REPORTAGEM Neurofeedback e Desempenho Profissional: o ginásio do cérebro No mundo globalizado, multicêntrico e altamente competitivo, num contexto volátil e incerto, há cada vez mais necessidade de um back to basics, de um recentramento de pessoas e organizações nas componentes core que conferem individualidade, diferenciação e aquele je ne sais quoi que faz a diferença. por: Jaime Ferreira da Silva e Samuel Antunes, Managing partners da Dave Morgan P rovavelmente, nunca, como hoje, a captação, desenvolvimento e gestão de talento assumiram tanta relevância. E três questões se colocam: • O que é preciso ser feito? (Drucker) • Como poderei produzir diferença e incrementar valor? • Que potencialidades possuo e não estou a desenvolver? Das múltiplas opções de desenvolvimento do potencial humano, o Neurofeedback (NF) é uma abordagem inovadora, assumindo-se como um game changer em matéria de autoconhecimento e mudança comportamental. Tecnicamente, o NF é um treino de neuromodulação cerebral, assente nos princípios do condicionamento operante, com aplicação direta na melhoria das funções executivas que permitem o planeamento, o controlo de impulsos (emoções), a monitorização de complexos orientados para objetivos. Um exemplo-tipo poderá ser a tarefa de conduzir um veículo automóvel num território desconhecido, prestando atenção aos sinais de trânsito, aos outros veículos e pessoas, seguindo as instruções dum GPS e evitando acidentes. Como metáfora, poderá ilustrar com muito realismo o ambiente vivido, quotidianamente, por executivos e líderes empresariais. 26 Pessoaljaneiro2016 Antecedentes históricos Apesar da sua aplicação como técnica de melhoria de desempenhos profissionais datar dos anos 70 do século passado, há um sólido suporte científico com cerca de 150 anos, iniciado por Richard Caton (1875) que descobriu que flutuações na atividade elétrica do cérebro eram seguidas de atividade mental. Esta descoberta imprimiu um interesse crescente pela medição da atividade elétrica do cérebro e a sua correlação com perturbações clínicas (Berger, 1929). Entre os “O Neurofeedback é um treino de neuromodulação cerebral, assente nos princípios do condicionamento operante, com aplicação direta na melhoria das funções executivas.” anos 30 e 60 do séc. passado, houve ganhos incrementais de conhecimento sobre o cérebro que culminaram com a descoberta do controlo voluntário do SNA (sistema nervoso autónomo) e da possibilidade de alteração do seu funcionamento por via do condicionamento operante (Miller, 1965). A partir dos anos 70, a utilização do NF como parte integrante do treino de astronautas na NASA (melhoria da atenção, do foco e da calma), lançou a “semente” para a utilização da técnica como um otimizador de desempenho profissional. A última década tem sido pródiga na afirmação das neurociências, tendo-se assistido a uma mudança na visão médica do cérebro, com a aceitação dos princípios da neuroplasticidade. Quando devidamente estimulado, o cérebro reforça as redes neuronais associadas, mudando o seu padrão de resposta. Verificam-se assim, alterações na gama de frequências das ondas cerebrais (aprendizagem) que tende a perdurar no tempo. Um exemplo ilustrativo clássico é o de aprender a andar de bicicleta. Uma vez adquirida a técnica, esta tenderá a perdurar no tempo, ainda que o indivíduo possa não exercitar a competência. Como funciona o NF? O cérebro emite atividade elétrica em forma de ondas cerebrais que podem ser captadas, medidas e interpretadas através de uma máquina denominada eletroencefalograma (EEG). Os programas de NF iniciam-se com um qEEG (eletroencefalograma quantitativo) que permite identificar os padrões de ondas cerebrais do sujeito, correlacionando-o com as necessidades de melhoria de desempenho profissional por si reportadas. São avaliadas as quatro ondas cere- © Gonçalo Português brais principais, a saber: • Alfa (8-12 Hz) associadas a estados meditativos, de calma e paz interior. • Beta (12-21 Hz) associadas a estados mentais de foco, pensamento analítico, raciocínio. • Delta (1-4 Hz) associadas ao estado de sono. • Teta (4-8 Hz) associadas a estados de hiperatividade e dificuldade de controlo de impulsos assim como à criatividade e à espontaneidade. O Neurofeedback é uma técnica não-invasiva e sem contraindicações. Nas sessões de NF são ligados sensores ao escalpe do indivíduo que vão medir a atividade cerebral. Esses sensores estão ligados a um computador que converte a atividade elétrica em imagens em movimento