A Noção do Ser na Filosofia de Ibn Sina (Avicena)

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A Noção do Ser na Filosofia de Ibn Sina (Avicena)
Francisco Saullo Vital da Silva1
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Resumo: Neste trabalho propõe-se verificar a concepção do Ser apresentada na
Obra Al - mabda’wa al-ma’ ad (A origem e o retorno) do filosofo persa Ibn Sina
(Avicena). O Ser para o filósofo pode ser dividido em 3 categorias ou seres, um
maior (criador) e dois menores (criação). O criador é o Ser Necessário por si
mesmo e a criação é designada como sendo o Ser Necessário por intermédio de
outro e o Ser Possível. Explicitando que a criação também possui o poder de criar
outros seres iguais a eles mesmos é possível encontrar uma contradição de
atributo e emanação na obra. Entenderemos melhor com a seguinte questão:
como é possível que o Ser Necessário por si mesmo ser a essência dos seres que
são criados pelos Seres Necessários por intermédio de outro, sendo que, para
haver a existência dos seres Possíveis, não é necessário o consentimento da
causa? Portanto, o criador pode dar existência às criaturas por necessidade
natural e não por livre vontade, ou melhor, ele não tem controle sobre o
desenvolvimento da sua criação, pois ele não pode interferir no processo criativo
dos seres que serão causas ou “subcausas” de criaturas.
Palavras-chave: Avicena – Criação – Ser – Ser Necessário por si – Ser Possível.
Riassunto: In questo lavoro mi propongo di verificare la concezione dell’Essere
presente nell’opera Al - mabda’wa al-ma’ ad (L’origine e il ritorno) del filosofo
persiano Ibn Sina (Avicena). L’Essere per il filosofo può essere diviso in tre
categorie o esseri, un maggiore (creatore) e due minori (creazione). Il creatore è
l’Essere Necessario per se stesso e la creazione è designata come l’Essere
Necessario e l’Essere Possibile. La creazione è designata come l’Essere
Necessario per mezzo di altro e l’Essere Possibile. Esplicitando che anche la
creazione possiede il potere di creare altri esseri uguali a loro stessi è possibile
trovare una contraddizione di attributo e emanazione nell’opera. Possiamo
comprendere meglio con la seguente questione: Come è possibile che l’Essere
Necessario per se stesso essere l’essenza degli esseri che sono creati dai Esseri
Necessari per mezzo di altro, dato che, per avere l’esistenza dei esseri Possibili,
non è necessario il consentimento della causa?
Pertanto, il creatore può dare l’esistenza alle creature per necessita naturale e non
per libera volontà, oppure, lui non può avere sotto controllo lo svilupparsi della sua
creazione, già che lui non può interferire nel processo creativo degli esseri che
saranno cause o “sotto cause” di creature.
Parole chiavi: Avicena – Creazione – Essere – Essere Necessario per se –
Essere Possibile.
1
Graduando na área de licenciatura em filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – INSAF, Recife - PE
1 Introdução
O presente trabalho pretende analisar a concepção do Ser na filosofia do
pensador árabe Ibn Sina, ou Avicena, como é conhecido no Ocidente. Durante
muitos anos, desempenhou um enorme papel fora do pensamento Oriental e
contribuiu enormemente para evidenciar as obras de Aristóteles. Tomando esta
tarefa como possível, buscou-se a leitura e interpretação da tradução de um dos
escritos de ‘Abu ‘Ali al-Hussain Ibn Allah Ibn Al-Hassan ibn ‘Ali ibn Sina (Avicena).
Ele viveu entre o séc. X e o XI (980-1037) da nossa era 2, seu livro foi traduzido
como Ibn Sina (Avicena): a origem e o retorno.
A obra Al - mabda’wa al-ma’ ad3, é dividida em 3 tratados, sendo o
primeiro dedicado ao tratado sobre “a confirmação do princípio primeiro de tudo,
que é chamado de Ser Necessário por si próprio; o segundo, sobre a unicidade
deste Ser que é o princípio de tudo; e o terceiro é a enumeração de seus atributos
peculiares
frutos
da
essência
do
ser”4.
Expressaremos
aqui
algumas
considerações de caráter explicatória acerca do pensamento do nosso filósofo
persa que ao longo da falsafa5 irá desempenhar um papel muito importante, como
já foi expresso no início.
Além de sua própria filosofia, Avicena fundamenta-se nas concepções de
grandes filósofos, as quais, ao longo do tempo, tiveram influências fortes e
sustentadoras de muitos outros pensadores tanto do Oriente como do Ocidente.
Essas influências são dos neoplatônicos, especialmente Plotino com sua teoria
que “o é mundo ordenado por um princípio primeiro” (GUERERO, 2004. p. 23);
Aristóteles com sua teoria da causalidade (tudo que está no mundo possui uma
causa que gera sua existência) e como bom muçulmano, possui elementos da
leitura e da interpretação do livro sagrado do islamismo, o Alcorão. Este que não
poderia deixar de influenciar, já que ele tinha um grande domínio deste livro desde
2
ISKANDAR, Jamil Ibrahim. A origem e o Retorno: Avicena (Ibn Sina). São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. III
3 Idem, p. 15.
4 ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Tradução do Árabe para o Português dos 15 primeiros capítulos
do artigo Primeiro da obra “Al – Mabda’ Wa Al – Ma’ad” (A origem e o Retorno) de Avicena.
Dissertação (mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica São Paulo. São Paulo.
1993. p. 04.
