Íntegra da Carta Econômica - Associação Brasileira de Bancos

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Carta Econômica Fevereiro-08
Efeitos da Crise: Descolamento e Desdobramentos.
Desde meados de 2007, a economia internacional tem enfrentado uma forte turbulência
provocada pela crise no setor de crédito imobiliário nos EUA. Apesar do seu contínuo agravamento
e do desconhecimento do real tamanho do rombo produzido na indústria bancária, o fluxo de
capitais para os países emergentes, em primeiro momento, mostrou um desempenho extremamente
positivo. Em particular, a experiência brasileira no ano passado indicou que o país recebeu o
expressivo volume de US$ 34,6 bilhões em investimentos diretos e apresentou um superávit de US$
87,5 bilhões na entrada e saída de divisas. Mesmo com agudeza da crise em janeiro, o ingresso
parcial de capital em investimento direto já remonta US$ 4 bilhões. O prosseguimento de tal
comportamento nos fluxos para os países emergentes favoreceu a criação da tese que a economia
internacional estaria vivenciando um descolamento no movimento dessas economias em relação ao
ciclo econômico norte-americano.
Em outras palavras, a hipótese apregoada é de que a evolução da economia global já não
dependeria estritamente do comportamento da economia central. Com base no bom desempenho da
maior parte das economias emergentes, não só as autoridades dos países emergentes, mas também
economistas do FMI e do Banco Mundial aderiram à argumentação. Sancionando esse pressuposto,
a maior parte das projeções para 2008 apregoava que essas economias perderiam algum impulso,
mas por causa da performance robusta da China e da Índia, continuariam exibindo um dinamismo
considerável. Desse modo, a desaceleração que pudesse ocorrer nos EUA e Europa seria
compensada em grande parte por esses novos pólos de expansão.
Contudo nos últimos dias, conforme foi aumentando a aversão ao risco dos investidores por
todo planeta, com a disseminação da queda de preços nas bolsas e das commodities e a configuração
da inevitabilidade recessão nos EUA, a idéia do descolamento vem rapidamente perdendo o seu
apelo. Em Davos, economistas renomados como James Wolfensohn, Stephen Roach, Michael Pettis,
Guillermo Ortiz, Nouriel Roubini e até o próprio diretor do Instituto de Política e Economia Mundial
da Academia de Ciências da China descartaram a hipótese do descolamento. Contudo, embora
tenham perdido força na sua argumentação, os defensores da tese se apegam ao fato de que o lado
real das economias ainda não ter sido significativamente afetado. Estariam completamente
equivocados? A tese seria realmente descabida em gênero, número e grau?
O principal fator para que se rejeite a hipótese de descolamento, se refere à impossibilidade
de um mundo cada vez mais globalizado de que não haja nenhuma espécie de contágio da reversão
do ciclo econômico dos EUA nos demais países. Para aceitá-la ou não integralmente, seria
Este documento foi preparado pela Assessoria Econômica da ABBC, com finalidade única de prestar informações ao mercado. Esse trabalho reflete a opinião
pessoal, não devendo ser interpretado como oferta ou solicitação de oferta para comprar ou vender quaisquer títulos e valores mobiliários ou produtos e
instrumentos financeiros. É vedada a reprodução, distribuição ou publicação deste material, integral ou parcialmente.
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Carta Econômica Fevereiro-08
necessária uma definição mais clara do que se entende como conceito de descolamento. Encarado
sob o ponto de vista financeiro parece improvável, pois os efeitos da deterioração das condições que
inicialmente passaram praticamente desapercebidos já se fazem sentidos. Isso é justificado pela
sincronização e integração dos mercados e comprovado pela recente queda generalizada nas bolsas.
Entretanto, isso ainda não permite a rejeição completa da tese. A questão só poderá ser resolvida
quando ficar clara a forma, em gênero e grau, que o lado real das economias seja impactado. Só
essa resposta é que efetivamente invalidará ou não a idéia do descolamento.
