e3 Economia dos Cuidados uidados Médicos Joseph P. Newhouse ■ SELEÇÃO No mercado competitivo idealizado dos livros-texto de economia, os compradores e vendedores têm o mesmo conhecimento sobre os bens ou serviços que estão negociando. Quando uma das partes sabe mais – ou quando bens de qualidade diferente estão sendo vendidos pelo mesmo preço, o que, do ponto de vista de análise é a mesma coisa – os mercados podem falhar da seguinte maneira: pode haver um preço em que compradores e vendedores com igual conhecimento podem fazer uma transação que seria boa para ambos, mas a transação não ocorre porque uma das partes sabe mais do que a outra. Assim, tanto o potencial comprador quanto o potencial vendedor saem perdendo. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Economia dos Cuidados Médicos Este capítulo tenta explicar aos médicos como os economistas pensam sobre médicos e cuidados médicos. O modo de pensamento dos economistas moldou as instituições e as políticas de cuidados de saúde e, dessa forma, o ambiente em que os médicos trabalham. Como resultado, pode ser útil para os médicos a compreensão de alguns aspectos desse modo de pensar mesmo que, às vezes, isso possa parecer estranho ou incompatível. Os médicos veem a si mesmos como profissionais e como curadores, assistindo seus pacientes em suas necessidades. Quando os economistas são os pacientes é provável que eles vejam os médicos da mesma forma, mas quando eles observam os médicos através das lentes da economia como disciplina, os médicos são vistos como agentes econômicos. Em outras palavras, os economistas estão interessados no grau em que os médicos respondem a vários incentivos, aqueles que eles encontram e os dos pacientes, ao decidir sobre o uso dos recursos que controlam. Os exemplos incluem a quantidade do próprio tempo que eles devotam ao paciente; que exames solicitar; que fármacos, se forem usados, devem prescrever; se devem recomendar um procedimento; se encaminham um paciente; e se devem hospitalizar um paciente. O interesse se origina de questões econômicas fundamentais: Que bens e serviços são produzidos e consumidos? Em particular, quanto cuidado médico está disponível e quanto de outros bens e serviços? Como aquele cuidado médico é produzido? Por exemplo, que mistura de serviços específicos é usada para tratar um episódio particular de uma doença? Quem recebe tratamentos específicos? Em todas as sociedades os médicos vivem e funcionam em mercados econômicos, embora esses mercados sejam muito diferentes dos mercados competitivos simples vistos nos livros-texto introdutórios de economia e também mudem de um país para o outro, dependendo de suas instituições. Muitas das diferenças entre os mercados médicos reais e os mercados competitivos dos livros-texto causam o que os economistas chamam de falha de mercado, uma condição em que alguns indivíduos levem vantagem sem que ninguém tenha prejuízo. Este capítulo explica duas características do financiamento dos cuidados de saúde que causam essa falha do mercado: seleção e risco moral. Uma resposta comum para a falha do mercado em cuidados médicos é o que os economistas chamam de preços administrados, que formam outro conceito descrito nesse capítulo. Os preços administrados também consideram um custo econômico, levando ao que os economistas chamam de falha regulatória. Todas as sociedades desenvolvidas buscam um equilíbrio entre a falha de mercado e a falha regulatória, um tópico que é abordado na conclusão deste capítulo. O mercado de carros usados é um clássico exemplo de informação diferencial. Os proprietários de carros usados (potenciais vendedores) sabem mais sobre a qualidade de seus carros do que os potenciais compradores. Em qualquer preço específico para determinada marca e modelo os únicos carros usados oferecidos serão aqueles cujos vendedores estimam seu preço real em um valor menor. Tais carros serão de diferentes maneiras de qualidade inferior (“limões”) em relação ao preço determinado; de fato, presumindo um contínuo de qualidade, a média dos carros oferecidos terá valor igual ou menor do que o carro oferecido. Porém, isso significa que qualquer comprador em potencial que não tenha informações sobre a qualidade do carro estará pagando potencialmente (muito) mais do que o valor do carro. Como os compradores sabem que os vendedores sabem mais sobre a qualidade do