5 Este termo significa Filosofia, mas neste texto estará no sentido mais estrito a um conjunto de
pensadores Árabes.
sua infância. Também percebe-se no filósofo persa que há elementos da filosofia
do segundo grande mestre da falsafa, AbūNasr Muhammad Ibn Muhammad Ibn
Tarjān Ibn Uzalag Al-fārābī ( 872- 950 d. C./ 259-339 H)6, no que se refere a
primeira noção e caracterização do Ser em Necessário e Ser Possível, e assim
promovendo um salto de amadurecimento na visão de mundo no aspecto de que o
real e o divino se ligaram em uma só para a formação mística do espiritual no
oriente.7
Para Ibn Sina, O Ser divide-se em três aspectos: o Ser Necessário por si
próprio, o Ser Necessário por intermédio de outro e o Ser Possível. O primeiro é
considerado Deus (criador), já o segundo e o terceiro estão relacionados como
sendo a criação material, tanto humana quanto os seres da natureza.
2 Compreensão e reconstrução do tema abordado
Procurando explicar a idéia de Ser necessário por intermédio de outro, Ser
Necessário por si próprio e o Ser possível é a nossa primeira atitude neste
trabalho e para isso usaremos os dois artifícios estruturador do pensamento
aviceniano. São as ciências: a metafísica e a física. Ao iniciar sua obra já
expressando o modo como vai utilizar essas formulas:
(...) a realidade do que se encontra entre os peripatíficos e o que
abstiveram sobre a origem e o retorno. Este meu tratado contém os frutos
de duas ciências designadas por metafísica, e a segunda é a ciência que
designada por física. O fruto da ciência que é a metafísica é à parte
desta, conhecida como “teologia”, que versa sobre a divindade, o
princípio primeiro de todas as coisas e a relação dos seres com ele,
segundo seus graus. O fruto da ciência que é a física é o conhecimento
da permanência da alma humana e que ela está sujeita ao retorno. 8
6
ATTIE FILHO, Miguel. Falsafa: a Filosofia entre os árabes: uma herança esquecida. São
Paulo: Editora Palas Athena, 2005. p. 195.
7 Idem, p. 197.
8
ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina): A origem e o retorno. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
p. 03.
2.1 O Ser Necessário
Na concepção de Avicena o Ser necessário é o ente que gera vários outros
seres. O Ser Necessário por si não possui causa, não tem matéria (corpo), é
inteligível por si, não está sujeito a acidentes e é uno. Não é possível que ele seja
uma coisa necessária simultaneamente por si própria e por intermédio de outro,
pois caso apresente esta condição de necessariedade de dependência do outro
Ser, ele passará a ser por si mesmo um Ser possível.
Para Avicena, o Ser Necessário por si próprio tem uma unicidade pois “não
é possível que de dois elementos saia um que seja necessário por intermédio de
outro” 9, pois não existe um “ser necessário por ‘pluralidade’, sob qualquer
aspecto”
10.
Conforme já expresso nas distinções de uma e da outra, em que um
não pode ser necessária por si mesma e por intermédio de outro ao mesmo
tempo, Avicena diz que cada um possui a necessidade de ser não por si só, cada
um possui a possibilidade de ser por si. “Para isto acontecer Avicena nos expressa
que para ser um possível Ser por si é necessário que haja uma causa para seu
ser, ou melhor, para sua existência”. Sendo assim possui causas externas, e não
será um Necessário Ser.
O Ser necessário é inteligível por si e não é totalmente sensível por si.
11
Isso que, por ele não ser corpo, e não está em nenhum lugar, e nem está sujeito
aos acidentes que os corpos comportam, ele é inteligível em ato. Todo Ser
Necessário por si é bem puro; sendo o bem geral é o que todas as coisas buscam
e pelo qual aperfeiçoam o Ser.
O Ser Possível não é um bem puro, porque sua essência por si mesma não
tem necessidade de ser pura; pois a seu Ser por si mesmo comporta a privação
sob determinados aspectos. Ele não está isento de todos os aspectos do mal e da
imperfeição. Portanto, só o Ser Necessário por si próprio é perfeito e totalmente
puro. Vale contar que a essência primeira possui uma grandiosa pureza de “bem”
que fica útil e benéfico para a perfeição de todas as coisas.
9
Idem, p. 35.
Ibdem, p. 43.
11 Está no sentido de que não é absolutamente perceptível aos sentidos humanos.
10
2.2 Ser Possível
Tudo que possui a concretização de sua existência a partir da
intermediação de outro, ou seja, de uma causa se torna, por sua essência, um Ser
Necessário por intermédio de outro. Esse só passará a torna-se um Ser Possível
quando possuir uma causa que gere sua existência, ou seja, para se tornar um
Ser possível é necessário que haja uma essência, que seja anterior ao todo do
Ser, pois se não houve uma essência anterior ao Ser possível, o mesmo não é um
possível Ser e sim um Ser Necessário por si mesmo, mas este Ser só existe um,
que não foi criado e nem gerado por nenhum outro.
Avicena, na obra A origem e o retorno, afirma essa possibilidade e a diferenciação
da essência de Ser Possível que também pode ser um Ser Necessário por
intermédio de outro na seguinte passagem:
(...) Todo ser possível ou é por si mesmo, ou é por certa causa; se for por
si mesmo, então ele próprio é ser necessário, não é um ser possível, e,
se for por certa causa, ou seu ser é necessário com esta causa ou fica
como estava antes do ser da causa; e isto é absurdo, (...), então, é
preciso que seu Ser seja necessário com o ser da causa. Portanto, todo
ser possível, por si, somente é ser necessário por intermédio de outro 12.
