A possibilidade de aplicação da filosofia à vida cotidiana humana e

Propaganda
109
A possibilidade de aplicação da filosofia à vida
cotidiana humana e das organizações segundo
Lou Marinoff
Nancy ASSAD1
Adriano VOLPINI2
Resumo: O objetivo deste artigo é verificar a possibilidade de aplicar a filosofia
no dia a dia das pessoas. Tem como base de estudo a obra Mais Platão, menos Prozac, de Lou Marinoff (2012). De acordo com essa obra, a filosofia pode
responder a questões existenciais humanas por intermédio dos pensamentos de
filósofos antigos, contemporâneos e do processo PEACE, onde o autor apresenta
cinco passos para identificar problemas, expressar emoções construtivamente,
analisar opções diante de uma realidade, escolher conscientemente com lógica
e, com base em reflexões filosóficas tradicionais e da própria filosofia de vida
individual, a melhor alternativa a ser adotada, para incorporar à vida um novo
pensamento que permita uma existência com sabedoria diante de cada situação
que a vida nos impõe em nosso dia a dia.
Palavras-chave: Filosofia. Aconselhamento Filosófico. Lou Marinoff. Mais Platão, menos Prozac.
Nancy Assad. Jornalista, Graduada em Filosofia, Pós-graduada em Pegadogia Empresarial e
Aconselhamento Filosófico, especialista em comunicação estratégica e media training. Palestrante e
professora de comunicação, comportamento e ética em cursos de pós-graduação. É autora dos livros:
“Media Training – Comunicação Eficaz com a Imprensa e a Sociedade” (Editora Gente, 2009),
“As Cinco Fases da Comunicação para Gestão de Mudanças – Como aplicar Conhecimento na
Sustentabilidade Corporativa” (Editora Saraiva, 2010) e “Marketing de Conteúdo: Como Fazer Sua
Empresa Decolar no Meio Digital” (Editora Atlas, 2016).
2
Adriano Volpini. Mestre em Saúde e Educação (2014), com a linha de pesquisa em Educação
Permanente em Saúde. Especialização em Filosofia Clínica (2003) e graduação em Filosofia (2001).
Experiência na docência no ensino superior presencial, nas disciplinas de Antropologia Filosófica,
Psicologia Geral e Psicologia da Educação. Experiência no ensino superior a distância, em Tecnologia
da Informação e Comunicação, métodos e tecnologia a distância. Atua nas diversas disciplinas do curso
de Filosofia e disciplinas pedagógicas (núcleo comum) do ensino superior a distância.
1
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
110
The possibily of philosofy’s application on
human’s daily life and at organizations’
according to Lou Marinoff
Nancy ASSAD
Adriano VOLPINI
Abstract: This article aims to verify the possibility of a philosophy applied to
daily life. Its main study is based on Lou Marinoff’s titles Mais Platão and Menos
Prozac (2012). It was concluded that, according to the work of Lou Marinoff (op.
cit.), this philosophy can answer human existential questions through ancient and
contemporary philosophers thoughts and the PEACE process, where the author
presents five steps to identify problems, express emotions constructively, analyze
options facing a reality, consciously choose with logic, and based on traditional
philosophical reflections and own individual philosophy, the best alternative to
be adopted, incorporate to life a new thought that allows a existence with wisdom
while facing each situation that life imposes on us in our daily lives.
Keywords: Philosophy. Philosophical Counseling. Lou Marinoff. Mais Platão,
menos Prozac.
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
111
1.  INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como base a obra Mais Platão, menos Prozac (2012), do filósofo Lou Marinoff. Ele figura entre os principais
líderes internacionais da nova corrente de pensamento denominada Aconselhamento Filosófico, que apresenta a filosofia e seus
usos práticos e eficazes no dia a dia das pessoas para a solução de
problemas existenciais comuns, como conflitos internos, mudanças profissionais, relacionamentos e a morte. O processo utiliza as
obras dos maiores pensadores da história humana, até então restritas aos ambientes acadêmicos.
