NELMA RODRIGUES SOARES CHOIET GOLDENZWAIG ESTUDO DAS CRENÇAS DOS ENFERMEIROS SOBRE SUA RESPONSABILIDADE NA ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS São Paulo 2004 ii UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM NELMA RODRIGUES SOARES CHOIET GOLDENZWAIG ESTUDO DAS CRENÇAS DOS ENFERMEIROS SOBRE SUA RESPONSABILIDADE NA ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, para obtenção de título de Mestre em Enfermagem Orientador: Prof. Dr. Paolo Meneghin São Paulo 2004 iii FICHA CATALOGRÁFICA Goldenzwaig, Nelma Rodrigues Soares Choiet Estudo das crenças dos enfermeiros sobre sua responsabilidade na administração de medicamentos. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem Universidade de São Paulo, 2004. 78p. 1. Título. II. Crenças. Administração de Medicamentos. Enfermeiros iv Aos meus pais José e Cely por valorizarem e nos ensinarem em sua sabedoria, que o conhecimento era o bem mais precioso que alguém poderia ter. Ao meu marido e companheiro, que se orgulha em me ver estudando, demonstrou apoio e participou desse momento com seu carinho e amor.... v AGRADECIMENTOS A Deus pela vida e saúde, a maravilhosa oportunidade de viver este momento de conclusão dessa pesquisa, poder realizar este sonho, e mostrar estas informações a meus colegas enfermeiros. Ao Prof. Dr. Paolo Meneghin, pela dedicação, simplicidade, sabedoria e conhecimento que mostrou durante toda a pesquisa. À Profa. Taka Oguisso, pela sua trajetória na enfermagem, que somente me trouxe orgulho e exemplo de vida. À Profa. Diná de Almeida Lopes M. da Cruz, que demonstrou durante toda a disciplina, como é importante ter bom senso e cautela. À Profa. Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta, pelas orientações de sempre estar estudando e acrescentando novos conhecimentos. À Sra. Lore Cecilia Marx, pelo exemplo de vida profissional que apresenta a toda enfermagem. Aos entrevistados, enfermeiros das UTI do Hospital das Clinicas, pela disposição e gentileza em dividirem suas experiências, opiniões e percepções que se constituem na base desta pesquisa. Às enfermeiras Josefa e Edoília do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP pelo apoio que proporcionaram oferecendo condições de realizar a pesquisa com os enfermeiros e concluir o desenvolvimento deste trabalho. Às enfermeiras e colegas Carla, Ana, Adelina com sua experiência profissional contribuíram para continuar durante os momentos difíceis. vi EU SOU UMA PESSOA Dona enfermeira, Seu doutor, me escutem por favor, eu não sou o vinte e três nem o lúpus eritematoso disseminado, meu nome é João ou Maria, todo a seu dispor. Não é miocardiopatia que tinha no coração, é a vida vivida com muita emoção. Não é coronariopátia o meu padecer, é a tanta amargura que não posso esquecer. Não é por dor que estou chorando. é que hoje eu vi o sol nascer e fiquei pensando: quantas vezes isso ainda vou ver? Dona enfermeira, Seu doutor, o que me magoa, quero confessar, é que me tratam como caso... Mas, por favor, eu sou é uma pessoa. Professor Gerson Pomp vii SUMÁRIO Lista de Quadros Lista de Figuras Lista de Tabelas Resumo Abstract 1.Introdução.....................................................................................................01 2. Referencial Teórico......................................................................................07 3. Objetivos......................................................................................................12 4. Casuística e Método....................................................................................13 4.1. Delineamento do estudo................................................................13 4.2. População e local...........................................................................13 4.3. Instrumento para colheita de dados...............................................13 4.4. Portaria MS 196/96........................................................................14 4.5. Comportamento investigado..........................................................14 4.6. Análise dos dados..........................................................................14 5. Resultados...................................................................................................16 5.1. Caracterização dos participantes do estudo..................................16 5.2. Análise do conteúdo dos relatos escritos.......................................17 5.3. Tematização das unidades de significado.....................................18 6. Discussão....................................................................................................32 6.1. Unidades temáticas decorrentes das crenças comportamentais e normativas..........................................................................................32 6.2. Unidade temática: O enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos....................................................................33 6.3. Unidade temática: Conhecimento científico do enfermeiro............47 6.4. Unidade temática: Referentes sociais............................................48 6.4.1. Referentes sociais positivos....................................................48 6.4.2. Referentes sociais negativos..................................................51 6.5. Unidade temática: Causas externas que influenciam a administração de medicamentos..........................................................52 6.5.1. Fatores administrativos que facilitam a administração de medicamentos pelo enfermeiro.............................................................52 6.5.2. Fatores administrativos que dificultam a administração de medicamentos pelo enfermeiro.............................................................53 viii 6.5.3. Condições técnicas e psicológicas que influenciam a administração de medicamentos..........................................................55 7. Conclusão....................................................................................................56 8. Anexos.........................................................................................................58 Anexo I: Instrumento de colheita de dados...........................................58 Anexo II: Autorização do Comitê de Ética em Pesquisa.......................61 9. Referências Bibliográficas...........................................................................62 ix LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Vantagens e desvantagens, vistas pelo enfermeiro, quando ele próprio administra medicamentos....................................................................18 Quadro 2 - Fatores que estimulam e desestimulam o enfermeiro a administrar medicamentos...............................................................................20 Quadro 3 – Situações em que o enfermeiro discute ou conversa sobre administração de medicamentos.....................................................................22 Quadro 4 – Fatores cognitivos que facilitam ou dificultam a administração de medicamentos.................................................................................................23 Quadro 5 – Fatores administrativos que facilitam ou dificultam a administração de medicamentos............................................................................................25 Quadro 6 – Condições físicas e psicológicas que facilitam ou dificultam a administração de medicamentos.....................................................................26 Quadro 7 – Percepção dos enfermeiros quanto às oportunidades de administrar medicamentos durante seu plantão..............................................27 Quadro 8 – Referentes sociais que aprovam ou desaprovam a prática de administrar medicamentos pelo próprio enfermeiro........................................29 x LISTA DE FIGURAS Figura 1. Diagrama representativo das relações entre os fatores que determinam o comportamento do indivíduo, de acordo com a TRA...............09 Figura 2. Correlação entre a qualidade da assistência e o conhecimento científico do enfermeiro...................................................................................33 Figura 3. Correlação entre índice de erro, conhecimento científico e segurança do enfermeiro ao administrar medicamentos.................................34 Figura 4. Correlação entre índices de infecção e conhecimento científico do enfermeiro........................................................................................................35 Figura 5. Diagrama representativo dos elementos que influenciam a qualidade da assistência de enfermagem ao paciente....................................36 Figura 6 – Diagrama representativo das situações em que o enfermeiro discute ou conversa sobre a administração de medicamentos.......................39 Figura 7 – Situações que estimulam o enfermeiro a administrar medicamentos.................................................................................................40 Figura 8 – Relação entre experiência profissional e riscos na administração de medicamentos.................................................................................................41 Figura 9 – Fatores relacionados às dificuldades para o enfermeiro administrar medicamentos.................................................................................................42 Figura 10. Relação entre oportunidades em administrar medicamentos e respectivo grau de importância........................................................................44 Figura 11 – Relação de importância entre as atividades do enfermeiro.........45 Figura 12 – Diagrama representativo dos aspectos relacionados ao enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos.................46 