TRABALHO E EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE SOBRE

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TRABALHO E EXCLUSÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE SOBRE A PRECARIZAÇÃO
DO TRABALHO DA MULHER NEGRA NO MUNDO DO TRABALHO
Wanderilza Lourdes de França11
RESUMO
O presente texto tem por objetivo problematizar a precarização do trabalho da
mulher negra e sua relação com o mundo do trabalho. É certo que a revolução
tecnológica e a globalização econômica provocaram mudanças no conteúdo e nas
formas do trabalho, trazendo como consequência, a desestruturação do mercado de
trabalho e o aumento do desemprego, que atinge a maioria das mulheres, e entre
estas, as mulheres negras. A pobreza e a marginalidade a que é submetida a mulher
negra, reforça o preconceito e a interiorização da condição de inferioridade, que em
muitos casos, inibe a reação e a luta contra a discriminação sofrida. Neste sentido,
se faz necessário discutir como se dão as desigualdades de gênero e raça, quais as
suas implicações na divisão social do trabalho, visando refletir sobre a precarização
do trabalho da mulher como expressão da questão social, bem como o impacto da
ausência de políticas sociais que visem minimizar os efeitos devastadores destas
desigualdades.
Para tanto, faremos uma abordagem sobre os elementos da inserção da
mulher no mundo do trabalho, no processo histórico, e os efeitos, sociais produzidos
pela desigualdade. O nosso trabalho se dará a partir de pesquisa e análise
bibliográfica de publicações que discorrem sobre o tema.
Palavras chave: Desigualdade. Exclusão. Mulher negra. Pobreza. Trabalho.
1. A desigualdade e a exclusão como fator de pobreza
A obra marxiana nos oferece os insumos teóricos para a compreensão da
questão social, como a expressão mais desenvolvida de um tipo de exploração
diferenciada, “que se efetiva num marco de contradições e antagonismos que a
tornam, pela primeira vez na história registrada, suprimível sem a supressão das
1
Graduanda em Serviço social UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO.
2551
condições nas quais se cria exponencialmente a riqueza social” (NETTO, 2001:46),
uma vez que a produção da riqueza é coletiva, mas sua apropriação é privada.
Questão Social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais,
engendradas na sociedade capitalista madura. Tem sua gênese no caráter coletivo
da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o
trabalho – das condições necessárias a sua realização, assim como de seus frutos.
A Questão Social expressa, portanto, as disparidades econômicas, políticas e
culturais das classes sociais, midiatizadas por relações de gênero, características
étnico raciais, orientação sexual, formações regionais, entre outras.
A concepção de questão social está enraizada na contradição capital versus
trabalho, e o conceito mais difundido no Serviço Social sobre esse tema é o de
Carvalho e Iamamoto (1983), autores que afirmam que a questão social é a
manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a
burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e
repressão em outros termos, é uma categoria que tem sua especificidade definida
no âmbito do modo capitalista de produção.
A questão social, enquanto categoria teórica e histórica surge no cenário
europeu em meados do século XIX, quando a classe proletária, então liderada por
parcela do operariado, impôs-se como um ator político independente e autônomo,
lutando e reivindicando soluções para seus males, tais como pobreza, fome,
péssimas condições de habitação, degradação do espaço urbano, doenças,
violência, prostituição, dentre outras tantas.
Na formação social brasileira, as relações econômicas fundamentais se
constroem a partir da exploração da força de trabalho. As pessoas que não possuem
meios para produzir, nem para sobreviver com independência, vendem sua força de
trabalho para um patrão que, com isso, consegue ampliar a sua produção e gerar
lucro, do qual usufrui sozinho ou com sua família. Essa relação econômica, que
possibilita a acumulação de capital, estrutura as relações sociais entre as classes,
mas não as explica de todo. O conceito fundamental que explica essa relação é a
exploração, isto é, a extração de mais-valia feita pela classe proprietária sobre a
classe assalariada.
