“O Paradoxo Ártico: O que os rios do semi-árido do NE tem em comum com rios árticos quando chegam ao mar” Luiz Drude de Lacerda Laboratório de Biogeoquímica Costeira, LABOMAR/UFC INCT de Transferência de Materiais ContinenteOceano (INCT-TMCOcean) O Ártico e o Nordeste do Brasil estão entre as regiões do planeta mais afetadas pelas mudanças climáticas globais Variabilidade espacial das tendências anuais de aumento de temperatura (ºC por década) no Ártico (Mackenzie et al. (2005) Stoten 5: 5-86 Variabilidade espacial das tendências anuais de aumento de temperatura (ºC por década) e diminuição de precipitação (% por década) relativo ao Período 1961 a 1990. Walther et al. (2002) Nature 416:389-395. Jaguaribe R. Dry Mackenzie R. Ice Modelo conceitual da hidrodinâmica de rios árticos, modificado de Greydon et al. (2009) Modelo conceitual da hidrodinâmica de rios do semiárido (Lacerda et al., 2011) A hidrodinâmica dos rios árticos e do semiárido na interface continente oceano dependem: 1 - da magnitude do fluxo fluvial e runoff continental; 2 - do tempo de permanência das águas nas áreas alagadas marginais e; 3 - das variações do nível do mar e do prisma de marés. Todas estas variáveis são bastante sensíveis à mudanças climáticas globais. De que forma então as mudanças climáticas globais estão afetando a biogeoquímica associada à hidrodinâmica no Ártico e no semi-árido ? O Mercúrio como indicador de mudanças climáticas globais A mobilização de Hg é diretamente afetada pelo clima Especiação de Hg resulta em biodisponibilidade diferencial Variação na deposição de Hg sobre a Bacia do Rio Negro em São Gabriel da Cachoeira, AM durante os últimos 40.000 anos 14 -2 -1 12 Deposição de Hg em Lagoa Costeira do NE do Brasil mostrado variações na temperatura global 8 4 2 0 7 6 4100 3260 BP Ano AP 5 4 3 2 1 Depth (cm) 37 34 31 28 25 22 19 16 13 10 7 4 0 1 Hg (µg.m-2.yr -1) LGM Hyatus 6 Lake Caço, MA 8 10 Santos et al., 2001 Efeitos das mudanças climáticas sobre o Hg no Ártico: Aumento da exportação de Hg seguindo o aumento da descarga fluvial para o Oceano Ártico Hg e Carbono não-refratário em sedimentos do Mar de Beaufort . (Carrie et al., 2010). Concentração de Hg em tecidos de peixes do Mar de Beaufort Da mesma forma que no Oceano Ártico, não existem fontes pontuais significativas de Hg para o mar do nordeste brasileiro! Valores relativamente elevados de Hg também tem sido medidos em peixes da plataforma continental do NE (e.g. Marins et al., 2002; Lacerda et al., 2006; Costa et al., 2005). Balanços de massa também tem sugerido maiores fluxos de Hg dissolvido para o mar (Lacerda et al., 2011, Soares, 2011). Entretanto, o efeito das mudanças globais no NE, aliado as mudanças nos usos do solo e barragens, tem reduzido o runoff continental para o oceano! (Marins et al., 2003; Dias et al., 2009; Godoy, 2010; Godoy et al., 2010). ? Quais mecanismos, então, estariam ligados aos aumentos observados? Como esses mecanismos estão relacionados às mudanças globais? Redução de chuvas no Nordeste Redução de 5,6 mm/ano, em média, na chuva anual no Ceará (Moncuil, 2006). A redução é mais crítica na estação seca, com redução de até 3 vezes (Godoy et al., 2010) Como resultado, ocorre a regularização a vazão dos rios (Godoy et al., 2010) Efeitos sobre o transporte fluvial ao mar (Estação Chuvosa) Fluxo positivo ao oceano Velocidade do fluxo (ADCP) em rio semiárido, na estação chuvosa: 4-5 meses Rio Jaguaribe, Fortim, CE Fluxos de enchente menos intensos que de vazante. Contour Variable: Velocity - Direction Contour Variable: Velocity - Direction (deg)1.0 300 Enchente 1.5 1.5 250 2.0 2.0 Dias et al. (2011) Range (m) Range (m) 2.5 3.0 3.5 200 2.5 1.0 1.5 2.0 3.0 150 3.0 3.5 4.0 4.5 4.0 50 4.5 5.0 4.5 5.0 0 5.0 5.5 20 30 40 120 100 80 3.5 100 10 (deg) 140 2.5 4.0 5.5 Vazante Range (m) 1.0 60 40 Efeitos sobre o transporte fluvial ao mar (Estação Seca) Fluxo negativo ao oceano Velocidade do fluxo (ADCP) em rio semiárido na estação seca (78 meses). Fluxos de enchente mais intensos que de vazante. Contour Variable: Velocity - Direction Contour Variable: Velocity - Direction 1.0 (deg) 140 1.5 120 1.0 1.5 1.5 2.0 2.0 2.5 2.5 100 3.0 80 3.5 Range (m) Dias et al. (2011) Range (m) 2.0 1.0 2.5 3.0 3.0 3.5 (deg) 300 250 200 Range (m) Rio Jaguaribe, Fortim, CE 150 3.5 100 4.0 4.0 4.5 60 Enchente 5.0 10 20 Profile Number 140 4.0 4.5 50 4.5 5.0 40 Vazante 5.0 5.5 40 60 80 100 120 140 10 Direction (deg) 20 Profile Number 0 30 40 0 Rio ao Estuário Estuário ao Mar Fluxo positivo permanente Fluxo Chuva de 2009 Fluxo alternado até o estuário superior. Notar o maior volume do estuário ao mar Rio ao Estuário Seca de 2009 Fluxo Balanço hídrico entre marés no estuário do Rio Jaguaribe em período de chuva e seca Estuário ao Mar Plataforma Rio Estuário Pluma Season Seca Dry de 2009 Distribuição de isótopos de O e H ao longo da interface continenteoceano do Rio Jaguaribe 16 14 delta(D) 12 SGD? 10 8 6 4 2 0 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 delta(O-18) Rainy Chuva Season de 2009 30 25 20 delta(D) 15 10 5 0 -4 -2 -5 0 2 4 6 8 -10 -15 -20 delta(O-18) Plataforma Rio Estuário Pluma Bloqueio do fluxo fluvial na estação seca. Zero de contribuição continental Balanço hídrico (m3.s-1)na região do estuário médio do Rio Jaguaribe (Dias et al., 2011) O represamento da massa de água devido ao baixo fluxo fluvial e elevado prisma de maré resulta em tempo de residência da massa de água na região do estuário do Rio Jaguaribe 10 vezes maior na estação seca. Dias Um maior tempo de residência favorece a reatividade dos compostos presentes e isto deve ser verificado em sua especiação química Estação Seca Estação Chuvosa Especiação relativa de Hg na estação seca e de chuvas no estuário do Rio Jaguaribe 5 4 3 2 1 0 SECA Hg-P (ng.L-1) CHUVA Hg-D (ng.L-1) Espécies dissolvidas de Hg dominam o estuário na estação seca Rio Estuário Mar Hg no material particulado suspenso Hg+ Hg Hg Hg Concentrações de Hg (112 ng/g) são maiores no TSS durante a estação seca que na chuvosa (64 ng/g) sugerindo diluição durante a chuva. Concentrações menores em ambas as estações no material exportado ao mar sugere acumulação de TSS rico em Hg no estuário e dessorção de Hg para a coluna de água. Rio Estuário Mar Hg particulado Hg+ Hg Hg Hg Concentrações de Hg particulado (2,2 ng/g) são maiores durante a estação seca que na chuvosa (0,9 ng/g) sugerindo diluição durante a chuva. Concentrações menores em ambas as estações no material exportado ao mar sugere acumulação de Hg particulado no estuário e dessorção de Hg para a coluna de água. Na estação chuvosa ocorre exportação de Hg particulado. Rio Estuário Mar Hg dissolvido Hg+ Hg+ Concentrações de Hg dissolvido (3,7 ng/L) em águas são maiores na estação seca comparada com a estação chuvosa (<0,1 ng/L) e sugerem a geração de espécies dissolvidas durante o tempo de residência mais longo da massa de água na estação estuarina. Parte significativa deste Hg é exportada ao mar. Exportação de Hg particulado do Rio ao Estuário ocorre apenas em médias e altas vazões, de Hg dissolvido apenas em vazões próximas a zero Rio para o Estuário 10 5 0 -5 0 100 200 300 400 Chuva vs Transporte -10 -15 -20 Hg Dissolvido -25 Hg Particulado Estuário para o Mar 8 6 4 Exportação de Hg particulado do Estuário ao Mar ocorre apenas em altas vazões, de Hg dissolvido também apenas em vazões próximas a zero 2 0 -2 0 100 200 300 400 Mecanismos envolvidos no aumento de espécies dissolvidas (biodisponíveis) de Hg, favorecidos pelo aumento do tempo de residência da massa de água na região estuarina Desorção de Hg adsorvido à partículas em suspensão pelo efeito da alta salinidade Formação de complexos organo-mercuriais Incorporação fitoplanctônica associada as condições de maior transparência Exportação de águas intersticiais de manguezais Ø Sedimentos de mangues acumulam Hg precipitado como sulfetos, devido às condições anóxicas e ao metabolismo baseado na redução dissimilatória de sulfato. Parte destes sulfetos são dissolvidos pela intensificação da erosão devido a diminuição da descarga fluvial e aumento do nível do mar. Ø A baixa eficiência da respiração anaeróbica na decomposição da matéria orgânica também resulta na produção de compostos orgânicos dissolvidos (COD) que formam complexos com o Hg mantendo-o em solução nas águas intersticiais e facilitando sua exportação. Pires & Lacerda (1997) Lacerda (1998) Lacerda (2007) Produção