Palpação Muscular: Sensibilidade e Especificidade

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REVISÃO DA LITERATURA
Palpação Muscular:
Sensibilidade e
Especificidade
Muscle Palpation: Sensitivity and Specificity
Rafael dos SANTOS SILVA*
Paulo César Rodrigues CONTI**
Carlos dos Reis Pereira de ARAÚJO***
José Henrique RUBO****
Carlos Neanes SANTOS*****
SANTOS SILVA, R. dos; CONTI, P.C.R.; ARAÚJO, C. dos R.P. de; RUBO, J.H.; SANTOS, C.N. Palpação muscular: sensibilidade
e especificidade. JBA, Curitiba, v.3, n.10, p.164-169, abr./jun. 2003.
Este trabalho se propõe a analisar critérios de sensibilidade e especificidade relativos à palpação
muscular, exame largamente utilizado na abordagem das Disfunções Temporomandibulares.
Baseado na literatura pertinente, procurou-se abordar e discutir os aspectos importantes desse
exame, as controvérsias existentes, com ênfase na sensibilidade e especificidade, características
tão pouco compreendidas, evitando, assim, diagnósticos equivocados e execução de tratamentos
desnecessários.
PALAVRAS-CHAVE: Síndrome da disfunção articulação temporomandibular; Palpação; Sensibilidade e
especificidade.
INTRODUÇÃO
As Disfunções Temporomandibulares (DTMs) caracterizam-se pela presença de
sinais e sintomas nos músculos da mastigação, na ATM ou em ambos.
A obtenção de um diagnóstico preciso é um fator decisivo para o sucesso do
tratamento dessas patologias, evitando-se, dessa forma, sobretratamento com conseqüências danosas e onerosas para o paciente.
A palpação muscular constitui-se num exame extremamente importante para o
diagnóstico das DTMs de origem muscular. Através do estímulo mecânico provocado
pela pressão digital, estimulam-se as fibras que conduzem a dor ao sistema nervoso
central, localizadas na massa das estruturas musculares e miofasciais. Apesar de utilizadas sistematicamente como meio diagnóstico, as técnicas de palpação muscular,
assim como a correta localização dos músculos envolvidos e a pressão ideal a ser
exercida, ainda continuam sendo motivo de controvérsias na literatura. A resposta
individual de cada paciente, o grau de tolerância aos estímulos dolorosos e a própria
interpretação do profissional envolvido na palpação são problemas encontrados nos
processos de exame dos músculos.
* Especialista em Prótese Dental/Faculdade de Odontologia de Bauru – USP, Mestrando em Reabilitação
Oral/Faculdade de Odontologia de Bauru – USP; Al. Octávio Pinheiro Brizolla, 9/75 – CEP 17012-101;
Bauru, SP; e-mail: [email protected]
** Professor Doutor do Departamento de Prótese/Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
*** Professor Doutor do Departamento de Prótese/Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
**** Professor Doutor do Departamento de Prótese/Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
***** Doutorando em Reabilitação Oral/Faculdade de Odontologia de Bauru – USP
- Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial, Curitiba, v.3, n.10, p.164-169, 2003
Palpação Muscular: Sensibilidade e Especificidade
SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE
Um exame diagnóstico, para ser efetivo, tem que,
objetivamente, dentre várias possibilidades de diferentes
patologias, eliminar com precisão algumas dessas possibilidades e/ou determinar, não menos precisamente, a
doença que o indivíduo apresenta.
A essas características, inerentes a qualquer exame
diagnóstico, dá-se o nome de sensibilidade e especificidade. Sensibilidade pode ser definida como a capacidade de um exame diagnóstico detectar uma doença
quando realmente ela está presente. Especificidade é a
capacidade de um teste diagnóstico não detectar doença em indivíduos realmente não doentes. Essas duas
características dos testes diagnósticos são comumente
confundidas ou usadas de maneira equivocada. Sheps &
Schechter (1984) verificaram, num apanhado de artigos
relacionados a testes diagnósticos, que 74% deles não
foram capazes de explicar com competência esses termos
e tampouco usá-los de maneira correta.