carro, as transações que ocorreriam se comprador e vendedor soubessem o mesmo sobre a qualidade dos veículos podem não ocorrer (é por essa razão que os vendedores oferecem garantias). A mesma coisa ocorre quando bens de diferentes qualidades são vendidos no supermercado pelo mesmo preço. Os compradores ficam felizes em pegar rapidamente qualquer caixa de uma determinada marca de cereais matinais ou garrafa de refrigerante, pois a qualidade de qualquer caixa ou garrafa é a mesma, mas ficam algum tempo inspecionando os produtos para ter certeza de que a maçã que pegaram não está machucada ou se a banana não está madura demais. No final do dia são as maçãs machucadas e as bananas maduras demais que restam na loja. Na verdade, o vendedor não usou todas as informações para colocar o preço no produto e o comprador explora essa informação diferencial. A seleção afeta os mercados individuais e, em algum grau, para grupos pequenos de seguros de saúde da mesma forma que o mercado de carros usados e as estantes de produtos, mas nesse caso é o comprador do seguro que tem mais conhecimento do que o vendedor. As pessoas que utilizam uma quantidade de cuidados acima da média – por exemplo, aquelas com uma doença crônica ou com forte inclinação a buscar ajuda por algum sintoma – irão valorizar o seguro de saúde mais do que aquelas que são saudáveis ou que, por diversas razões, deixam de buscar cuidados médicos mesmo quando apresentam sintomas. Contudo, a seguradora não necessariamente conhece o risco das pessoas que fazem o seguro e, dessa forma, ela determina prêmios do seguro para um risco médio ou, algumas vezes, para um risco médio condicional a certas características observáveis como a idade. Da mesma maneira que os compradores não querem as maçãs machucadas e os compradores de carros usados não querem limões, muitas pessoas saudáveis não iriam querer comprar seguros de forma voluntária se o seu preço refletisse principalmente o uso por aqueles que são doentes (as pessoas saudáveis, mas muito avessas ao risco ainda podem querer pagar prêmios bem acima da expectativa de uso). Em um caso extremo as pessoas saudáveis abandonam a seguradora, os valores do prêmio aumentam (a pessoa média que permanece no plano é mais doente) e esse aumento faz com que mais pessoas ainda saiam do plano, fazendo os valores subirem ainda mais e assim por diante até que poucas pessoas terminam contratando o seguro. Por essa razão nenhum país desenvolvido se baseia primariamente no seguro individual voluntário para o financiamento dos cuidados de saúde, embora muitos países usem isso no mercado suplementar de seguros e a seleção costume ser uma característica desse mercado. Em vez disso, os governos e/ou empregadores fornecem ou subsidiam em grande parte a compra de seguros de saúde obrigatórios ou voluntários (p. ex., os programas American Medicare e Medicaid, Canadá, Alemanha e estado de Massachusetts) ou fornecem serviços de saúde diretamente (p. ex., Reino Unido, United States Veterans Health Administration e Indian Health Service). Além disso, os países que dependem dos seguros de saúde baseados no emprego, como Estados Unidos e Alemanha, determinam impostos para o financiamento destes seguros ou fornecem grandes subsídios para a sua compra; caso contrário, muitos empregados saudáveis prefeririam que o empregador pagasse a eles o dinheiro que CAPÍTULO e3 CAPÍTULO 3-1 PARTE I Introdução à Medicina Clínica gastam no seguro na forma de salário. Como um empregador que oferece seguro de saúde um salário menor do que outro empregador equivalente que não o faz, muitos empregadores nos Estados Unidos, que não são obrigados a oferecer seguro, podem não fazê-lo em indústrias com baixos salários; se fizessem isso, o salário que eles pagam poderia estar abaixo do mínimo (eles também não costumam oferecer um benefício de pensão pelas mesmas razões). Estes empregadores de baixos salários costumam ser (mas nem sempre o são) de pequenos negócios. Enquanto 18% dos trabalhadores dos Estados Unidos trabalhavam em empresas com 3 a 24 empregados em 2008, apenas 13,8% dos trabalhadores com seguro de saúde estavam empregados nessas empresas. Algumas pessoas que trabalham de forma autônoma ou aquelas que trabalham em pequenas empresas podem pertencer a uma associação comercial ou sociedade profissional através da qual podem comprar um seguro (incluindo alguns