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Podemos afirmar, portanto, que a questão social bem como suas expressões
(pobreza, desemprego, violência) é resultado da contradição existente entre capital e
trabalho, surgida com o advento do capitalismo no processo de industrialização.
2.Trabalho – produção e reprodução social
A
satisfação
das
necessidades
humanas
constitui
a
condição
fundamental de toda a história. Ao trabalhar para suprir suas necessidades, o
homem estabelece relações com a natureza e com outros homens. Ele modifica e
transforma a natureza, usufruindo dela conforme julgue preciso. É através desse
processo que o homem produz seus meios de vida e sobrevivência e se humaniza.
É através do trabalho, considerado a principal atividade humana, que o homem cria
e recria a sua história.
O trabalho continua a ser o eixo fundamental da sociabilidade humana; a
dimensão capaz de criar uma natureza humana, isto é, a atividade capaz de nos
tornar seres portadores de uma natureza diversa da dos outros seres naturais
(animais, aves e insetos) que, não obstante, desenvolvem trabalho com níveis
diversos de sofisticação no âmbito do mundo natural.
A concepção de trabalho como fundador da sociabilidade humana implica o
reconhecimento de que as relações sociais construídas pela humanidade, desde as
mais antigas, sempre se assentaram no trabalho como fundamento da própria
reprodução da vida dado que, por meio de tal atividade, produziram os bens
socialmente necessários a cada período da história humana (GALLO, 1999).
A constituição dos seres sociais tem no trabalho, como ação orientada para
um determinado fim, o fundamento da natureza humana, porque pela atividade
laborativa os homens puderam diferenciar-se dos outros seres e, inclusive,
passaram a submetê-la, a manipulá-la e a dela distanciar-se com uma relativa
autonomia; autonomia relativa, posto que o ser social, por mais avanços e
conquistas que acumule no domínio e no controle da natureza, não pode prescindir
da base natural, genética que, por ineliminável, é a vida biológica. Sem a vida
2553
natural, sem a permanência desta dimensão, cancela-se o ser social e a existência
mesma da sociabilidade.
Na sociedade regida pelo capital, é importante registrar: o homem é o “único
animal que fabrica instrumentos”, pois com os meios de trabalho por ele construído,
os homens obrigam a natureza a abastecer a sociedade; pelo trabalho humano a
natureza é constrangida, dirigida a oferecer aos seres sociais elementos materiais
que o trabalho converterá em bens para o provimento das necessidades sociais dos
humanos. Com o desenvolvimento da natureza humana os homens obrigam-na a
lhes dar os materiais necessários para a produção e reprodução da vida social;
diferentemente do trabalho realizado por outros seres puramente naturais, o trabalho
humano medeia às trocas metabólicas do homem com a natureza, produz novas
experimentações para a satisfação de novas necessidades e, também, a obriga a
novas respostas (MARX).
3. A pobreza como resultado da desigualdade imposta pelo mercado de
trabalho
A pobreza é resultado da desigualdade extrema imposta via mercado de
trabalho, pelos empregos pouco qualificados e, sobretudo, pelos níveis salariais
extremamente baixos, instituídos aquém dos patamares de subsistência (LAVINAS,
2002). A pobreza não é resultado apenas da ausência de renda, mas se articula a
fatores, como o acesso precário aos serviços públicos e, especialmente à ausência
de poder. A exclusão se vincula às desigualdades existentes e, especialmente à
privação de poder de ação e representação.
Nos dias de hoje, vale dizer que o desenvolvimento tecnológico leva a uma
exclusão da mão de obra humana, gerando um processo de desemprego estrutural.
A atual conjuntura de desenvolvimento do capitalismo é marcada pela forte
automatização da produção, isto é, o significativo processo irreversível de
transformações no processo produtivo, pela substituição da mão de obra humana.
Por isso, é preciso compreender como se dá a luta entre os interesses de classe e,
mais precisamente, como se dão os conflitos no mundo do trabalho, uma vez que
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essas transformações podem significar uma precarização do trabalho, se
pensarmos, por exemplo, nos níveis de desemprego.