de complexos organo-metálicos Profundidade (dm) Hg total dissolvido (ng/l) DOC (mg/l) 4 3 2 1 0 5 10 15 20 Especiação de Hg em águas intersticiais de manguezais Concentração Hg (ng/l) 0 Lacerda et al. (2001a); Mounier et al. (2001) 0,5 1 1,5 2 2,5 3 Profundidade (cm) 5 15 30 50 Lacerda et al. (2001b) DGM HgII-react Hg-org Hg-total 3,5 Aumento das áreas de sedimentação no estuário do Rio Jaguaribe entre 1988 e 2008 (Godoy, 2010) No. Islands % Change 14 12 10 8 6 4 2 0 Total area (sq. km) Outubro, 2009 Agosto, 2010 Expansão de manguezais em estuários sufocados do Semi-árido Lacerda & Godoy (2010) Vetores indutores da expansão de manguezais em 27 estuários do litoral semiárido do nordeste brasileiro. Base de dados: Landsat, SPOT & Quickbird de 1999 a 2006. (Maia et al., 2006; Lacerda et al., 2007) Novas áreas de mangue 16% Áreas alteradas por obras de 25% engenharia Áreas alteradas 29% sem intervenção direta. Mudanças globais? 30% Áreas alteradas por barragens Além dos efeitos das mudanças globais e regionais diretamente sobre a área do baixo Jaguaribe, teleconexões & transferência em larga escala também podem afetar o tempo de residência e eventualmente aumentar a exportação de Hg biodisponível às cadeias tróficas marinhas? A distribuição espacial e temporal das massas de água estuarina, da pluma, da plataforma continental e talude mostram a presença de pluma fluvial na estação chuvosa e o avanço da água oceânica ( ) para a costa, principalmente no período seco. Plataforma interna Chuva Seca Plataforma média e externa Chuva Seca Bloqueio da massa de água estuarina aumenta seu tempo de residência no estuário médio na estação seca. Zona de mistura Atlântico Sul está se alterando em resposta a Mudanças Climáticas Globais (Slide cortesia Dr. Edmo Campos, USP) Por exemplo, o vazamento das Agulhas tem aumentado nas últimas décadas, alterando a circulação do Atlântico Sul (Biastoch, A., C.W. Böning, F.U. Schwarzcopf and J.R.E. Lutjeharms, Nature 462, 495-498, Nov/2009). Pesquisas brasileiras confirmam esses resultados {E. Campos; Clim. Dyn. (2009); Rodrigues & Campos; J. Climate (2011)} 3 1 A Zona Costeira do Brasil não está isolada do resto do Oceano ! (Slide e Modelo, cortesia Dr. Edmo Campos, USP) REMO A circulação nas camadas superiores ao largo da costa do Brasil é parte de um “SuperGiro” conectando o Atlântico Sul e o Oceano Índico. Águas do Índico “vazam” para o Atlântico Sul, constituindo um elemento chave na Circulação Termohalina Global. Cortesia Dr. Edmo Campos, USP. O paradoxo Ártico Aumento do bloqueio das massas de água aumenta o tempo de residência, a intrusão salina e a deposição de material continental na zona estuarina e deltaica. Hg-Org Os fluxos continentais não sofrem necessariamente alterações quantitativas, porém sofrem alterações qualitativas, com o aumento de espécies reativas e biodisponíveis. Por exemplo de Hg. O aumento de espécies reativas resulta em aumento na incorporação biológica e eventual exposição humana. Hg em Cephalopholis fulva do mar cearense (Lacerda et al., 2006) Conclusão O cenário descrito sugere fortemente que o efeito do bloqueio das águas na maior parte do ano devido as condições semiáridas do nordeste brasileiro, resulta em maior disponibilização de elementos químicos, incluindo o Hg, com efeito final análogo ao fenômeno descrito nos rios que deságuam no Oceano Ártico. Também de forma similar, as mudanças climáticas globais afetam fortemente estes mecanismos, aumentando a mobilização de substâncias trazidas aos estuários pelos rios do Semi-Árido e aumentando a exportação líquida de formas biodisponíveis de poluentes para o oceano. As bases da teoria proposta acima foram estabelecidas em colaboração com diversos colegas, principalmente: Rozane Valente Marins, Jose Marcos de Oliveira Godoy & Francisco José da Silva Dias e discussões com os demais pesquisadores do INCTTMCOcean. Agradeço em particular a Edmo Campos e Belmiro Castro (USP) pela discussão dos aspectos de larga escala. Hipóteses geradas pela teoria vem sendo testadas por pós-graduandos e estagiários do Laboratório de Biogeoquímica Costeira, principalmente: M.D.P. Godoy, T.M. Soares, B.G.B. Costa, L.V. Fonseca A todos muito obrigado!