médicos), mas como essa compra é voluntária ela está sujeita à seleção. Aqueles que não têm acesso a tais seguros devem usar o mercado de seguros individuais. Como isso afeta a prática da medicina? As políticas dos seguros individuais e de pequenos grupos tipicamente têm cláusulas de condições preexistentes que protegem a seguradora contra a seleção, isto é, fornecem proteção para que uma pessoa não compre o seguro (ou aumente sua cobertura) após ter recebido o diagnóstico de uma doença que tem tratamento dispendioso. Ainda assim há elementos de seleção no mercado de seguros individuais e, dessa forma, os prêmios tendem a ser maiores. Como resultado, as pessoas nos Estados Unidos que não são elegíveis para um seguro subsidiado pelo empregador ou que não podem obter tal seguro por meio de um cônjuge podem não comprar de forma voluntária o seguro, ainda que muitas dessas pessoas procurem os cuidados mesmo sem seguro. O cuidado desses pacientes com “pagamento próprio” pode dar ao médico uma escolha entre um tratamento abaixo do que seria clinicamente ideal a realização de um atendimento ideal que deixa o paciente com uma grande conta a pagar (e o médico com uma coleção de contas não pagas). Aqueles que compram um seguro com prêmios elevados podem comprar uma política de esqueletos ou uma de cobertura de apenas algumas consultas e fármacos, novamente deixando o médico com o problema de determinar um plano de tratamento realístico que o paciente possa pagar. A seleção pode surgir de uma maneira diferente quando os médicos são reembolsados com uma quantia fixa por paciente (isto é, capitação) em vez de receberem pagamentos conforme os serviços prestados. Dependendo da adequação de quaisquer ajustes na quantia da capitação recebida para os recursos que um determinado paciente necessitará – em geral não são feitos tais ajustes – os médicos que recebem uma quantia fixa têm um incentivo financeiro para evitar o cuidado de pacientes mais doentes. Da mesma forma, os médicos que recebem uma quantia capitada pelos seus serviços, mas que não são financeiramente responsáveis pelos serviços de outros médicos podem fazer um número excessivo de encaminhamentos, da mesma forma que os médicos reembolsados em pagamentos por serviços podem encaminhar menos pacientes. ■ RISCO MORAL O termo risco moral vem da literatura atuarial; ele se refere originalmente aos incentivos mais fracos de um indivíduo assegurado para evitar a perda contra a qual está sendo segurado. Um exemplo clássico é o de proprietários de casas em regiões propensas a incêndios na vegetação que não cortam o mato ao redor de suas casas nem instalam telhas resistentes ao fogo em seus tetos em função da expectativa de que o seguro irá compensá-los se suas casas pegarem fogo. Em alguns tipos de seguro, porém, o risco moral não é um grande problema. As pessoas que compram seguros de vida para si mesmas não cometerão suicídio apenas para receberem a compensação (porém, em função do risco moral, a lei proíbe a compra de seguros de vida para outras pessoas com quem o comprador não tenha relação ou interesse econômico em comum). Também, apesar do exemplo do incêndio na vegetação, os seguros para proprietários de casas provavelmente têm pouco risco moral associado, pois as pessoas não 3-2 costumam poder repor as perdas de seus pertences, como álbuns de fotos, quando uma casa é incendiada nem uma propriedade que é destruída por um roubo. Em resumo, se o risco moral é insignificante, as pessoas asseguradas tomam as precauções adequadas contra as potenciais perdas. No contexto dos seguros de saúde, essa forma clássica de risco moral significa incentivos potencialmente reduzidos para a prevenção de doenças e não costuma ser um grande problema. A doença costuma implicar em alguma dor e sofrimento, isso sem falar do encurtamento da expectativa de vida. Como não há seguro para a dor e o sofrimento, as pessoas têm fortes incentivos para tentar permanecer saudáveis independentemente da quantidade de seguro de saúde que elas têm. Colocado de outra forma, ter um seguro de saúde melhor provavelmente não reforça muito esses incentivos. Em vez dos fracos incentivo para a prevenção de doenças, no contexto dos seguros de saúde o risco moral costuma se referir aos incentivos para que as pessoas bem asseguradas utilizem mais serviços médicos. Por exemplo, um paciente com dor nas costas