Lou Marinoff é Ph.D. e diretor executivo da American
Society for Philosophy, Counseling and Psychotherapy, professor
de filosofia no City College de Nova York, pioneiro do movimento
prático filosófico na América do Norte e presidente da American
Philosophical Practitioners Association.
A prática do filósofo Lou Marinoff, iniciada em 1990, é similar a origem do atendimento filosófico em consultórios especializados para pessoas que necessitam de orientação para solucionar
problemas diários criados por Gerd Achenback. Esses problemas
não são de origem psiquiátrica, médica ou psicológica, eles consistem em dificuldades de se adaptar a novas situações, aceitar crenças
e padrões comportamentais diversos.
A obra Mais Platão, menos Prozac (2012), de Marinoff, apresenta o conceito do Aconselhamento Filosófico, defende a possibilidade da autogestão e autocura existencial e também pensamentos
filosóficos ou filosofias globais para contribuir com a busca de soluções para as dificuldades, desafios do cotidiano e questões fundamentais da vida humana.
Marinoff aponta a importância do uso da filosofia a serviço da vida, transcendendo o uso na academia e como instrumento
de pensamento intelectual, demonstrando o como e o porquê de as
pessoas recorrerem ao consultório para buscar alívio das angústias
e libertação de problemas gerais. Elas querem soluções rápidas e
práticas para minimizar o desconforto emocional de existir num
mundo cheio de contradições e complexidades. O público-alvo do
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
112
Aconselhamento Filosófico são pessoas que não têm necessidade
de tratamento médico, mas que precisam de uma intervenção cognitiva para modificar crenças irracionais e não válidas para uma
vida plena, realizada e feliz.
O autor explica que, antes de iniciar um processo de Aconselhamento Filosófico, é preciso fazer um diagnóstico:
[...] algumas pessoas talvez não obtenham ajuda de Platão;
assim como outras não obtêm ajuda do Prozac. Algumas
podem precisar antes de Prozac, depois de Platão ou de
Prozac e Platão junto (MARINOFF, 2012, p. 26).
De acordo com esse pensamento, o Aconselhamento Filosófico é uma terapia para o são e inclui praticamente todos nós.
Nosso objetivo é investigar e advogar o papel da filosofia
como alternativa viável para a resolução de problemas existenciais
presentes no cotidiano do ser humano contemporâneo, verificar a
utilização da filosofia para a vida prática, avaliar o Aconselhamento Filosófico como instrumento de apoio para ser aplicado aos problemas diários da vida das pessoas e para o seu desenvolvimento
pessoal. Justifica-se tal abordagem a partir da origem da filosofia e
as suas propostas de responder às questões existenciais, relacionais
e do ambiente onde vive o ser humano.
Fazemos uma descrição sobre a nossa apreensão acerca da
obra Mais Platão, menos Prozac, de Lou Marinoff (2012), mais
especificamente da Parte I – Origens da filosofia, novos usos, a
terapia, o processo PEACE: cinco passos para a gestão de problemas filosoficamente e o Aconselhamento Filosófico como processo
de mudança de crenças e padrões comportamentais com base em
todo pensamento filosófico – do clássico ao atual; Parte II – Administrando problemas cotidianos – relacionamentos, moral e ética e
significado e propósito de vida; e Parte III – Praticando a filosofia
em grupos e organizações, concluindo com a possibilidade da aplicação da filosofia para a contribuição na solução de problemas da
vida cotidiana humana e das organizações.
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
113
2.  ORIGENS DA FILOSOFIA, NOVOS USOS, A TERAPIA, O PROCESSO PEACE
A filosofia surgiu na Grécia como uma proposta prática para
o entendimento da vida e o ambiente que a cerca. Com o decorrer
dos anos, foi levada ao meio acadêmico, passando a ser objeto de
estudos e pesquisas restritas aos profissionais e estudantes da área
filosófica. A religião também se apoderou de certos conceitos, incorporando suas práticas religiosas, conforme suas normas, regras
e crenças, bem como muitas outras ciências.
