a transtornos psiquiátricos, a doenças sistêmicas,
intoxicações exógenas ou a alterações cerebrais diversas6, 7, 8.
A apresentação psicopatológica de características delirante-alucinatória é instigante e geradora de discussão em torno das
classificações atuais9. Neste relato de caso, observa-se a exigência
de propedêutica clínica e neurológica para o estabelecimento de
diagnósticos diferenciais10, levando à constatação de que, para o
sucesso no manejo clínico, é necessário conhecimento de psicopatologia e da interface entre psiquiatria e outras especialidades
médicas.
Caso Clínico
C.J., 74 anos, casado, cinco filhos. Admitido no início de 2012 no
ambulatório de psiquiatria do Hospital de Ensino Instituto Raul Soares (HEIRS/FHEMIG). Relata ter o corpo parasitado, desde 1999,
por “bichos parasitas”, que seriam “vermes” de tamanho macroscópico, que se alimentam dos órgãos do paciente: pele, coração.
Alojados próximo ao ânus, circulariam pela corrente sanguínea até
32
revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
atingirem toda a pele do paciente – local em que se alimentaria e
provocaria dores terríveis. Meses anteriores, teria tido uma alucinação auditiva, com conteúdos ameaçadores, provinda de seu ânus,
de que os “vermes” surgiriam para lhe fazer mal. Em seguida, ovos
teriam começado a aparecer em suas fezes e somente depois a
infestação se estabeleceria em todo o corpo.
Desde o início da “infestação” ele já teria procurado alívio para
seu sofrimento em diversas especialidades médicas. C.J. atribui a
existência dos “bichos” a uma “obra do Satanás” para atormentá-lo
e destruí-lo. Refere ter o “dom da visão”, e descreve encontros detalhados com Deus e que esse lhe apontaria quais caminhos a seguir na vida e como deveria agir. Conta o que o Pastor de sua Igreja
“está a serviço do Satanás”, e que o persegue e envia mensagens
para provocá-lo. A esposa há vários anos o maltrataria, tentaria
envenená-lo, e por fim, as filhas seriam aliadas à mãe e ao Pastor.
Os familiares concordam que desde 1999 havia queixas em
relação ao “bicho parasita”, mas eram raras e não apresentavam
grandes repercussões no dia a dia. Entretanto, partir de 2002, após
um acidente vascular encefálico (AVE), o paciente teria tido importante mudança do comportamento: acentuação das queixas
em relação ao delírio de infestação, exacerbação do envolvimento
religioso – nesse momento, pela primeira vez a família observa delírio paranoico, e relatos de vivências alucinatórias.
Somente em 2005 a família lhe teria convencido a iniciar um
tratamento psiquiátrico. À época, apresentava sintomatologia
menos exacerbada e teria tido redução parcial dos sintomas, mas
em seguida abandonou o tratamento. Desde então C.J. apresentou
piora sintomática progressiva, e com as relações familiares cada
vez mais desgastadas. No período em que antecedeu ao início
do tratamento em nosso serviço, ele estaria agitado, agressivo,
persecutório com os vizinhos, ameaçando os pastores da Igreja e
dizendo que iria abandonar a família por sofrer maus tratos. Não
apresentava indícios de uma síndrome demencial.
O paciente nasceu de parto normal sem intercorrências, com
desenvolvimento neuropsicomotor adequado. Nunca frequentou
RAIMUNDO JORGE MOURÃO1, ROGÉRIO BEATO2
Residente de Psiquiatria do Hospital de Ensino Instituto Raul Soares, HEIRS – FHEMIG. Coordenação do
Centro de Estudos Galba Velloso – CEGV. Primeiro lugar nas Sessões de Casos Clínicos do XXX CBP.
2
Preceptor do Hospital de Ensino Instituto Raul Soares, HEIRS – FHEMIG. Professor adjunto de
Neurologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina – UFMG
1
a escola, por motivo de difícil acesso e pouco estímulo da família. Os filhos contam que o pai sempre foi uma pessoa de difícil
convivência, rigoroso na educação deles, exigente, agressivo verbalmente e com violências físicas. Teria como característica a de
ser uma pessoa desconfiada, dizia sempre estar sendo explorado,
enganado, duvidava da lealdade dos amigos – mesmo antes do
surgimento do delírio parasitário. Tinha o hábito de se mudar de
cidade e de estados em média a cada dois anos, sempre estabelecendo poucos vínculos sociais, e frequentemente entrando em
atritos com vizinhos, empregadores, por motivos diversos e sempre pouco fundamentados segundo a família.