A primeira característica num teste diagnóstico que
deve ser questionada é referente à sua validade: “Será
que ele realmente avalia o que se propõe?”. A maneira
de responder a essa pergunta é comparando-a ao que
se chama de gold standard, um teste 100% confiável,
normalmente através de biópsia, cirurgia, necrópsia ou
acompanhamento a longo prazo.
Alguns problemas estão relacionados a esses testes
de referência. Nos casos de avaliação de atividade
de doença periodontal, por exemplo, não há como
se ter um gold standard, pois não se pode ter acesso a
uma situação prévia de perda de inserção, o que acaba
levando à utilização de referências arbitrárias (BRUNETTE, 1996).
Outro problema se refere à real utilidade desse novo
teste, visto que a simples existência de um teste perfeito
elimina a utilização de qualquer outro, a não ser por
razões de redução de custo ou facilidade de acesso.
Alguns pesquisadores que não têm acesso ao gold
standard acabam avaliando a sensibilidade e a especificidade de um novo teste diagnóstico indiretamente, usando
outro teste como referência, tendo este último sido comparado ou não a um gold standard. Essa comparação
indireta, portanto, torna-se menos confiável em relação
à comparação direta com um gold standard. Em geral,
faz-se a comparação de um teste com um gold standard
por meio de uma tabela como a que segue (Tabela 1):
Para a melhor compreensão da tabela acima, observe
a simulação feita logo abaixo, na Tabela 2. Pretende-se
comparar as análises visual e radiográfica de pequenas
lesões de cárie em dentes extraídos. Nesse caso, a análise
visual atua como gold standard e a análise radiográfica se
faz para facilitar o trabalho, indicando apenas ausência
ou presença de lesão.
Entende-se por sensibilidade da análise radiográfica
a proporção de um grupo que apresenta lesão de cárie
e cuja detecção é possível. Pode-se calcular esse valor
através da seguinte fórmula:
TABELA 1: Comparação de um novo teste diagnóstico com um gold
standard.
Gold Standard
Positivo
Teste Diagnóstico
Negativo
Positivo
Negativo
Positivo
Falso
positivo
a+b
Negativo
c+d
Falso
negativo
a b
c d
a+c
b+d
a+b+c+d
TABELA 2: Exemplo da comparação de um teste diagnóstico (análise
radiográfica) com um gold standard (análise visual).
Análise visual
Negativo
Positivo
Positivo
16
143 (a+b)
122
130
252 (c+d)
249 (a+c)
146 (b+d)
395
(a+b+c+d)
127
ab
c d
Análise radiográfica
Negativo
Sensibilidade =
a
x 100%
a+c
Segundo a fórmula, uma alta sensibilidade pode ser
obtida se o número de falso-negativos (c) for baixo. No
exemplo, calcula-se dessa maneira:
Sensibilidade =
127
x 100% =51%
127 + 122
Conforme podia prever, por razões físicas, a sensibilidade da análise radiográfica mostrou-se baixa, ou seja,
com muitos resultados falso-negativos. Quando um teste
é altamente sensível, por exemplo, indicando ausência
de doença, há uma alta probabilidade de a doença estar
realmente ausente, porque resultados falso-negativos são
raros. Portanto, testes altamente sensíveis são muito úteis
para verificar ausência de doença.
Como dito anteriormente, especificidade pode ser
definida como a capacidade de um teste diagnóstico de
identificar corretamente a ausência de doença. No caso
da palpação muscular, essa é uma característica desejada,
por apresentar poucos falso-positivos. A especificidade
pode ser calculada por meio da seguinte fórmula:
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Palpação Muscular: Sensibilidade e Especificidade
Especificidade =
b
x 100%
b+d
Essa fórmula indica que um alto valor para especificidade pode ser alcançado apenas se o número de
resultados falso-positivos for baixo. No exemplo da Tabela
2, calcula-se:
Especificidade =
130
x 100%= 89%
16 + 130
Como pode-se notar, a análise radiográfica apresentou uma alta especificidade. Nesse caso, torna-se alta a
probabilidade de a lesão estar realmente presente quando
detectada, porque resultados falso-positivos são raros.