A Polis grega trouxe ao pensamento grego novos conceitos
de vida social, relações interpessoais e administração pública. O
uso da palavra ganha relevância e se traduz em poder e capacidade
de persuasão na vida pública e política. O poder divino cede lugar
ao humano, e a sua influência se expressa pelo uso adequado da comunicação verbal e da retórica nos espaços e apresentações públicas. A comunicação escrita destina-se ao compartilhamento público
do conhecimento, até então reservado e restrito, e constitui-se como
base da Paideia grega (JAEGER, 2001).
Para Sócrates, corpo e espírito são partes indissociáveis e a
saúde humana se mantém ou se restabelece pelo equilíbrio entre
essas duas composições e o constante cuidado com o interior. Conforme Jaeger (2001, p. 520), “Sócrates é um autêntico médico, a
ponto de, segundo Xenofonte, não se preocupar menos com a saúde
física dos seus amigos do que com o seu bem-estar espiritual. Mas
é, sobretudo o médico do homem interior”.
Sócrates propunha o despertar da consciência existencial nos
ginásios, onde se praticava atividades físicas. Seu trabalho constituía-se em um novo processo educacional de alimentar o espírito e
a essência humana com valores, e essa condição elevada se refletia
no corpo físico.
O conceito de bem-estar espiritual de Sócrates conduziu a sociedade grega à Paideia, para desenvolver o novo homem da época
nos aspectos comportamentais de conhecimento e de domínio de
si próprio: o ser que tem autogestão do físico e do espírito tem a
capacidade de um comportamento adequado, que brota do interior
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
114
e conduz a um autodomínio. O pensamento da época considerava
o equilíbrio matéria e espírito e a competência de se autocontrolar
fundamental para o homem governar e atuar na Pólis dentro de normas e leis, porém, priorizando a sua própria sabedoria e liderança.
Sócrates também criou o conceito do valor e da liberdade interna pelo domínio de si, independente de ser homem ou mulher,
branco ou preto, rico ou pobre. A liberdade confere poder interior e
conduz a conquistas e à sublimação das vontades comuns. Conforme Jaeger (2012), o homem livre é aquele liberto de seus desejos.
Sócrates foi um filósofo dedicado a desenvolver o ser pessoal e político, os seus conceitos e métodos se aplicam até hoje nos
meios escolares, corporativos e de saúde.
Sócrates defendia o saber e o conhecimento como caminhos
para o bem humano, conforme aponta Jaeger (2012, p. 571): “A
cultura em sentido socrático converte-se na aspiração a uma ordenação filosófica consciente da vida, que se propõe cumprir o destino espiritual e moral do Homem”.
Na época de Sócrates, o desenvolvimento humano destinava-se à relação do homem consigo mesmo, com seus pares e grupos
no espaço da Pólis, e isso se transportou ao longo do tempo e nas
histórias da humanidade como importante forma de moldar o comportamento para o bem interno e social.
Essa metodologia socrática se estende até hoje e pode ser
aplicada para a ressignificação de crenças gerais, o que justifica o
uso da filosofia aplicável à vida em diversos ambientes e situações
similares à Polis no Aconselhamento Filosófico.
A Filosofia prática foi criada em 1982, por Gerd B. Achenbach, que fundou a Internationale Gesellschaft Für Philophische Praxis (Sociedade Internacional para a Prática Filosófica), ganhando
adeptos por todo o mundo, tais como Marc Sautet, na França, que
reinaugurou a filosofia externa aos muros acadêmicos, surgindo o
primeiro Café Filosófico e iniciando atividades de orientação filosófica em seu consultório. Mais tarde, o norte-americano Lou Marinoff criou o Aconselhamento Filosófico, fundando a American Philosophical Practitioners Association em 1998, visando contribuir
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
115
com a orientação filosófica para os problemas cotidianos humanos,
corporativos e institucionais (MARINOFF, 2012).