Sabidamente, portador desde 2000, de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus tipo II (DMII). Em 2002, apresentou
AVE com prejuízo na articulação da fala e diminuição de força no
membro inferior direito. Em 2005 sofreu um infarto agudo do miocárdio (IAM), evoluindo para insuficiência cardíaca leve. Apresenta cegueira parcial, secundária a glaucoma não tratado. Nega uso
de tabaco, álcool e qualquer outra substância ilícita. Assim como
nega transtornos mentais em outros indivíduos da família.
A família relata que C.J. manteve preservada sua autonomia
para realizar atividades instrumentais de vida diária. Também não
acreditam que tenha havido qualquer déficit mnêmico. Ao exame
do estado mental, o paciente apresenta-se vestido de maneira alinhada com semblante tranquilo. Destaca-se o relato de alterações
sensoperceptivas, caracterizadas por alucinações táteis, cenestésicas. A temática do discurso gira em torno da vivência do delírio
parasitário, demonstrando intenso desconforto, dor, medo. Fica
também evidente o delírio paranoico que envolve a família e a
igreja, além do delírio místico - religioso associado às alucinações
auditivas e visuais.
Ao exame físico apresenta disartria e paresia em MID (M4), mas
sem outras anormalidades.
A avaliação neuropsicológica foi limitada em virtude do comprometimento visual do paciente. Com os resultados, associado à
história clínica, pode-se excluir o diagnóstico de demência. Todavia, o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve permaneceu inconclusivo.
Foram realizados os seguintes exames laboratoriais: hemograma, ionograma, colesterol total e frações, triglicérides, funções tireoidiana, hepática, renal, vitamina B12, VDRL, anti-HIV, hepatites,
FAN, parasitológico de fezes, urina rotina – esses apresentaram
padrão de normalidade. A glicemia de jejum foi de 170mg/dl.
Realizou-se imagem de ressonância magnética (IRM) de encéfalo que, associado à clínica, sugere doença encéfalo-vascular.
FIGURA 1 - IRM de corte axial em T2W:
alterações de sinal em tálamo e núcleo lentiforme
FIGURA 2 - IRM de corte axial em T2W Flair: lesões periventriculares de substância branca
FIGURA 3 - IRM de corte sagital em T2 (TSE):
lesão pontina
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
33
RELATO
DE CASO
por RAIMUNDO JORGE MOURÃO , ROGÉRIO
1
BEATO , ALEXANDRE DE AGUIAR FERREIRA3
2
Iniciou-se a terapêutica antipsicótica com haloperidol 2,5mg/
dia considerando: 1) as múltiplas comorbidades clínicas, 2) a baixa
condição sócio econômica da família para obter um antipsicótico atípico e urgência de iniciar o tratamento farmacológico, 3) o
fato do paciente já ter usado essa medicação. Solicitou-se interconsultas médicas com clínica médica, oftalmologia, neurologia,
cardiologia.
Após a terceira semana de tratamento, o paciente relatou melhora das alucinações cenestésicas, e familiares relatam menor
com­ba­tividade de C. J. contra a esposa e Igreja. Na sexta semana de
tratamento, apresenta evolução caracterizada por atenuação do
delírio parasitário e melhora no convívio familiar. Nesse momento já se estabelecia boa aliança terapêutica, e pode-se organizar o
tratamento clínico com retomada dos cuidados das comorbidades. Contudo, semanas após uma boa resposta ao tratamento psiquiátrico, o paciente apresentou complicações do diabetes, com
evolução para acidente vascular encefálico e morte, a despeito de
grande esforço clínico.