projetadas num ecrã. Adicionalmente, poderão ser colocados fones de onde sai um som algo desagradável (mas suportável). No decurso de cada sessão e sob a orientação dum neuropsicólogo presente, o indivíduo terá de parar as imagens em movimento no ecrã (e o som desagradável) pela ação da sua concentração mental. Quando isso ocorre, obtém-se um sinal objetivo e mensurável (feedback neuronal) de que o indivíduo conseguiu colocar a atividade elétrica do seu cérebro dentro do padrão normativo de frequência. Progressivamente, sessão após sessão, o indivíduo conseguirá alcançar este resultado mais rapidamente, mantendo a imagem parada (e o som calado) durante mais tempo – efeito de aprendizagem por estimulação e reforço neuronal. No final do programa de treino de NF (standard 15 sessões), é realizado um segundo qEEG com o objetivo de avaliar com precisão as alterações ocorridas na atividade elétrica cerebral, correlacionando-as com as mudanças comportamentais entretanto reportadas pelo sujeito. Para além da otimização de desempenho de executivos e líderes empresariais, o desporto de alta competição é já um segmento robusto na utilização do NF. A seleção de futebol da Alemanha, vencedora do último Mundial, as equipas do Chelsea e do AC Milan, entre outras, são utilizadoras as- síduas do NF na preparação dos seus jogadores para o contexto altamente stressante das competições em que participam. Como treino comportamental e com o objetivo de maximizar resultados, o NF pode ser conjugado com programas de treino executivo. Metaforicamente, o NF é como a afinação do ralenti no motor (normalização da atividade cerebral) e o Coaching Executivo, o treino do “piloto” (executivo/líder) com vista à consolidação da vitória pretendida! Referências bibliográficas Brenninkmeijer, J. (2010). Taking care of one’s brain: How manipulating the brain change people’s selves. History of the Human Sciences, vol. 23, 1, 107-126. Damásio, A. (2010). O Livro da Consciência. Lisboa: Círculo de Leitores. Enriquez-Geppert, S., Huster, R. & Herrmann, C. (2013). Boosting brain functions: Improving executive functions with behavioral training, neurostimulation and neurofeedback. International Journal of Psychophysiology 88, 1-16. Pessoaljaneiro2016 27 REPORTAGEM Neurofeedback: Game-changer na otimização de desempenho e mudança comportamental Em Portugal, a Dave Morgan é pioneira na utilização do Neurofeedback como otimizador do desempenho profissional. Falámos com Jaime Ferreira da Silva, Managing partner da empresa, que explicou como este tipo de treino cerebral vem sendo integrado nos programas de desenvolvimento e gestão de talento do segmento corporate. por: Luís Pedro Costa Santos P essoal (P): A quem se destina o programa de treino com o Neurofeedback? Jaime Ferreira da Silva (JFS): O Neurofeedback (NF) é uma técnica de autorregulação da atividade cerebral, direcionada para a melhoria das funções cognitivas superiores (por ex. planeamento, controlo de impulsos, análise de dados, memorização, foco de atenção, etc.), tendo como destinatários naturais, os executivos e quadros dirigentes de Organizações que funcionam em contextos exigentes e complexos. P: Quanto tempo dura o programa e que resultados poderão esperar aqueles que nele participarem? JFS: O programa standard é composto por 15 sessões com a duração de 50 minutos cada. Como o NF fun- 28 Pessoaljaneiro2016 © Gonçalo Português P: Qual tem sido a recetividade? JFS: Em Portugal, somos pioneiros na utilização do Neurofeedback como otimizador do desempenho profissional, tendo começado a aplicá-lo como parte integrante dos nossos programas de desenvolvimento e gestão de talento. O passa-palavra, que tem ocorrido entre executivos que concluíram o programa de treino tem gerado uma procura incremental, superando as nossas expectativas. ciona numa lógica à medida, no início de cada programa é realizada uma entrevista individual para apuramento das necessidades de desempenho profissional (neurofitness), reforçada pela realização de um qEEG (eletroencefalograma quantitativo) que fornece uma leitura precisa do padrão de funcionamento cerebral do executivo, correlacionando-o com as necessidades reportadas. Após as 15 sessões, é realizado um segundo qEEG com o objetivo de assegurar uma medida rigorosa das alterações verificadas no funcionamento cerebral, correlacionando-as com as alterações no desempenho profissional reportadas pelo executivo. Por norma, as pessoas começam a reportar mudanças comportamentais (melhorias de