Em outras palavras, mudanças estruturais podem trazer mais complicações
para o trabalhador (que agora deve estudar mais, se preparar mais, disputar vagas,
que são cada vez mais escassas). Para Ricardo Antunes (2011), “quando o trabalho
vivo [trabalhadores de fato] é eliminado, o trabalhador se precariza, vira camelô, faz
bico etc.” (ANTUNES, 2011, p. 06). A precarização do trabalho significa o desmonte
dos direitos trabalhistas. Daí a importância de refletir sobre essa temática, sobre a
lógica perversa do capitalismo, avaliando formas de manter garantias ao
trabalhador, que é o lado mais frágil desse conflito.
Houve uma diminuição da classe operaria industrial tradicional. Mas,
paralelamente,
efetivou-se
uma
significativa
subproletarização
do
trabalho,
decorrência das formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado,
subcontratado, vinculado a economia informal, ao setor de serviços, etc. Verificouse, portanto, uma significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação do
trabalho. Essa heterogeneização é expressa pela crescente incorporação do
contingente feminino no mundo operário (ANTUNES, 2002, p. 209).
Os mecanismos de exclusão são múltiplos, e as formas de manifestação,
diversas. É preciso dizer não às propostas políticas que pregam a flexibilidade na
demissão, afirmando que é necessário diminuir os custos das empresas, para assim
revitalizar a economia. É também preciso denunciar a implantação de novos
procedimentos organizacionais que tem levado a progressiva redução do peso dos
assalariados com carteira de trabalho em todos os setores econômicos. No Brasil, a
pressão é no sentido da total desregulação do capital e do mercado de trabalho, em
nome da eficiência econômica que ignora os direitos fundamentais dos homens e
das mulheres.
As relações de trabalho num contexto de economia capitalista se dão a partir
da divisão sexual do trabalho, é a partir desta relação que podemos compreender a
realidade das mulheres e da organização do trabalho na sociedade. As práticas
sociais diferem de acordo com o sexo do indivíduo. Essa diferença está baseada em
relações de poder e de dominação: as mulheres se encontram em posição de
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inferioridade e de submissão em relação aos homens. Essa hierarquia organiza
todas as esferas da vida social, passando pela família e pela organização do
mercado de trabalho. A divisão sexual do trabalho, determinada histórica e
culturalmente, não apenas destina os homens à esfera produtiva e as mulheres à
esfera reprodutiva, como também atrela os primeiros às funções de maior valor
social.
A problematização das desigualdades entre as práticas sociais de cada sexo
foi tornada visível, há muito pouco tempo, pelo movimento feminista, que denunciava
um sistema em que as relações entre homens e mulheres representavam formas de
poder e de dominação, e no qual as mulheres estavam em desvantagem. A
separação entre trabalho doméstico (reprodutivo), realizado prioritariamente pelas
mulheres, e trabalho produtivo, destinado aos homens, permaneceu, durante muito
tempo, naturalizada.
Para Kergoat (1995, apud Hirata, 2002), as relações sociais de sexo e divisão
social do trabalho estão intrinsecamente relacionadas e são, portanto, indissolúveis.
A família passou a ser colocada, então, como um elemento central para se repensar
a categoria trabalho, uma vez que nela também se estrutura a divisão sexual do
trabalho, é uma disputa das relações sociais de sexo, em que as opressões sexuais
e econômicas estão presentes.
Podemos observar a forma como estes processos refletem na sociedade, e
assim sendo, afirmar que a pobreza não é assexuada. Falar sobre a feminização da
pobreza objetiva, demonstrar o estado de privação causado por questões inerentes
às desigualdades de gênero. As mulheres estão em maior número entre os pobres.