Discussão
A partir dos elementos psicopatológicos, ampla propedêutica
clínica e neurológica, observa-se um paciente com marcantes características constitutivas de personalidade paranoide e que, posteriormente, iniciou com manifestação de delírio de parasitose e
vivência delirante-alucinatória. Exatamente nessa época, algumas
comorbidades clínicas foram identificadas, e três anos mais tarde,
apresentou AVE. A partir desse período, houve importante agravamento do quadro psiquiátrico, sendo possível o diagnóstico de
psicose não orgânica não especificada.
Sabe-se que devido à natureza multietiológica do delírio de infestação é necessária terapêutica customizada para cada forma11 e
que todos os casos primários e secundários necessitam de tratamento com antipsicótico, exceto quando o tratamento da causa
leva a imediata cessação dos sintomas do delírio de parasitose12.
Também parece não haver superioridade clínica entre os antipsicóticos12.
Formulou-se a hipótese de Síndrome de Ekbom em paciente
com doença encéfalo-vascular e múltiplas comorbidades. É importante considerar o delírio de parasitose como oportunidade
diagnóstica para comorbidades clínicas e psiquiátricas.
FIGURA 4 – Evolução clínica
34
revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
ALEXANDRE DE AGUIAR FERREIRA3
Preceptor e coordenador da residência de Psiquiatria do Hospital de Ensino Instituto Raul Soares,
HEIRS – FHEMIG. Professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas de
Minas Gerais – FCMMG.
3
Referências
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1. Berrios, German E. Alucinações táteis: aspectos conceituais e históricos. Rev Latinoam Psicopatol Fundam.
2011; 14: 542-62
2. Ramirez-Bermudez J, Espinola-Nadurille M, Loza-Taylor N. Delusional parasitosis in neurological patients. Gen Hosp Psychiatry. 2010; 32:294-9.
3. Bourgeois M, Nguyen-lan A. Ekbom’s syndrome
and delusion of skin infestation. Review of the literature. Ann Med Psychol. 1986; 144: 321-40
4. Freudenmann RW, Lepping P. Delusional Infestation.
Clinical microbiology reviews. 2009; 22: 690–732.
5. Nicolato R, Correa H, Romano-Silva MA, et al: Delusional parasitosis or Ekbom syndrome: a case series.
Gen Hosp Psychiatry. 2006; 28:85–87
6. Slaughter JR, Zanol K, Rezwani H, Flax J. Psychogenic
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7. Amancio EJ, Peluso CM, Santos AC, et al. Ekbom’s
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8. Lepping P, Fredenmann RW. Delusional parasitosis: a
new pathway for diagnosis and treatment. J Compilation Clin Exp Dermatol. 2007; 33:113–7.
9. Bastos Filho OC. Problema diagnóstico dos delírios
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10. Geoffroy PA et al. Corrélats anatomofonctionnels
du syndrome d’Ekbom. La Presse Médicale. 2012; 42:
237-239.
11. Freudenmann RW. Delusions of parasitosis: an
up-todate review. Fortschr Neurol Psychiat 2002; 70:
531–41.
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17 consecutive patients (using standardized reporting
criteria). Gen Hosp Psychiatry. 2011;33:604-11
Correspondência:
Avenida do Contorno, 3017 30110-080 - Bairro Santa Efigênia.
Belo Horizonte, MG
[email protected]
Conflito de Interesse e Fonte de Financiamento Inexistente
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
35
COMUNICAÇÃO
BREVE
por JORGE ALBERTO SALTON
1
CONSIDERAÇÕES SOBRE RISCO-BENEFÍCIO DO
TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR
RISK-BENEFIT CONSIDERATIONS IN THE TREATMENT
OF BIPOLAR DISORDER
H
á hoje diagnóstico abusivo do Transtorno Afetivo Bi­
po­lar (TAB) como bem demonstra Mitchel em artigo
recente (1). Tal modismo pode estar acarretando
prescrição abusiva de certos medicamentos, entre eles
a lamotrigina.
Recentes artigos de revisão sobre a lamotrigina aponta para a
sua baixa eficácia no TAB. Casos são publicados nos quais o uso
desse anticonvulsivante acarretou síndromes graves que podem
levar ao óbito: Steven-Johnson, Lyell, insuficiência hepática aguda.
