O BRINCAR COMO EIXO NORTEADOR NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Caroline Schettini Becker – PUC/PR1 Marcos Rafael Tonietto – UFPR2 __________________________________________________________________ RESUMO O presente artigo mostra a importância da brincadeira no desenvolvimento do indivíduo e suas contribuições no processo de ensino-aprendizagem. Fazendo uma breve comparação da sociedade atual com a de antigamente com relação às crianças, percebemos que agora estas estão sendo mais respeitadas e compreendidas dentro do seu desenvolvimento. E quando pensamos nelas, uma das primeiras imagens que vem em nossas mentes é a associação com a brincadeira. Que é uma situação onde se aprende e se constrói inúmeros conhecimentos que acompanha o ser humano para o resto da vida. Durante uma brincadeira a criança formula um problema, procura soluções para este, delimitando espaço, tempo e funções de forma a transformar todo o meio que a cerca. Ela utiliza-se de seu mundo do faz-de-conta para imaginar a brincadeira e assim materializa-la com brinquedos (muitas vezes imaginários) e atitudes. Durante a brincadeira, ela usa recursos próprios utilizando o corpo, associandos com os recursos disponíveis no ambiente e traz para o contexto do brincar, situações vivenciadas por ela ou por outras pessoas construindo assim novos significados. O professor deve tratar a criança como tal e não como um adulto em miniatura, para tanto ele precisa penetrar no mundo da brincadeira para utilizar-se da imaginação, criatividade e do constante relacionamento que a criança tem consigo, com o meio e com os outros no brincar. Claro que as aulas não podem assumir caráter de recreio, o professor deve ter bem claros seus objetivos. A Escola é um dos locais onde que a criança passa maior parte do seu dia para tanto é importante que ela tenha espaços para as atividades lúdicas; não somente espaço físico, mas também abertura e disponibilidade. A busca por atividades que proporcionam prazer está cada vez maior. E haveria forma melhor de aprender se não brincando? Para tanto o brincar deve ser uma ferramenta no processo ensino-aprendizagem no desenvolvimento integral do ser humano, este entendido como um ser bio-psico-social. Palavras-chave: Criança, brincar, educação, escola. 1 2 Graduada em Pedagogia – [email protected] Acadêmico de Educação Física – [email protected] 1 – A BRINCADEIRA COMO MATERIALIZAÇÃO DO PRODUTO DE UMA IMAGINAÇÃO Sabe-se que o homem difere-se dos animais porque adapta o meio em que vive a si próprio já os animais se adaptam ao meio. Essa adaptação ocorre através do trabalho, que tem como característica uma ação pensada e materializada de forma proposital. Segundo SAVIANI (2003 p.12) a educação é: “uma exigência do e para o processo do trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho”, esta tem como função desenvolver integralmente o indivíduo. Como o homem ajusta o meio em que vive através desse processo de trabalho a educação classifica-se como um trabalho não material, pois o produto não se separa do produtor. Então a educação é própria do homem. É importante ao analisarmos o que é próprio do homem na fase mais que influenciará no seu desenvolvimento, quando criança constrói vários conceitos que o acompanharão por toda vida. E o que não seria próprio da e para criança senão o brincar? Durante uma brincadeira a criança age de forma brilhante ao formular o assunto ao qual se refere à brincadeira que pode ser, por exemplo, “brincar de casinha”. Já de início ela procura solucionar os problemas delimitando onde é a casa, quais papéis assumirão os colegas, qual atividade cada um realizará, e ainda encontra brinquedos (muitas vezes imaginários) que materializem a brincadeira. O brincar torna-se semelhante ao trabalho, pois foi a materialização do produto de uma imaginação. 