O Aconselhamento Filosófico é apresentado por Marinoff em
seu livro Mais Platão, menos Prozac. O autor indica o método para
indivíduos sensatos, que podem buscar ajuda em consultórios filosóficos ou para aqueles que, após a leitura do livro, poderão aplicar
a si mesmos as práticas aprendidas e as ideias dos filósofos tradicionais para ajudar no encontro da solução para os seus problemas
e também a lidar com questões importantes de suas vidas pessoais.
Ele relata que as pessoas angustiadas com problemas afetivos
ou profissionais procuram o seu consultório para fazer uma análise
de sua vida, identificar seus problemas e emoções e quais atitudes
podem tomar para uma vida livre de conflitos constantes. Essas
pessoas já tentaram terapias tradicionais e a busca da paz na religião e não encontraram as respostas para suas questões existenciais.
A filosofia pode ser incompreensível, mas pode, também,
ajudar a responder a questionamentos como “quem sou, qual minha missão no mundo, o que é certo ou errado, como devo agir”,
dentre outras indagações existenciais comuns a todo ser humano
(JAEGER, 2012).
As respostas podem ser encontradas nos pensamentos e obras
de reconhecidos filósofos que encontraram respostas lógicas para
sanar as suas próprias indagações ou propor o bem para a vida em
sociedade. Como pertencemos à raça humana, podemos encontrar
nessa busca e encontro pontos comuns a nossas dúvidas e questionamentos, tornando-nos nossos próprios filósofos, seja para encontrar pensamentos filosóficos que nos ajudem a responder a nossas
dúvidas e perguntas ou para termos insights e construirmos a nossa
própria filosofia, a qual vai nos dar respostas e equilíbrio para viver.
Marinoff (2012) diz que a vida é tensa e complicada, mas
que não é necessário ficar angustiado ou confuso por isso e que, ao
longo do século XX, a ciência e a religião não ofereceram respostas satisfatórias, abrindo espaço para o resgate da filosofia como
instrumento de exame da vida e também do nosso mundo interior.
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
116
Sócrates e Lao Tse tinham como objetivo o uso da filosofia
de modo prático à disposição de todos, porém, o seu uso passou a
ser restrito ao mundo acadêmico como disciplina, repleta de pesquisas, estudos e insights teóricos, sem nenhuma utilidade prática.
Marinoff (2012, p. 20) fala sobre os filósofos acadêmicos que
atuam como aconselhadores na aplicação da filosofia para os problemas cotidianos.
[...] os meus colegas e eu não somos filósofos apenas no
sentido acadêmico. Embora muitos de nós tenhamos o título de Ph. D., demos aula em universidades e publiquemos
artigos especializados, fazemos mais que isso: também
oferecemos aconselhamento individual, mediação de grupos e consultoria organizacional. Retiramos a filosofia do
contexto puramente teórico ou hipotético e a aplicamos a
problemas pessoais, sociais ou profissionais cotidianos.
O processo de Marinoff (2012), denominado PEACE, é colocado pelo autor como uma forma de trabalhar, filosoficamente,
uma questão, partindo da identificação do problema. Em seguida,
deve-se avaliar, cuidadosamente, qual é a emoção sentida diante do
problema identificado.
O autor diz que essa tarefa requer atenção especial, pois, às
vezes, os sentimentos apresentados diante de um problema são
complexos e difíceis de compreender. O próximo passo é a análise
das possíveis opções para resolver o problema. Marinoff diz que
a melhor é aquela que conseguir conciliar a solução do problema
com a emoção vivida, mas nem sempre é possível, precisando optar
pela mais adequada e não pela ideal. O quarto passo é a análise do
problema, a emoção e a análise da melhor alternativa para aquela
situação específica. Nessa fase, a filosofia tem papel relevante por
oferecer diferentes visões, que poderão satisfazer emocionalmente
a pessoa.