Essa constatação demonstra a importância de criar mecanismos capazes de dar
visibilidade a esse tipo de situação. Os estudos que focalizam as relações de gênero
ajudam a compreender as regras institucionalmente estabelecidas, as quais
proporcionam acessos desiguais ao poder e aos recursos (HIRATA; PRETECEILLE,
2002; NEVES, 2006; LIMA, 2006).
A exposição a fatores como vulnerabilidade, pobreza e privação são
responsáveis por manter as mulheres em círculos de precariedade, muitas vezes,
difíceis de serem rompidos. A reduzida remuneração, elevada jornada de trabalho,
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pouca qualificação e baixa proteção social, são alguns dos fatores que prejudicam
mais fortemente as mulheres do que os homens. A presença de filhos interfere na
organização da vida das trabalhadoras, pois elas têm que articular diversas
responsabilidades fora e dentro dos seus lares. A proporção de mulheres chefes de
família cresce no Brasil e isso, provavelmente, tem um impacto no aumento da
pobreza e da exclusão social destas.
O discurso ideológico de sustentação da desvalorização da participação das
mulheres no mercado de trabalho foi uma estratégia fundamental para manter a
exploração/dominação das mulheres como parte da ordem natural das coisas. No
mundo do trabalho na sociedade capitalista, patriarcal e racista, na qual a
heterossexualidade é um elemento constituinte da ordem dominante, a relação entre
corpo, sexo e reprodução foi, desde o início dessa formação social, tratada como um
impedimento natural das mulheres à sua constituição como sujeito do trabalho e da
esfera pública.
A busca da igualdade e o enfrentamento das desigualdades de gênero fazem
parte da história do Brasil, história construída em diferentes espaços, por diferentes
mulheres, de diferentes maneiras. Nos espaços públicos e privados, as mulheres
vêm questionando as rígidas divisões entre os sexos, e estão alterando
gradativamente as relações de poder entre homens e mulheres, historicamente
desiguais.
4. A mulher negra ao longo da história
A mulher negra ao longo da história foi a “espinha dorsal” de sua família, que
muitas vezes constitui-se dela mesma e dos filhos. Quando a mulher negra teve
companheiro, especialmente na pós-abolição, significou alguém a mais para ser
sustentado. O Brasil, que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de mais de
quatro séculos, colocou à margem o seu principal agente construtor, o negro, que
passou a viver na miséria, sem terra, sem trabalho, sem possibilidade de
sobrevivência em condições dignas.
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Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em
todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua
vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma
sociedade machista, e ser negra numa sociedade racista. (MUNANGA, 2006, p.
133).
A pobreza e a marginalidade a que é submetida à mulher negra, reforça o
preconceito e a internalização da condição de inferioridade, que em muitos casos
inibe a reação e luta contra a discriminação sofrida. O ingresso no mercado de
trabalho do/a negro/a ainda criança e a submissão a salários baixíssimos reforçam o
estigma da inferioridade em que muitos/as negros/as vivem. Contudo, não podemos
deixar de considerar que esse horizonte não é absoluto e mesmo com toda a
barbárie do racismo, há uma parcela de mulheres negras que conseguiram vencer
as adversidades e chegar à universidade, utilizando-a como ponte para o sucesso
profissional.
Paul Singer (1998) afirma que, à medida que a mulher negra ascende,
aumentam as dificuldades especialmente devido à concorrência, em serviços
domésticos
que
não
representam
prestígio,
não
há
concorrência,
e
consequentemente, as mulheres negras têm livre acesso, e é nesse campo que se
encontra o maior número delas. A população negra trabalha, geralmente, em
posições menos qualificadas e recebe os mais baixos salários.
4.1. Aspectos da inserção da mulher negra no mercado de trabalho
Nas sociedades capitalistas, de um modo geral, a qualidade de vida das
pessoas está intimamente relacionada à inserção de cada indivíduo no mercado de
trabalho, uma vez que é por essa via que se tem acesso ao dinheiro, que se
converte, num segundo momento, em bens e serviços essenciais para o bem-estar
individual. Essa constatação ainda é mais válida em países subdesenvolvidos, uma
vez que nestes, os serviços públicos são marcados, em linhas gerais, pela
acentuada seletividade e pela pouca efetividade social.