Portanto, testes com alta especificidade são importantes
para detectar a presença de doença ou de alguma condição que se pretenda investigar.
PALPAÇÃO MUSCULAR
Num exame clínico para pacientes com DTM, após a
realização de uma minuciosa anamnese, inicia-se o exame
físico, em que inspecionam-se os músculos, as articulações
temporomandibulares e os dentes, com o objetivo de
avaliar a função e a saúde dessas estruturas.
A sensibilidade muscular é um sinal clínico importante presente na maioria dos pacientes com algum
tipo de DTM. Na literatura, essa sensibilidade é referida
como Limiar de Dor à Pressão (LDP), que seria, mais
especificamente, o ponto a partir do qual um paciente
sente que a pressão crescente exercida torna-se desagradável ou “dolorosa” (DAVENPORT, 1969). Para
avaliá-la, tem sido utilizado o exame de palpação, seja
digital ou com o auxílio de algum aparelho (algômetro
ou pressurômetro).
A palpação que normalmente é feita na clínica
diária é a manual. Esta é realizada imprimindo-se uma
pressão firme com a ponta do(s) dedo(s) indicador e/ou
médio, realizando pequenos movimentos circulares.
Segundo Okeson (1998), uma pressão firme durante
um a dois segundos é mais efetiva que uma pressão
intermitente e mais leve. Para esse exame ser efetivo, o
músculo palpado tem que estar em estado de repouso,
portanto os dentes não podem estar em contato, nem a
boca totalmente aberta.
Por meio desse exame, podem-se avaliar, além da
dor, tonicidade muscular, trigger points, edema, etc. A
palpação faz parte do exame físico inicial de qualquer
paciente que procura tratamento para DTM e por isso
é motivo de estudo em diferentes centros (BENDTSEN, 1994; KROGSTAD, 1992; ROBINSON, 1998;
SOLBERG, 1986).
Apesar da reconhecida utilidade desse exame, alguns
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cuidados devem ser tomados para evitar confusão (FRIEDMAN, 1982; MURPHY, 1992; SOLBERG, 1986):
• Alguns músculos, como o trapézio e o esternocleidomastóideo, apresentam cadeias de linfonodos
próximas aos locais de palpação. Se estiverem enfartados
devido a uma infecção respiratória, por exemplo, eles
responderão positivamente à palpação.
• Articulações inflamadas podem acusar dor durante a palpação de um músculo próximo, o que pode
levar a um diagnóstico equivovado. Por exemplo, a porção medial do trapézio pode mostrar-se extremamente
sensível em casos de artrite.
• Algumas estruturas anatômicas naturalmente se
mostram sensíveis, como, por exemplo, a região da primeira vértebra cervical (C1), localizada entre o processo
mastóide e o ângulo da mandíbula.
• A palpação do masseter pode ser dolorida se a
glândula parótida estiver inflamada ou infeccionada.
Os estudos sobre palpação apresentam várias técnicas e se mostram contraditórios em sua maioria. Isso se
deve à falta de uma padronização do exame quanto à
técnica e à quantidade de pressão exercida (DWORKIN,
1990; GOULET, 1998).
Quanto à técnica, alguns autores preferem a palpação digital (DWORKIN, 1998; DWORKIN, 1990; GOULET, 1998; KOPP, 1977), enquanto outros preferem o
uso de um instrumento que mede a pressão exercida,
denominado algômetro (CHUNG, 1992; ISSELÉE,
1997; JENSEN, 1986. JENSEN, 1992; MURPHY, 1992;
REID, 1994). Tem-se conseguido bons resultados com
o algômetro, como nos estudos de Bendtsen et al., que,
em 1994, obtiveram alta confiabilidade na palpação com
esse aparelho. Os autores, por esse motivo, indicam a
utilização desse instrumento para treinamento e calibração de clínicos previamente a pesquisas. Autores como
Goulet (1998) consideram a palpação digital confiável,
desde que precedida de um programa de calibração e
treinamento.