Desta forma Avicena expõe a diferença entre o Ser Necessário e o Ser
Possível e explica que o necessário Ser quando é por intermédio de outro se torna
um Ser possível. Fica caracterizado desta maneira o Ser Possível e o Ser
Necessário em sua unicidade de Ser por si próprio e não por intermédio de outro.
Podemos caracterizar mais esse Ser como uma essência material e que é
possível para a existência, pois, possui matéria de corpo, forma; é divisível e está
sujeito a acidentes, ao contrário da essência do Ser Necessário por si próprio que
não é corpo, nem matéria de um corpo, nem forma de um corpo, nem matéria
12
ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina) A origem e o Retorno. São Paulo: Editora
Martins Fontes, 2005. p. 30.
inteligível, muito menos possui forma inteligível numa matéria inteligível; ele não é
divisível, nem na quantidade, nem em princípios, nem no enunciado, nestes três
aspectos ele passa, porque é uno.
3 Problemática e Percepção de Comentadores
Após várias leituras sistemáticas da obra Ibn Sina (Avicena): A origem e o
retorno, é possível perceber o surgimento uma problemática referente à criação do
Seres Possíveis e Necessários por intermédio de outros. Esse problema é no
momento uma lacuna que difere da essência criadora que pode ser ou não
solucionada pelas leituras complementares e que influenciaram muitos outros
filósofos da idade medieval ocidental.
A problemática encontrada na obra de Ibn Sina é a seguinte: Como pode o
Ser Necessário por si mesmo ser a essência dos seres que são criados pelos
Seres Necessários por intermédio de outro? Sendo que para haver a existência
dos seres Possíveis não é necessário o consentimento da causa?
Se o Ser Necessário (Criador) criar suas obras por necessidade natural
mostra uma contradição em um dos seus atributos (liberdade), pois ele não
possuirá um atributo tão forte, caso ele próprio não possua este elemento para
fazer sua criação quando Ele quiser ou bem entender. Assim sendo, não é
possível que nele exista o fator liberdade no aspecto puro. Não possuindo esta
característica o criador passará a ser uma agente que cria e recria ao longo do
tempo, ou melhor, Deus só será o primeiro “ponta-pé” da criação dos possíveis, já
que ele não possui liberdade para parar a criação quando ele quiser.
Outros leitores de Avicena também encontraram este mesmo problema,
mas com formulação diferente, tentaram resolver, mas alguns só fizeram uma
“correção” no pensamento do filósofo persa. Já outros tentaram “provar com a+b”
que esta teoria da criação como necessidade natural está completamente errada e
seria uma verdadeira blasfêmia diante do Ser Criador. Veremos aqui alguns
artigos que nos ajudaram a compreender mais a problemática.
Dentre os filósofos que buscam criticar o pensamento da vontade natural,
está Tomás de Aquino contemplado no nosso primeiro conjunto de artigo do Dr.
Alfredo Ostorck, intitulado como Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de
Aquino crítico de Avicena. É neste texto que Ostorck explana o pensamento de
Tomás e a influência de Avicena sob sua filosofia “tomasiana” em que se é bem
conhecida em toda a idade média. A historiografia contemporânea é abundante
em obras que mostram a evolução do pensamento de Tomás na influencia crítica
de Aristóteles, Avicena e Averróis13. O Doutor da igreja soube beber e aproveitar
com tanto vigor as suas fontes bibliográficas que as ultrapassou criando um novo
pensamento.
No artigo é buscado apenas assimilamento da interpretação “tomásica”
14
de Avicena sobre a possibilidade. O texto também mostra que Aquino retoma as
linhas das críticas do filósofo Guilherme de Auvergne na teoria da enamação dos
seres a partir de um princípio primeiro (Deus), mas suas críticas se voltam mais
ainda pela certa interpretação da noção aristotélica de possibilidade que Avicena
fez na sua falsafa.15
Tomás de Aquino crítica abertamente a teoria aviceniana da emanação dos
seres a partir do Ser Necessário por si próprio (Deus) em seu livro Suma contra os
Gentílicos, escrito em 1261, em que se colocado explicitamente o grande
problemas da teoria do filósofo árabe16 de que Deus não age por necessidade
natural. O argumento que crítica Avicena gira em torno da noção de possibilidade
que Tomás havia apresentado em seu capítulo anterior da sua obra quando da
demonstração da tese segundo a qual “o poder de Deus se estende sobre todas
as coisas possíveis”.
No livro De Potentia, de Tomás de Aquino, obra dirigida incontestavelmente
contra Avicena, é explicitada a sua compreensão da possibilidade e ele distingue
duas acepções da expressão de possibilidade. Como há tipos de potência, ativa e
passiva, há também dois tipos de seres possíveis. O ativo que expressa Tomás
13
Filosofo Árabe que criticou duramente a metafísica de Avicena.
Expressão usada pelo Autor para referir-se ao pensamento de Tomás de Aquino alicerçada em Avicena.
15 0STORCK, Alfredo. Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de Aquino crítico de
Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. p. 152.
16 Quando citado “filósofo árabe” é uma referência.
14
dependeriam da existência de um agente exterior que lhes confere existência 17, ao
passo que os passivos exigem uma capacidade intrínseca presente nas coisas já
existentes. Os primeiros são empregados para dar conta da ação humana e
mesmo de um agente em geral, enquanto os segundos caracterizam a
necessidade natural. O Ser possível não considerado por relação á noção de
potência, mas por si na sua essência primeira.