Marinoff (2012, p. 60) explica que se deve “[...] estabelecer,
por meio da contemplação, uma posição filosófica que seja ao mesmo tempo justificável por seus méritos e coerente com a sua natureza”. A conquista do equilíbrio é o último e quinto passo, portanto,
é uma conclusão das etapas anteriores que confere ao indivíduo
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
117
segurança em relação à decisão tomada para lidar com a situação
problemática.
Marinoff (2012) afirma que o próprio problema pessoal deve
ser analisado como um fenômeno existente em nosso exterior, e a
necessidade de análise da emoção que a situação causa não deve ser
vista como parte normal da nossa forma de ser, mas como algo que
acontece em determinados momentos da vida.
O autor considera que é necessário encontrar a “sua filosofia”,
seja por meio da obra de um pensador reconhecido, seja ajudado por
um aconselhador filosófico. Identificada uma linha de pensamento
que responda à angústia originada por uma situação conflitante e
que estimule uma atitude assertiva, o indivíduo atingirá o equilíbrio
que lhe garantirá não apenas a superação da dificuldade atual, como
o deixará preparado para enfrentar as adversidades que ocorreram
na vida cotidiana (MARINOFF, 2012, p. 64).
A aplicação do processo PEACE e o sucesso da conquista do
equilíbrio numa situação específica promove o desenvolvimento de
uma nova competência pessoal, que é incorporada ao conhecimento do indivíduo para uso em situações similares, como nova forma
de aprendizado e conquista do equilíbrio e superação dos problemas cotidianos.
3.  A FILOSOFIA E A ADMINISTRAÇÃO DE PROBLEMAS COTIDIANOS
Marinoff (2012, p. 53), afirma que o Aconselhamento Filosófico se destina à maioria das pessoas, cujos problemas são comuns
e acontecem todos os dias na vida de cada um. A filosofia trata de
forma apropriada as questões existenciais que levam à “descoberta
da essência mais profunda de si mesmo...”.
O livro traz a contribuição de diversos filósofos para a inspiração e aplicação aos problemas cotidianos. Afirma que Sócrates é
o modelo mais importante para o aconselhamento filosófico e que
o seu modelo de indagação conduz a respostas definitivas e sua
célebre frase “a vida que não examinada não vale a pena ser viviEducação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
118
da” é uma das principais orientações seguidas pelos aconselhadores
filosóficos.
Marinoff (2012) cita diversos filósofos, tais como Platão, que
traz uma ideia da existência de uma forma perfeita, pura, por intermédio da justiça, beleza e verdade – necessária para o aperfeiçoamento da imperfeição que caracteriza o ser humano; e Aristóteles,
que traz um pensamento racional e o uso da ética para pautar os
relacionamentos. O autor fala do período moderno e o fim da Idade
das Trevas, bem como dos pensadores Francis Bacon – origem do
método científico e sua definição de que o conhecimento, sinônimo
de poder, surge da experiência e da razão, excluindo a crença do domínio da fé, da força e o estabelecimento da paz; Thomas Hobbes,
o primeiro cientista político e o primeiro psicólogo empirista, que
escreveu sobre a natureza humana e afirma que “os seres humanos
são, por natureza, autorreferentes e precisam da influência controladora da civilização” (HOBBES apud MARINOFF, 2001, p. 85);
e René Descartes, parte em que Marinoff afirma que o conselheiro
filosófico poderá apropriar-se da distinção entre mente e matéria:
“O reconhecimento da dicotomia entre a mente e o corpo e da sua
complexa inter-relação tornou possível o aconselhamento filosófico” (MARINOFF, 2001, p. 48).
Marinoff diz que Descartes também contribuiu de forma prática para a busca da verdade pela dúvida, de modo que “[...] nunca
[se deve] aceitar algo como verdadeiro até conhecê-lo como tal sem
nenhuma dúvida”, pertence a Descartes a frase “penso, logo existo”
que alicerça o aconselhamento filosófico e que atribuiu ao pensamento de cada cliente o principal elemento para a compreensão de
sua própria realidade (MARINOFF, 2001, p. 48).
