A Noção do Ser na Filosofia de Ibn Sina (Avicena) Francisco Saullo Vital da Silva1 [email protected] Resumo: Neste trabalho propõe-se verificar a concepção do Ser apresentada na Obra Al - mabda’wa al-ma’ ad (A origem e o retorno) do filosofo persa Ibn Sina (Avicena). O Ser para o filósofo pode ser dividido em 3 categorias ou seres, um maior (criador) e dois menores (criação). O criador é o Ser Necessário por si mesmo e a criação é designada como sendo o Ser Necessário por intermédio de outro e o Ser Possível. Explicitando que a criação também possui o poder de criar outros seres iguais a eles mesmos é possível encontrar uma contradição de atributo e emanação na obra. Entenderemos melhor com a seguinte questão: como é possível que o Ser Necessário por si mesmo ser a essência dos seres que são criados pelos Seres Necessários por intermédio de outro, sendo que, para haver a existência dos seres Possíveis, não é necessário o consentimento da causa? Portanto, o criador pode dar existência às criaturas por necessidade natural e não por livre vontade, ou melhor, ele não tem controle sobre o desenvolvimento da sua criação, pois ele não pode interferir no processo criativo dos seres que serão causas ou “subcausas” de criaturas. Palavras-chave: Avicena – Criação – Ser – Ser Necessário por si – Ser Possível. Riassunto: In questo lavoro mi propongo di verificare la concezione dell’Essere presente nell’opera Al - mabda’wa al-ma’ ad (L’origine e il ritorno) del filosofo persiano Ibn Sina (Avicena). L’Essere per il filosofo può essere diviso in tre categorie o esseri, un maggiore (creatore) e due minori (creazione). Il creatore è l’Essere Necessario per se stesso e la creazione è designata come l’Essere Necessario e l’Essere Possibile. La creazione è designata come l’Essere Necessario per mezzo di altro e l’Essere Possibile. Esplicitando che anche la creazione possiede il potere di creare altri esseri uguali a loro stessi è possibile trovare una contraddizione di attributo e emanazione nell’opera. Possiamo comprendere meglio con la seguente questione: Come è possibile che l’Essere Necessario per se stesso essere l’essenza degli esseri che sono creati dai Esseri Necessari per mezzo di altro, dato che, per avere l’esistenza dei esseri Possibili, non è necessario il consentimento della causa? Pertanto, il creatore può dare l’esistenza alle creature per necessita naturale e non per libera volontà, oppure, lui non può avere sotto controllo lo svilupparsi della sua creazione, già che lui non può interferire nel processo creativo degli esseri che saranno cause o “sotto cause” di creature. Parole chiavi: Avicena – Creazione – Essere – Essere Necessario per se – Essere Possibile. 1 Graduando na área de licenciatura em filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – INSAF, Recife - PE 1 Introdução O presente trabalho pretende analisar a concepção do Ser na filosofia do pensador árabe Ibn Sina, ou Avicena, como é conhecido no Ocidente. Durante muitos anos, desempenhou um enorme papel fora do pensamento Oriental e contribuiu enormemente para evidenciar as obras de Aristóteles. Tomando esta tarefa como possível, buscou-se a leitura e interpretação da tradução de um dos escritos de ‘Abu ‘Ali al-Hussain Ibn Allah Ibn Al-Hassan ibn ‘Ali ibn Sina (Avicena). Ele viveu entre o séc. X e o XI (980-1037) da nossa era 2, seu livro foi traduzido como Ibn Sina (Avicena): a origem e o retorno. A obra Al - mabda’wa al-ma’ ad3, é dividida em 3 tratados, sendo o primeiro dedicado ao tratado sobre “a confirmação do princípio primeiro de tudo, que é chamado de Ser Necessário por si próprio; o segundo, sobre a unicidade deste Ser que é o princípio de tudo; e o terceiro é a enumeração de seus atributos peculiares frutos da essência do ser”4. Expressaremos aqui algumas considerações de caráter explicatória acerca do pensamento do nosso filósofo persa que ao longo da falsafa5 irá desempenhar um papel muito importante, como já foi expresso no início. Além de sua própria filosofia, Avicena fundamenta-se nas concepções de grandes filósofos, as quais, ao longo do tempo, tiveram influências fortes e sustentadoras de muitos outros pensadores tanto do Oriente como do Ocidente. Essas influências são dos neoplatônicos, especialmente Plotino com sua teoria que “o é mundo ordenado por um princípio primeiro” (GUERERO, 2004. p. 23); Aristóteles com sua teoria da causalidade (tudo que está no mundo possui uma causa que gera sua existência) e como bom muçulmano, possui elementos da leitura e da interpretação do livro sagrado do islamismo, o Alcorão. Este que não poderia deixar de influenciar, já que ele tinha um grande domínio deste livro desde 2 ISKANDAR, Jamil Ibrahim. A origem e o Retorno: Avicena (Ibn Sina). São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. III 3 Idem, p. 15. 4 ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Tradução do Árabe para o Português dos 15 primeiros capítulos do artigo Primeiro da obra “Al – Mabda’ Wa Al – Ma’ad” (A origem e o Retorno) de Avicena. Dissertação (mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica São Paulo. São Paulo. 1993. p. 04. 5 Este termo significa Filosofia, mas neste texto estará no sentido mais estrito a um conjunto de pensadores Árabes. sua infância. Também percebe-se no filósofo persa que há elementos da filosofia do segundo grande mestre da falsafa, AbūNasr Muhammad Ibn Muhammad Ibn Tarjān Ibn Uzalag Al-fārābī ( 872- 950 d. C./ 259-339 H)6, no que se refere a primeira noção e caracterização do Ser em Necessário e Ser Possível, e assim promovendo um salto de amadurecimento na visão de mundo no aspecto de que o real e o divino se ligaram em uma só para a formação mística do espiritual no oriente.7 Para Ibn Sina, O Ser divide-se em três aspectos: o Ser Necessário por si próprio, o Ser Necessário por intermédio de outro e o Ser Possível. O primeiro é considerado Deus (criador), já o segundo e o terceiro estão relacionados como sendo a criação material, tanto humana quanto os seres da natureza. 