desempenho) a partir da quarta, quinta sessão, considerando no final do programa, o sucesso alcançado acima dos 90% (face às necessidades/objetivos definidos). P: Que futuro para o Neurofeedback, nas empresas, em Portugal? JFS: O Neurofeedback é uma técnica suportada em mais de 100 anos de investigação científica mas só a partir dos anos 70 do século passado começou a ter uma utilização mais funcional, nomeadamente com “Em Portugal, antevemos um futuro muito promissor para o Neurofeedback como otimizador do desempenho profissional de executivos e líderes empresariais.” a NASA, que passou a usá-lo como parte integrante do treino dos astronautas. Os EUA são o mercado atual mais maduro na sua utilização, tanto na componente Corporate (executivos e líderes empresariais) como Clínica, com uma gama de aplicação muito variada (depressão, ansiedade, défice de atenção, fobias, etc.). Num mundo globalizado, as boas notícias também correm depressa, assistindo-se, atualmente, a uma procura crescente deste tipo de treino cerebral, sobretudo por parte dos segmentos mais informados e escolarizados da população. Em Portugal, antevemos um futuro muito promissor para o NF como otimizador do desempenho profissional de executivos e líderes empresariais. Poderá ser usado em conjugação com programas de Coaching Executivo, maximizando a produção (e manutenção) das mudanças comportamentais pretendidas. O NF não é uma moda nem um capricho, é um verdadeiro game-changer na otimização de desempenho e mudança comportamental. Pessoaljaneiro2016 29 REPORTAGEM O programa, na prática Sofia Almeida, Nelson Pires e Paulo Coimbra Lopes foram três dos profissionais que se submeteram ao programa de treino com Neurofeedback. As queixas iniciais revelavam problemas relacionados com o sono, a ansiedade, o stress e a dispersão. Eis o que contaram à Pessoal sobre as suas experiências. 30 Pessoaljaneiro2016 © Isabel Oliveira fissionais, mas essencialmente de problemas pessoais. Todas estas questões, distúrbio de sono, ansiedade e stress foram passíveis de serem melhorados, já que todos estavam interligados. © Isabel Oliveira P essoal (P): Na fase de diagnóstico, que aspetos foram considerados passíveis de melhoramento através do programa de treino com Neurofeedback? Sofia Almeida (SA): Os aspetos passíveis de ser melhorados foram a concentração, a rapidez de pensamento, a ansiedade e os problemas de sono. O que me levou a aderir ao programa de Neurofeedback foi a crescente falta de concentração que eu sentia ao realizar as minhas tarefas diárias. Essa dificuldade levava a erros constantes no meu trabalho causando-me stress e ansiedade difícil de controlar. Também tinha problemas de sono, não conseguindo dormir mais de cinco horas por dia, o que agravava o estado aluado e de apatia em que me encontrava. Nelson Pires (NP): Na fase de diagnóstico, para além da apresentação da técnica (que para mim era totalmente desconhecida), foi-me diagnosticada uma necessidade maior de concentração (devido aos inúmeros e variados assuntos que tenho de tratar durante o dia) bem como um cansaço permanente (resultante da elevada atividade a que estou sujeito). Aliás, isso foi tão notório que adormeci durante algumas das sessões. Para além disso, havia também necessidade de aumentar o foco de atenção e a priorização de assuntos. Foi bastante útil, porque confirmou algo que eu já suspeitava e permitiu conceber um plano de melhoria. Paulo Lopes (PL): A minha principal questão, quando procurei o Neurofeedback, foi a resolução de um distúrbio de sono que me prejudicava imenso o meu quotidiano. Esse problema de sono tinha como causa principal uma enorme ansiedade derivada de um enorme stress a que estava sujeito na altura, derivado de problemas pro- P: Foi de simples execução, o processo utilizado? SA: O processo é simples. Na primeira consulta, fazem um exame ao nosso cérebro, onde nos é colocado um capacete “divertido”, cheio de fios. Esse exame irá servir para diagnosticar quais os aspetos que podemos melhorar tendo em conta as nossas queixas. Em seguida, é-nos proposta a realização de um programa para treinar/desenvolver esses aspetos. As sessões são realizadas num gabinete, onde ficamos sentados num confortável cadeirão, são colados uns fios elétricos em alguns pontos da nossa cabeça e colocados uns auriculares. À nossa frente, temos um ecrã onde é iniciado um jogo cujo objetivo é conseguirmos, com o nosso cérebro, fazer com que duas bolas fiquem paradas. Quando não conseguimos esse objetivo, as