Criança esquecida das Minas Gerais Scarano, J. (1999). Criança esquecida das Minas Gerais. Em: Del Priore, M. (Org.), História das Crianças no Brasil (pp. 107-136). São Paulo: Contexto. Como o próprio título nos sugere, a autora enfoca primeiramente a dificuldade da pesquisa sobre a infância no Brasil, pela escassez de fontes primárias e pela estrutura dos textos oficiais mais preocupados com os aspectos político-econômicos do que com a vida social. Nesse terreno quase estéril, a iconografia[1] se apresenta como produtiva fonte de análise, sendo possível, através dela, constatar a desvalorização da infância e sua fragilidade. Nas Minas Gerais do século XVIII, urbana, mineradora e bem menos estável que no litoral, é a rua, e não mais a fazenda, o cenário do mundo infanti.l O núcleo familiar se reduz na figura da mãe, escrava ou forra, que se torna figura ativa na dinâmica da cidade. A autora ainda ressalta outro aspecto importante nessa sociedade mineira em expansão: o crescimento da população mestiça que, por não se enquadrar em nenhuma das categorias sociais bem definidas, e por isso representar uma ameaça, era marginalizada do meio social e vista com preconceito desde a mais tenra idade, o que obviamente, atingia a criança mulata. Estudos iconográficos têm mostrado uma maior devoção e importância dada à imagem adulta e sofredora de Cristo em detrimento do Jesus menino; o que pode ser explicado pelo caráter vulnerável e passageiro da infância setecentista o qual remeteria mais à morte do que ao nascimento. O cenário urbano se torna comum ao cotidiano infantil, principalmente das crianças mulatas e negras (forras ou não), normalmente acompanhando suas mães. As procissões e festividades em geral eram um campo neutro onde transitavam pessoas, incluindo meninos e meninas, de todas as etnias e classes sociais. Muitas vezes, essas crianças eram treinadas como profissionais do entretenimento, pequenos atores e dançarinos, o que era utilizado pelos religiosos para atraí-las ao catolicismo. As forras ou escravas conhecidas como negras de tabuleiros[2] traziam os filhos junto de si, os quais não raramente ajudavam as mães na venda de seus produtos e assim se familiarizavam ainda mais com o meio urbano a sua volta. Essas mulheres eram constantemente acusadas de contrabando e de ajudarem em fugas de escravos pelo fato de perambularem livremente pelas cidades. -------------------------------------------------------------------------------- [1] Relação das imagens, desenhos, pinturas e esculturas de um determinado período histórico. [2] Mulheres que ganhavam seu sustento vendendo quitutes e variedades pelas ruas. No caso de serem escravas, eram obrigadas a arrecadar diariamente uma quantia previamente estipulada pelo seu senhor.