O autor destaca no empirismo Hume, Berkeley e Locke e diz
que esses filósofos colocaram a percepção e a experiência “como a
chave para a compreensão do mundo” (Marinoff, 2001, p. 86); ao
contrário do essencialismo platônico, de que já temos o conhecimento e para conhecê-lo utilizamos a razão como veículo.
Mais Platão, menos Prozac traz como principal mensagem a
possibilidade de solucionar problemas do cotidiano pela avaliação
e comparação com as ideias de filósofos que mais se aplicam à
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
119
situação e com aquelas a que o indivíduo tem maior identificação,
podendo ser também uma filosofia própria. Cabe ao orientador filosófico extrair e iluminar as ideias e, possivelmente, sugerir novas.
O trabalho do aconselhador filosófico consiste em ajudar na compreensão do tipo de problema e, por meio do diálogo, esclarecer
e pontuar os elementos e implicações, visando contribuir para o
encontro da melhor solução dentro de uma abordagem filosófica
compatível com o sistema individual de princípios, alinhado com
as convenções de sabedoria reconhecidas como válidas para uma
vida mais virtuosa e efetiva. O trabalho do aconselhamento consiste em identificar suas crenças inválidas e refletir sobre a substituição por novas crenças com base em questões universais de valor,
significado e ética.
4.  MORAL E ÉTICA E O ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO – PROPÓSITO E SIGNIFICADO
Marinoff (2012, p. 223) diz que a filosofia é o saber mais
apropriado para analisar a questão da ética, e menciona que seu objetivo é ajudar a pessoa a “entender e aplicar o seu próprio sistema
ético”. Ele define os termos moral e ética: “[...] a ética refere-se a
teorias ou sistemas que descrevem o que é bem e, por extensão, o
que é mal [...] A moral refere-se às normas que nos dizem o que
fazer ou não fazer” (MARINOFF, p. 223-224).
Ética é teoria e moral é prática. Agir moralmente se faz com
base no conhecimento do bem, tarefa a que muitos pensadores se
dedicaram sem chegar a uma conclusão universal. Marinoff (2001)
entende que podemos conceituar o bem e o mal pelos meios: religião, forma mais comum de definir bem e mal a partir de Deus,
criador de tudo, todos e as suas leis universais que definem o que é
bem e o que é mal e nos mostram que agir no bem conforme as leis
evita o mal; e a ciência e suas verdades.
O autor acredita que nem a religião nem a ciência são os caminhos mais adequados para buscar o bem universalmente válido,
assim, a definição e as normas de conduta para agir bem estão na
filosofia.
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
120
Considerando que a ética tem origem no grego ethos e significa “bom costume”, “costume superior” ou “portador de caráter”,
baseado em princípios universais e ações justas que não mudam
independentemente do lugar onde estamos, a ética fundamenta as
ações morais exclusivamente pela razão. A moral se fundamenta no
seguimento de costumes e hábitos.
O Aconselhamento Filosófico deve extrair pelo diálogo e interação os dilemas éticos e morais dos indivíduos, mostrando os
principais universais do bem e a razão para agir com ética – bons
costumes comuns à maioria da humanidade e os códigos morais ditados pelos hábitos, costumes e crenças, para, com base no que fundamenta os valores pessoais e universais, escolher a melhor decisão
solucionando os problemas éticos e morais comuns ao cotidiano
pessoal, profissional e organizacional.
A razão do significado da vida tem sido uma antiga investigação dos filósofos, e Marinoff (2001, p. 255) recomenda que é
necessário distinguir o que é significado. Assim, o autor reflete primeiro sobre “propósito”, que segundo ele é:
[...] é um objeto ou fim último a ser alcançado. É uma meta.
Significado tem relação com a maneira como você entende
a sua vida em uma base contínua. O significado está no
modo como as coisas acontecem, não necessariamente no
resultado final.
Ter uma vida com propósito nos permite dirigir nossas ações
para os objetivos e metas de curto, médio e longo prazo, agregando
significado para uma vida com valor e liberdade de crenças limitantes e pensamentos destrutivos e, para isso, é necessário reflexão,
lógica e filosofia para podermos modificar a nossa visão individual
para uma visão sistemática e priorizar a paz e a alegria pelo processo do Aconselhamento Filosófico individual ou com um filósofo
especialista em aconselhamento.