bolas começam a disparar em grande rapidez e o som nos auriculares vai-se tornando mais agudo e desconfortável. Antes de começarmos o jogo, são-nos ensinados alguns métodos para conseguirmos controlar as bolas, mas com o tempo vamos criando as nossas próprias técnicas. No meu caso, foi-me proposto fazer 15 sessões de cerca de 30 minutos cada. Umas corriam melhor que outras, e, por vezes, saía da consulta com alguma frustração, embora o nível de dificuldade seja ajustado conforme o nosso estado de cansaço, ansiedade ou stress. Para acabar, na última sessão é feita nova avaliação onde é novamente colocado o capacete cheio de fios elétricos. Os resultados são apresentados alguns dias depois, com uma comparação do cérebro antes e depois das consultas. NP: Foi bastante simples, embora © Isabel Oliveira © Isabel Oliveira P: Na prática, o que mudou no seu comportamento? SA: Logo após as sessões é difícil de avaliar. Mas com o passar do tempo sinto-me mais viva, mais desperta, mais concentrada. Muitas vezes, ficava a meio de uma conversa por não me vir à cabeça a palavra certa, interrompendo a linha de pensamento e tornando o diálogo aborrecido. Nesse aspeto, também senti uma evolução, pois o pensamento surge mais rápido e eficaz. Consigo lidar melhor com a minha ansiedade e a nível do sono, apesar de ainda ter algumas noites complicadas, tenho outras que durmo “que nem um anjo”. NP: Julgo que aumentei bastante o meu nível de concentração nas tarefas a executar, diminuí o nível de dispersão que tinha quando lidava com vários assuntos ao mesmo tempo. Finalmente, constatei o meu elevado nível de cansaço (não apenas físico) e disciplinei-me para dormir mais (antes dormia quatro a cinco horas por dia, agora durmo pelo menos seis por dia). PL: Melhorei o meu sono. Era esse o meu grande objetivo quando procurei o Neurofeedback. Como é óbvio, para © Tema Central © DeF exigisse disponibilidade e rigor com as marcações das sessões, de forma a manter a regularidade. Na essência foi um processo descomplicado e simples. Por outro lado, o Dr. Ivo Rocha, que conduzia as sessões, demonstrou sempre uma assertividade e profissionalismo que simplificavam bastante o processo. PL: O processo foi-me explicado e de muito simples aplicação. isso ter acontecido, o meu nível de stress reduziu e consequentemente a minha ansiedade. Notei melhorias quase imediatas. P: De que modo influiram essas melhorias no seu trabalho? SA: Eu trabalho na área do Design Gráfico, passo o dia em frente ao computador. É um trabalho muito criativo mas pouco “intelectual”. Além de gerir o meu atelier onde faço o trabalho de designer, secretária, gerente, etc., tenho ainda dois filhos que necessitam da minha ajuda na escola. O tempo de descanso é pouco, mas o facto de estar mais focada faz com que não cometa tantos erros, e os erros, além de causarem uma má impressão, são também uma perda do precioso tempo. Sinto-me também menos ansiosa e mais capaz na realização das tarefas, o que me leva a um sentimento de maior realização pessoal. O facto de dormir melhor também é fundamental para me sentir mais descansada e com mais energia para o dia-a-dia. NP: Estou certamente mais focado, mais concentrado, e disperso-me menos. Sendo que, sempre que tenho algum problema mais complexo para resolver, imagino a imagem que via enquanto realizava as sessões, o que me ajuda a concentrar de imediato. Em suma, antes, era eficaz (atingia o resultado pretendido na solução de questões e problemas, às vezes com maior esforço) e agora sinto-me eficiente (atinjo o resultado pretendido mas com menor esforço). PL: O facto de ter melhorado o meu sono. Ando menos cansado, mais calmo, o que, como é óbvio, melhora o meu desempenho a todos os níveis. P: Que saldo retira da experiência? SA: Sem dúvida positiva. De tal maneira que coloquei o meu filho que estava com dificuldades de concentração na escola, a fazer o programa. A evolução dele foi mais rápida e evidente. Ele ainda só teve algumas sessões mas eu já noto diferença quando o ajudo a estudar. As notas melhoraram e ele começou a recuperar a autoestima que eu sentia que começava a perder. NP: Um saldo bastante positivo, uma vez que, para além de conhecer uma técnica nova que ajuda realmente as pessoas, consegui usufruir dessa mesma técnica no meu dia-a-dia, no meu trabalho e na minha vida pessoal. PL: Um saldo muito positivo. Como já referi nas questões atrás, o facto de ter melhorado o meu sono foi muito importante para o meu bem-estar. Pessoaljaneiro2016 31