Desta maneira, Tomás classifica dois tipos de Seres Possíveis: “(a) o
possível metafórico, como quando o geômetra atribui potencialidade a linhas e
pontos; b) o possível absoluto, quando os termos que exprimem não se excluem
mutuamente”. Ainda que seja possível conceber uma noção de impossibilidade
correspondente a cada um desses tipos de possibilidade, Tomás de Aquino
prefere acentuar o impossível em sentido absoluto, ou melhor, o contraditório ou
que implica contradição. Toda esta noção o doutor católico se baseia a partir da
leitura de um dos livros mais importantes de Aristóteles, a Metafísica.
Para estabelecer a classificação, Tomás de Aquino teve de permanecer fiel
a um fundamento ontológico para os possíveis, fundamento esse que encontra
como o pensamento de Guilherme de Auvergne, na essência de Deus. A tese se
tornará mais clara e evidente a partir da questão: “ser logicamente possível
equivale, a mesma coisa de possuir um ser lógico?”.
A resposta a esta questão deixada por Avicena vai ser analisada e resolvida
por Tomás baseado nas obras Aristóteles e Averróis. Ostorck dá a seguinte
interpretação:
(...) os possíveis seriam reflexo da essência divina que é imitável pelas
criaturas. Eles são consubstanciais a Deus e que, em se conhecendo a si
mesmo, Deus os conhece todos ao mesmo tempo em que se conhece
como capaz de produzi-los. 18
Assim, Tomás de Aquino afirma que para dizer que uma coisa é um Ser
Possível seria o mesmo que dizer que sua noção de ser não é contraditória
17
Para Avicena este seria o Ser Necessário por intermédio de outro.
0STORCK, Alfredo. Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de Aquino crítico de
Avicena. In: Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. p. 142.
18
porque os predicados não se opõem de modo a excluir o Ser criador. Desta
maneira, começa-se a excluir dois princípios para explicar a noção de
possibilidade do Ser: o princípio ontológico (sua ratio essendi) que é a essência
divina; segundo é o princípio lógico (sua ratio cognoscendi) que é o princípio de
não-contradição.
Seguindo as obras de Aristóteles, Tomás de Aquino compreende o
“contraditório” como a incompatibilidade entre o sujeito e o predicado em uma
proposição. Mas também é acrescentado na teoria um elemento tomasiano de o
fundamento da referida incompatibilidade ontológica: a essência divina, ou seja, a
essência do Ser Necessário por si próprio está presente em todos os serem
criados por ele.
19
Esta tese é bastante forte principalmente porque Tomás vai
caminhar para um novo rumo que será a definição dos tipos de Seres Possíveis.
O Ser possível por potência é o mais importante, e se dá através dos
seguintes princípios: da substância que não tem atualmente uma propriedade à
substância que possui atualmente uma capacidade interna que torna capaz de
possuir uma propriedade em um momento futuro. Assim se dá o desígno da
criação e crítica à noção de Avicena de que os seres possíveis não são criados
por Deus e sim criações naturais e eternas.
Ao término deste primeiro artigo é percebido a conclusão de Tomás de
Aquino a respeito da pontecialidade divina na criação dos seres na tese de
Avicena, que ele não teria percebido no caso da criação divina que a situação é
distinta. Sendo onipotente, Deus pode criar tanto a matéria quanto à forma. Deus
conhece, portanto, não somente a forma, princípio da universalidade, mas também
a matéria, princípio da particularidade do Ser Possível. É por esta razão que
Avicena reduz a sua tese da criação dos Possíveis (causalidade divina) a uma
causalidade natural. Deus pode criar uma pluralidade de coisas, é porque ele
conhece e “pensa primeiro que sua criação”.
19
Esta teoria também é defendida por Avicena quando ele coloca que o criador (Ser Necessário
por si próprio) cria suas criaturas (Seres possíveis e os Seres Necessários por intermédio de
outro).
O segundo texto analisado foi Eternidade, Possibilidade e Indiferença:
Henrique de Gand leitor de Avicena, publicado na revista Analytica do
Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de São Paulo, no ano de
2005. Este artigo vem mostrar o princípio problemático que Henrique de Gand
encontrou na filosofia de Avicena, quando ele também compreendeu a ação divina
como um processo natural excluindo o plano da liberdade e a vontade divina, ou
melhor, Deus teria criado o mundo por necessidade natural. Problemática esta que
já outros filósofos (Guilherme de Auvergne e Tomás de Aquino) tentaram decifrar
durante a idade média e que será visto posteriormente. Isto tudo deve-se pelo fato
da existência de dois elementos chaves que encontram-se nos filósofos: a
distinção entre causalidade natural e racional e as noções de possibilidade dos
seres na criação são fatores importantes para ajudar a decifrar o problema
aviceniano.
Osterck expressa que Henrique de Gand precisou introduzir uma nova
noção de potência para dar conta da criação, mas esta noção é retirada
precisamente de Avicena, justamente o filósofo que deveria ser criticado. O artigo
é apresentado em três partes: a primeira concentra-se nas críticas feitas ao
modelo aviceniano da emanação e as outras duas partes são consagradas á
noção de possibilidade na obra do Doutor Solene20, mas não será construída a
teoria na sua complexidade, pois o artigo se limita apenas na consideração dos
elementos avicenianos presente no pensamento e na maneira como Henrique
retoma por conta própria a noção aviceniana de possibilidade após tê-la
“depurado” de seus principais inconvenientes.
Na primeira, são colocadas a criação e possibilidade em evidência, ou
melhor, Avicena põe a caracterização da criatura como possível por sua natureza,
é demonstrado que sua existência supõe necessariamente a intervenção divina.