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
121
5.  PRATICANDO A FILOSOFIA EM GRUPOS E ORGANIZAÇÕES
Marinoff (2001) apresenta outras formas de atuação dos práticos filosóficos: como cafés de filósofos, diálogo socrático e consultoria a empresas.
No que se refere à consultoria a empresas, a prática da filosofia pode ser de grande valia na orientação organizacional, ou seja,
surge a figura do filósofo organizacional. Marinoff faz uma análise
do desenvolvimento do capitalismo, que ocorreu entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a crise de energia de 1973 e o papel do psicólogo industrial, cuja função era buscar soluções para as questões,
tendo em vista os processos de fabricação e como produzir bons
empregados. Assim, surgiu a seguinte questão: “Podemos construir
máquinas eficientes e projetar linhas de montagem produtivas, mas
como motivar, com o menor custo, trabalhadores e gerentes para
sua máxima eficiência?”
O autor diz que a psicologia industrial obteve resultados
como uma “simbiose entre o músculo da indústria e a ciência da
motivação” (MARINOFF, 2001, p. 322).
Marinoff afirma que o psicólogo industrial foi o precursor
do filósofo organizacional que hoje trabalha no mundo corporativo
para contribuir com o desenvolvimento de competências para um
novo momento da economia, que é a da prestação de serviços. Na
era industrial, a relação a ser considerada era entre corpos humanos
e máquinas sólidas e a questão operacional era: “Como mecanizar
melhor o desempenho humano?” Resposta: “Contrate um psicólogo industrial e ele lhe dirá como”. Atualmente, a relação mudou:
ocorre entre mentes humanas e uma sociedade que exige das organizações um comportamento humano e sensível diante das suas
necessidades e expectativas. Assim, a questão operacional passou a
ser: “Como sistematizar melhor o desempenho humano?” Resposta: “Contrate um consultor filosófico e ele dirá como”.
Marinoff afirma ainda que, em todos os lugares do mundo, filósofos organizacionais estão sendo contratados como consultores
para governos, indústrias e profissões e também para treinamentos
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
122
de dilemas, de integridade e orientação para o autoconhecimento e
autoliderança para melhor desempenhar as suas funções, não mais
como um ser material, mas agora como um ser espiritual.
Segundo Marinoff (2012), o fato de a ética estar colocada na
ordem do dia tem favorecido a contratação de consultores filosóficos para orientarem funcionários nessa questão.
No Brasil, os filósofos têm atuado como coaching, tanto para
aconselhar colaboradores individualmente na resolução de problemas que interferem na execução do seu trabalho quanto como palestrantes e facilitadores em workshops com equipes de prestadores
de serviços ou líderes para a melhoria do desempenho, além de
atuar em palestras de ética e códigos de conduta para aprimorar a
relação com os públicos internos e externos.
Marinoff afirma que o consultor filosófico saberá orientar a
todos, sempre proporcionando o melhor resultado possível com o
mínimo de atrito entre as partes envolvidas, e finaliza com as seguintes palavras:
O grau de liberdade de nossas vidas depende do nosso
sistema político e da nossa vigilância para defendê-la. A
duração de nossas vidas depende dos nossos genes e da
qualidade do cuidado com a saúde. Viver bem – isto é, seriamente, nobremente, virtuosamente, alegremente, amorosamente – depende da nossa filosofia e da maneira como
a aplicamos a tudo o mais. A vida examinada é uma vida
melhor, e está ao seu alcance. Experimente! (MARINOFF,
2012, p. 325).
