109 A possibilidade de aplicação da filosofia à vida cotidiana humana e das organizações segundo Lou Marinoff Nancy ASSAD1 Adriano VOLPINI2 Resumo: O objetivo deste artigo é verificar a possibilidade de aplicar a filosofia no dia a dia das pessoas. Tem como base de estudo a obra Mais Platão, menos Prozac, de Lou Marinoff (2012). De acordo com essa obra, a filosofia pode responder a questões existenciais humanas por intermédio dos pensamentos de filósofos antigos, contemporâneos e do processo PEACE, onde o autor apresenta cinco passos para identificar problemas, expressar emoções construtivamente, analisar opções diante de uma realidade, escolher conscientemente com lógica e, com base em reflexões filosóficas tradicionais e da própria filosofia de vida individual, a melhor alternativa a ser adotada, para incorporar à vida um novo pensamento que permita uma existência com sabedoria diante de cada situação que a vida nos impõe em nosso dia a dia. Palavras-chave: Filosofia. Aconselhamento Filosófico. Lou Marinoff. Mais Platão, menos Prozac. Nancy Assad. Jornalista, Graduada em Filosofia, Pós-graduada em Pegadogia Empresarial e Aconselhamento Filosófico, especialista em comunicação estratégica e media training. Palestrante e professora de comunicação, comportamento e ética em cursos de pós-graduação. É autora dos livros: “Media Training – Comunicação Eficaz com a Imprensa e a Sociedade” (Editora Gente, 2009), “As Cinco Fases da Comunicação para Gestão de Mudanças – Como aplicar Conhecimento na Sustentabilidade Corporativa” (Editora Saraiva, 2010) e “Marketing de Conteúdo: Como Fazer Sua Empresa Decolar no Meio Digital” (Editora Atlas, 2016). 2 Adriano Volpini. Mestre em Saúde e Educação (2014), com a linha de pesquisa em Educação Permanente em Saúde. Especialização em Filosofia Clínica (2003) e graduação em Filosofia (2001). Experiência na docência no ensino superior presencial, nas disciplinas de Antropologia Filosófica, Psicologia Geral e Psicologia da Educação. Experiência no ensino superior a distância, em Tecnologia da Informação e Comunicação, métodos e tecnologia a distância. Atua nas diversas disciplinas do curso de Filosofia e disciplinas pedagógicas (núcleo comum) do ensino superior a distância. 1 Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 110 The possibily of philosofy’s application on human’s daily life and at organizations’ according to Lou Marinoff Nancy ASSAD Adriano VOLPINI Abstract: This article aims to verify the possibility of a philosophy applied to daily life. Its main study is based on Lou Marinoff’s titles Mais Platão and Menos Prozac (2012). It was concluded that, according to the work of Lou Marinoff (op. cit.), this philosophy can answer human existential questions through ancient and contemporary philosophers thoughts and the PEACE process, where the author presents five steps to identify problems, express emotions constructively, analyze options facing a reality, consciously choose with logic, and based on traditional philosophical reflections and own individual philosophy, the best alternative to be adopted, incorporate to life a new thought that allows a existence with wisdom while facing each situation that life imposes on us in our daily lives. Keywords: Philosophy. Philosophical Counseling. Lou Marinoff. Mais Platão, menos Prozac. Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 111 1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem como base a obra Mais Platão, menos Prozac (2012), do filósofo Lou Marinoff. Ele figura entre os principais líderes internacionais da nova corrente de pensamento denominada Aconselhamento Filosófico, que apresenta a filosofia e seus usos práticos e eficazes no dia a dia das pessoas para a solução de problemas existenciais comuns, como conflitos internos, mudanças profissionais, relacionamentos e a morte. O processo utiliza as obras dos maiores pensadores da história humana, até então restritas aos ambientes acadêmicos. Lou Marinoff é Ph.D. e diretor executivo da American Society for Philosophy, Counseling and Psychotherapy, professor de filosofia no City College de Nova York, pioneiro do movimento prático filosófico na América do Norte e presidente da American Philosophical Practitioners Association. A prática do filósofo Lou Marinoff, iniciada em 1990, é similar a origem do atendimento filosófico em consultórios especializados para pessoas que necessitam de orientação para solucionar problemas diários criados por Gerd