2 Compreensão e reconstrução do tema abordado Procurando explicar a idéia de Ser necessário por intermédio de outro, Ser Necessário por si próprio e o Ser possível é a nossa primeira atitude neste trabalho e para isso usaremos os dois artifícios estruturador do pensamento aviceniano. São as ciências: a metafísica e a física. Ao iniciar sua obra já expressando o modo como vai utilizar essas formulas: (...) a realidade do que se encontra entre os peripatíficos e o que abstiveram sobre a origem e o retorno. Este meu tratado contém os frutos de duas ciências designadas por metafísica, e a segunda é a ciência que designada por física. O fruto da ciência que é a metafísica é à parte desta, conhecida como “teologia”, que versa sobre a divindade, o princípio primeiro de todas as coisas e a relação dos seres com ele, segundo seus graus. O fruto da ciência que é a física é o conhecimento da permanência da alma humana e que ela está sujeita ao retorno. 8 6 ATTIE FILHO, Miguel. Falsafa: a Filosofia entre os árabes: uma herança esquecida. São Paulo: Editora Palas Athena, 2005. p. 195. 7 Idem, p. 197. 8 ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina): A origem e o retorno. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 03. 2.1 O Ser Necessário Na concepção de Avicena o Ser necessário é o ente que gera vários outros seres. O Ser Necessário por si não possui causa, não tem matéria (corpo), é inteligível por si, não está sujeito a acidentes e é uno. Não é possível que ele seja uma coisa necessária simultaneamente por si própria e por intermédio de outro, pois caso apresente esta condição de necessariedade de dependência do outro Ser, ele passará a ser por si mesmo um Ser possível. Para Avicena, o Ser Necessário por si próprio tem uma unicidade pois “não é possível que de dois elementos saia um que seja necessário por intermédio de outro” 9, pois não existe um “ser necessário por ‘pluralidade’, sob qualquer aspecto” 10. Conforme já expresso nas distinções de uma e da outra, em que um não pode ser necessária por si mesma e por intermédio de outro ao mesmo tempo, Avicena diz que cada um possui a necessidade de ser não por si só, cada um possui a possibilidade de ser por si. “Para isto acontecer Avicena nos expressa que para ser um possível Ser por si é necessário que haja uma causa para seu ser, ou melhor, para sua existência”. Sendo assim possui causas externas, e não será um Necessário Ser. O Ser necessário é inteligível por si e não é totalmente sensível por si. 11 Isso que, por ele não ser corpo, e não está em nenhum lugar, e nem está sujeito aos acidentes que os corpos comportam, ele é inteligível em ato. Todo Ser Necessário por si é bem puro; sendo o bem geral é o que todas as coisas buscam e pelo qual aperfeiçoam o Ser. O Ser Possível não é um bem puro, porque sua essência por si mesma não tem necessidade de ser pura; pois a seu Ser por si mesmo comporta a privação sob determinados aspectos. Ele não está isento de todos os aspectos do mal e da imperfeição. Portanto, só o Ser Necessário por si próprio é perfeito e totalmente puro. Vale contar que a essência primeira possui uma grandiosa pureza de “bem” que fica útil e benéfico para a perfeição de todas as coisas. 9 Idem, p. 35. Ibdem, p. 43. 11 Está no sentido de que não é absolutamente perceptível aos sentidos humanos. 10 2.2 Ser Possível Tudo que possui a concretização de sua existência a partir da intermediação de outro, ou seja, de uma causa se torna, por sua essência, um Ser Necessário por intermédio de outro. Esse só passará a torna-se um Ser Possível quando possuir uma causa que gere sua existência, ou seja, para se tornar um Ser possível é necessário que haja uma essência, que seja anterior ao todo do Ser, pois se não houve uma essência anterior ao Ser possível, o mesmo não é um possível Ser e sim um Ser Necessário por si mesmo, mas este Ser só existe um, que não foi criado e nem gerado por nenhum outro. Avicena, na obra A origem e o retorno, afirma essa possibilidade e a diferenciação da essência de Ser Possível que também pode ser um Ser Necessário por intermédio de outro na seguinte passagem: (...) Todo ser possível ou é por si mesmo, ou é por certa causa; se for por si mesmo, então ele próprio é ser necessário, não é um ser possível, e, se for por certa causa, ou seu ser é necessário com esta causa ou fica como estava antes do ser da causa; e isto é absurdo, (...), então, é preciso que seu Ser seja necessário com o ser da causa. Portanto, todo ser possível, por si, somente é ser necessário por intermédio de outro 12. Desta forma Avicena expõe a diferença entre o Ser Necessário e o Ser Possível e explica que o necessário Ser quando é por intermédio de outro se torna um Ser possível. Fica caracterizado desta maneira o Ser Possível e o Ser Necessário em sua unicidade de Ser por si próprio e não por intermédio de outro. Podemos caracterizar mais esse Ser como uma essência material e que é possível para a existência, pois, possui matéria de corpo, forma; é divisível e está sujeito a acidentes, ao contrário da essência do Ser Necessário por si próprio que não é corpo, nem matéria de um corpo, nem forma de um corpo, nem matéria 12 ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina) A origem e o Retorno. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005. p. 30. inteligível, muito menos possui forma inteligível numa matéria inteligível; ele não é divisível, nem na quantidade, nem em princípios, nem no enunciado, nestes três aspectos ele passa, porque é uno. 3 Problemática e Percepção de Comentadores Após várias leituras sistemáticas da obra Ibn Sina (Avicena): A origem e o retorno, é possível perceber o surgimento uma problemática referente à criação do Seres Possíveis e Necessários por intermédio de outros. Esse problema é no momento uma lacuna que difere da essência criadora que pode ser ou não solucionada pelas leituras complementares e que influenciaram muitos outros filósofos da idade medieval ocidental. A problemática encontrada na obra de Ibn Sina é a seguinte: Como pode o Ser Necessário por si mesmo ser a essência dos seres que são criados pelos Seres Necessários por intermédio de outro? Sendo que para haver a existência dos seres Possíveis não é necessário o consentimento da causa? Se o Ser Necessário (Criador) criar suas obras por necessidade natural mostra uma contradição em um dos seus atributos (liberdade), pois ele não possuirá um atributo tão forte, caso ele próprio não possua este elemento para fazer sua criação quando Ele quiser ou bem entender. Assim sendo, não é possível que nele exista o fator liberdade no aspecto puro. Não possuindo esta característica o criador passará a ser uma agente que cria e recria ao longo do tempo, ou melhor, Deus só será o primeiro “ponta-pé” da criação dos possíveis, já que ele não possui liberdade para parar a criação quando ele quiser. Outros leitores de Avicena também encontraram este mesmo problema, mas com formulação diferente, tentaram resolver, mas alguns só fizeram uma “correção” no pensamento do filósofo persa. Já outros tentaram “provar com a+b” que esta teoria da criação como necessidade natural está completamente errada e seria uma verdadeira blasfêmia diante do Ser Criador. Veremos aqui alguns artigos que nos ajudaram a compreender mais a problemática. Dentre os filósofos que buscam criticar o pensamento da vontade natural, está Tomás de Aquino contemplado no nosso primeiro conjunto de artigo do Dr. Alfredo Ostorck, intitulado como Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de Aquino crítico de Avicena. É neste texto que Ostorck explana o pensamento de Tomás e a influência de Avicena sob sua filosofia “tomasiana” em que se é bem conhecida em toda a idade média. A historiografia contemporânea é abundante em obras que mostram a evolução do pensamento de Tomás na influencia crítica de Aristóteles, Avicena e Averróis13. O Doutor da igreja soube beber e aproveitar com tanto vigor as suas fontes bibliográficas que as ultrapassou criando um novo pensamento. No artigo é buscado apenas assimilamento da interpretação “tomásica” 14 de Avicena sobre a possibilidade. O texto também mostra que Aquino retoma as linhas das críticas do filósofo Guilherme de Auvergne na teoria da enamação dos seres a partir de um princípio primeiro (Deus), mas suas críticas se voltam mais ainda pela certa interpretação da noção aristotélica de possibilidade que Avicena fez na sua falsafa.15 Tomás de Aquino crítica abertamente a teoria aviceniana da emanação dos seres a partir do Ser Necessário por si próprio (Deus) em seu livro Suma contra os Gentílicos, escrito em 1261, em que se colocado explicitamente o grande problemas da teoria do filósofo árabe16 de que Deus não age por necessidade natural. O argumento que crítica Avicena gira em torno da noção de possibilidade que Tomás havia apresentado em seu capítulo anterior da sua obra quando da demonstração da tese segundo a qual “o poder de Deus se estende sobre todas as coisas possíveis”. No livro De Potentia, de Tomás de Aquino, obra dirigida incontestavelmente contra Avicena, é explicitada a sua compreensão da possibilidade e ele distingue duas acepções da expressão de possibilidade. Como há tipos de potência, ativa e passiva, há também dois tipos de seres possíveis. O ativo que expressa Tomás 13 Filosofo Árabe que criticou duramente a metafísica de Avicena. Expressão usada pelo Autor para referir-se ao pensamento de Tomás de Aquino alicerçada em Avicena. 15 0STORCK, Alfredo. Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de Aquino crítico de Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. p. 152. 16 Quando citado “filósofo árabe” é uma referência. 14 dependeriam da existência de um agente exterior que lhes confere existência 17, ao passo que os passivos exigem uma capacidade intrínseca presente nas coisas já existentes. Os primeiros são empregados para dar conta da ação humana e mesmo de um agente em geral, enquanto os segundos caracterizam a necessidade natural. O Ser possível não considerado por relação á noção de potência, mas por si na sua essência primeira. Desta maneira, Tomás classifica dois tipos de Seres Possíveis: “(a) o possível metafórico, como quando o geômetra atribui potencialidade a linhas e pontos; b) o possível absoluto, quando os termos que exprimem não se excluem mutuamente”. Ainda que seja possível conceber uma noção de impossibilidade correspondente a cada um desses tipos de possibilidade, Tomás de Aquino prefere acentuar o impossível em sentido absoluto, ou melhor, o contraditório ou que implica contradição. Toda esta noção o doutor católico se baseia a partir da leitura de um dos livros mais importantes de Aristóteles, a Metafísica. Para estabelecer a classificação, Tomás de Aquino teve de permanecer fiel a um fundamento ontológico para os possíveis, fundamento esse que encontra como o pensamento de Guilherme de Auvergne, na essência de Deus. A tese se tornará mais clara e evidente a partir da questão: “ser logicamente possível equivale, a mesma coisa de possuir um ser lógico?”. A resposta a esta questão deixada por Avicena vai ser analisada e resolvida por Tomás baseado nas obras Aristóteles e Averróis. Ostorck dá a seguinte interpretação: (...) os possíveis seriam reflexo da essência divina que é imitável pelas criaturas. Eles são consubstanciais a Deus e que, em se conhecendo a si mesmo, Deus os conhece todos ao mesmo tempo em que se conhece como capaz de produzi-los. 18 Assim, Tomás de Aquino afirma que para dizer que uma coisa é um Ser Possível seria o mesmo que dizer que sua noção de ser não é contraditória 17 Para Avicena este seria o Ser Necessário por intermédio de outro. 0STORCK, Alfredo. Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de Aquino crítico de Avicena. In: Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. p. 142. 