Nesta parte Henrique de Gand consiste em simultaneamente corrigir e aprofundar
a prova demonstrando não somente a importância do ato livre criador para
explicar a existência da criatura como também a necessidade dessa começar a
existir no tempo.
20
Doutor Solene é um sinônimo usado pro Alfredo para designar Henrique de Gand
Tudo se passa como se Avicena houvesse realizado somente a metade da
prova, pois ele teria razão em estabelecer a relação entre a existência dos
possíveis (criaturas) e a existência do ser necessário (Deus). O filósofo persa
errou ao explicar a dependência pelo modelo da causalidade natural, mas
Henrique acredita poder provar a não-eternidade do mundo partindo da noção de
criatura e acrescentando algumas qualificações à noção aviceniana de essência,
pois a teoria de Avicena é para ele uma tese herética, já que, dizer que a criação
se produz por necessidade natural é uma heresia que exclui a liberdade divina.
Para resolver a questão, Ostorck escreve que Henrique de Gand passa ao
objeto central da questão e oferece uma nova formulação por intermédio das
noções de possibilidade lógica e potência divina: “Se é possível para a criatura
existir eternamente e se Deus pode produzir tudo o que pode ser produzido, então
Deus pode criar o mundo para o eterno” 21. O fundamento para esta argumentação
é ilustrada em uma metáfora que Henrique julga ser a mais adequada: “se o sol
tivesse existido eternamente, teria eternamente criado um raio, mas o raio
continuaria a existir apenas em virtude da existência do sol”
22.
Desta maneira é
possível se checar que o homem só está presente por causa da existência de
Deus.
Neste ponto, a teoria aviceniana da emanação é analisada por Henrique em
três teses acerca do Ser das criaturas. A primeira sustenta possuírem sua
existência ab alio, sem possuírem um não-ser mental ou real por si ou pela
natureza de sua essência. As duas teses restantes compartilham a atribuição de
um não-ser às criaturas consideradas em si e em sua natureza. São, no entanto,
distintas, uma vez que os filósofos admitem apenas um não-ser mental, negando o
não-ser real, enquanto a nação católica sustenta tanto um não-ser real quanto
mental anteriormente à existência real das criaturas. Henrique filia-se à opinião
dos católicos, mas, opondo-se a muitos de seus contemporâneos, reconhecendo
tratar-se de uma tese a ser racionalmente demonstrada e não uma simples
afirmação dogmática da teologia cristã.
21
OSTORCK, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Indiferença: Henrique de Gand leitor de
Avicena. in: Revista Analytica, Vol. 09. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2005. p. 139.
22 Idem, p. 142.
Conclui-se que, ao analisar as noções de possibilidade e eternidade na
teoria aviceniana da emanação, Henrique de Gand adota praticamente a mesma
posição de Guilherme de Auvergne e Tomás Aquino. Contudo, também nota-se
que quando Henrique tenta apresentar sua própria teoria da eternidade e da
possibilidade, ele revela-se mais próximo de avicena do que os pensadores
medievais, fazendo assim somente uma reformulação da teoria do filósofo persa.
No terceiro artigo, chamado de Eternidade, Possibilidade e Emanação: Guilherme
de Auvergne leitor de Avicena, escrito também por Alfredo Ostorck, em 2003,
mostra as observações do emanacionamento de tipo aviceniano que será
duramente crítica no século XIII por eliminar a liberdade divina, transformando
Deus em um Ser que age segundo as leis da natureza. Duas posições foram
marcantes, a de Guilherme de Auvergne, inspirada em Agostinho e Tomás de
Aquino, e em certa interpretação de Aristóteles, que funda os seres possíveis
como não vontade do intelecto divino.
Visando explicitar a diferença radical entre o ser de Deus23 e o da criatura24
Guilherme de Auvergne propõe diferenciar o ente cuja existência lhe pertence de
maneira essencial daquele que possui por participação. Apoiado pelas suas fontes
ele conclui que a “distinção de Deus e as criaturas se deixam explicar pela
distinção entre o simples e o complexo. Deus é simples, uno, indivisível,
necessário, eterno, incorruptível e não causado, ao passo que as suas criaturas
são múltiplas, não necessárias, corruptível, causadas e compostas”
25.
Esta teoria
de Guilherme se mistura à teoria da criação de tudo feito por Avicena que depois
será decomposta por outros filósofos da idade média.
A análise da interpretação de Guilherme sobre os textos de Avicena
denunciará que a metafísica do filósofo persa é fundada em um sistema
emanacionista e necessarista. No que implicará ser uma interpretação errônea
dos textos de Plotino e da teoria da metáfora do artesão. Ao decorrer das críticas
do bispo parisiense se é percebido que os “normalistas tomavam os enunciáveis
23
Para Avicena Deus é o Ser Necessário por si próprio.
O Ser da criatura para Avicena é classificado como sendo Ser Possível ou Ser Necessário por
intermédio de Outro.
25 OSTORCK, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Emanação: Guilherme de Auvergne leitor
de Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003.
24
como objetivos do conhecimento divino não mutável, sendo, portanto artigo
(resultado) de uma grandiosa fé”26 não sujeita a “mudanças, invariáveis quanto ao
valor de verdade e independente de toda referencia temporal”, assim será sempre
anunciado como verdadeiro sobre todas as hipóteses lógicas.