2 – A CONSCIÊNTIZAÇÃO DA IMPORTÂNCIA DA BRINCADEIRA Ao longo da história, prevaleceu por muito tempo a idéia de que as brincadeiras deveriam ser reprimidas, pois eram vistas como distrações inúteis. Nesta época a escola era um local para aprender o que era importante de acordo com as necessidades sociais, tendo por fim o treinamento dos alunos que visava o cumprimento de deveres. As crianças eram entendidas como adultos em miniaturas e suas brincadeiras eram consideradas perdas de tempo. O professor ao trabalhar com a criança não pode simplesmente proibi-la de brincar durante as aulas, pelo contrário ele deve se utilizar desse mundo riquíssimo de criatividade e imaginação para melhor desenvolver o processo ensino-aprendizagem. Ainda nos dias de hoje observa-se que alguns profissionais que participam da docência refere à hora de brincar ao recreio e nunca durante as aulas. Por exemplo: não seria muito mais interessante aprender a contar pulando amarelinha? Segundo o PCN (1997 p. 45) atualmente, a escola tem a função de: “...ser um espaço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos deve necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um universo cultural maior. A formação escolar deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e universais”. Percebe-se que houve uma superação paradigmática, há uma maior sensibilidade ao se tratar de crianças, passando a ser respeitadas dentro do seu desenvolvimento entendendo o brincar como algo próprio delas. A individualidade do processo é algo muito importante, que nos ajuda a entender o que se passa com a criança. Durante a brincadeira, ela usa recursos próprios utilizando o corpo, associando com os recursos disponíveis no ambiente e traz para o contexto do brincar, situações vivenciadas por ela ou por outras pessoas (imitação), construindo assim novos significados. Para clarificar esta idéia, OLIVEIRA (2000, p. 55) cita Pedroza ao afirmar que: “As crianças constroem suas brincadeiras recortando pequenas ações das outras, ajustando-se a elas, quer seja repetindo-as integralmente ou parcialmente, quer seja acrescentando-lhes algo e, até, substituindo parte delas. Cada uma das crianças parece fazer uma ‘previsão’ do que é brincadeira e age nessa direção, mas a cada instante é confrontada com as ações, das outras crianças e o efeito de suas próprias ações”. Atualmente consideramos que durante uma brincadeira individual ou grupal, é construída uma série de conhecimentos e várias habilidades são desenvolvidas, além de serem criadas diversas estratégias para solucionar os conflitos emocionais. Considerando importante esta construção da criança e privilegiando o brincar. Ainda certos aspectos que divergem da proposta de educação atual são pertinentes, mas não se pode deixar de considerar que houve uma mudança, muito positiva por sinal, no sentido de que a criança é compreendida como criança e está havendo uma maior preocupação de como ela está se sentindo e pela busca do prazer, principalmente dentro da escola. 3 – A BRINCADEIRA DENTRO E FORA DA ESCOLA A escola é vista como um ambiente que se constrói o conhecimento, partindo das experiências vivenciadas pelos alunos durante a sua vida, ou seja, a aprendizagem assistemática, os conhecimentos prévios são valorizados. Partindo desse princípio, entende-se que a criança aprende também além dos muros escolares, o ensino assistemático. A partir disso, a brincadeira adquiriu outro caráter dentro do espaço escolar. A escola está sendo constantemente construída crítica e historicamente influenciando a sociedade e sendo influenciada por ela. Quando cita-se que a escola tem função de desenvolver o indivíduo integralmente não se quer dizer que essa é a única e exclusiva função da escola, a mesma deve ir além de seus muros. Ela deve trabalhar com o aluno, mas também com sua família e junto à comunidade ao qual o indivíduo está inserido, levando em conta sempre o contexto que o cerca. Seria adequado que dentro da escola, onde o aluno passa grande parte do seu tempo, houvesse um espaço para as atividades lúdicas; não somente espaço físico, mas também quanto abertura e disponibilidade. Para WEISS (1989, p. 26) “a questão não se reduz a comprar muitos ou poucos brinquedos; o imprescindível é ter espírito aberto ao lúdico, reconhecer sua importância quanto fator de desenvolvimento da criança”. Com relação à educação, esta ainda é influenciada pelas necessidades sociais, mas agora de uma maneira onde se proporciona ao educando uma autonomia, compreendendo que para se “ensinar” os princípios da autonomia, a escola precisa conquistar a própria. Baseando-se na real importância que o brincar passou a ter, vemos este como um forte aliado que contribui para a “construção de uma educação voltada para a criança criativa e para a realidade do ser humano como um ser social e transformador. Afinal, o principal objeto da educação é criar pessoas com espírito crítico, capazes de inovar e não repetir simplesmente o que as outras gerações fizeram”. VASCONCELOS (2002, p. 106). O brincar pode ser utilizado como uma ferramenta para abrir caminho no processo de ensino-aprendizagem desenvolvendo a criatividade, a