18 porque os predicados não se opõem de modo a excluir o Ser criador. Desta maneira, começa-se a excluir dois princípios para explicar a noção de possibilidade do Ser: o princípio ontológico (sua ratio essendi) que é a essência divina; segundo é o princípio lógico (sua ratio cognoscendi) que é o princípio de não-contradição. Seguindo as obras de Aristóteles, Tomás de Aquino compreende o “contraditório” como a incompatibilidade entre o sujeito e o predicado em uma proposição. Mas também é acrescentado na teoria um elemento tomasiano de o fundamento da referida incompatibilidade ontológica: a essência divina, ou seja, a essência do Ser Necessário por si próprio está presente em todos os serem criados por ele. 19 Esta tese é bastante forte principalmente porque Tomás vai caminhar para um novo rumo que será a definição dos tipos de Seres Possíveis. O Ser possível por potência é o mais importante, e se dá através dos seguintes princípios: da substância que não tem atualmente uma propriedade à substância que possui atualmente uma capacidade interna que torna capaz de possuir uma propriedade em um momento futuro. Assim se dá o desígno da criação e crítica à noção de Avicena de que os seres possíveis não são criados por Deus e sim criações naturais e eternas. Ao término deste primeiro artigo é percebido a conclusão de Tomás de Aquino a respeito da pontecialidade divina na criação dos seres na tese de Avicena, que ele não teria percebido no caso da criação divina que a situação é distinta. Sendo onipotente, Deus pode criar tanto a matéria quanto à forma. Deus conhece, portanto, não somente a forma, princípio da universalidade, mas também a matéria, princípio da particularidade do Ser Possível. É por esta razão que Avicena reduz a sua tese da criação dos Possíveis (causalidade divina) a uma causalidade natural. Deus pode criar uma pluralidade de coisas, é porque ele conhece e “pensa primeiro que sua criação”. 19 Esta teoria também é defendida por Avicena quando ele coloca que o criador (Ser Necessário por si próprio) cria suas criaturas (Seres possíveis e os Seres Necessários por intermédio de outro). O segundo texto analisado foi Eternidade, Possibilidade e Indiferença: Henrique de Gand leitor de Avicena, publicado na revista Analytica do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de São Paulo, no ano de 2005. Este artigo vem mostrar o princípio problemático que Henrique de Gand encontrou na filosofia de Avicena, quando ele também compreendeu a ação divina como um processo natural excluindo o plano da liberdade e a vontade divina, ou melhor, Deus teria criado o mundo por necessidade natural. Problemática esta que já outros filósofos (Guilherme de Auvergne e Tomás de Aquino) tentaram decifrar durante a idade média e que será visto posteriormente. Isto tudo deve-se pelo fato da existência de dois elementos chaves que encontram-se nos filósofos: a distinção entre causalidade natural e racional e as noções de possibilidade dos seres na criação são fatores importantes para ajudar a decifrar o problema aviceniano. Osterck expressa que Henrique de Gand precisou introduzir uma nova noção de potência para dar conta da criação, mas esta noção é retirada precisamente de Avicena, justamente o filósofo que deveria ser criticado. O artigo é apresentado em três partes: a primeira concentra-se nas críticas feitas ao modelo aviceniano da emanação e as outras duas partes são consagradas á noção de possibilidade na obra do Doutor Solene20, mas não será construída a teoria na sua complexidade, pois o artigo se limita apenas na consideração dos elementos avicenianos presente no pensamento e na maneira como Henrique retoma por conta própria a noção aviceniana de possibilidade após tê-la “depurado” de seus principais inconvenientes. Na primeira, são colocadas a criação e possibilidade em evidência, ou melhor, Avicena põe a caracterização da criatura como possível por sua natureza, é demonstrado que sua existência supõe necessariamente a intervenção divina. Nesta parte Henrique de Gand consiste em simultaneamente corrigir e aprofundar a prova demonstrando não somente a importância do ato livre criador para explicar a existência da criatura como também a necessidade dessa começar a existir no tempo. 20 Doutor Solene é um sinônimo usado pro Alfredo para designar Henrique de Gand Tudo se passa como se Avicena houvesse realizado somente a metade da prova, pois ele teria razão em estabelecer a relação entre a existência dos possíveis (criaturas) e a existência do ser necessário (Deus). O filósofo persa errou ao explicar a dependência pelo modelo da causalidade natural, mas Henrique acredita poder provar a não-eternidade do mundo partindo da noção de criatura e acrescentando algumas qualificações à noção aviceniana de essência, pois a teoria de Avicena é para ele uma tese herética, já que, dizer que a criação se produz por necessidade natural é uma heresia que exclui a liberdade divina. Para resolver a questão, Ostorck escreve que Henrique de Gand passa ao objeto central da questão e oferece uma nova formulação por intermédio das noções de possibilidade lógica e potência divina: “Se é possível para a criatura existir eternamente e se Deus pode produzir tudo o que pode ser produzido, então Deus pode criar o mundo para o eterno” 21. O fundamento para esta argumentação é ilustrada em uma metáfora que Henrique julga ser a mais adequada: “se o sol tivesse existido eternamente, teria eternamente criado um raio, mas o raio continuaria a existir apenas em virtude da existência do sol” 22. Desta maneira é possível se checar que o homem só está presente por causa da existência de Deus. Neste ponto, a teoria aviceniana da emanação é analisada por Henrique em três teses acerca do Ser das criaturas. A primeira sustenta possuírem sua existência ab alio, sem possuírem um não-ser mental ou real por si ou pela natureza de sua essência. As duas teses restantes compartilham a atribuição de um não-ser às criaturas consideradas em si e em sua natureza. São, no entanto, distintas, uma vez que os filósofos admitem apenas um não-ser mental, negando o não-ser real, enquanto a nação católica sustenta tanto um não-ser real quanto mental anteriormente à existência real das criaturas. Henrique filia-se à opinião dos católicos, mas, opondo-se a muitos de seus contemporâneos, reconhecendo tratar-se de uma tese a ser racionalmente demonstrada e não uma simples afirmação dogmática da teologia cristã. 