A quantidade de pressão a ser exercida é outro
ponto divergente entre os trabalhos, pela diferença
de valores de pressão recomendados (GOULET,
1998; JENSEN, 1986; JENSEN, 1994). Ohrbach &
Gale (1989), por exemplo, recomendam uma pressão entre 1,47 e 1,68Kg, enquanto Bendtsen (1994),
recomenda até 4Kg em alguns casos. Essa variação,
provavelmente, acontece pela diferença de limiar de
sensibilidade entre os gêneros, diferentes músculos
e, principalmente, pelo tempo de experiência com
a dor apresentado pelo paciente. Um paciente com
dor aguda acusará, provavelmente, dor com menos
pressão em relação a um indivíduo com dor crônica
ou a um assintomático. Um indivíduo assintomático,
- Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial, Curitiba, v.3, n.10, p.164-169, 2003
Palpação Muscular: Sensibilidade e Especificidade
por sua vez, também poderá apresentar dor com uma
pressão excessiva. Há poucos estudos na literatura
considerando esse tempo desde o início da experiência
com a dor pelo paciente (agudo ou crônico); portanto, resultados falso-positivos ou falso-negativos não
são difíceis de acontecer. Murphy, em 1992, avaliou
o LDP de indivíduos assintomáticos nos músculos
temporal anterior, masseter (corpo) e aspecto lateral
da cápsula da ATM com o auxílio de um algômetro.
Foram realizados dois exames em seqüência, com um
pequeno intervalo de descanso entre eles. Encontrouse uma média de 1,5Kg de pressão para desencadear
um “desconforto”, não uma dor intensa. O masseter
apresentou um LDP ligeiramente menor em relação ao
temporal. Pode-se notar que o valor médio encontrado
é o mesmo recomendado por Ohrbach & Gale (1989),
porém estes indicam essa pressão para pacientes com
alguma patologia muscular.
Quanto ao gênero, vários estudos relatam uma maior
sensibilidade à dor em mulheres, o que explica a maior
procura das mesmas por tratamento (FREDRIKSSON,
2000; ROBINSON, 1998; KROGSTAD, 1992).
Quanto ao músculo examinado, Murphy, em 1992,
verificou que o masseter apresenta um menor LDP em
comparação ao temporal anterior. Às vezes, uma mesma
pressão de palpação pode causar a mesma intensidade
de dor em dois músculos diferentes, porém sem necessariamente os dois estarem comprometidos. O que se
verifica, nesses casos, são diferentes LDPs em diferentes
músculos num mesmo indivíduo.
Para se poder aproveitar ao máximo as informações
obtidas por esse exame, o grau de desconforto deve ser
verificado e anotado. Pelo fato de a dor ser subjetiva e,
portanto, variar de paciente para paciente, esse registro
merece um cuidado especial para poder ajudar no diagnóstico e servir de parâmetro de comparação pós-tratamento.
Uma das maneiras mais utilizadas para se registrar não só o
músculo afetado, mas também o grau de envolvimento, é
enquadrar a resposta do paciente frente à palpação dentro
de quatro categorias (OKESON, 1998):
• Zero: ausência de dor ou de desconforto;
• Grau 1: leve desconforto;
• Grau 2: desconforto ou dor;
• Grau 3: dor acompanhada de sinal de pulo,
movimento de retirar a cabeça e/ou reflexo palpebral.
Para melhorar a eficiência do exame, facilitando a
comparação, os músculos devem ser palpados simultaneamente de um lado e de outro da cabeça.
Sempre que o paciente relatar dor grau 3, devese procurar por trigger points (pontos gatilho) no local
palpado, mantendo-se uma pressão firme no local por
aproximadamente 8 a 10 segundos e questionar o paciente se a dor “caminhou” ou foi sentida em outro lugar.