ou no ombro pode solicitar um caro exame de imagem, como uma RM, se ela estiver disponível de graça ou com baixo custo mesmo que o médico pense que o exame não tem valor clínico importante. De modo inverso, o médico pode ser mais cuidadoso para pedir um exame que deve acrescentar pouca informação se houver importantes consequências financeiras para o paciente. A evidência mais forte sobre isso vem de um experimento randomizado feito no final dos anos 1970 e início dos anos 1980: o RAND Health Insurance Experiment. As famílias cujos membros tinham <65 anos foram randomizados para planos de seguros em que a quantia a pagar ao usar os serviços (“divisão de custos”) variava desde nada (cuidado com cobertura total) até uma grande dedução (seguro catastrófico). Todos os planos limitavam os pagamentos anuais feitos do próprio bolso pelas famílias com um limite reduzido para as famílias de baixa renda. As famílias com seguro completo usaram cerca de 40% mais serviços em um ano em comparação com as famílias de seguro catastrófico, um achado que não variou muito entre as seis regiões geográficas em que ocorreu o experimento. Embora esses dados sejam de antes da era da assistência médica gerenciada (managed care) nos Estados Unidos, estudos observacionais subsequentes nos Estados Unidos e em outros lugares confirmaram grande parte desses achados com respeito à relação entre variações nos cuidados e variações no pagamento pelo paciente no momento do cuidado. Aquelas pessoas no experimento RAND para as quais os cuidados médicos eram gratuitos tinham mais probabilidade de buscar ajuda para problemas cujos cuidados podiam ser eficazes. Poderia se presumir que isso resultou em melhores desfechos, mas de modo geral isso não ocorreu. De fato, a diferença foi pequena ou ausente na média dos desfechos de saúde entre as pessoas com diferentes planos de saúde com a exceção importante de que pessoas com hipertensão, em especial aquelas de baixa renda, tinham melhor controle quando os cuidados eram gratuitos. Além disso, aquelas pessoas do experimento para as quais os cuidados médicos eram gratuitos também tinham maior probabilidade de buscar ajuda para problemas cujos cuidados não tinham probabilidade de serem úteis. Uma possível explicação para a escassez de efeitos benéficos pelos serviços médicos adicionais daqueles com plano gratuito é a de que a população do experimento, que consistia em indivíduos não idosos da comunidade, era em grande parte saudável. Aqueles com uma grande parte dedutível fizeram uma média de duas consultas médicas ao ano; aqueles com cuidados gratuitos fizeram o dobro de consultas e foram hospitalizados com frequência 25% maior. É possível que as duas visitas adicionais e o maior número de hospitalizações tinham a mesma probabilidade de levar a desfechos bons e ruins naquela população. Com certeza a literatura subsequente sobre a qualidade de cuidados e taxas de erros em cuidados médicos implica que uma boa quantidade de cuidados inapropriados foi – e é – fornecida aos pacientes. Por exemplo, mais da metade dos antibióticos prescritos para os participantes do experimento eram para tratar problemas virais. Além disso, cerca de um quarto das pessoas hospitalizadas (em todos os planos) foram internadas para procedimentos que poderiam ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Economia dos Cuidados Médicos ■ PREÇOS ADMINISTRADOS Como as seguradoras públicas e privadas não podem pagar o preço determinado pelos médicos, os preços nos mercados médicos com seguros disseminados são ajustados de forma administrativa ou negociados. No modelo simples do livro-texto, os preços do mercado competitivo se aproximam do custo de produção, mas isso não necessariamente acontece quando os preços são administrados. No programa americano Medicare, por exemplo, o governo ajusta um preço do tipo “pegar ou largar”. Em função da fatia de mercado representada pelo programa Medicare, virtualmente todos os médicos aceitam o preço do governo em vez de abandonar o programa. Em alguns países (p. ex., Canadá e Alemanha), as sociedades médicas negociam os pagamentos para todos os médicos do país ou em determinadas regiões. Nos Estados Unidos, as seguradoras comerciais negociam os preços com médicos individualmente ou em grupos. O principal problema dos preços administrados é que alguém deve determiná-los. Se o preço