autonomia, para as reflexões futuras. Ao observá-la, percebemos como está a organização de sua realidade, a construção da sua própria história. Expressando assim, os níveis de sua estruturação mental, seu desenvolvimento cognitivo e afetivo-emocional. Brincando, o mundo imaginário da criança vem a tona, transformando a realidade no que ela deseja, tornando-se livre para determinar suas próprias ações, ou seja, é ela quem decide o que fazer. Ao brincar, segundo VASCONCELOS (2002, p. 105), a criança: - Desenvolve a curiosidade e a iniciativa de buscar coisas novas; Busca a novidade e situações onde se estabeleça relações entre os objetos e as pessoas; Desenvolve a confiança para imaginar confiança e situações; Desenvolve a segurança para se expressar sem medo; Inventa problemas e formula questões Desenvolve o respeito pelos sentimentos e o ponto de vista do outro; Desenvolve a capacidade de elaboração de conceitos. E não pára por aí, além de desenvolver suas habilidades motoras e a linguagem (não só a oral, mas também corporal), uma única brincadeira é capaz de mostrar o funcionamento do mundo e os limites que este proporciona ao indivíduo. Fora a organização que lhe é atribuída, aprimorando de forma prática, as noções espaciais. Quanto maior for essa amplitude, maior será a evolução da orientação corporal da criança permitindo a interação entre os objetos. Mas isso tudo não aconteceria se a criança não tiver ciente do seu próprio corpo, pois é a partir do reconhecimento dele que se iniciam as explorações externas, ou seja, ele é o ponto-chave para a organização do mundo externo. Com relação a essa interdependência, SMOLE (2000, p. 16) coloca que “a criança organiza a relação corpo-espaço, verbaliza-a e chega assim a um corpo orientado que lhe servirá de padrão para situar objetos colocados no espaço ao seu redor, e a orientação dos objetos faz-se para a criança, em função da posição atual do seu próprio corpo. Esta primeira estabilização perceptiva é o trampolim indispensável sem o qual a estruturação do espaço não pode efetuar-se”. Há uma infinidade de desenvolvimentos e noções que a brincadeira de qualidade, é claro, proporciona. Por esse motivo ela está sendo alvo de tanta relevância. Diante disso, podemos concluir que brincando a criança cria subsídios que irão lhe acompanhar para sempre. Ao parar para refletir, perceberemos que o brincar tem vários significados de acordo com os caracteres que lhe são atribuídos. Vejamos alguns, segundo SANTOS (2001, p. 112): - - - Do ponto de vista filosófico – o brincar é abordado como um mecanismo para contrapor à racionalidade. Ao brincar a criança une a razão, emoção, conhecimento e sonho, formando um ser humano mais completo e pleno; Do ponto de vista sociológico – o brincar é uma forma de inserção da criança na sociedade, pois o brinquedo é produzido pelo homem e colocado à sua disposição; Do ponto de vista psicológico – o brincar está presente em todo o desenvolvimento da criança nas diferentes formas de modificação de seu comportamento; pois na formação da personalidade, nas motivações, necessidades, emoções, valores, relações intra e interpessoais estão associadas aos efeitos do brincar; Do ponto de vista da criatividade – Tanto o ato de brincar como o ato criativo estão intrinsecamente ligados, pois ambos estão em busca do novo. E para ambos é necessário ter coragem de errar e lançar-se numa atividade de forma descompromissada; é necessário ter iniciativa e autonomia de pensamento; Do ponto de vista psicoterapêutico – o brincar é uma terapia e tem a função de entender a criança nos seus processos de crescimento e de renovação dos bloqueios do desenvolvimento Do ponto de vista pedagógico – o brincar tem-se revelado como um estratégia poderosa para a criança aprender. Diante as várias situações, percebemos que o brinquedo, este entendido como um objeto que dá suporte à brincadeira. E ainda KISHIMOTO (1994, p.7) completa: “seja ele concreto ou ideológico, concebido ou simplesmente utilizado como tal ou mesmo puramente fortuito”. É visto como um meio e não um fim por si só, apresentando duas funções de acordo com a sua utilização. A primeira trata-se da função lúdica que nada mais é do que proporcionar prazer ou até mesmo desprazer, sem uma intencionalidade pedagógica. A segunda trata-se da função educativa, onde o brinquedo é um meio concreto para se alcançar a apropriação e construção do conhecimento, além de desenvolver várias habilidades tornando-se assim um material pedagógico. O