ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA 30) farmacologia do glaucoma numa base emergencial com fármacos, ou impedidas através da remoção cirúrgica de parte da íris (iridectomia). O glaucoma é uma doença ocular para a qual não há cura, mas sim controle por toda a vida do paciente. Constitui uma importante causa de cegueira e possui grande interesse farmacológico, visto que, em sua forma crônica, responde freqüentemente à terapia farmacológica. A principal manifestação consiste em elevação da pressão intra-ocular (PIO), que inicialmente não está associada a qualquer sintoma. No Brasil, 50% dos portadores de glaucoma não sabem que têm a doença e muitos chegam a um estágio avançado sem um diagnóstico. A forma de glaucoma de ângulo aberto é uma condição crônica, cujo tratamento é, em grande parte, farmacológico. Formação do humor aquoso O humor aquoso é um líquido transparente, formado por cerca de 98% de água e 2% de sais diluídos, que preenche o espaço entre a córnea e a Iris. Este líquido é produzido pelo epitélio ciliar na câmara posterior e atravessa a superfície anterior do cristalino e a superfície posterior da íris, através da pupila e para dentro da câmara anterior. Sua saída se dá através do ângulo irideocorneano entre a íris e a esclerótica. Neste ponto ocorre a filtração através da rede trabecular, e o líquido penetra o canal de Schlemm, para retornar à circulação venosa. A secreção do humor aquoso é um processo ativo que se continua independente da pressão exercida pelo líquido. A atividade secretória do epitélio ciliar requer a enzima anidrase carbônica. Sem tratamento, o aumento da pressão intra-ocular resulta em lesão da retina e do nervo óptico na maioria dos pacientes, com restrição dos campos visuais e, por fim cegueira. A PIO elevada é um fator de risco para o glaucoma. A pressão intra-ocular é facilmente medida como parte do exame oftalmológico de rotina. São reconhecidos dois tipos principais de glaucoma: de ângulo aberto e de ângulo fechado. Os principais exames para o diagnóstico do glaucoma são: - Tonometria – exame para a tomada da pressão intraocular. Os valores de referência variam entre 10 a 19 mmHg; - Gonioscopia – exame para classificar o tipo de glaucoma, se de ângulo aberto ou fechado. Segundo a classificação de Shaffer os valores são: ângulo aberto (grau 4) - amplitude do ângulo 35-45º impossível fechamento; A forma de ângulo fechado está associada a uma câmara anterior superficial, em que a íris dilatada pode ocluir a via de drenagem de fluxo no ângulo entre a córnea e o corpo ciliar. Essa forma está associada a elevações agudas e dolorosas da pressão, que devem ser controladas ângulo aberto (grau 3) - amplitude do ângulo 20-35º impossível fechamento; 1 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA ângulo moderadamente estreito (grau 2) - amplitude 20º - possível fechamento; a) antagonistas beta-adrenérgicos (Timolol e Carteolol) O olho humano apresenta uma grande concentração de receptores beta especialmente no epitélio não pigmentado do corpo ciliar. Os medicamentos atualmente empregados no controle do glaucoma, e que contêm drogas beta-adrenérgicas, reduzem a produção de humor aquoso sem interferir em seu escoamento. Possivelmente, diminuem a produção de AMPc no epitélio não pigmentado do corpo ciliar. Podem reduzir em até 30% a produção do humor aquoso. Os beta-bloqueadores apresentam muitos possíveis efeitos colaterais. Pacientes devem ser inquiridos quanto à presença de hiper-reatividade brônquica, bloqueio cardíaco ou miastenia gravis antes de se iniciar a terapêutica, pois essas doenças podem se agravar com o uso destes colírios. O timolol diminui a PIO através da diminuição da formação do humor aquoso no epitélio ciliar ao bloquear os seus receptores beta-adrenérgicos. Dentre seus efeitos adversos, cita-se: ceratite puntacta superficial, anestesia corneana, danos à superfície ocular e olho seco, por enfraquecimento da camada da mucosa do filme lacrimal. São comercializados no Brasil, atualmente: o Maleato de timolol a 0,25% e 0.5% (Timolol®, Timoptol®, Glautimol®), o Betaxolol (Betoptic®) e o Levobunolol ângulo extremamente estreito (grau 1) - amplitude 10ºprovável fechamento; ângulo completamente ou parcialmente fechado (grau 0) - amplitude 0º - fechamento presente ou iminente. - Paquimetria – Este exame é utilizado para medir a espessura da córnea. Córneas grossas tendem a apresentar pressões falsamente elevadas e córneas finas fazem o oposto. Muitas pessoas possuem pressão intra-ocular elevada, porém com córneas grossas, o que muitas vezes descaracteriza o glaucoma. Espessura corneana média é de 555 microns; - Biomicroscopia de fundo – exame para avaliar se existe lesão do nervo óptico provocado pela pressão intraocular; e - Campo visual - exame para avaliar se há perda do campo visual periférico. Tratamento farmacológico do glaucoma A farmacoterapia atual é dirigida à diminuição da produção de humor aquoso no corpo ciliar