Figura 13 – Conhecimento do enfermeiro sobre os fatores que modificam a absorção da droga...........................................................................................47 Figura 14 – Referentes sociais positivos quanto à prática de administrar medicamentos.................................................................................................48 Figura 15 – Referentes sociais positivos que aprovam a prática da administração de medicamentos pelo enfermeiro...........................................49 Figura 16 – Referentes sociais negativos, que desaprovam a prática da medicação pelo próprio enfermeiro.................................................................51 Figura 17 – Fatores administrativos como facilitadores da prática de administrar medicamentos...............................................................................52 Figura 18 – Fatores administrativos que dificultam a prática de administrar medicamentos...............................................................................54 Figura 19 – Causas externas relacionadas ao paciente que influenciam na administração de medicamentos.....................................................................55 xi LISTA DE TABELAS Tabela 1. Distribuição do número de enfermeiros de acordo com a formação acadêmica. São Paulo, 2004........................................................16 Tabela 2. Distribuição do número de enfermeiros de acordo com a área de experiência. São Paulo, 2004..........................................................................16 Tabela 3. Distribuição do número de enfermeiros de acordo com a jornada de trabalho. São Paulo, 2004...............................................................................17 xii RESUMO Este estudo foi realizado com enfermeiros que trabalham na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. A pesquisa teve como objetivo: identificar as crenças pessoais e normativas dos enfermeiros quanto à administração de medicamentos, utilizando a Teoria da Ação Racional (TRA). A análise do conteúdo de 28 relatos escritos revelou o que os enfermeiros pensam sobre sua atuação e responsabilidade na administração de medicamentos. Os relatos dos participantes foram agrupados em unidades de significado e, estas, em unidades temáticas. Os resultados obtidos, com o grupo estudado, permitiram identificar quatro unidades temáticas: a) o enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos; b) o conhecimento científico; c) os referentes sociais; d) as causas externas que influenciam na prática da medicação. Em relação aos objetivos propostos, foram evidenciadas crenças pessoais positivas em relação à prática de administrar medicamentos pelo enfermeiro, sendo elas: 1)melhor qualidade de assistência ao paciente; 2)menor índice de erros na administração de medicamentos; 3)menor índice de infecção para o paciente; 4)a experiência profissional e o conhecimento científico facilitam a realização desta prática. Foram evidenciadas crenças normativas positivas em relação a esta prática realizada pelo enfermeiro, sendo elas: 1)a equipe multiprofissional aprova tal prática pelo enfermeiro;2)os órgãos de normatização e fiscalização da profissão, como o COFEN e o COREN aprovam e incentivam tal prática; 3)há fatores externos que facilitam a prática tais como os aspectos administrativos da unidade de trabalho e a situação física e psicológica do paciente. Também foram identificadas crenças pessoais negativas, sendo elas: 1)não tem tempo para administrar medicamentos; 2)é uma tarefa secundária; 3)pode ser delegada a outros membros da equipe de enfermagem; 4)não tem oportunidade para discutir sobre o tema nem para realizar tal prática; 5)tarefas burocráticas impedem de fazê-lo; 6)só administra medicamentos em caso de urgência, falta de funcionários ou pacientes graves. Foram identificadas, também, crenças normativas negativas, sendo elas: 1)o próprio enfermeiro desaprova tal prática; 2)há fatores externos que dificultam a prática da medicação tais como os aspectos administrativos da unidade de trabalho e a situação física e psicológica do paciente. xiii ABSTRACT This research was built by interviewing nurses that works in Intensive Care Unit (ICU), in Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. The research had a purpose: identify nurse’s personal beliefs and normative beliefs about medication practice and using like a reference, Theory of Reasoned Action (TRA). The analysis of contents from 28 interviewee revealed the beliefs and values nurses about their function e responsibility in medication practice. The reports from interviewee were grouped in meaning of units, and subsequently, thematic of units. The results from research with study group, allow identify four thematic units: a) the nurse like agent’s practitioner of medication, b) scientific