Guilherme de Auvergne defendia sua argumentação fazendo a seguinte pergunta:
As verdades eternas são independentes de Deus ou abras da vontade divina? E
expressa ainda que:
(...) A causa, porém, e a ocasião para esse erro forneceu-a uma outra
opinião das mais estultas e injuriosas para o criador, (...) ou é verdade
ou é mentira, fossem todos eles desde a eternidade e tivessem o seu
modo de existir por si separadamente das criaturas e de todas as
operações de Deus, não tenham sido feito pelo seu criador (...). 27
Como é possível, expressa o bispo parisiense na citação acima, que se o
Ser da criatura for por si só independente da vontade divina então nos seres
possíveis serão “elementos eternos e que não necessitaram de Deus para existir”
e isso é inaceitável que ocorra, pois para poder ele existir precisaria de um
elemento formador anterior a ele que pudesse lhe sustentar quanto materialmente
como inteligível.
Ao escrever seu livro O Universo, Guilherme de Auvergne coloca que
Avicena construiu seu pensamento numa interpretação errada da metafísica de
Aristóteles, para ele o mundo não pode ser formado a partir de seres possíveis, já
que para isso acontecer é necessário, como foi expresso acima, que haja uma
criação ou estrutura anterior ao criado, para um “espelhamento” de “vontade e
representação”. Desta maneira supõe que a existência de “possíveis eternos” e
independentes da vontade divina ou superior.
No texto é exposto que Avicena em sua obra Metafísica declara que o Ser
Necessário por si mesmo (Deus) não possui um domínio sobre a sua criação, Ser
Necessário por intermédio de outro, quando o criado estabelece uma nova filiação,
26
Idem, p. 156.
STORCK, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Emanação: Guilherme de Auvergne e Tomás
de Aquino leitores de Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP,
2003. p. 118.
27
ou melhor, Deus ou Ser Necessário por si próprio só participa da criação por
necessidade natural. Sendo assim, o Ser Necessário por si próprio não possui
vontade para exercer sobre as futuras criações.
28
Ao ler esta análise das teorias avicenianas Guilherme de Auvergne discorda
totalmente e parte para a hipótese de que para Deus criar o mundo bastaria ele
dizer uma palavra. “O Ser Necessário por si mesmo não se utiliza nada mais que
da própria palavra: Fiat”. Mas ao afirmar isso Guilherme coloca um problema que
ele mesmo tentará resolver. Assim ele tem a sua problemática: “(...) Como é
possível, contudo, que por meio de uma única palavra Deus pudesse ter criado a
imensa pluralidade de coisas existentes?” Desta maneira ele conclui que esta
palavra utilizada pelo Ser Necessário por si próprio significaria varias coisas,
violando assim o princípio de univocidade de significação. O bispo parisiense
delimita ainda mais o problema na seguinte pergunta: “Como Deus pode, por meio
de uma única palavra, criar uma pluralidade de seres de naturezas distintas?”.
Para resolver este dilema Guilherme usa a análise a do uso da linguagem
como meio de significação e conclui apoiando-se em Agostinho, fazendo a
sustentação na seguinte forma: “a teoria geral do símbolo mostra que para, que
algo seja um símbolo, deve haver entre dois usuários um acordo acerca do modo
de interpretar o símbolo. A univocidade da significação é constituída pelo acordo”.
Assim ele Exemplifica:
(...) Um sujeito A que transmite, por meio do símbolo S, a
mensagem M, ao sujeito B. Se A transmite, por um símbolo S várias
mensagens ao sujeito B, pode-se falar em equivocidade. Todavia, se A
transmite pelo símbolo S várias mensagens a sujeitos distintos, a
univocidade é preservada, pois S simbolizará uma só coisa para C e
outra para D.
Aplicando esta explicação à criação divina, Guilherme conclui que “Deus
teria usado uma única palavra para criar uma pluralidade de naturezas e, ao fazer
isso, ele teria agido como um general que informa as diversas unidades de seu
exército empregando um único símbolo”. Assim é criticado Avicena por ter
interpretado o modelo do artesão humano de maneira demasiadamente literal,
28
Esta se referindo aos Seres Possíveis.
sendo esse o motivo para a exigência de dois instrumentos eternos para a criação
divina: a matéria e a forma.
Avicena faz-se mesmo crítico da tese platônica de que as idéias divinas
estão fora de Deus, pois ele interpreta partindo de considerações latinas ao
acentuar o papel das idéias divinas para a criação do mundo. Sua teoria
permanece, contudo, “herética ao supor, em última instância, um estatuto próprio
para os Seres Possíveis independentemente da vontade divina”. Ibn Sina coloca
em sua obra Metafísica que “a natureza não opera por escolha ou vontade, mas
como um servidor”.
Para Guilherme adotar o modelo da emanação significaria recusar a Deus a
capacidade de escolher entre os possíveis e, por conseguinte, negar a liberdade
divina reduzindo o ato de criação a um ato natural ou segundo a natureza, Deus
não se tornaria criador dos possíveis, pois ele não participou “diretamente” na
formação destes seres, que seria impossível, pois ele aceitava e assimilava a idéia
de Agostinho de que Deus é o criador e formador de tudo.
A tese que o bispo parisiense defendia era baseado na seguinte reflexão:
"se o objeto A possui, na circunstância B e em contato com C, A produzirá
necessariamente D. Para as potências racionais, a situação é diversa, pois, em
presença de C, o sujeito A poderá sempre escolher se produzirá ou não D. A
existência ou não de D depende, em última análise, da vontade do sujeito A”.
Assim para a existência do Ser Possível é indispensável o consentimento do Ser
Necessário por si mesmo.