Achenback. Esses problemas não são de origem psiquiátrica, médica ou psicológica, eles consistem em dificuldades de se adaptar a novas situações, aceitar crenças e padrões comportamentais diversos. A obra Mais Platão, menos Prozac (2012), de Marinoff, apresenta o conceito do Aconselhamento Filosófico, defende a possibilidade da autogestão e autocura existencial e também pensamentos filosóficos ou filosofias globais para contribuir com a busca de soluções para as dificuldades, desafios do cotidiano e questões fundamentais da vida humana. Marinoff aponta a importância do uso da filosofia a serviço da vida, transcendendo o uso na academia e como instrumento de pensamento intelectual, demonstrando o como e o porquê de as pessoas recorrerem ao consultório para buscar alívio das angústias e libertação de problemas gerais. Elas querem soluções rápidas e práticas para minimizar o desconforto emocional de existir num mundo cheio de contradições e complexidades. O público-alvo do Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 112 Aconselhamento Filosófico são pessoas que não têm necessidade de tratamento médico, mas que precisam de uma intervenção cognitiva para modificar crenças irracionais e não válidas para uma vida plena, realizada e feliz. O autor explica que, antes de iniciar um processo de Aconselhamento Filosófico, é preciso fazer um diagnóstico: [...] algumas pessoas talvez não obtenham ajuda de Platão; assim como outras não obtêm ajuda do Prozac. Algumas podem precisar antes de Prozac, depois de Platão ou de Prozac e Platão junto (MARINOFF, 2012, p. 26). De acordo com esse pensamento, o Aconselhamento Filosófico é uma terapia para o são e inclui praticamente todos nós. Nosso objetivo é investigar e advogar o papel da filosofia como alternativa viável para a resolução de problemas existenciais presentes no cotidiano do ser humano contemporâneo, verificar a utilização da filosofia para a vida prática, avaliar o Aconselhamento Filosófico como instrumento de apoio para ser aplicado aos problemas diários da vida das pessoas e para o seu desenvolvimento pessoal. Justifica-se tal abordagem a partir da origem da filosofia e as suas propostas de responder às questões existenciais, relacionais e do ambiente onde vive o ser humano. Fazemos uma descrição sobre a nossa apreensão acerca da obra Mais Platão, menos Prozac, de Lou Marinoff (2012), mais especificamente da Parte I – Origens da filosofia, novos usos, a terapia, o processo PEACE: cinco passos para a gestão de problemas filosoficamente e o Aconselhamento Filosófico como processo de mudança de crenças e padrões comportamentais com base em todo pensamento filosófico – do clássico ao atual; Parte II – Administrando problemas cotidianos – relacionamentos, moral e ética e significado e propósito de vida; e Parte III – Praticando a filosofia em grupos e organizações, concluindo com a possibilidade da aplicação da filosofia para a contribuição na solução de problemas da vida cotidiana humana e das organizações. Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 113 2. ORIGENS DA FILOSOFIA, NOVOS USOS, A TERAPIA, O PROCESSO PEACE A filosofia surgiu na Grécia como uma proposta prática para o entendimento da vida e o ambiente que a cerca. Com o decorrer dos anos, foi levada ao meio acadêmico, passando a ser objeto de estudos e pesquisas restritas aos profissionais e estudantes da área filosófica. A religião também se apoderou de certos conceitos, incorporando suas práticas religiosas, conforme suas normas, regras e crenças, bem como muitas outras ciências. A Polis grega trouxe ao pensamento grego novos conceitos de vida social, relações interpessoais e administração pública. O uso da palavra ganha relevância e se traduz em poder e capacidade de persuasão na vida pública e política. O poder divino cede lugar ao humano, e a sua influência se expressa pelo uso adequado da comunicação verbal e da retórica nos espaços e apresentações públicas. A comunicação escrita destina-se ao compartilhamento público do conhecimento, até então reservado e restrito, e constitui-se como base da Paideia grega (JAEGER, 2001). Para Sócrates, corpo e espírito são partes indissociáveis e a saúde humana se mantém ou se restabelece pelo equilíbrio entre essas duas composições e o constante cuidado com o interior. Conforme Jaeger (2001, p. 520), “Sócrates é um autêntico médico, a ponto de, segundo Xenofonte, não se preocupar menos com a saúde física dos seus amigos do que com o seu bem-estar