2558
Em sendo assim, na ausência de igualdade de oportunidades e de políticas
públicas corretivas, o mercado de trabalho tende a sancionar, e às vezes reforçar, as
desigualdades existentes na sociedade. Além disso, a permanência histórica da
discriminação direcionada à população negra reproduz situações nas quais
igualdades de atributos produtivos não se traduzem em condições de trabalho e
remuneração similares. Em 2013 a aprovação da Proposta de Emenda à
Constituição 66/2012, que amplia os direitos trabalhistas dos/as empregados/as
domésticos/as, conhecido como PEC das Domésticas, foi motivo de comemoração
entre as mulheres, sobretudo as negras, que representam o maior percentual da
categoria.
O Brasil tem 7,2 milhões de empregados domésticos, sendo 6,7 milhões de
mulheres e 504 mil homens. O país aparece como o que tem o maior contingente de
trabalhadores domésticos do mundo em números absolutos, segundo estudos que
envolveram 117 países e foi divulgado pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT).
Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo
Socioeconômico – (DIEESE, 2011), o trabalho doméstico remunerado é a maior
ocupação de mulheres no Brasil. É, também, a maior ocupação com maior presença
de mulheres negras. E o Brasil é do mundo o país com maior número de mulheres
nessa ocupação. São 6,7 milhões de trabalhadoras. A imensa maioria se encontra
em situação de informalidade, submetida ao trabalho precário, à desproteção social
e baixos rendimentos. O rendimento médio das trabalhadoras domésticas equivale a
39% do rendimento médio da população ocupada. Apenas 34% delas contribuem
para a previdência social. Entre as diaristas, é ainda mais precarizada de relação de
trabalho, esse percentual é de apenas 26,5%. Na situação do trabalho doméstico
remunerado, vemos não só uma face contemporânea das desigualdades no Brasil.
A condição das trabalhadoras domésticas reflete, como um espelho, a formação
social brasileira. Prova disso são as recentes reações à conquista de direitos com a
promulgação da Emenda Constitucional 72/2013.
Para além da maior presença quantitativa, o trabalho doméstico exercido
pelas mulheres negras é marcado por algumas particularidades. Um primeiro fato
2559
importante a se considerar é que a feminização do mundo do trabalho, observada ao
longo das últimas décadas, tem se feito possível, em parte, devido ao fato de que
mulheres negras assumiram as responsabilidades domésticas de mulheres brancas
com maiores oportunidades educacionais e de renda, liberando-as para uma
inserção no trabalho realizado no espaço público. A entrada de mulheres no mundo
do trabalho, portanto, não só altera a divisão sexual do trabalho, como também
reforça uma divisão racial do trabalho doméstico. De modo geral, o trabalho
doméstico é marcado por condições de exploração e precariedade. Porém, as
condições de trabalho das mulheres negras são invariavelmente piores. Alguns
dados permitem evidenciar este fato. Inicialmente, vale destacar que tem se
verificado uma crescente diminuição de meninas e jovens ocupadas no trabalho
doméstico remunerado. No entanto, manteve-se inalterada a diferença de inserção
de mulheres negras e brancas em idade escolar, indicando a permanência da
desigualdade racial como um marcador estruturante da realidade do trabalho
doméstico no Brasil.
Em 2009, 3,6% das mulheres brancas de idade entre 10 e 17 anos estavam
ocupadas em trabalhos domésticos, enquanto 4,9% das mulheres negras
desempenhavam a mesma função. Esta desigualdade estrutural também é
percebida ao se analisar os indicadores de formalização do trabalho, ou seja, a
proporção de mulheres com carteira de trabalho assinada e que se encontram
protegidas contra situações temporárias ou permanentes de incapacidade para o
trabalho.