O cristianismo de Guilherme de Auvergne afasta-se do pensamento
aviceniano por duas razões. A primeira pelo ponto de vista teológico do desacordo
que repousa sobre a distinção entre a vontade e a ciência divina. Avicena sustenta
explicitamente a identidade entre a vontade e a ciência divina, tese esta que é
inaceitável para Guilherme. O segundo vem partindo do ponto de vista metafísico,
a divergência está em saber se existem Seres possíveis não realizados. Admitir a
identidade entre a ciência e a vontade divina significa aceitar que o conjunto das
substâncias existentes é idêntico ao conjunto das coisas pensantes por Deus.
Assim se resume que a criação não é, portanto, um ato livre, pois é vedado a
Deus a capacidade de não criar o que ele pensa, ou melhor, a causalidade
criadora divina resumir-se ai á causalidade natural.
Para Miguel Attie Filho no Livro da Alma existem postulações entre a alma e
o intelecto em Avicena. Para isso acontecer, será feita uma análise da divisão do
intelecto em seus aspectos passivo e ativo, confrontando-os com as indicações
deixadas pelo filósofo grego, Aristóteles, em sua obra De Anima, mediante a
interpretação que a falsafa desenvolveu na noção de “intelecto agente”
29.
Ainda
será feita implicações disso na doutrina do conhecimento de Ibn Sina, ou seja, o
objetivo deste artigo é nada mais do que fornecer algumas informações que serão
básicas a respeito deste tema, e que será feito em largas pinceladas para localizar
a discussão na longa estrada da história da filosofia.
Miguel Attie expressa que, a questão do intelecto não deixa de ser o inicio
da problematização própria da doutrina do conhecimento em Ibn Sina (Avicena) e
que as intrínsecas relações existentes no interior do binômio alma-intelecto em
Avicena não surge momento por acaso e destituída de história, mas, antes, inserese numa sólida tradição de pensadores que influenciaram o filósofo persa. Entre
os mais destacados estão: Teofrasto, Alexandre de afrodisias, Temístio, Tomás de
Aquino e Ibn Rusd (Averróes).
Attie, mostra também que o termo Intelligentia indicaria o ato de “ler no
íntimo”, “ler dentro”, no sentido do entendimento humano que apreende o íntimo
das coisas, suas essências, em contraste ao conhecimento sensível e imaginativo
que permaneceriam na exterioridade do que é conhecido. Já o termo noûs
significa na filosofia de Avicena “ligar”, “atar” ou mais precisamente “prender”.
Então para Avicena, os dois termos guardam um núcleo comum de significado
como, por exemplo: “pensamento”, “entendimento”, “espírito” ou “mente”, mas
neste artigo será chamado de “inteligência” / “intelecto”, pois é este que mais se
indica a Ibn Sina em sua obra Livro da Alma.
Miguel coloca que dentre tantas “vielas” que o debate filosófico construiu
sobre a questão do intelecto emergiu, assim desde a antiguidade tardia no cenário
mais amplo da possibilidade de se fazer uma ciência da alma, que se completa na
29
Na filosofia de Avicena este é o Ser Necessário por si próprio.
seguinte pergunta, o que é a alma humana? Sendo este o grande desafio dos
filósofos peripatéticos, dentre eles está o filósofo persa Avicena. Mas não basta
explicar o funcionamento da alma, pois isso não era suficiente para afirmá-la como
uma substância independente do corpo ou não, já que, se haveria alguma
atividade que lhe fosse própria e, na hipótese de se confirmar que ao menos numa
instância ela poderia operar sem a participação do corpo para se chegar à
imortalidade.
Explicita ainda que a falsafa inclinou-se a adotar um princípio de
interpretação dual da intelecção que se manifesta em passivo e ativo. O primeiro
como uma faculdade da alma, o segundo como uma inteligência autônoma e
separada, cósmica, eterna e imperecível. Avicena seguiu a solução de se alçar às
formas inteligíveis numa inteligência que as pensasse simultaneamente em ato
mantendo, assim, em sua mais próxima influência da tradição da falsafa de Alfarabi.
Para entender melhor, Miguel Attie ainda explica que Ibn Sina guiou-se pelo
princípio da classificação das faculdades da alma em três instâncias (também
presentes em Aristóteles): vegetal; animal e humana. Sendo que, a alma humana,
é a única que lhe distingue do grupo análogo das faculdades dos animais e dos
vegetais é aquela pela qual pensa e intelege. Na fundamentação da teoria dos
binômios potência e ato, Aristóteles já aplicava, nesse caso, a máxima de que
para algo seja movido é necessário algo já em movimento que lhe seja a causa,
que para Avicena será o Ser necessário por si próprio, ele que é o criador e
fundamental a todas as criaturas.
Attie Filho expõe que a teoria do conhecimento e da definição do
funcionamento da alma humana se dá na seguinte passagem do livro De Anima
de Aristóteles e que foi sustentação para vários filósofos, inclusive Avicena: “(...) e
não digo que ele ora age e ora não age, mas, por sua separação, continua a ser o
que era e, com isso, torna-se espiritual e imortal”.30 Isso fez com que surgisse a
dupla noção do intelecto que torna todas as coisas e do intelecto que é produtor
30
ARISTÓTELES. De Anima. Tradução de Zingado, M. Razão e Sensação em Aristóteles. São
Paulo, Editora Malori. 1999. p. 199.
de todas as coisas que trouxe em si o germe dos debates posteriores que
ocuparam pensadores desde a antiguidade tardia.