EFICÁCIA
A lamotrigina surgiu para a psiquiatria após artigo de Calabrese
JR et all (2). A substância fora comparada com placebo e não com
substância já reconhecida como eficaz no quadro. Na Escala de
Hamilton (medida primária de eficácia) o efeito da lamotrigina
no TAB fora equivalente ao do placebo. Os autores, entretanto,
encontraram vantagem na Escala de Montogomery-Asberg
(medida secundária de eficácia). Contra suas próprias evidências,
os autores a recomendaram afirmando que a lamotrigina em
monoterapia é um tratamento eficaz e bem tolerado para a
depressão bipolar.
Ao contrário desse artigo, revisão publicada em 2011 conclui
que: “Não há evidências para recomendar a sua utilização em
estados maníacos ou mistos, em bipolar I ciclagem-rápida ou na
depressão unipolar” (3).
Revisão ainda mais recente, publicada em 2013, também não
encontra a eficácia sugerida inicialmente e propõe que as Dire­
trizes rebaixem sua colocação: “Os resultados de nosso estudo
apontam para a mudança de posição da lamotrigina em diretrizes
internacionais de terapia” (4).
36
revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2013
EFEITOS COLATERAIS GRAVES
É do conhecimento de todos que a lamotrigina pode desencadear
rash cutâneo que pode evoluir para a Síndrome Steven-Johnson e
para a necrólise epidérmica ou síndrome de Lyell. Entretanto, diziase que o efeito colateral apareceria no início do uso e depois não
mais. E que se deveria introduzi-la aumentando 25 mg a cada 14
dias e assim esse feito perigoso raramente ocorreria. (A propósito,
quantos colegas introduzem assim tão lentamente a lamotrigina?
E o paciente pode esperar tanto tempo para chegar aos 200 mg e
assim ter o suposto efeito terapêutico desejado?) Entretanto, já há
relato de rash cutâneo tardio severo com a paciente fazendo uso
da substância há oito meses (5).
Um outro efeito colateral pode provocar a morte com uso da
lamotrigina: insuficiência hepática aguda. Há um caso relatado
por Nogara et all: uma mulher de 32 anos com o diagnóstico de
TAB fazia uso de carbolitium e lhe foi acrescentado lamotrigina.
Após 35 dias de uso com lamotrigina (estava com 50 mg) baixou
na emergência com vômitos, alteração do nível de consciência,
evoluindo para disfunção hepática aguda e óbito (6).
MODISMOS E SEUS MALES
Podemos usar um medicamento com efeitos colaterais peri­
go­
sos se realmente o paciente apresenta uma doença grave
e incapacitante e se os demais tratamentos menos perigosos
não surtirem efeito. Situações-limite em que não temos melhor
escolha. E, nos tempos de hoje, os riscos devem ser colocados ao
paciente e aos seus familiares.
Por que vamos colocar em risco de morte o nosso paciente se
há outra opção? Como ficará nosso futuro profissional (e pessoal!)
caso o nosso paciente venha a falecer por uma medicação que não
era indicada pelo diagnóstico não ser o correto ou por sua nula ou
JORGE ALBERTO SALTON1
Psiquiatra, Mestre UFRGS, Titular FAMED UPF. Associado: ABP, APPG, APRS.
1
baixa eficácia ou por haver uma medicação menos perigosa para
tratar sua doença?
Em 1987 Akiskal e Mallya (7) inciaram a divulgação do conceito
de Espectro Bipolar. Após anos de divulgação, na minha opinião
apressada e acrítica, a bipolaridade virou moda. Colegas de
grande respeito como Mitchel e Romildo Bueno vem analisando
criticamente esse conceito (8) (9).
O mal do diagnóstico indevidamente expandido da doença
bipolar é muito grande. Até hoje só está de fato comprovada a
utilidade de alguns poucos medicamentos nos quadros bipolares
das classificações oficiais. Muitas pessoas podem estar usando
medicamentos desnecessariamente, talvez pelo resto de suas
vidas.
Outro problema é a banalização do diagnóstico psiquiátrico
com sua desqualificação e consequente descrença na profissão.
Quando muitas pessoas distantes do núcleo da doença são
colocadas nela, a pesquisa fica dificultada.