espiritual. Mas é, sobretudo o médico do homem interior”. Sócrates propunha o despertar da consciência existencial nos ginásios, onde se praticava atividades físicas. Seu trabalho constituía-se em um novo processo educacional de alimentar o espírito e a essência humana com valores, e essa condição elevada se refletia no corpo físico. O conceito de bem-estar espiritual de Sócrates conduziu a sociedade grega à Paideia, para desenvolver o novo homem da época nos aspectos comportamentais de conhecimento e de domínio de si próprio: o ser que tem autogestão do físico e do espírito tem a capacidade de um comportamento adequado, que brota do interior Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 114 e conduz a um autodomínio. O pensamento da época considerava o equilíbrio matéria e espírito e a competência de se autocontrolar fundamental para o homem governar e atuar na Pólis dentro de normas e leis, porém, priorizando a sua própria sabedoria e liderança. Sócrates também criou o conceito do valor e da liberdade interna pelo domínio de si, independente de ser homem ou mulher, branco ou preto, rico ou pobre. A liberdade confere poder interior e conduz a conquistas e à sublimação das vontades comuns. Conforme Jaeger (2012), o homem livre é aquele liberto de seus desejos. Sócrates foi um filósofo dedicado a desenvolver o ser pessoal e político, os seus conceitos e métodos se aplicam até hoje nos meios escolares, corporativos e de saúde. Sócrates defendia o saber e o conhecimento como caminhos para o bem humano, conforme aponta Jaeger (2012, p. 571): “A cultura em sentido socrático converte-se na aspiração a uma ordenação filosófica consciente da vida, que se propõe cumprir o destino espiritual e moral do Homem”. Na época de Sócrates, o desenvolvimento humano destinava-se à relação do homem consigo mesmo, com seus pares e grupos no espaço da Pólis, e isso se transportou ao longo do tempo e nas histórias da humanidade como importante forma de moldar o comportamento para o bem interno e social. Essa metodologia socrática se estende até hoje e pode ser aplicada para a ressignificação de crenças gerais, o que justifica o uso da filosofia aplicável à vida em diversos ambientes e situações similares à Polis no Aconselhamento Filosófico. A Filosofia prática foi criada em 1982, por Gerd B. Achenbach, que fundou a Internationale Gesellschaft Für Philophische Praxis (Sociedade Internacional para a Prática Filosófica), ganhando adeptos por todo o mundo, tais como Marc Sautet, na França, que reinaugurou a filosofia externa aos muros acadêmicos, surgindo o primeiro Café Filosófico e iniciando atividades de orientação filosófica em seu consultório. Mais tarde, o norte-americano Lou Marinoff criou o Aconselhamento Filosófico, fundando a American Philosophical Practitioners Association em 1998, visando contribuir Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 115 com a orientação filosófica para os problemas cotidianos humanos, corporativos e institucionais (MARINOFF, 2012). O Aconselhamento Filosófico é apresentado por Marinoff em seu livro Mais Platão, menos Prozac. O autor indica o método para indivíduos sensatos, que podem buscar ajuda em consultórios filosóficos ou para aqueles que, após a leitura do livro, poderão aplicar a si mesmos as práticas aprendidas e as ideias dos filósofos tradicionais para ajudar no encontro da solução para os seus problemas e também a lidar com questões importantes de suas vidas pessoais. Ele relata que as pessoas angustiadas com problemas afetivos ou profissionais procuram o seu consultório para fazer uma análise de sua vida, identificar seus problemas e emoções e quais atitudes podem tomar para uma vida livre de conflitos constantes. Essas pessoas já tentaram terapias tradicionais e a busca da paz na religião e não encontraram as respostas para suas questões existenciais. A filosofia pode ser incompreensível, mas pode, também, ajudar a responder a questionamentos como “quem sou, qual minha missão no mundo, o que é certo ou errado, como devo agir”, dentre outras indagações existenciais comuns a todo ser humano (JAEGER, 2012). As respostas podem ser encontradas nos pensamentos e obras de reconhecidos filósofos que encontraram respostas lógicas para sanar as suas próprias indagações ou propor o bem para a vida em sociedade. Como pertencemos à raça humana, podemos encontrar nessa busca e encontro pontos comuns a nossas dúvidas e questionamentos, tornando-nos nossos próprios filósofos, seja para encontrar pensamentos filosóficos que nos ajudem a responder a nossas dúvidas e perguntas ou para termos insights e construirmos a nossa própria filosofia, a qual vai nos dar respostas e equilíbrio para viver. Marinoff (2012) diz que a vida é tensa e complicada, mas que não é necessário ficar angustiado ou confuso por isso e que, ao longo do século XX, a ciência e a religião não ofereceram respostas satisfatórias, abrindo espaço para o resgate da filosofia como instrumento de exame da vida e também do nosso mundo interior. Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 116 Sócrates e Lao Tse tinham como objetivo o uso da filosofia de modo prático à disposição de todos, porém, o seu uso passou a ser restrito ao mundo acadêmico como disciplina, repleta de pesquisas, estudos e insights teóricos, sem nenhuma utilidade prática. Marinoff (2012, p. 20) fala sobre os filósofos acadêmicos que atuam como aconselhadores na aplicação da filosofia para os problemas cotidianos. [...] os meus colegas e eu não somos filósofos apenas no sentido acadêmico. Embora muitos de nós tenhamos o título de Ph. D., demos aula em universidades e publiquemos artigos especializados, fazemos mais que isso: também oferecemos aconselhamento individual, mediação de grupos e consultoria organizacional. Retiramos a filosofia do contexto puramente teórico ou hipotético e a aplicamos a problemas pessoais, sociais ou profissionais cotidianos. O processo de Marinoff (2012), denominado PEACE, é colocado pelo autor como uma forma de trabalhar, filosoficamente, uma questão, partindo da identificação do problema. Em seguida, deve-se avaliar, cuidadosamente, qual é a emoção sentida diante do problema identificado. O autor diz que essa tarefa requer atenção especial, pois, às vezes, os sentimentos apresentados diante de um problema são complexos e difíceis de compreender. O próximo passo é a análise das possíveis opções para resolver o problema. Marinoff diz que a melhor é aquela que conseguir conciliar a solução do problema com a emoção vivida, mas nem sempre é possível, precisando optar pela mais adequada e não pela ideal. O quarto passo é a análise do problema, a emoção e a análise da melhor alternativa para aquela situação específica. Nessa fase, a filosofia tem papel relevante por oferecer diferentes visões, que poderão satisfazer emocionalmente a pessoa. Marinoff (2012, p. 60) explica que se deve “[...] estabelecer, por meio da contemplação, uma posição filosófica que seja ao mesmo tempo justificável por seus méritos e coerente com a sua natureza”. A conquista do equilíbrio é o último e quinto passo, portanto, é uma conclusão das etapas anteriores que confere ao indivíduo Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 117 segurança em relação à decisão tomada para lidar com a situação problemática. Marinoff (2012) afirma que o próprio problema pessoal deve ser analisado como um fenômeno existente em nosso exterior, e a necessidade de análise da emoção que a situação causa não deve ser vista como parte normal da nossa forma de ser, mas como algo que acontece em determinados momentos da vida. O autor considera que é necessário encontrar a “sua filosofia”, seja por meio da obra de um pensador reconhecido, seja ajudado por um aconselhador filosófico. Identificada uma linha de pensamento que responda à angústia originada por uma situação conflitante e que estimule uma atitude assertiva, o indivíduo atingirá o equilíbrio que lhe garantirá não apenas a superação da dificuldade atual, como o deixará preparado para enfrentar as adversidades que ocorreram na vida cotidiana (MARINOFF, 2012, p. 64). A aplicação do processo PEACE e o sucesso da conquista do equilíbrio numa situação específica promove o desenvolvimento de uma nova competência pessoal, que é incorporada ao conhecimento do indivíduo para uso em situações similares, como nova forma de aprendizado e conquista do equilíbrio e superação dos problemas cotidianos. 3. A FILOSOFIA E A ADMINISTRAÇÃO DE PROBLEMAS COTIDIANOS Marinoff (2012, p. 53), afirma que o Aconselhamento Filosófico se destina à maioria das pessoas, cujos problemas são comuns e acontecem todos os dias na vida de cada um. A filosofia trata de forma apropriada as questões existenciais que levam à “descoberta da essência mais profunda de si mesmo...”