Em suma, Miguel Attie define que para Avicena o mais alto grau de sua
essência, ou melhor, no que lhe dá de mais próprio, a alma humana é
conhecimento pelo intelecto e em seu inerente movimento, a alma humana é
entendimento e consciência de si, e conhecimento do que não é si, em si. Pois, a
alma humana não prescinde da conexão com os princípios da inteligibilidade
presentes na inteligência da qual procede ao mundo sublunar. A ciência da alma
liga-se e implica ética, política, metafísica, cosmologia e lógica dentre outras,
sendo que, a alma é no horizonte mais amplo, o tecido da filosofia, “sulcado”
nesse período e nesse idioma verificado como sendo a ciência que articula como
outras ciências e restaura uma nova visão do homem na historia do pensamento
filosófico.
Para concluir o nosso pensamento referente à problemática levantada a
partir destas interpretações acima, ficaríamos sabendo o resultado adquirido
acima, mas buscando ainda outros utensílios para caráter de informações para
estruturamento deste trabalho e também como um bom filósofo, que busca e faz
da investigação uma jornada, foi buscada leitura metódica e equilibrada da obra
que sustentou a tese de Avicena sobre a causalidade dos Seres criados: A
Metafísica de Aristóteles. Nesta obra é possível encontrar uma solução arcabouça
para a problemática desenvolvida e analisada neste artigo.
Na Metafísica Aristóteles fala da causalidade primeira de um objeto como
sendo o primeiro criador e causado do outro, contudo a formação de criações
futuras é conseqüência da primeira, por que se não fosse a primeira não existiriam
os que vieram depois. Assim expressa o filósofo grego:
Ademais, é evidente que há algum primeiro princípio e que as causas das
coisas não são nem uma seqüência infinita, nem infinitamente múltiplas
quanto ao tipo, pois a geração material de uma coisas a partir de uma
outra não pode prosseguir numa progressão infinitas (por exemplo, carne
a partir da terra, a terra do ar, o ar do fogo e assim por diante,
indefinidamente, sem uma interrupção); nem pode a origem do
movimento (por exemplo, o homem ser movido pelo ar, o ar pelo sol, o sol
pela discórdia, numa série ilimitada).31
Desta maneira, Aristóteles afirma que para ter um objeto ou uma coisa é
necessário ter uma causa para sua existência, e se ela for criação de várias
gerações, mesmo assim ela continuará sendo conseqüência da primeira não do
“termo anterior”, já que, para o filósofo grego se não tiver a causa primeira não
existiria o termo que está agora visível:
E ocorre precisamente o mesmo com a causa formal, pois no caso de
todos os termos intermediários de uma série contidos entre o primeiro e o
último termo, o termo anterior é necessariamente a causa daqueles que o
sucedem – porque se tivéssemos que dizer qual dos três é a causa,
diríamos o primeiro. De qualquer modo, não é o último termo, uma vez
que o que vem no final não é a causa de nada. Tampouco, por outro lado,
é o termo intermediário, que se limita a ser a causa de um – e não faz
diferença alguma se há um termo intermediário ou vários, ou se seu
número é infinito ou finito. Mas no que se refere ás séries, que são
infinitas desta maneira, e do infinito em geral. Todas as partes são
igualmente intermediarias até o presente momento. Assim, se não há
primeiro termo, não há, de modo algum, causa.32
Assim, pode-se dizer que na relação de criador e criador a causa primeira
de todas as coisas possíveis e impossíveis de serem criadas são frutos da
primeira causa e não da última ou da antecessora causal. Desta maneira, é
possível afirmar que a análise que o sistema aviceniano fez sobre a causa
primeira está mal interpretado, pois é apresentado uma forma de criação natural e
imprópria para a pessoa do Ser Criador e gerador substancial do das coisas
existentes na terra ou na razão.
31
____________. Metafísica. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. 1ª Ed. Bauru, SP:
EDIPRO, 2006. p. 136. parágrafo 101c.
32 ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. 1ª Ed. Bauru, SP:
EDIPRO, 2006. p. 252. parágrafo 142b.
4 Considerações
É imprescindível afirmar a partir de agora: Deus não cria por necessidade
natural, pois ele sendo o Ser Criador, as coisas criadas em tudo gira e emana
dele. Mesmo elas estando mais longe possível da causa inicial, continuariam
sendo a conseqüência dor Ser primeiro ou causa primeira.
Ainda dentro do pensamento metafísico aviceniano é possível chegar à conclusão
de que a causa primeira de todas as coisas maginável e imaginável é sem dúvidas
Deus, ou melhor, o Ser Necessário por si próprio, ele que não foi criador mais é
gerador de tudo, pois sem ele nada existiria.
Analisar o tema proposto: filosofia árabe: uma concepção aviceniana a
noção do Ser é uma tarefa muito abrangente, já que Avicena possuía uma filosofia
com bases e influências de dois grandes filósofos: Platão e Aristóteles e foi
indispensável ler e também analisar estas veredas do pensamento antigo para
encontrar uma solução e ou uma luz para a problemática deparada na leitura da
obra de Ibn Sina.
Este projeto de pesquisa filosófico pode ser sintetizado pelo esforço e pelo
dinamismo para entrosamento e caracterização do princípio da busca do
entendimento para o limiar de novas pesquisas e soluções diversificada do
pensamento aviceniano. E responder a problemática encontrada foi além de tudo
um incentivo a buscar fontes para leituras e alavancamento de novas idéias do
pensamento que iluminou as mentes ocidentais. Então como disse Avicena, que o
nós fiquemos em paz com a presença de “Deus o Clemente, o Misericordioso”.
33
ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina) A origem e o Retorno. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2005. p. 03.
33
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