A detecção de trigger points é de extrema importância,
visto que clama por uma abordagem terapêutica diferente
de uma simples mialgia.
Observa-se que a palpação muscular está sujeita ao
aparecimento de resultados falso-positivos e falso-negativos. Portanto, a aplicação dos conceitos de especificidade e
sensibilidade é necessária aos procedimentos de palpação
dos diferentes músculos da mastigação, a fim de que haja
confiabilidade nos resultados. Com isso, convém discutir
a validade ou não de tais procedimentos, analisando os
principais músculos envolvidos:
Masseter
É um músculo formado por um feixe superficial e
outro profundo, e ambos devem fazer parte do exame de
palpação. Tem sua origem no arco zigomático, com trajeto
descendente até a borda inferior do ramo da mandíbula e
parte do corpo, inserindo-se no ângulo da mandíbula.
A palpação do masseter pode ser considerada muito
confiável e válida. Em 1999, Fugisawa et al. mediram o
LDP do masseter superficial com e sem anestesia cutânea.
Verificaram que não houve diferença estatisticamente
significante entre os valores pré e pós-anestesia. Com
isso, concluíram que a sensação de dor, quando presente, era advinda realmente do músculo, não havendo
influência do tecido da pele, tornando o teste altamente
específico.
Temporal
Músculo de grandes dimensões, sua origem está
localizada na fossa temporal, na superfície lateral da cabeça, e suas fibras descem convergindo para inserirem-se
no processo coronóide. Pode ser dividido em três áreas
(anterior, média e posterior), de acordo com a direção
de suas fibras. Portanto, cada área deve ser investigada
separadamente.
Assim como o masseter, a palpação do temporal pode
também ser considerada altamente confiável e válida, pelo
fato de apresentar osso subjacente que o suporta, fácil acesso e uma fina camada de pele que o recobre. Como se pode
verificar no estudo de Fujisawa (1999), a pele não exerce
influência no LDP do músculo, nessas condições.
Pterigóideo Medial
É um músculo que tem sua origem na fossa pterigóidea e inserção na face medial do ângulo da mandíbula.
Apenas sua inserção pode ser palpada diretamente, localizando a borda inferior da mandíbula perto do ângulo
e realizando a pressão na borda ínfero-medial.
Pelo difícil acesso à palpação e por ser uma região
normalmente dolorida, não está indicada a palpação
direta desse músculo. Nesses casos, deve-se dar preferência a outros métodos de avaliação do estado do mús-
- Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial, Curitiba, v.3, n.10, p.164-169, 2003
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Palpação Muscular: Sensibilidade e Especificidade
culo, como por exemplo a manipulação funcional.
Pterigóideo Lateral
Tem sua origem na face lateral da lâmina lateral
do processo pterigóide e inserção na fóvea pterigóide
e na cápsula. Antes de inserir-se, ele divide-se em dois
feixes com funções diferentes, o feixe superior e o feixe
inferior.
Durante muito tempo, o pterigóideo lateral, especialmente o feixe inferior, esteve incluído no exame
de palpação direta dos músculos relacionados com
DTM. Acreditava-se que era possível acessá-lo por
meio da palpação intra-bucal, posicionando o dedo
indicador ou mesmo o dedo mínimo no vestíbulo na
região do terceiro molar superior e exercendo uma
pressão para posterior, superior e para medial, atrás
da tuberosidade da maxila (TÜRP, 2001).A maneira
mais efetiva de verificar seu acometimento é por meio
da manipulação funcional, já que seu acesso direto é
impossível (OKESON, 1998).