. O livro traz a contribuição de diversos filósofos para a inspiração e aplicação aos problemas cotidianos. Afirma que Sócrates é o modelo mais importante para o aconselhamento filosófico e que o seu modelo de indagação conduz a respostas definitivas e sua célebre frase “a vida que não examinada não vale a pena ser viviEducação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 118 da” é uma das principais orientações seguidas pelos aconselhadores filosóficos. Marinoff (2012) cita diversos filósofos, tais como Platão, que traz uma ideia da existência de uma forma perfeita, pura, por intermédio da justiça, beleza e verdade – necessária para o aperfeiçoamento da imperfeição que caracteriza o ser humano; e Aristóteles, que traz um pensamento racional e o uso da ética para pautar os relacionamentos. O autor fala do período moderno e o fim da Idade das Trevas, bem como dos pensadores Francis Bacon – origem do método científico e sua definição de que o conhecimento, sinônimo de poder, surge da experiência e da razão, excluindo a crença do domínio da fé, da força e o estabelecimento da paz; Thomas Hobbes, o primeiro cientista político e o primeiro psicólogo empirista, que escreveu sobre a natureza humana e afirma que “os seres humanos são, por natureza, autorreferentes e precisam da influência controladora da civilização” (HOBBES apud MARINOFF, 2001, p. 85); e René Descartes, parte em que Marinoff afirma que o conselheiro filosófico poderá apropriar-se da distinção entre mente e matéria: “O reconhecimento da dicotomia entre a mente e o corpo e da sua complexa inter-relação tornou possível o aconselhamento filosófico” (MARINOFF, 2001, p. 48). Marinoff diz que Descartes também contribuiu de forma prática para a busca da verdade pela dúvida, de modo que “[...] nunca [se deve] aceitar algo como verdadeiro até conhecê-lo como tal sem nenhuma dúvida”, pertence a Descartes a frase “penso, logo existo” que alicerça o aconselhamento filosófico e que atribuiu ao pensamento de cada cliente o principal elemento para a compreensão de sua própria realidade (MARINOFF, 2001, p. 48). O autor destaca no empirismo Hume, Berkeley e Locke e diz que esses filósofos colocaram a percepção e a experiência “como a chave para a compreensão do mundo” (Marinoff, 2001, p. 86); ao contrário do essencialismo platônico, de que já temos o conhecimento e para conhecê-lo utilizamos a razão como veículo. Mais Platão, menos Prozac traz como principal mensagem a possibilidade de solucionar problemas do cotidiano pela avaliação e comparação com as ideias de filósofos que mais se aplicam à Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 119 situação e com aquelas a que o indivíduo tem maior identificação, podendo ser também uma filosofia própria. Cabe ao orientador filosófico extrair e iluminar as ideias e, possivelmente, sugerir novas. O trabalho do aconselhador filosófico consiste em ajudar na compreensão do tipo de problema e, por meio do diálogo, esclarecer e pontuar os elementos e implicações, visando contribuir para o encontro da melhor solução dentro de uma abordagem filosófica compatível com o sistema individual de princípios, alinhado com as convenções de sabedoria reconhecidas como válidas para uma vida mais virtuosa e efetiva. O trabalho do aconselhamento consiste em identificar suas crenças inválidas e refletir sobre a substituição por novas crenças com base em questões universais de valor, significado e ética. 4. MORAL E ÉTICA E O ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO – PROPÓSITO E SIGNIFICADO Marinoff (2012, p. 223) diz que a filosofia é o saber mais apropriado para analisar a questão da ética, e menciona que seu objetivo é ajudar a pessoa a “entender e aplicar o seu próprio sistema ético”. Ele define os termos moral e ética: “[...] a ética refere-se a teorias ou sistemas que descrevem o que é bem e, por extensão, o que é mal [...] A moral refere-se às normas que nos dizem o que fazer ou não fazer” (MARINOFF, p. 223-224). Ética é teoria e moral é prática. Agir moralmente se faz com base no conhecimento do bem, tarefa a que muitos pensadores se dedicaram sem chegar a uma conclusão universal. Marinoff (2001) entende que podemos conceituar o bem e o mal pelos meios: religião, forma mais comum de definir bem e mal a partir de Deus, criador de tudo, todos e as suas leis universais que definem o que é bem e o que é mal e nos mostram que agir no bem conforme as leis evita o mal; e a ciência e suas verdades. O autor acredita que nem a religião nem a ciência são os caminhos mais adequados para buscar o bem universalmente válido, assim, a definição e as normas de conduta para agir bem estão na filosofia. Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 120 Considerando que a ética tem origem no grego ethos e significa “bom costume”, “costume superior” ou “portador de caráter”, baseado em princípios universais e ações justas que não mudam independentemente do lugar onde estamos, a ética fundamenta as ações morais exclusivamente pela razão. A moral se fundamenta no seguimento de costumes e hábitos. O Aconselhamento Filosófico deve extrair pelo diálogo e interação os dilemas éticos e morais dos indivíduos, mostrando os principais universais do bem e a razão para agir com ética – bons costumes comuns à maioria da humanidade e os códigos morais ditados pelos hábitos, costumes e crenças, para, com base no que fundamenta os valores pessoais e universais, escolher a melhor decisão solucionando os problemas éticos e morais comuns ao cotidiano pessoal, profissional e organizacional. A razão do significado da vida tem sido uma antiga investigação dos filósofos, e Marinoff (2001, p. 255) recomenda que é necessário distinguir o que é significado. Assim, o autor reflete primeiro sobre “propósito”, que segundo ele é: [...] é um objeto ou fim último a ser alcançado. É uma meta. Significado tem relação com a maneira como você entende a sua vida em uma base contínua. O significado está no modo como as coisas acontecem, não necessariamente no resultado final. Ter uma vida com propósito nos permite dirigir nossas ações para os objetivos e metas de curto, médio e longo prazo, agregando significado para uma vida com valor e liberdade de crenças limitantes e pensamentos destrutivos e, para isso, é necessário reflexão, lógica e filosofia para podermos modificar a nossa visão individual para uma visão sistemática e priorizar a paz e a alegria pelo processo do Aconselhamento Filosófico individual ou com um filósofo especialista em aconselhamento. Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 121 5. PRATICANDO A FILOSOFIA EM GRUPOS E ORGANIZAÇÕES Marinoff (2001) apresenta outras formas de atuação dos práticos filosóficos: como cafés de filósofos, diálogo socrático e consultoria a empresas. No que se refere à consultoria a empresas, a prática da filosofia pode ser de grande valia na orientação organizacional, ou seja, surge a figura do filósofo organizacional. Marinoff faz uma análise do desenvolvimento do capitalismo, que ocorreu entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a crise de energia de 1973 e o papel do psicólogo industrial, cuja função era buscar soluções para as questões, tendo em vista os processos de fabricação e como produzir bons empregados. Assim, surgiu a seguinte questão: “Podemos construir máquinas eficientes e projetar linhas de montagem produtivas, mas como motivar, com o menor custo, trabalhadores e gerentes para sua máxima eficiência?” O autor diz que a psicologia industrial obteve resultados como uma “simbiose entre o músculo da indústria e a ciência da motivação” (MARINOFF, 2001, p. 322). Marinoff afirma que o psicólogo industrial foi o precursor do filósofo organizacional que hoje trabalha no mundo corporativo para contribuir com o desenvolvimento de competências para um novo momento da economia, que é a da prestação de serviços. Na era industrial, a relação a ser considerada era entre corpos humanos e máquinas sólidas e a questão operacional era: “Como mecanizar melhor o desempenho humano?” Resposta: “Contrate um psicólogo industrial e ele lhe dirá como”. Atualmente, a relação mudou: ocorre entre mentes humanas e uma sociedade que exige das organizações um comportamento humano e sensível diante das suas necessidades e expectativas. Assim, a questão operacional passou a ser: “Como sistematizar melhor o desempenho humano?” Resposta: “Contrate um consultor filosófico e ele dirá como”. Marinoff afirma ainda que, em todos os lugares do mundo, filósofos organizacionais estão sendo contratados como consultores para governos, indústrias e profissões e também para treinamentos Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 122 de dilemas, de integridade e orientação para o autoconhecimento e autoliderança para melhor desempenhar as suas funções, não mais como um ser material, mas agora como um ser espiritual. Segundo Marinoff (2012), o fato de a ética estar colocada na ordem do dia tem favorecido a contratação de consultores filosóficos para orientarem funcionários nessa questão. No Brasil, os filósofos têm atuado como coaching, tanto para aconselhar colaboradores