O Aconselhamento Filosófico é um instrumento indispensável para minimizar conflitos e sentimentos negativos na dimensão
intrapessoal e interpessoal nos ambientes organizacionais. A metodologia possibilita ao colaborador a aquisição de habilidades de
análise e de delimitação do significado das percepções irracionais,
que geram pensamentos automáticos descontrolados pela auto-observação, bem como permite a identificação das crenças limitantes
pela autodescrição para ampliar a visão da situação e a identificação
de alternativas mais adequadas ao momento. Consequentemente é
possível alcançar a libertação e a paz, para apropriação dos recursos
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
123
de exame da vida e suas intercorrências e também para a conquista
de autonomia e felicidade.
6.  CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo atual mesclou raças, culturas, sistemas econômicos
e políticos, culminando em cenários complexos contendo desafios
e oportunidades, tanto nas relações humanas quanto institucionais
e corporativas.
A filosofia emerge da academia para acompanhar o cenário
e a sociedade contemporânea para analisar, classificar e elencar os
elementos modernos da vida atual e seus problemas existenciais
intrapessoais, interpessoais e ambientais para trazer uma nova prática e saberes para a renovação do pensamento, a ressignificação de
crenças e percepções e a construção de uma sociedade inovadora
baseada em valores universais e interesses gerais para registrar um
novo momento da história humana num novo mundo, onde as relações se estabelecem no pessoal e no virtual.
A história mostra que o filósofo é fundamental para auxiliar
os novos ambientes e necessidades. Eles trouxeram grandes contribuições para a discussão de ideias e, com a evolução das organizações e da sociedade, podem trazer novamente argumentos e
conceitos para registrar esse novo momento.
Nesse contexto, o ser humano tem novas necessidades e expectativas, ele busca respostas imediatas e lógicas para solucionar
os dilemas éticos e morais que toldam a sua existência, visando
preencher o seu vazio interior carente de propósito e significados
coerentes com o seu conjunto de valores e com a vida real.
O Aconselhamento Filosófico surge como processo prático
e ágil de uso da filosofia para o aconselhamento de pessoas, organizações e instituições, com base nos conhecimentos seculares
da filosofia e seus métodos para a gestão de situações conflituosas
particulares de grupos organizacionais e sociais. Ele instrumenta e
possibilita a aplicação da filosofia para a contribuição na solução
de problemas da vida cotidiana social e das organizações, como
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
124
pudemos concluir pelo estudo da obra Mais Platão, menos Prozac,
de Lou Marinoff (2001). A filosofia pode contribuir com respostas
às questões existenciais humanas por intermédio dos pensamentos
de filósofos antigos e contemporâneos, para incorporar à vida um
novo olhar, que permita uma existência plena e realizada.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. Tradução de Alfredo Bosi e
Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
FALCÃO, D. Atitude filosófica dá qualidade de vida. Equilíbrio/Folha de S.
Paulo, São Paulo, p. 8-10, 21 jun. 2001.
IWASSO, S. Os acadêmicos não são donos do conhecimento. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, p. A13, 26 fev. 2006.
JAEGER, W. La teología de los primeros filósofos griegos. Tradução de José
Gaos. México: Fondo de Cultura Económica, 2003.
______. Paidéia: a formação do homem grego. 4. ed. Tradução de Artur M.
Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MARINOFF, L. Mais Platão, menos Prozac. Tradução de Ana Luiza Borges. 3.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
______. Mais Platão, menos Prozac. Tradução de Ana Luiza Borges. 3. ed. Rio
de Janeiro: Record, 2012.
NOGUEIRA, T. Platão contra Prozac. Época, São Paulo, p. 26-28, 23 maio 2005.
PECHULA, M. A. A Filosofia no Ensino Médio: da importância anunciada
à descaracterização praticada. 2001. Dissertação (Mestrado em Filosofia)
– Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Campinas, 2001.
SAUTET, M. Um café para Sócrates. Tradução de Vera Ribeiro. 4. ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2000.
TEICH, D. H. Sócrates no divã. Veja, São Paulo, p. 64, 31 mar. 2004.
TEIXEIRA, J.; VALLADARES, R. A educação da Elite. Veja, São Paulo, p. 122124. 20 abr. 2005.
Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017
Download