Em 1980, Johnstone & Templeton publicaram um
trabalho questionando a palpabilidade do músculo pterigóideo lateral. Seus achados basearam-se na análise
de um crânio seco, uma dissecação de cadáver e uma
radiografia lateral da cabeça de um indivíduo. Na análise do crânio seco, os autores puderam verificar que o
espaço entre o processo pterigóide e a superfície medial
do ramo da mandíbula era de 15mm, quase o tamanho
da ponta do dedo do examinador. No cadáver dissecado, notaram que o espaço disponível para palpação do
feixe inferior numa posição lateral da mandíbula era de
11mm, e a espessura da ponta do dedo do examinador
era de 14,5mm. Além disso, havia uma interposição do
músculo pterigóideo medial nessa trajetória. Na análise
radiográfica, verificaram que o máximo que se conseguiria ir para posterior durante o exame era 4,5mm. Os
autores concluíram que é muito difícil alcançar o músculo
pterigóideo lateral através da palpação e seu acesso não
se daria sem pressionar consideravelmente o músculo
pterigóideo medial.
A partir do levantamento dessa dúvida, outros autores
foram investigar mais profundamente essas informações. O
trabalho de Stratmann, em 2000, analisou várias dissecações
de cadáver. Dentre os achados, os principais foram:
• 85% das dissecações apresentaram uma sobreposição do pterigóideo medial;
• a média da distância entre a rafe pterigomandibular
e a porção anterior do feixe inferior foi de 11,3mm;
• a distância residual entre o tecido comprimido
e a porção anterior do feixe inferior foi de 7,8mm;
• das 106 dissecações, em 10 verificou-se a possibilidade de alcance do feixe inferior com o dedo.
Os autores concluíram que, por razões anatômicas, é
praticamente impossível alcançar o músculo pterigóideo
lateral inferior através da palpação digital. Fica fácil justificar, portanto, alguns resultados encontrados na literatura
que, comumente, mostram o pterigóideo lateral como o
músculo mais sensível à palpação, podendo chegar a 75%
dos pacientes (DWORKIN, 1990). Pode-se imaginar o
número de resultados falso-positivos que foram encontrados, o que caracteriza sua palpação como pouco válida,
com especificidade de 24,1% e valor preditivo positivo
de 5,6%, segundo Türp (2001). Portanto, a dor relatada
nessa área pode ser atribuída a vários fatores:
• compressão da mucosa oral;
• compressão do músculo bucinador;
• palpação da inserção do tendão do músculo
temporal na superfície medial do processo coronóide;
• pressão nas fibras do pterigóideo medial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Baseado no que foi proposto e discutido, podese concluir:
• A palpação muscular é um exame imprescindível
para se chegar a um diagnóstico preciso e evitar tratamentos equivocados ou desnecessários;
• A utilização de um aparelho (algômetro ou
pressurômetro) pode estar indicada para a realização de
pesquisas científicas em que se busca padronização de
procedimentos, bem como para calibração e treinamento
de clínicos no que diz respeito à quantidade de pressão
que deve ser exercida;
• A palpação dos músculos masseter e temporal
mostrou-se mais confiável, visto que é altamente específica, ou seja, apresenta poucos valores falso-positivos;
• A palpação do músculo pterigóideo lateral apresenta baixa confiabilidade por ser altamente sensível e
pouco específica.
SANTOS SILVA, R. dos; CONTI, P.C.R.; ARAÚJO, C. dos R.P. de; RUBO, J.H.; SANTOS, C.N. Muscle palpation: sensitivity and specificity. JBA, Curitiba, v.3, n.10, p.164169, abr./jun. 2003.
The aim of this review was to analyze the criteria for sensitivity and specificity regarding muscle palpation, one of the most important
and useful exams adopted during the diagnosis process of a Temporomandibular Disorder. Some important points were discussed,
based on the pertinent literature, the contradictory opinions, and the sensitivity and specificity, important properties in preventing
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- Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial, Curitiba, v.3, n.10, p.164-169, 2003
Palpação Muscular: Sensibilidade e Especificidade
erroneous diagnosis or unnecessary treatments.
KEYWORDS: Temporomandibular Joint Disfunction Syndrome; Palpation; Sensitivity and specificity.
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Recebido para publicação em: 07/01/03
Enviado para análise em: 13/01/03
Aceito para publicação em: 18/02/03
- Jornal Brasileiro de Oclusão, ATM e Dor Orofacial, Curitiba, v.3, n.10, p.164-169, 2003
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