individualmente na resolução de problemas que interferem na execução do seu trabalho quanto como palestrantes e facilitadores em workshops com equipes de prestadores de serviços ou líderes para a melhoria do desempenho, além de atuar em palestras de ética e códigos de conduta para aprimorar a relação com os públicos internos e externos. Marinoff afirma que o consultor filosófico saberá orientar a todos, sempre proporcionando o melhor resultado possível com o mínimo de atrito entre as partes envolvidas, e finaliza com as seguintes palavras: O grau de liberdade de nossas vidas depende do nosso sistema político e da nossa vigilância para defendê-la. A duração de nossas vidas depende dos nossos genes e da qualidade do cuidado com a saúde. Viver bem – isto é, seriamente, nobremente, virtuosamente, alegremente, amorosamente – depende da nossa filosofia e da maneira como a aplicamos a tudo o mais. A vida examinada é uma vida melhor, e está ao seu alcance. Experimente! (MARINOFF, 2012, p. 325). O Aconselhamento Filosófico é um instrumento indispensável para minimizar conflitos e sentimentos negativos na dimensão intrapessoal e interpessoal nos ambientes organizacionais. A metodologia possibilita ao colaborador a aquisição de habilidades de análise e de delimitação do significado das percepções irracionais, que geram pensamentos automáticos descontrolados pela auto-observação, bem como permite a identificação das crenças limitantes pela autodescrição para ampliar a visão da situação e a identificação de alternativas mais adequadas ao momento. Consequentemente é possível alcançar a libertação e a paz, para apropriação dos recursos Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 123 de exame da vida e suas intercorrências e também para a conquista de autonomia e felicidade. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O mundo atual mesclou raças, culturas, sistemas econômicos e políticos, culminando em cenários complexos contendo desafios e oportunidades, tanto nas relações humanas quanto institucionais e corporativas. A filosofia emerge da academia para acompanhar o cenário e a sociedade contemporânea para analisar, classificar e elencar os elementos modernos da vida atual e seus problemas existenciais intrapessoais, interpessoais e ambientais para trazer uma nova prática e saberes para a renovação do pensamento, a ressignificação de crenças e percepções e a construção de uma sociedade inovadora baseada em valores universais e interesses gerais para registrar um novo momento da história humana num novo mundo, onde as relações se estabelecem no pessoal e no virtual. A história mostra que o filósofo é fundamental para auxiliar os novos ambientes e necessidades. Eles trouxeram grandes contribuições para a discussão de ideias e, com a evolução das organizações e da sociedade, podem trazer novamente argumentos e conceitos para registrar esse novo momento. Nesse contexto, o ser humano tem novas necessidades e expectativas, ele busca respostas imediatas e lógicas para solucionar os dilemas éticos e morais que toldam a sua existência, visando preencher o seu vazio interior carente de propósito e significados coerentes com o seu conjunto de valores e com a vida real. O Aconselhamento Filosófico surge como processo prático e ágil de uso da filosofia para o aconselhamento de pessoas, organizações e instituições, com base nos conhecimentos seculares da filosofia e seus métodos para a gestão de situações conflituosas particulares de grupos organizacionais e sociais. Ele instrumenta e possibilita a aplicação da filosofia para a contribuição na solução de problemas da vida cotidiana social e das organizações, como Educação, Batatais, v. 7, n. 1, p. 109-124, jan./jun. 2017 124 pudemos concluir pelo estudo da obra Mais Platão, menos Prozac, de Lou Marinoff (2001). A filosofia pode contribuir com respostas às questões existenciais humanas por intermédio dos pensamentos de filósofos antigos e contemporâneos, para incorporar à vida um novo olhar, que permita uma existência plena e realizada. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000. FALCÃO, D. Atitude filosófica dá qualidade de vida. Equilíbrio/Folha de S. Paulo, São Paulo, p. 8-10, 21 jun. 2001. IWASSO, S. Os acadêmicos não são donos do conhecimento. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. A13, 26 fev. 2006. JAEGER, W. La teología de los primeros filósofos griegos. Tradução de José Gaos. 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