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Agência de Notícias Brasil-Árabe - SP
26/05/2011 - 07:00
Avicena em português
Pela primeira vez, 'Livro da Alma', escrito em árabe por Avicena, ganha tradução
para o português a partir da língua original. Projeto consumiu três anos de trabalho
do tradutor, Miguel Attie Filho.
Marcos Carrieri
São Paulo - Pela primeira vez, o "Livro da Alma", escrito em árabe pelo médico, político e
filósofo Ibn Sina ganha uma tradução em português. O trabalho consumiu quase três anos de
dedicação do professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da
USP, Miguel Attie Filho. Neste livro, o autor procura descrever a natureza humana por meio da
alma sem, no entanto, valorizá-la do ponto de vista religioso. É também considerado uma
"ponte" entre a história do pensamento grego e europeu.
O "Livro da Alma" é parte de uma enciclopédia chamada, em
árabe, de Al Sifa (A Cura), escrita entre 1.020 e 1.030. O
"Livro da Alma" é o sexto da parte das Ciências Naturais,
uma das divisões que compõem "A Cura", também formada
pela Lógica, Matemática e Metafísica. Avicena, como Ibn Sina
é conhecido no Ocidente, também é um dos precursores da
falsafa, a filosofia em árabe. Seu pensamento é influenciado
pelos pensadores clássicos: Platão (para quem existem duas
realidades: a concreta e a abstrata), Aristóteles (que defendia
a existência da realidade concreta e que é nela que se deve
filosofar) e o neoplatonismo desenvolvido pelo pensador
Plotino, que defende, por sua vez, que o mal não existe,
porém a imperfeição sim.
Divulgação
A história do pensamento está na base da formação
'Livro da Alma' é parte da obra 'A
acadêmica de Miguel, assim como a obra de Avicena. Os
Cura'
estudos sobre o "Livro da Alma" começaram quando Attie
preparava o mestrado e continuaram pelo doutorado, pósdoutorado e livre-docência do professor, de 50 anos. Não é recente, contudo, seu interesse pela
obra deste filósofo que nasceu onde hoje fica o Uzbequistão e desenvolveu seu trabalho no
mundo persa. "Quando estudava para o mestrado, vi que quase não havia referência aos
pensadores árabes. Não apareciam em lugar nenhum. Fui incentivado a pesquisar porque sua
presença estava muito ausente, embora nos anos 50 e 60 houve um resgate deles", recorda o
tradutor.
Quando foi convidado pela editora Globo a traduzir o livro, pouco depois de concluir seu
doutorado, em 2004, Attie conhecia bem o "Livro da Alma". Mas, depois de começar a tradução,
percebeu que se tratava de uma "aventura". "O chamado para traduzir o livro foi quase um
desafio porque o que eu sabia a respeito dele e de suas expressões estava no limite. Neste
caso, não se trata apenas de traduzir do árabe para o português. Trata-se, também, de
interpretar e traduzir os conceitos de filosofia", recorda. Em muitas ocasiões, Attie precisou
consultar expressões em grego para encontrar a palavra ideal.
Para o tradutor, além de fazer existir no Brasil uma obra da filosofia nunca traduzida diretamente
do árabe para o português, o "Livro da Alma" encaixa mais uma peça no quebra-cabeças da
história do pensamento. Os pensadores árabes do século 9 estão no "meio do caminho" entre
gregos, como Platão (427a.c – 347a.c) e Aristóteles (384a.c. – 322a.c.), e os eurpeus dos
séculos seguintes. Attie afirma que uma das principais características de Avicena é mostrar que
não existem dois tipos de pensamento: Oriental e Ocidental. "Isso aparece na Europa depois do
Renascimento (no século 14). Isso é parte de uma ideologia. Por isso existe essa divisão. O
'Livro da Alma' apresenta dificuldades para quem defende essa cisão", diz.
Quando escreveu o "Livro da Alma", Avicena não o fez pensando na alma do ponto de vista
religioso. "Ele também era médico. Para falar da alma, fala antes de outras áreas do corpo que
não tratam da alma. Trata antes do corpo, para depois falar da alma. Ele descreve os sentidos,
as câmaras cerebrais, a cognição. O modo como arquiteta o livro não é pela religião, mas pelo
viés da razão. É um livro de ciência e filosofia", diz Attie. "Ele fala da cura da alma a respeito
das coisas: do homem, da sociedade, da natureza e do universo", explica. Attie observa que,
embora não seja em si religioso, o "Livro da Alma" ganha uma interpretação "esotérica" em
regiões de maioria islâmica xiita. "Eles tiram do livro a parte mais espiritualista, enquanto a
interpretação científica é maior na Europa", completa.
Attie, que é descendente de sírios, já traduziu três filósofos do mundo árabe: Al-Farabi, Al-Kindi
e Avicena. Revela que se a filosofia árabe tivesse mais exemplares traduzidos para o português
ele se aventuraria por outras traduções da obra de Avicena. Mas isto ainda não ocorre.
"Gostaria, então, de traduzir a obra principal de cada um dos grandes autores", afirma. Desses,
ainda falta o filósofo Averróis.
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