determinado se afasta muito dos custos incrementais, isso resulta inevitavelmente em distorções; quem determina os preços tipicamente tem muito pouca informação sobre custos incrementais e, dessa forma, o preço pode estar (e costuma ser) muito longe do custo. Se o regulador ajusta o preço abaixo do custo, o serviço pode não estar disponível ou, se estiver, ele terá de ter um subsídio cruzado de um serviço lucrativo. Se o preço estiver acima do custo, pode haver excesso de entrada e muitos serviços sendo oferecidos em escala muito pequena. Além disso, o custo provavelmente varie entre médicos e hospitais, o que significa que um preço único não é adequado a todos. Um regulador beneficente poderia teoricamente alcançar um equilíbrio no preço e no custo de produção por tentativa e erro se a tecnologia não mudasse, mas isso certamente não ocorre na medicina. Não apenas novos bens e serviços aparecem de maneira contínua como também os médicos desenvolvem maior habilidade nos serviços já existentes ou novas ferramentas para oferecer o serviço com custo diferente e muitas vezes menor. Por exemplo, a cirurgia de catarata, a qual demorava 8 horas quando foi introduzida, atualmente pode ser realizada em <30 minutos. As distorções entre preços e custos quando os preços são administrados têm consequências na maneira como o cuidado médico é realizado. Pode haver capacidade demais em áreas “lucrativas” da medicina, como serviços de cardiologia e medicina esportiva e pouca capacidade em áreas menos lucrativas como a atenção primária. Um pagamento acima dos custos para determinado procedimento encoraja a sua realização. De maneira inversa, os métodos de pagamento que tentam pagar por muitos serviços com um pagamento fixo, como a capitação ou o pagamento por internação, não pagam nada pelo que é feito a mais e, assim, podem resultar em falta de serviços ou na seleção pelos provedores para reduzir o número de pacientes não lucrativos sob seus cuidados, da mesma forma que hospitais podem fechar uma sala de emergência se ela se tornar um magneto para pessoas sem seguros. Como notado anteriormente, estes fenômenos também refletem a assimetria de informação entre pacientes e médicos e, no caso de pagamento por serviço, o incentivo para que pacientes sem seguros continuem com a recomendação de serviços adicionais (“tenho certeza sobre o seu problema, mas vamos fazer só mais um exame para ter certeza”). Existem boas evidências de que os médicos como um grupo respondem aos preços ajustados. Por exemplo, se houver uma redução geral nos pagamentos que, mantendo iguais os outros parâmetros, diminuiria a renda na medicina, os médicos solicitam mais serviços; de modo inverso, eles fazem o contrário se houver um aumento nos pagamentos. Este comportamento está tão bem estabelecido empiricamente que os atuários do programa Medicare dos Estados Unidos levam isso em conta nas suas estimativas de custo. A negociação dos preços pode chegar mais perto dos custos do que os preços administrados, mas não é uma panaceia. Em primeiro lugar, o custo relevante para os pacientes é o custo total para tratar de todo o problema médico e o desfecho obtido, os quais provavelmente não se refletem no pagamento negociado para o médico. Em segundo lugar, as seguradoras comerciais nos Estados Unidos costumam negociar os valores como um múltiplo da tabela de honorários Medicare e, assim, qualquer distorção nos preços relativos determinados de maneira administrativa é transferida para os preços negociados. Por exemplo, na tabela de honorários do Medicare os procedimentos costumam ser mais rentáveis do que os serviços cognitivos conhecidos como “avaliação e manejo” e é provável que isso desempenhe um papel no fato de os Estados Unidos terem tão poucos médicos na atenção primária. Em terceiro lugar, nos Estados Unidos e em outros lugares, a negociação pode ser feita para um grande número de médicos com custos diferentes e os preços podem estar distantes do custo para alguns ou para todos os médicos do grupo. Em quarto lugar, os preços negociados podem exceder os custos quando não há competição efetiva entre médicos semelhantes em um determinado mercado. Como os mercados de cuidados médicos costumam ser locais, pode haver apenas um grupo em determinada especialidade em um mercado menor, quando então o grupo terá considerável poder de mercado para obter reembolsos mais