A rejeição da idéia do descolamento dependerá fundamentalmente da profundidade e da
duração da recessão nos EUA. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que as medidas de
afrouxamento da política fiscal-monetária, provavelmente, contribuirão de forma modesta no ciclo
de atividade e os seus efeitos só serão percebidos em um cenário de prazo mais longo. O cenário
pessimista se configuraria com uma crise mais acentuada e prolongada no mercado de crédito, uma
súbita queda no consumo dos consumidores e das empresas norte-americanas que reduzissem
drasticamente as exportações dos países asiáticos e a demanda desses por commodities. Nesse caso,
a crise, inexoravelmente, afetaria a todos países da economia internacional;
Todavia, nesse momento, o quadro mais provável é de que haja uma forte desaceleração da
atividade econômica por um período relativamente curto. Apesar disso, ainda se espera que no
acumulado do ano, haja um modesto crescimento na economia dos EUA. Se concretizado, esse
cenário mais favorável, a manutenção do consumo de alimentos na Ásia e o crescimento da
utilização do biocombustível garantiriam alguma sustentação para o preço das commodities
agrícolas, embora que as mesmas exibam uma maior volatilidade. Já as matérias-primas industriais
muito provavelmente exibam uma queda por causa da retração da indústria, da mesma forma o
petróleo deve sentir um pouco, mas com claras limitações para a queda nos preços.
No que tange ao ritmo de atividade da economia brasileira, não há muitas dúvidas que por
causa dos melhores indicadores de risco e uma maior de dependência do mercado interno, os efeitos
negativos do contágio poderão ser postergados e mitigados. Todavia, deve-se esperar para ao longo
do ano uma redução do ritmo de expansão da atividade por causa da maior contribuição negativa do
setor externo no crescimento, do efeito da inflação mais elevada dos alimentos sobre o consumo das
famílias e da desaceleração da expansão do crédito. Mantidas as condições fiscais, a análise de risco
deveria ser focada nos canais de transmissão da crise para economia e nas questões como ao
momento em que se fará sentida, como a mesma se manifestará e à extensão dos estragos sobre o
lado real da economia.
Este documento foi preparado pela Assessoria Econômica da ABBC, com finalidade única de prestar informações ao mercado. Esse trabalho reflete a opinião
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Sob o ponto de vista financeiro, até o momento a crise ainda não afetou de forma
significativa a taxa de câmbio e os preços ou as quantidades dos produtos exportados. O aumento do
déficit em conta corrente, até então, é fruto do câmbio valorizado e do bom desempenho da atividade
econômica que resultam em um crescimento mais acelerado das importações e do aumento
expressivo das remessas para o exterior. Se mantidos em um patamar financiável, o déficit em conta
corrente seria um ponto positivo, pois ajudaria a aumentar a poupança disponível para o
investimento.
Segundo os últimos dados do Banco Central para janeiro, as saídas de moeda estrangeira
concentraram-se nas aplicações em Bolsa e nos capitais de curto prazo. Por causa dos investimentos
diretos, do saldo comercial e a redução da posição comprada dos bancos, até o momento a maior
aversão internacional ao risco ainda não levou a uma saída de capitais do Brasil em volume
suficiente para depreciar significativamente o real. Para o Brasil, os canais de transmissão da crise
estão estritamente ligados a uma desaceleração maior da economia mundial que produzisse uma
queda acentuada nos preços das commodities da nossa pauta de exportações, provocando uma piora
expressiva no déficit nas contas correntes e na percepção do risco soberano. Em 2007, segundo
dados divulgados pelo Banco Central, as contas correntes registraram saldo positivo de US$ 3,55
bilhões. Para este ano, as projeções do BC são um saldo negativo de US$ 3,5 bilhões, e o mercado
financeiro espera déficit de US$ 6 bilhões. Se mantidos os atuais números, o atual déficit seria
facilmente financiável.
A associação de déficits maiores nas contas correntes com uma maior aversão ao risco
poderia levar a uma redução nos ingressos de capitais e a uma depreciação expressiva da taxa de
câmbio, o que poderia colocaria um impasse ao Banco Central, ou o de aumentar a taxa de juros
básica em um momento em que o país volta a exibir um ciclo de crescimento mais vigoroso. Aliás, o
risco do recrudescimento da inflação já se faz sentido com o aumento dos preços dos alimentos e o
aquecimento da demanda. Mas o risco de uma eventual depreciação seria compensado pelo
desaparecimento do excesso de demanda como fruto de uma maior perspectiva de recessão para a
economia norte-americana. Assim, no momento, de forma a suavizar o ciclo econômico, são muito
grandes as chances que a autoridade monetária mantenha por um longo prazo a taxa de juros
básica. Assim, se a economia global não produzir um cataclismo, é muito provável que os efeitos
sobre o lado real da economia brasileira sejam até bem modestos.
Fevereiro/2008
Everton P.S. Gonçalves
Assessor Econômico da ABBC e Dr em Economia pela FGV/SP - [email protected]
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