Neste campo, a estabilidade das diferenças também é uma marca e, em
2009, apenas 24,6% das negras contavam com carteira assinada, frente a uma taxa
de 29,3% para as brancas. Por fim, em relação às desigualdades de remuneração,
destaca-se que, no mesmo ano, trabalhadoras negras ganhavam, em média, R$
364,80, e trabalhadoras brancas, R$ 421,60. Essa diferença é menor para o grupo
das que possuem carteira assinada, o que reforça a importância da formalização do
trabalho, bem como da política de valorização do salário mínimo, como estratégias
de enfrentamento às desigualdades raciais e de superação da pobreza.
2560
Considerando ainda estudos realizados pelo DIEESE, Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Brasileiro de Pesquisas Aplicadas
(IPEA) revelam que o salário médio da brasileira equivale a 73,8% da remuneração
paga a um homem no mesmo cargo; o rendimento das mulheres negras em
comparação com os homens brancos nas mesmas faixas de escolaridade não
ultrapassa os 53%. A trabalhadora negra recebe, em média, metade do salário da
trabalhadora branca; quando suas escolaridades são similares, a diferença salarial
gira em torno de 40%. As mulheres negras têm um índice maior de desemprego em
qualquer lugar do país. A taxa de desemprego das jovens negras chega a 25%. Uma
entre quatro jovens está desempregada. Além disso, elas estão em maior número
nos empregos mais precários: 71% das mulheres negras estão nas ocupações
precárias e informais, contra 54% das mulheres brancas e 48% dos homens
brancos. Ainda segundo o DIEESE e a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras,
apenas 1,8% dos cargos de diretoria de empresas são ocupados por negros e 9%
por mulheres. Em que pese esse crescimento sistemático do número de mulheres
economicamente ativas no Brasil, algumas formas de desigualdades de gênero
persistem no mundo do trabalho, enumerando-se entre outras: taxa de desocupação
mais elevada que a dos homens, maior presença nos segmentos informais e em
postos de trabalho precário e, consequentemente, o registro de menores
rendimentos.
5. Indicadores relativos à situação das mulheres negras no mercado de
trabalho brasileiro (2001)
A análise da pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SEADE e DIEESE, feita pela Articulação das Mulheres Negras Brasileiras, revelam
que duas mulheres negras valem pouco mais que uma mulher branca quando se
comparam seus salários, segundo dados para 2000 (AMNB, 2001: 3). Em funções
para as quais são exigidos determinados atributos estéticos, como vendedora,
recepcionista e secretária, as brancas e amarelas estão quatro a cinco vezes mais
representadas do que as negras. Por trás das exigências de “boa aparência”,
2561
freqüentemente, existe uma resistência a aceitar trabalhadoras negras para esse
tipo de função. Assim, a questão da “boa aparência”, exigência quase sempre feita
pelas empresas para as mulheres em geral, tem efeitos perversos para as
trabalhadoras negras.
As mulheres negras são a parcela mais pobre da sociedade brasileira, as que
possuem a situação de trabalho mais precária, têm os menores rendimentos e as
mais altas taxas de desemprego. São também as que têm maior dificuldade de
completar a escolarização, além de possuir chances ínfimas de chegar a cargos de
direção e chefia.