bem como para o aumento do fluxo de saída pela rede trabecular e vias uveoescleróticas. (Betagan®). b) análogos Bimatoprost) Como a pressão intra-ocular é uma função do equilíbrio entre a entrada de líquido e a sua drenagem fora do globo ocular, as estratégias para o tratamento do glaucoma de ângulo aberto podem ser divididas em duas classes: da prostaglandina (Latanoprost e Os análogos das prostaglandinas são substâncias que atuam como agonistas em receptores específicos para prostaglandina Fa2. Após aplicação tópica, são biotransformadas em prostaglandinas, incluindo a PGE2, com grande potencial para ativar o sistema adenilato ciclase, remodelando a matriz extracelular do músculo ciliar da íris. Aumentam por essa razão, a drenagem do humor aquoso pela rota úveo-escleral. Eles são preferidos para o manejo do glaucoma primário, pois têm efeito hipotensor ocular superior ao de outros fármacos, sendo normalmente efetivos com uma única aplicação diária. Também oferecem vantagens, por serem rapidamente metabolizados e não causarem efeitos adversos cardiopulmonares. - redução da secreção de humor aquoso; e - aumento do fluxo aquoso. O tratamento hipotensor ocular mantém relação direta com a diminuição da incidência ou estabilização do glaucoma, minimizando ou impedindo danos sobre o nervo óptico, a camada de fibras nervosas da retina e campo visual. A hiperemia conjuntival constitui um dos efeitos colaterais mais comumente relatados, ocorrendo em maior intensidade com o travaprost, comparativamente aos outros análogos das prostaglandinas. Estudo recente demonstrou que a hiperemia conjuntival é decorrente da liberação de óxido nitroso endotelial e não por eventos inflamatórios relacionados à ação mediadora da inflamação pelas prostaglandinas. Análogos das prostaglandinas não são indicados em pacientes com glaucoma secundário à uveíte, visto que o humor aquoso, nessas condições, já é rico em prostaglandinas. Foi constatada a utilidade de cinco grupos gerais de fármacos na redução da pressão intra-ocular: colinomiméticos, agonistas alfa-adrenérgicos, betabloqueadores, análogos da prostaglandina F2a e diuréticos. Desses cinco grupos, os análogos da prostaglandina e os beta-bloqueadores são os mais populares, pois sua administração é de uma ou duas vezes ao dia e poucos efeitos adversos (exceto em pacientes com asma ou marcapasso cardíaco ou com doença das vias de condução no caso dos beta-bloqueadores). c) agonistas alfa2-adrenérgicos Apraclonidina e Brimonidina) O uso de drogas no glaucoma de ângulo fechado agudo limita-se aos colinomiméticos, à acetazolamida e aos fármacos antes da cirurgia. (Clonidina, Os agonistas alfa-adrenérgicos reduzem a produção de humor aquoso por vasoconstrição dos vasos ciliares. A apraclonidina é um agonista seletivo para receptores alfa-2 no epitélio não pigmentado do corpo ciliar. Ele é capaz 2 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA de inibir a atividade da adenilato-ciclase, impedindo a conversão do trifosfato de adenosina em monofosfato de adenosina. Com isso, diminui a produção de humor aquoso. A Brimonida apresenta-se mais seletiva para os receptores alfa-2 do que a apraclonidina. A brinzolamida também é um inibidor da anidrase carbônica tipo II, com mecanismo de ação e biodisponibilidade semelhantes aos da dorzolamida. A inibição da anidrase carbônica nos processos ciliares dos olhos diminui a secreção do humor aquoso, presumivelmente diminuindo a formação de íons de bicarbonato com a redução subsequente do transporte de sódio e fluidos oculares. Possui como reações adversas mais comuns (5 a 10% dos pacientes) a visão embaçada e o sabor amargo incomum na boca. Em seguida, as reações adversas que ocorrem em 1 a 5% dos pacientes são: blefarite (inflamação das pálpebras), dermatite, olho seco, sensação de corpo estranho no olho, dor de cabeça, hiperemia, prurido e rinite ocular, etc. A clonidina tem como principal desvantagem a capacidade de atravessar a barreira hemato-encefálica, mesmo em aplicações tópicas, produzindo severo efeito hipotensor sistêmico, e por vezes sonolência, confusão mental e convulsões. A apraclonidina supera a clonidina por sua segurança e eficácia e foi desenvolvida no intuito de se minimizar esses efeitos centrais, pois praticamente não transpõe a barreira hemato-encefálica, mas assim como em outros alfaadrenérgicos também se observam efeitos cardiovascular. e) Agonistas muscarínicos – “mióticos” (Pilocarpina, ecotiopato e carbacol) O tartarato de brimonida apresenta uma seletividade para os receptores alfa2-adrenérgicos cerca de dez vezes maior que a clonidina e apraclonidina, e parece apresentar taquifilaxia menor que a apraclonidina num tratamento em longo prazo. Ela atua ao diminuir a produção de humor aquoso e ao aumentar a saída do líquido pela via úveo-escleral. Apresenta menor incidência de efeitos colaterais que os outros agonistas alfa-2. Os nervos parassimpáticos para os olhos inervam o músculo constritor