Essa expansão diagnóstica veio acompanhada de uma série de
lançamentos da indústria farmacêutica. A população foi atraída
para esse campo: a doença passou a ser romantizada e banalizada.
Nos Estados Unidos, por exemplo, atores e outras figuras públicas
passaram ser apresentados como bipolares e enaltecidos em suas
habilidades e capacidades criativas; na verdade, a doença real
caminha no sentido oposto.
O termo bipolar perdeu o significado médico. (Quando Interna­
cional e Vitória empataram no início do Campeonato Brasileiro
deste ano, a imprensa esportiva considerou que o time gaúcho
havia jogado mal no primeiro tempo e bem no segundo e noticiou:
“O time do Inter é bipolar”).
Essa expansão atingiu também a população infantil. Na última
década, acredita-se que o diagnóstico de bipolaridade na infância
aumentou em cerca de quarenta vezes.
Creio que precisamos repensar. Aproveitar a discussão diag­
nóstica suscitada pela publicação da DSM-V e... repensar.
Referências
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1. Mitchel PB. Bipolar Disorder: The Shift to
Overdiagnosis. Can J Psychiatrty 2012;57:659–665.
2. Calabrese JR, Bowden CL, Sachs GS, Ascher JÁ,
Monaghan E, Rudd GD. A double-blind placebocontrolled study of lamotrigine monotherapy in
outpatients with bipolar I depression. Lamictal 602
Study Group. J Clin Psychiatry. 1999;60:79-88.
3. Amann B, Born C, Crespo JM, Pomarol-Clotet
E, McKenna P. Lamotrigine: when and where does
it act in affective disorders? A systematic review.
Psychopharmacol 2011; 25:1289-94.
4. Anja Trankner, Christian Sander and Peter
Schonknecht A critical review of the recent literature
and selected therapy guidelines since 2006 on the use
of lamotrigine in bipolar disorder. Neuropsychiatr Dis
Treat 2013; 9:101-111.
5. Ribeiro R, Rosa A e Maia T. Rash Cutâneo Tardio
na terapêutica com Lamotrigina – A Propósito de
um Caso Clínico Revista do Serviço de Psiquiatria do
Hospital Fernando Fonseca. 2005; 1:12-16.
6. Nogara M et all. Insuficiência hepática aguda
potencialmente induzida por lamotrigina: relato
de caso. SBMD 2009;
http://www.sbmd.org.br/
Artigos_GED_2009/Edicao_1/relato_2_insuficiencia_
hepatica_aguda.pdf (acessado em 31/05/2013)
7. Akiskal HS, Mallya G. Criteria for the “soft” bipolar
spectrum: treatment implications. Psychopharmacol
Bull. 1987;23:68-73.
8. Bueno R, J O “espectro” Bipolar. Psychitry on Line.
2009; 14 http://www.polbr.med.br/arquivo_09.php
(acessado em 31/05/2013).
9. Bueno R, J Considerações a respeito da fragilidade
das hipóteses em psiquiatria e em psicofarmacoterapia.
Revista Debates em Psiquiatria, 2012; Set/Out:16-22.
Correspondência
Av Brasil Leste, 758
Passo Fundo RS
CEP 99010-001
www.salton.med.br / [email protected]
Fonte de financiamento e Conflito de Interesse inexistente
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
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Essa é a finalidade do pagamento da
sua anuidade. Fortificar e solidificar
a ABP! Só assim poderemos cumprir
com as nossas ações fundamentais!
Faça parte da ABP, fique em
dia com a sua associação de
classe, e mantenha ativa uma
das mais respei tadas associações
de especialidade do Brasil!
Além disso, quantos mais associados quites a ABP tiver em seu
quadro social mais benefícios poderão ser oferecidos!
Anuidade
Este ano nossos associados
receberam duas grandes
notícias, a anuidade 2013 não
teve aumento em relação
a anuidade de 2012, e o
os
inscrição no CBP 2013, para
não
associados da ABP também
teve acréscimo.
2013
O aumento no número de associados
quites com a ABP está fazendo
com que consigamos isto e muito mais!
www.abp.org.br
Jul/Ago 2013 - revista debates em psiquiatria
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