As mulheres negras têm um índice maior de desemprego em qualquer lugar
do país. A taxa de desemprego das jovens negras chega a 25%. Uma entre quatro
jovens está desempregada. Além disso, elas estão em maior número nos empregos
mais precários: 71% das mulheres negras estão nas ocupações precárias e
informais, contra 54% das mulheres brancas e 48% dos homens brancos. As
conclusões acima são de uma edição especial do boletim do DIEESE, intitulada
“Mulher Negra: dupla discriminação nos mercados de trabalho metropolitanos”,
lançada dentro das atividades do Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20
de novembro. “As mulheres negras são a síntese da dupla discriminação de sexo e
cor na sociedade brasileira”, observa o Dieese. O boletim apresenta um importante
conjunto de indicadores e dados sobre as mulheres negras no mercado de trabalho,
tendo como referência o biênio
2001-2002. São estudos realizados no Distrito Federal e nas regiões
metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo, por
meio da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Em todas as regiões
analisadas, as taxas de desemprego total são mais elevadas para as mulheres
negras: Belo Horizonte (22,2%), Distrito Federal (25,6%), Porto Alegre (24,5%),
Recife (25,7%), Salvador (31,3%) e São Paulo (26,2%). Na capital gaúcha, cuja taxa
de desemprego é a mais baixa dentre as regiões (15%), as mulheres negras sem
emprego representam 24,5%. Em Salvador, onde a maioria dos trabalhadores são
negros, as mulheres negras representam 31,3% e os homens brancos, 16%. Apesar
de distribuição desigual, em comum, as regiões têm o fato de as mulheres negras
2562
serem as que detêm as maiores taxas de desemprego e permanecem por mais
tempo desocupadas. “Quando obtêm trabalho, lhes são reservadas ocupações de
menor qualidade, status e remunerações”, afirma o Dieese. “Engajadas em
ocupações caracterizadas pela precariedade e enfrentando dificuldades para
ascensão em suas carreiras profissionais, as negras apresentam remunerações
substancialmente mais baixas que os demais segmentos da população.” No
conjunto das regiões analisadas, os ganhos das negras ficaram, em média, 60%
mais baixos do que os homens brancos. Essa disparidade assumiu maiores
proporções em Salvador, aonde essa distância chegou a 69%. Quando empregadas,
as mulheres negras também enfrentam mais dificuldades do que qualquer outro
grupo na sociedade. “É ínfima a probabilidade de uma negra galgar, em sua carreira
profissional, cargos de direção e chefia”, diz o boletim. No conjunto das regiões
analisadas, a maior proporção de negras em cargos desta natureza encontra-se no
Distrito Federal (12%). Por outro lado, há uma preponderância de negras na
atividade doméstica, tida como desvalorizada. A proporção entre as brancas neste
tipo de trabalho fica em torno de 13%, contra 30% das negras, em São Paulo. As
mulheres negras também apresentam maior dificuldade para completar a
escolarização. Em São Paulo, apenas 6% das negras, em 2001-2002, haviam
concluído o ensino superior, contra 26,2% de brancas. “As informações
sistematizadas neste estudo revelam que a desigualdade social no Brasil, entre
outros fatores, está fortemente calcada em mecanismos discriminatórios”, conclui o
estudo. “Esses mecanismos foram amplificados pela crise econômica que atingiu
recentemente o País, tornando ainda mais difícil a inserção na vida produtiva das
mulheres e dos trabalhadores negros.”
Considerações finais
A despeito dessa situação caótica que ainda acomete as trabalhadoras
negras, concluímos que parece haver um acordo tácito de omissão e silêncio entre o
Estado, lideranças em geral, o patronato, e seus representantes. Inúmeros estudos
2563
apontam que políticas universais não diminuem os diferenciais entre negros e
brancos.
É preciso reconhecer o processo de luta das mulheres negras, que não
ficaram e não estão passivas frente às violações de direitos no mundo do trabalho,
do contrário, as conquistas legais é resultado das suas lutas (RAIMUNDO, 2014).
Para seguir vencendo e quebrando esses paradigmas é necessário intensificar a luta
pela garantia dos direitos fundamentais a todos os cidadãos e cidadãs. É necessário
também o reconhecimento de todos e todas de que vivemos num país marcado
historicamente por desigualdades raciais, responsáveis pela existência de graves
desequilíbrios no que se refere a oportunidades e tratamento da trabalhadora negra
na sociedade brasileira.
Para o Brasil evoluir no processo da busca da equidade de gênero e raça, é
necessário entender que o fator etnicorracial constitui elemento importante na
distribuição de oportunidades de emprego, serviços, educação e outros benefícios.
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2565
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