da pupila, que segue um trajeto circunferencial na íris, e o músculo ciliar, que ajusta a curvatura do cristalino. A contração do músculo ciliar em resposta à ativação dos receptores muscarínicos é necessária para a acomodação do olho para a visão de perto. Por outro lado, o músculo constritor da pupila é importante não apenas para ajustar a pupila em resposta a alterações da intensidade luminosa, mas também para regular a pressão intra-ocular. Os agonistas alfa2-adrenérgicos devem ser administrados com cautela aos pacientes em uso de IMAO, antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores, anti-hipertensivos e glicosídeos cardíacos. No glaucoma agudo, a drenagem do humor aquoso é impedida quando a pupila se dilata, visto que o dobramento do tecido da íris oclui o ângulo de drenagem, causando elevação da pressão intra-ocular. Nessas circunstâncias, a ativação do músculo constritor da pupila por agonistas muscarínicos reduz a pressão intra-ocular. O aumento da tensão causado por essas drogas no músculo ciliar também pode influir na melhora da drenagem ao realinhar as trabéculas de tecido conjuntivo através das quais passa o canal de Schlemm. Os agentes alfa-adrenérgicos causam midríase que podem precipitar uma crise aguda de glaucoma de ângulo fechado em indivíduos predispostos que apresentam câmara anterior rasa e seio camerular estreito. Os compostos relacionados com a adrenalina (Clonidina, Apraclonidina e Bromonidina), eficazes na redução da pressão intra-ocular, podem causar um fenômeno de rebote de vasoconstrição-vasodilatação tornando o olho vermelho. d) diuréticos inibidores da anidrase (Acetazolamida, Dorzolamida e Brinzolamida) A pilocarpina pode ser associada aos betabloqueadores, aos adrenérgicos e aos inibidores da anidrase carbônica em efeito aditivo. carbônica Durante a produção de humor aquoso, íons bicarbonato são transportados juntamente com o cátion sódio para a câmara posterior do bulbo ocular, estabelecendo um gradiente osmótico. Trata-se de condição cuja ocorrência depende da enzima anidrase carbônica. A acetazolamida tem uma eficácia significativa na redução da PIO em até 50% da produção do aquoso, com efeito redutor iniciando em uma hora. Pode ser usada em situações de urgência. Porém, quando o sistema de drenagem do humor aquoso não for suficiente para promover a saída de pelo menos 50% de sua produção, a acetazolamida individualmente administrada não normalizará a PIO. A Pilocarpina é a droga mais eficaz desta classe de fármaco, pois atravessa a membrana conjuntival. A dorzolamida é um inibidor da anidrase carbônica de uso tópico, e reduz significantemente a PIO, com efeitos colaterais reduzidos. Esse fármaco age com maior seletividade inibindo a anidrase carbônica tipo II, a qual é predominantemente encontrada no epitélio do corpo ciliar. O Ecotiopato, um anticolinesterásico, também é utilizado no tratamento do glaucoma. Pode causar efeitos sistêmicos. 3 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA Dentre os efeitos indesejáveis, destacam-se: transtorno da acomodação devido à miopia induzida por um tratamento longo; cefaléia; deslocamento de retina, possivelmente associados à tração vítrea. Dessa forma, o uso dos mióticos em pacientes que apresentem degenerações periféricas, achados frequentes em portadores de glaucoma pigmentar, deve ser restrito aos casos em que não se pode utilizar uma medicação alternativa. O mecanismo hipotensor ocular dos hiperosmóticos, portanto, é baseado na elevação da concentração dos fluidos intravasculares, o que cria um gradiente osmótico entre o plasma e o vítreo, e com isso provoca deflúvio de água do vítreo para o espaço intravascular. Entre os efeitos colaterais descritos com o uso dessas drogas estão a dor de cabeça, confusão mental, insuficiência cardíaca aguda ou infarto do miocárdio, sendo essas duas últimas com maior frequência especialmente após o uso endovenoso dos agentes hiperosmóticos. O glicerol pode causar hiperglicemia e até ceto-acidose em pacientes diabéticos. O paciente que receber manitol deverá permanecer em decúbito dorsal (deitado), pois a hipotensão arterial abrupta ou a diminuição do líquido céfalo-raquidiano podem promover severa cefaléia. f) Agentes hiperosmóticos (Manitol, Glicerol e Isosorbida) Devido sua velocidade de ação e eficácia, os agentes hiperosmóticos são muitos úteis quando há uma elevação repentina na pressão intraocular. As drogas usadas costumeiramente são o manitol, droga de uso endovenoso, o glicerol e a isosorbida, de uso oral. A isosorbida pode ser usada em pacientes diabéticos, enquanto o glicerol não, pois sua metabolização final resulta em glicose. Esses medicamentos são empregados para o controle agudo da PIO, e raramente usados além de poucos dias. Devem ser administrados rapidamente, para que se estabeleça um aumento abrupto da osmolaridade plasmática. Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. 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