21 OSTORCK, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Indiferença: Henrique de Gand leitor de Avicena. in: Revista Analytica, Vol. 09. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2005. p. 139. 22 Idem, p. 142. Conclui-se que, ao analisar as noções de possibilidade e eternidade na teoria aviceniana da emanação, Henrique de Gand adota praticamente a mesma posição de Guilherme de Auvergne e Tomás Aquino. Contudo, também nota-se que quando Henrique tenta apresentar sua própria teoria da eternidade e da possibilidade, ele revela-se mais próximo de avicena do que os pensadores medievais, fazendo assim somente uma reformulação da teoria do filósofo persa. No terceiro artigo, chamado de Eternidade, Possibilidade e Emanação: Guilherme de Auvergne leitor de Avicena, escrito também por Alfredo Ostorck, em 2003, mostra as observações do emanacionamento de tipo aviceniano que será duramente crítica no século XIII por eliminar a liberdade divina, transformando Deus em um Ser que age segundo as leis da natureza. Duas posições foram marcantes, a de Guilherme de Auvergne, inspirada em Agostinho e Tomás de Aquino, e em certa interpretação de Aristóteles, que funda os seres possíveis como não vontade do intelecto divino. Visando explicitar a diferença radical entre o ser de Deus23 e o da criatura24 Guilherme de Auvergne propõe diferenciar o ente cuja existência lhe pertence de maneira essencial daquele que possui por participação. Apoiado pelas suas fontes ele conclui que a “distinção de Deus e as criaturas se deixam explicar pela distinção entre o simples e o complexo. Deus é simples, uno, indivisível, necessário, eterno, incorruptível e não causado, ao passo que as suas criaturas são múltiplas, não necessárias, corruptível, causadas e compostas” 25. Esta teoria de Guilherme se mistura à teoria da criação de tudo feito por Avicena que depois será decomposta por outros filósofos da idade média. A análise da interpretação de Guilherme sobre os textos de Avicena denunciará que a metafísica do filósofo persa é fundada em um sistema emanacionista e necessarista. No que implicará ser uma interpretação errônea dos textos de Plotino e da teoria da metáfora do artesão. Ao decorrer das críticas do bispo parisiense se é percebido que os “normalistas tomavam os enunciáveis 23 Para Avicena Deus é o Ser Necessário por si próprio. O Ser da criatura para Avicena é classificado como sendo Ser Possível ou Ser Necessário por intermédio de Outro. 25 OSTORCK, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Emanação: Guilherme de Auvergne leitor de Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. 24 como objetivos do conhecimento divino não mutável, sendo, portanto artigo (resultado) de uma grandiosa fé”26 não sujeita a “mudanças, invariáveis quanto ao valor de verdade e independente de toda referencia temporal”, assim será sempre anunciado como verdadeiro sobre todas as hipóteses lógicas. Guilherme de Auvergne defendia sua argumentação fazendo a seguinte pergunta: As verdades eternas são independentes de Deus ou abras da vontade divina? E expressa ainda que: (...) A causa, porém, e a ocasião para esse erro forneceu-a uma outra opinião das mais estultas e injuriosas para o criador, (...) ou é verdade ou é mentira, fossem todos eles desde a eternidade e tivessem o seu modo de existir por si separadamente das criaturas e de todas as operações de Deus, não tenham sido feito pelo seu criador (...). 27 Como é possível, expressa o bispo parisiense na citação acima, que se o Ser da criatura for por si só independente da vontade divina então nos seres possíveis serão “elementos eternos e que não necessitaram de Deus para existir” e isso é inaceitável que ocorra, pois para poder ele existir precisaria de um elemento formador anterior a ele que pudesse lhe sustentar quanto materialmente como inteligível. Ao escrever seu livro O Universo, Guilherme de Auvergne coloca que Avicena construiu seu pensamento numa interpretação errada da metafísica de Aristóteles, para ele o mundo não pode ser formado a partir de seres possíveis, já que para isso acontecer é necessário, como foi expresso acima, que haja uma criação ou estrutura anterior ao criado, para um “espelhamento” de “vontade e representação”. Desta maneira supõe que a existência de “possíveis eternos” e independentes da vontade divina ou superior. No texto é exposto que Avicena em sua obra Metafísica declara que o Ser Necessário por si mesmo (Deus) não possui um domínio sobre a sua criação, Ser Necessário por intermédio de outro, quando o criado estabelece uma nova filiação, 26 Idem, p. 156. STORCK, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Emanação: Guilherme de Auvergne e Tomás de Aquino leitores de Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. p. 118. 27 ou melhor, Deus ou Ser Necessário por si próprio só participa da criação por necessidade natural. Sendo assim, o Ser Necessário por si próprio não possui vontade para exercer sobre as futuras criações. 28 Ao ler esta análise das teorias avicenianas Guilherme de Auvergne discorda totalmente e parte para a hipótese de que para Deus criar o mundo bastaria ele dizer uma palavra. “O Ser Necessário por si mesmo não se utiliza nada mais que da própria palavra: Fiat”. Mas ao afirmar isso Guilherme coloca um problema que ele mesmo tentará resolver. Assim ele tem a sua problemática: “(...) Como é possível, contudo, que por meio de uma única palavra Deus pudesse ter criado a imensa pluralidade de coisas existentes?” Desta maneira ele conclui que esta palavra utilizada pelo Ser Necessário por si próprio significaria varias coisas, violando assim o princípio de univocidade de significação. O bispo parisiense delimita ainda mais o problema na seguinte pergunta: “Como Deus pode, por meio de uma única palavra, criar uma pluralidade de seres de naturezas distintas?”