8. Recomendações para Tratamento da Anemia no Paciente com Transplante Renal Válter Duro Garcia e Paula Goulart Pinheiro Machado RECOMENDAÇÕES RECOMENDAÇÃO 8.1 O diagnóstico de anemia em pacientes adultos (acima de 18 anos) com DRC, independente do estágio da doença, deve obedecer aos critérios diagnósticos recomendados para a população geral (vide seção diagnóstico) (Evidência B). • Homens: nível de hemoglobina menor que 13,0g/dL • Mulheres e homens acima de 65 anos: nível de hemoglobina menor que 12,0g/dL Este é um critério diagnóstico e não de intervenção (ver item tratamento). RECOMENDAÇÃO 8.2 Todo paciente transplantado renal que não apresentar recuperação da concentração de hemoglobina nas primeiras oito semanas após o transplante ou com queda dos valores de hemoglobina deve ser investigado (Evidência B). RECOMENDAÇÃO 8.3 No paciente transplantado, uma avaliação clínicolaboratorial da anemia deve ser realizada antes de iniciar o tratamento com MEE. Além do estoque de ferro e da função renal, fatores específicos do transplante devem ser considerados (Evidência C). RECOMENDAÇÃO 8.4 O tratamento da anemia com suplementação de ferro e uso de MEE deve seguir a diretriz de tratamento da anemia na DRC (Opinião). RECOMENDAÇÃO 8.5 O emprego de transfusões de hemácias em pacientes transplantados com DRC deve ser criterioso e maximamente restrito (Evidência B). JUSTIFICATIVA O paciente transplantado renal é considerado um subgrupo dos pacientes com DRC no qual a prevalência de anemia não só depende da definição empregada, mas também da função renal e tempo pós-transplante. Deve ser tratado de forma semelhante ao paciente com DRC. Em estudo europeu multicêntrico de coorte com 4.263 pacientes transplantados21, a prevalência geral de anemia pós-transplante (APT) foi de 38,6%. Não só a função renal foi significativamente melhor nos pacientes com menor tempo de transplante, mas também uma proporção significativa de pacientes com creatinina > 2mg/dL apresentava algum grau de anemia (62,8%), quando comparada aos pacientes com creatinina < 2mg/dL (32%; p<0,01). O impacto da APT ainda não está determinado. Parece contribuir com o desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda17, um fator que prediz óbito e insuficiência cardíaca. Sua correção pós-transplante no paciente diabético parece reduzir o risco cardiovascular 2, mas a associação entre anemia e mortalidade por todas as causas é difícil estabelecer13,22. Alguns estudos sugerem que APT pode contribuir para a perda do enxerto22 e para evolução da nefropatia crônica, mas estas duas variáveis (anemia e função renal) estão tão associadas que é difícil analisá-las isoladamente. Embora, no transplante renal bem-sucedido, o nível de hemoglobina aumente gradualmente, atingindo valores normais em oito a dez semanas8,9,14, um número significativo de pacientes permanece anêmico ou se torna anêmico após o transplante. Nesta fase, a deficiência de ferro pode ser um importante fator que contribui com a APT, na medida em que o aumento da eritropoiese pode adicionalmente reduzir o estoque de ferro já insatisfatório pré-transplante11,12,20. A causa mais freqüente de recuperação incompleta da APT é a disfunção do enxerto1,10. A prevalência de APT varia de 22% a 46% em vários estudos, na dependência da definição de anemia e amostragem dos pacientes. Os fatores mais observados em análise multivariada variam e incluem não só tempo pós-transplante e função renal, mas também sexo (feminino), imunossupressão (azatioprina, micofenolatos) J Bras Nefrol Volume 29 - nº 4 - Supl. 4 - Dezembro de 2007 e uso de inibidor da enzima de conversão e/ou bloqueador do receptor de angiotensina. Apesar de sua prevalência, a APT é tratada com MEEs em uma minoria de pacientes18,21,22. A prevalência de APT na população pediátrica parece ser maior quando comparada à adulta7,21. Avaliação clínico-laboratorial cuidadosa deve ser realizada na suspeita de fatores específicos ao transplante associado à anemia (Tabela 1). Destacam-se as medicações imunossupressoras, algumas consistentemente implicadas na APT em trabalhos prospectivos e randomizados, tais como os inibidores da síntese de purinas19 e inibidores do mTOR5. Entretanto, a redução das medicações imunossupressoras deve ser individualizada e medida de exceção para o tratamento da anemia, devido ao risco de rejeição aguda. O uso dos inibidores de calcineurina (tacrolimo e ciclosporina) e as infecções (Citomegalovírus, Streptococcus pneumoniae e Escherichia coli) podem estar relacionados com a ocorrência de síndrome hemolítico urêmica (de novo ou recorrência) após o transplante. O aumento na creatinina plasmática associada a eritrócitos fragmentados, a elevação nos níveis de desidrogenase láctica e reticulocitose devem aumentar a suspeita de anemia hemolítica quando presentes. Seu tratamento é complexo, envolve não só a retirada dos inibidores de calcineurina, infusão de plasma fresco, plasmaferese, rituximab e tratamento de infecções específicas diagnosticadas e pode levar à perda do enxerto15. A ocorrência de infecções após o transplante, principalmente as infecções virais (citomegalovírus e Parvovírus B19), também pode ocasionar APT. Entre estes, se destaca o Parvovírus B 19 com prevalência póstransplante provavelmente subestimada e também responsável por aplasia pura de células vermelhas3. Se, por um lado, os inibidores da enzima de conversão e antagonistas do receptor da angiotensina podem contribuir com a anemia, seu emprego aumentou 25 nos últimos anos na medida em que seu uso está associado com melhor sobrevida do enxerto e paciente após o transplante6. Desta forma, não se aconselha sua retirada, mas eventual redução na dose. A anemia hemolítica alo-imune pode ocorrer por incompatibilidade minor no sistema ABO em pacientes do grupo A que receberam um rim do grupo O ou pacientes do grupo AB que receberam um rim A ou B. A hemólise pode ser desencadeada por anticorpos anti-A ou anti-B do doador ou auto-anticorpos produzidos pelos linfócitos de passagem 4,16. Este processo geralmente é autolimitado com duração de quatro semanas, recomendando-se transfundir estes pacientes com sangue de doadores tipo O. 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Erythropoiesis after kidney transplantation: the role of erythropoietin, burst promoting activity and early erythroid progenitor cells. Eur J Med Res 2001;6:27-32. 11. Lorenz, M et al. Anemia and iron deficiencies among longterm renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol 2002 Mar;13:794-7. 12. Miles AM et al. Anemia following renal transplantation: erythropoietin response and iron deficiency. Clin Transplant 1997;11:313-5. 13. Molnar et al. Anemia is associated with mortality in kidneytransplanted patients – a prospective cohort study. Am J Transplan 2007;7:818-24. 26 14. Muirhead N. Erythropoietin and renal transplantation. Kidney Int Supp 1999;69:S86-92. 15. Ponticelli et al. Thrombotic microangiopathy after kidney transplantation. Transpl Int 2006; 19:789-94. 16. Ramsey G. Red cell antibodies arising from solid organ transplants. Transfusion 1991;31:76-86. 17. Rigatto, et al. 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