favoráveis. Em relação a isso os médicos podem tentar negociar em conjunto para aumentar seu poder de mercado. Por fim, muitos pacientes (provavelmente a maioria) ficam relutantes em trocar de médico pelo fato de seu médico atual conhecer seu histórico e pela incerteza sobre o novo médico ser melhor e também porque o seguro protege os pacientes contra a maioria das diferenças de custo entre os médicos. CAPÍTULO e3 ser realizados igualmente bem fora do ambiente hospitalar, o que é consistente com a grande queda no uso dos hospitais nas últimas três décadas. Em resumo, o cuidado adicional inadequado quando o cuidado era gratuito não foi necessariamente inócuo; se uma pessoa em grande parte saudável consulta um médico, ela pode piorar em consequência disso. A literatura sobre cuidados inadequados tem origem principalmente nos Estados Unidos, mas é provável que os achados se apliquem a outros locais. O seguro é com certeza algo desejável para proteger as famílias contra o risco financeiro de grandes despesas médicas e, em alguns casos, para lidar com a falta de uso de serviços valiosos, como pacientes com diabetes ou hipertensão que não tomam as medicações por razões financeiras. Assim, a solução para o risco moral não é abolir o seguro, mas obter o equilíbrio correto entre proteção financeira e incentivo para buscar cuidados. Além disso, o seguro é provavelmente útil para variar a quantia paga pelos próprios pacientes dependendo do serviço específico e da condição clínica do paciente. Por exemplo, pode ser melhor ter pagamentos pequenos ou nenhum pagamento para antidiabéticos ou anti-hipertensivos ou para estatinas em pacientes que sofreram infarto do miocárdio e ter pagamentos parciais maiores para fármacos cujo uso é mais arbitrário. ■ CONCLUSÃO Um ramo da economia – economia positiva – busca explicar fenômenos reais sem fazer um julgamento sobre a desejabilidade desses fenômenos. Outro ramo – economia normativa – busca prescrever o que deve acontecer e, em especial, quais devem ser as políticas públicas para garantir que isso aconteça. Seu principal resultado é que, com certos pressupostos muito especiais, os mercados competitivos levarão a um resultado em que ninguém pode levar vantagem sem que outra pessoa tenha prejuízo. Esses pressupostos não se sustentam nos cuidados médicos, em parte por causa da seleção e do risco moral; os economistas chamam o resultado de falha do mercado. Por outro lado, mesmo um regulador beneficente introduzirá distorções pela falta de informações suficientes, conforme indicado pela discussão sobre preços administrados nesse capítulo, e não há garantias de que um regulador será beneficente, como indicam os escândalos periódicos de corrupção. Os economistas chamam esse fenômeno de falha regulatória ou governamental. Os economistas enxergam as decisões sobre forma e quantidade adequadas de intervenção e regulação públicas nos cuidados médicos como uma questão de encontrar o equilíbrio correto entre os vários tipos de falhas de mercado e os vários tipos de falhas regulatórias, um equilíbrio que as diferentes sociedades devem encontrar de maneiras diferentes. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 3-3 BIBLIOGRAFIA PARTE I Introdução à Medicina Clínica 3-4 Brook RH: Assessing the appropriateness of care—its time has come. JAMA 302:997, 2009 Chernew ME et al: Value-based insurance design. Health Affairs 26:w195, 2007 Fuchs VR: Health care for the elderly: How much? Who will pay for it? Health Affairs 18:11, 1999 Institute of Medicine: To Err Is Human. Washington, DC, National Academy Press, 1999 ———: Crossing the Quality Chasm. Washington, DC, National Academy Press, 2001 McGuire TG: Physician fees and behavior, in Incentives and Choice in Health Care, FA Sloan, H Kasper (eds). Cambridge, MA, MIT Press, 2008 Newhouse JP: Pricing the Priceless: A Health Care Conundrum. Cambridge, MA, MIT Press, 2002 ———, Sinaiko AD: What we know and don’t know about the effects of cost sharing on demand for medical care—and so what? in Incentives and Choice in Health Care, FA Sloan, H Kasper (eds). Cambridge: MIT Press, 2008 Rice TH: The impact of changing Medicare reimbursement rates on physician-induced demand. Medical Care 21:803, 1983 Siu A et al: Inappropriate use of hospitals in a randomized trial of health insurance plans. 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