. Para resolver este dilema Guilherme usa a análise a do uso da linguagem como meio de significação e conclui apoiando-se em Agostinho, fazendo a sustentação na seguinte forma: “a teoria geral do símbolo mostra que para, que algo seja um símbolo, deve haver entre dois usuários um acordo acerca do modo de interpretar o símbolo. A univocidade da significação é constituída pelo acordo”. Assim ele Exemplifica: (...) Um sujeito A que transmite, por meio do símbolo S, a mensagem M, ao sujeito B. Se A transmite, por um símbolo S várias mensagens ao sujeito B, pode-se falar em equivocidade. Todavia, se A transmite pelo símbolo S várias mensagens a sujeitos distintos, a univocidade é preservada, pois S simbolizará uma só coisa para C e outra para D. Aplicando esta explicação à criação divina, Guilherme conclui que “Deus teria usado uma única palavra para criar uma pluralidade de naturezas e, ao fazer isso, ele teria agido como um general que informa as diversas unidades de seu exército empregando um único símbolo”. Assim é criticado Avicena por ter interpretado o modelo do artesão humano de maneira demasiadamente literal, 28 Esta se referindo aos Seres Possíveis. sendo esse o motivo para a exigência de dois instrumentos eternos para a criação divina: a matéria e a forma. Avicena faz-se mesmo crítico da tese platônica de que as idéias divinas estão fora de Deus, pois ele interpreta partindo de considerações latinas ao acentuar o papel das idéias divinas para a criação do mundo. Sua teoria permanece, contudo, “herética ao supor, em última instância, um estatuto próprio para os Seres Possíveis independentemente da vontade divina”. Ibn Sina coloca em sua obra Metafísica que “a natureza não opera por escolha ou vontade, mas como um servidor”. Para Guilherme adotar o modelo da emanação significaria recusar a Deus a capacidade de escolher entre os possíveis e, por conseguinte, negar a liberdade divina reduzindo o ato de criação a um ato natural ou segundo a natureza, Deus não se tornaria criador dos possíveis, pois ele não participou “diretamente” na formação destes seres, que seria impossível, pois ele aceitava e assimilava a idéia de Agostinho de que Deus é o criador e formador de tudo. A tese que o bispo parisiense defendia era baseado na seguinte reflexão: "se o objeto A possui, na circunstância B e em contato com C, A produzirá necessariamente D. Para as potências racionais, a situação é diversa, pois, em presença de C, o sujeito A poderá sempre escolher se produzirá ou não D. A existência ou não de D depende, em última análise, da vontade do sujeito A”. Assim para a existência do Ser Possível é indispensável o consentimento do Ser Necessário por si mesmo. O cristianismo de Guilherme de Auvergne afasta-se do pensamento aviceniano por duas razões. A primeira pelo ponto de vista teológico do desacordo que repousa sobre a distinção entre a vontade e a ciência divina. Avicena sustenta explicitamente a identidade entre a vontade e a ciência divina, tese esta que é inaceitável para Guilherme. O segundo vem partindo do ponto de vista metafísico, a divergência está em saber se existem Seres possíveis não realizados. Admitir a identidade entre a ciência e a vontade divina significa aceitar que o conjunto das substâncias existentes é idêntico ao conjunto das coisas pensantes por Deus. Assim se resume que a criação não é, portanto, um ato livre, pois é vedado a Deus a capacidade de não criar o que ele pensa, ou melhor, a causalidade criadora divina resumir-se ai á causalidade natural. Para Miguel Attie Filho no Livro da Alma existem postulações entre a alma e o intelecto em Avicena. Para isso acontecer, será feita uma análise da divisão do intelecto em seus aspectos passivo e ativo, confrontando-os com as indicações deixadas pelo filósofo grego, Aristóteles, em sua obra De Anima, mediante a interpretação que a falsafa desenvolveu na noção de “intelecto agente” 29. Ainda será feita implicações disso na doutrina do conhecimento de Ibn Sina, ou seja, o objetivo deste artigo é nada mais do que fornecer algumas informações que serão básicas a respeito deste tema, e que será feito em largas pinceladas para localizar a discussão na longa estrada da história da filosofia. Miguel Attie expressa que, a questão do intelecto não deixa de ser o inicio da problematização própria da doutrina do conhecimento em Ibn Sina (Avicena) e que as intrínsecas relações existentes no interior do binômio alma-intelecto em Avicena não surge momento por acaso e destituída de história, mas, antes, inserese numa sólida tradição de pensadores que influenciaram o filósofo persa. Entre os mais destacados estão: Teofrasto, Alexandre de afrodisias, Temístio, Tomás de Aquino e Ibn Rusd (Averróes). Attie, mostra também que o termo Intelligentia indicaria o ato de “ler no íntimo”, “ler dentro”, no sentido do entendimento humano que apreende o íntimo das coisas, suas essências, em contraste ao conhecimento sensível e imaginativo que permaneceriam na exterioridade do que é conhecido. Já o termo noûs significa na filosofia de Avicena “ligar”, “atar” ou mais precisamente “prender”. Então para Avicena, os dois termos guardam um núcleo comum de significado como, por exemplo: “pensamento”, “entendimento”, “espírito” ou “mente”, mas neste artigo será chamado de “inteligência” / “intelecto”, pois é este que mais se indica a Ibn Sina em sua obra Livro da Alma. Miguel coloca que dentre tantas “vielas” que o debate filosófico construiu sobre a questão do intelecto emergiu, assim desde a antiguidade tardia no cenário mais amplo da possibilidade de se fazer uma ciência da alma, que se completa na 29 Na filosofia de Avicena este é o Ser Necessário por si próprio. seguinte pergunta, o que é a alma humana? Sendo este o grande