ato de brincar é a melhor metodologia para dar à criança condições de desenvolver suas potencialidades e caminhar, de descoberta em descoberta, criando soluções e aprendendo a viver e a conviver com as demais. Segundo MARINHO (1993, p. 08), “de descoberta em descoberta, a criança aguça sua curiosidade, passando a manifestar, através de formas mais variadas de expressão, as bases de sua personalidade em desenvolvimento”. Baseando-se no segundo aspecto, há uma necessidade de um policiamento de nossa parte, pois “qualquer brincadeira ou brinquedo ‘usado’ em excesso, poderá ser causa de insucesso (...)” SAATMANN (1956, p. 51). Precisamos também, estar atentos a outros fatores, dentre eles está a qualidade, os objetivos, encaminhamento metodológico entre outros para que o brinquedo seja realmente uma estratégia de aprendizagem e um bom aliado do docente. Que precisa conhecer bem a turma com que irá utilizar o recurso, adequando a situação à faixa etária. Às vezes, pode acontecer do brinquedo ser desvalorizado na prática educacional diária, quando o professor propõe atividades lúdicas e coloca-se a parte do processo deixando a criança sozinha. Este ato faz com que a qualidade do processo se perca gerando o rompimento do ato lúdico com o aprender. Para que a aula seja um sucesso, é necessário que as capacidades corporal-cinestésica das crianças sejam estimuladas o suficiente para que elas apresentem interesse para abrir-se diante do conhecimento e manifestar-se sobre ele. É o que propõe VASCONCELOS (2002, p. 105), ao afirmar que durante a utilização do brinquedo como um recurso pedagógico, ou seja, um centro de interesse comum, o professor precisa: - - Tratar o brinquedo enquanto necessidade da criança; Estar atento que a ação da criança está no princípio da expansão ao imaginário; Estar atento que o significado das palavras assume função primordial nas brincadeiras de faz-de-conta; Favorecer a atividade do aprendiz, não apenas informando a criança, mas deixando que ela busque o conhecimento; Oferecer tempo para usar materiais, deixando que se completem as atividades auto-iniciadas e espontâneas; Respeitar o erro da criança, sugerindo outros caminhos de ação; Considerar a criança como um ser integral. Na escolha do brinquedo como recurso pedagógico, o professor precisa observar se este permite que a criança explore-o e manipule-o, criando subsídios para construção de sua personalidade, colocando a criança em situações que desenvolvam as relações intra e interpessoais. Não esquecendo que o brinquedo deve ser atraente (colorido, de diferentes dimensões e pesos) estimulando assim o surgimento do lúdico próprio do brincar e da criança. Percebemos então que o brinquedo pode ser um poderoso aliado no processo-ensino aprendizagem de acordo com a maneira de como é utilizado. Lembrando também que a criança necessita brincar por prazer, em liberdade. Sendo assim, para FREIRE (1997, p.39), ela poderá “decidir sobre o uso dos seus recursos cognitivos para resolver os problemas que surgem no brinquedo, sem dúvida alguma chegará ao pensamento lógico de que necessita para aprender a ler escrever e contar”. Entendendo o homem como um ser bio-psico-social, que passa por constantes transformações e que interage com o meio o tempo todo, “pode-se perceber que brincar está presente em todas as dimensões da existência do ser humano e, muito especialmente, na vida das crianças. Podemos afirmar que realmente BRINCAR É VIVER, e as crianças brincam porque esta é uma necessidade básica, assim como a nutrição, a habitação e a saúde”. SANTOS (2001, p. 115). Referências: BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: curriculares nacionais. Brasília : MEC, 1997. introdução aos parâmetros FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: 1997. KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1994. MARINHO, H. S. Brincar e reeducar: o folclore infantil em psicomotricidade e fonoaudiologia. Rio de Janeiro: 1993. OLIVEIRA, V. B. O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes, 2000. SAATMANN, L. Deixai-os brincar. São Paulo:Paulinas, 1956. SANTOS, S. M. P. dos, Brinquedo e Infância: um guia para pais e educadores em creche. Petrópolis: Vozes, 2001. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2003. SMOLE, K. S. Brincadeiras Infantis nas aulas de Matemática. Porto Alegre: 2000 VASCONCELOS, M. S. Brinquedo, Aprendizagem e o Desenvolvimento da Inteligência Reflexiva. Temas em Educação I – Livro das Jornadas 2002. Curitiba: Futuro, 2002.