desafio dos filósofos peripatéticos, dentre eles está o filósofo persa Avicena. Mas não basta explicar o funcionamento da alma, pois isso não era suficiente para afirmá-la como uma substância independente do corpo ou não, já que, se haveria alguma atividade que lhe fosse própria e, na hipótese de se confirmar que ao menos numa instância ela poderia operar sem a participação do corpo para se chegar à imortalidade. Explicita ainda que a falsafa inclinou-se a adotar um princípio de interpretação dual da intelecção que se manifesta em passivo e ativo. O primeiro como uma faculdade da alma, o segundo como uma inteligência autônoma e separada, cósmica, eterna e imperecível. Avicena seguiu a solução de se alçar às formas inteligíveis numa inteligência que as pensasse simultaneamente em ato mantendo, assim, em sua mais próxima influência da tradição da falsafa de Alfarabi. Para entender melhor, Miguel Attie ainda explica que Ibn Sina guiou-se pelo princípio da classificação das faculdades da alma em três instâncias (também presentes em Aristóteles): vegetal; animal e humana. Sendo que, a alma humana, é a única que lhe distingue do grupo análogo das faculdades dos animais e dos vegetais é aquela pela qual pensa e intelege. Na fundamentação da teoria dos binômios potência e ato, Aristóteles já aplicava, nesse caso, a máxima de que para algo seja movido é necessário algo já em movimento que lhe seja a causa, que para Avicena será o Ser necessário por si próprio, ele que é o criador e fundamental a todas as criaturas. Attie Filho expõe que a teoria do conhecimento e da definição do funcionamento da alma humana se dá na seguinte passagem do livro De Anima de Aristóteles e que foi sustentação para vários filósofos, inclusive Avicena: “(...) e não digo que ele ora age e ora não age, mas, por sua separação, continua a ser o que era e, com isso, torna-se espiritual e imortal”.30 Isso fez com que surgisse a dupla noção do intelecto que torna todas as coisas e do intelecto que é produtor 30 ARISTÓTELES. De Anima. Tradução de Zingado, M. Razão e Sensação em Aristóteles. São Paulo, Editora Malori. 1999. p. 199. de todas as coisas que trouxe em si o germe dos debates posteriores que ocuparam pensadores desde a antiguidade tardia. Em suma, Miguel Attie define que para Avicena o mais alto grau de sua essência, ou melhor, no que lhe dá de mais próprio, a alma humana é conhecimento pelo intelecto e em seu inerente movimento, a alma humana é entendimento e consciência de si, e conhecimento do que não é si, em si. Pois, a alma humana não prescinde da conexão com os princípios da inteligibilidade presentes na inteligência da qual procede ao mundo sublunar. A ciência da alma liga-se e implica ética, política, metafísica, cosmologia e lógica dentre outras, sendo que, a alma é no horizonte mais amplo, o tecido da filosofia, “sulcado” nesse período e nesse idioma verificado como sendo a ciência que articula como outras ciências e restaura uma nova visão do homem na historia do pensamento filosófico. Para concluir o nosso pensamento referente à problemática levantada a partir destas interpretações acima, ficaríamos sabendo o resultado adquirido acima, mas buscando ainda outros utensílios para caráter de informações para estruturamento deste trabalho e também como um bom filósofo, que busca e faz da investigação uma jornada, foi buscada leitura metódica e equilibrada da obra que sustentou a tese de Avicena sobre a causalidade dos Seres criados: A Metafísica de Aristóteles. Nesta obra é possível encontrar uma solução arcabouça para a problemática desenvolvida e analisada neste artigo. Na Metafísica Aristóteles fala da causalidade primeira de um objeto como sendo o primeiro criador e causado do outro, contudo a formação de criações futuras é conseqüência da primeira, por que se não fosse a primeira não existiriam os que vieram depois. Assim expressa o filósofo grego: Ademais, é evidente que há algum primeiro princípio e que as causas das coisas não são nem uma seqüência infinita, nem infinitamente múltiplas quanto ao tipo, pois a geração material de uma coisas a partir de uma outra não pode prosseguir numa progressão infinitas (por exemplo, carne a partir da terra, a terra do ar, o ar do fogo e assim por diante, indefinidamente, sem uma interrupção); nem pode a origem do movimento (por exemplo, o homem ser movido pelo ar, o ar pelo sol, o sol pela discórdia, numa série ilimitada).31 Desta maneira, Aristóteles afirma que para ter um objeto ou uma coisa é necessário ter uma causa para sua existência, e se ela for criação de várias gerações, mesmo assim ela continuará sendo conseqüência da primeira não do “termo anterior”, já que, para o filósofo grego se não tiver a causa primeira não existiria o termo que está agora visível: E ocorre precisamente o mesmo com a causa formal, pois no caso de todos os termos intermediários de uma série contidos entre o primeiro e o último termo, o termo anterior é necessariamente a causa daqueles que o sucedem – porque se tivéssemos que dizer qual dos três é a causa, diríamos o primeiro. De qualquer modo, não é o último termo, uma vez que o que vem no final não é a causa de nada. Tampouco, por outro lado, é o termo intermediário, que se limita a ser a causa de um – e não faz diferença alguma se há um termo intermediário ou vários, ou se seu número é infinito ou finito. Mas no que se refere ás séries, que são infinitas desta maneira, e do infinito em geral. Todas as partes são igualmente intermediarias até o presente momento. Assim, se não há primeiro termo, não há, de modo algum, causa.32 Assim, pode-se dizer que na relação de criador e criador a causa primeira de todas as coisas possíveis e impossíveis de serem criadas são frutos da primeira causa e não da última ou da antecessora causal. Desta maneira, é possível afirmar que a análise que o sistema aviceniano fez sobre a causa primeira está mal interpretado, pois é apresentado uma forma de criação natural e imprópria para a pessoa do Ser Criador e gerador substancial do das coisas existentes na terra ou na razão. 31 ____________. Metafísica. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. 1ª Ed. Bauru, SP: EDIPRO, 2006. p. 136. parágrafo 101c. 32 ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. 1ª Ed. Bauru, SP: EDIPRO, 2006. p. 252. parágrafo 142b. 4 Considerações É imprescindível afirmar a partir de agora: Deus não cria por necessidade natural, pois ele sendo o Ser Criador, as coisas criadas em tudo gira e emana dele. Mesmo elas estando mais longe possível da causa inicial, continuariam sendo a conseqüência dor Ser primeiro ou causa primeira. Ainda dentro do pensamento metafísico aviceniano é possível chegar à conclusão de que a causa primeira de todas as coisas maginável e imaginável é sem dúvidas Deus, ou melhor, o Ser Necessário por si próprio, ele que não foi criador mais é gerador de tudo, pois sem ele nada existiria. Analisar o tema proposto: filosofia árabe: uma concepção aviceniana a noção do Ser é uma tarefa muito abrangente, já que Avicena possuía uma filosofia com bases e influências de dois grandes filósofos: Platão e Aristóteles e foi indispensável ler e também analisar estas veredas do pensamento antigo para encontrar uma solução e ou uma luz para a problemática deparada na leitura da obra de Ibn Sina. Este projeto de pesquisa filosófico pode ser sintetizado pelo esforço e pelo dinamismo para entrosamento e caracterização do princípio da busca do entendimento para o limiar de novas pesquisas e soluções diversificada do pensamento aviceniano. E responder a problemática encontrada foi além de tudo um incentivo a buscar fontes para leituras e alavancamento de novas idéias do pensamento que iluminou as mentes ocidentais. Então como disse Avicena, que o nós fiquemos em paz com a presença de “Deus o Clemente, o Misericordioso”. 33 ISKANDAR, Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina) A origem e o Retorno. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005. p. 03. 33 REFERÊNCIAS AGOSTINHO. Sobre a pontecialidade da alma: De quantitate animae. Tradução de Aloysio Jansen de Farias; revisão de tradução Frei Graciliano González. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. 1ª Ed. Bauru, SP: EDIPRO, 2006. ATTIE FILHO, Miguel. Falsafa: a filosofia entre os árabes: uma herança esquecida. São Paulo: Editora Palas Athena, 2005. ___________, Miguel. Soul and Intellect in Ibn Sina (Avicenna) In: Hypnos: revista do Centro de Estudos da Antiguidade Grego-Romana. Ano 10 Nº 14 – 1º semestre. São Paulo: Editora Educ; Paulus, 2005. BELTRÁN, Miquel; TORVÁ, Cesc. El Dios-Secreto de IBN SINA. In: Cuadernos Salamantinos de Filosofia, Nº 23. Salamanca: Inprenta KADMOS, 2000. FERNADEZ, Clemente. Los fílósofos medievales. Vol. I e II. Madrid: La Editorial Católica, S. A, 1979. GILSON, Etienne. A existência na filosofia de São Tomás de Aquino. Tradução de Geraldo Pinheiro Machado; Gilda Lessa mellilo; Yolanda Ferreira Balcão; Revisão de tradução Fr. Guilherme Nery Pinto O. P. São Paulo: Editoras Duas Cidades, 1962. GIORDANI, Mário Curtis. História do mundo árabe medieval. 5º edição. Petrópolis: Vozes, 1985. GUERERO, Rafael Ramón. Avicena. Madrid: Ediclás, 1994. ________, Rafael Ramón. L’Explication du Monde: L’Être Nécessaire et L’Être Possible. In: La pende Religione D’Avicenne. Paris: Editora J. Urin, 1951. p. 35 – 68. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Vol. I, 15ª edição. Petrópolis – RJ: Vozes, 2005. ISKANDAR. Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina): A origem e o retorno. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005. _________. Jamil Ibrahim. Avicena (Ibn Sina): A origem e o retorno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. _________. Jamil Ibrahim. Tradução do Árabe para o Português dos 15 primeiros capítulos do artigo Primeiro da obra “Al – Mabda’ Wa Al – Ma’ad” (A origem e o Retorno) de Avicena. Dissertação (mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo – SP. 1993. _________. Jamil Ibrahim. Tradução do Árabe para o Português do tratado da obra “Al – Mabda’ Wa Al – Ma’ad” (A origem e o Retorno) de Avicena. Vol. I e II. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 1993. LIBERA, Alain. A filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1990. SILVA NOGUEIRA, Luis Flávio. “Avicena: o filósofo e sua filosofia”. Ágora Filosófica. Recife: Fundação Antônio dos Santos Andrades – FASA, v.3. Nº 1 / 2 jan-dez 2003. 129p. LIBERA, Alain. A filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1990. 0STORCK, Alfredo. Possibilidade lógica e Potência divina: Tomás de Aquino crítico de Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. _________, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Indiferença: Henrique de Gand leitor de Avicena. in: Revista Analytica, Vol. 09. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2005. _________, Alfredo. Eternidade, Possibilidade e Emanação: Guilherme de Auvergne leitor de Avicena. Revista Analytica, Vol. 07. Nº 01. São Paulo, SP: Editora USP, 2003. PEREIRA, Rosalie Helena de Souza. Prophecy in Avicenna: The union of humam and divine. In: Hypnos: revista do Centro de Estudos da Antiguidade Grego-Romana. Ano 01 Nº 01. São Paulo: Editora Educ; Paulus, 1996. RUBENSTEIN, Richard E. Herdeiros de Aristóteles: Como Cristãos, Muçulmanos e Judeus Redescobriram o Saber da Antigüidade e Iluminaram a Idade Média. Tradução de Vera Ribeiro; Ilustrações de David Toohey. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. SEROUYA, Henri. La Pensée Arabe. Paris: Presses Universitaires de France, 1960. SATRE, Jean Paul. O Ser e o Nada. São Paulo: Martins Fontes, 2001. TILLICH, Paul. A Coragem de Ser. Baseado nas Conferências terry, pronuciadas na Yale University, tradução de Eglê Malheiros. 3º edição. São Paulo – SP: Editora Paz e Terra S/A, 1976 ULLMANN, Reinholdo Aloysio. Plotino: um estudo das Enéadas. Coleção Filosofia 134. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2002.