knowledge, c) social referents, d) external cause that influence in medication practice. In regarding with the proposal was evidenced positive personal beliefs in regarding nurse’s medication practice, like is described: 1) quality in patient care, 2) few report about error in medication practice, 3) few report about patient’s infection, 4) professional experience and scientific knowledge help the nurses in medication practice. Was evidenced positive normative beliefs in regarding nurse’s medication practice, like is described: 1) health professional’s team approval medication practice like nurse’s function, 2) COREN and COFEN approval and incentive medication practice like nurse’s function, 3) there are external factors that help the medication practice like the administrative feature inside of care unit and psychological and physical patient’s situation. In analysis was identified negative personal beliefs, like is described: 1) the nurse don’t have time for medication practice, 2) medication practice is second task, 3) could be delegate to others professional, 4) the nurse don’t have opportunity to discuss about this theme even to achieve medication practice, 5) bureaucratic task don’t allow work it, 6) just do it, medication practice in emergency case, when don’t have others professional to do it or when patient is in serious. Was identified negative normative beliefs, like is described: 1) the nurse disapproval medication practice like his task, 2) there are external factor that to make difficult medication practice, like feature administrative in care unit situation. and the psychological and physical patient 1 1. INTRODUÇÃO Em 1993, estava estudando em Maryland, Estados Unidos América (EUA) e para poder obter a autorização de praticar a enfermagem naquele país, deparei-me com uma situação inédita para uma enfermeira brasileira: precisava ter conhecimento e domínio sobre a atuação das drogas no organismo do paciente, como uma das exigências da prova para conseguir a licença profissional. Durante um ano estudei e me preparei para fazer esta prova. As informações fundamentais, na área da farmacologia, exigiam domínio sobre a atuação das drogas no organismo, mas se aprofundavam, também, nas reações adversas causadas pelos medicamentos, pois as leis nos EUA exigem do enfermeiro esse conhecimento e domínio. Assim passei a estudar e conhecer um pouco mais sobre esta área e pude entender que este assunto era, em boa parte, uma novidade. Dessa forma, fiz muitas descobertas tanto positivas como negativas. A negativa foi que meu conhecimento nesse assunto era pobre e frágil. A positiva foi que tive a oportunidade de aprender novos conceitos sobre a responsabilidade do enfermeiro na administração de medicamentos que, até então, não estava clara na atuação diária dessa prática, mas ficava velada e diluída, ou seja, percebi que essa responsabilidade, muitas vezes, estava centralizada na figura do médico. No final de um ano, fiz a prova e recebi autorização para praticar a enfermagem naquele país, mas com uma visão sobre o assunto totalmente diferente da que possuía até então. Em 1999, já de volta ao Brasil, desenvolvia minhas atividades profissionais como docente em uma faculdade de enfermagem. As aulas práticas eram administradas em uma unidade de pacientes HIV (Human Immunodeficiency Virus) positivos e foi então que encontrei uma acentuada razão para colocar em prática meus novos conceitos sobre a responsabilidade do enfermeiro na administração de medicamentos. 2 Por ocasião da evolução diária dos pacientes com AIDS (Acquired Immune Deficiency Syndrome), deparamo-nos, os alunos e eu, com situações que exigiam maior conhecimento do processo da atuação da droga no organismo pois esses usuários apresentavam, muitas vezes, novos sinais e sintomas, cuja origem nem sempre era conhecida. Desse modo, percebemos a importância e necessidade de estudar todos os medicamentos usados no tratamento da AIDS, como antibióticos, antifúngicos, anti-retrovirais e outras drogas, porque durante o exame físico do paciente, realizado diariamente, observávamos que novos sinais e sintomas apareciam e não sabíamos se isso era devido a uma nova infecção ou a uma reação adversa de alguma droga usada pelo paciente. Depois de estudar todas as drogas, passamos a diferenciar os sinais e sintomas causados pela infecção produzida por uma droga. O interesse pelo assunto começara em 1994 e, desde então, eu já havia pesquisado e compilado informações sobre a administração de medicamentos. Todos esses dados acumulados permitiram que, em 1999, pudesse publicar um livro[1] com o objetivo de esclarecer e orientar os enfermeiros, partindo da hipótese que estas informações poderiam ajudar na otimização da qualidade da assistência de enfermagem, por meio da atualização de conhecimentos sobre essa prática tão comum no dia-a-dia do enfermeiro. O livro foi elaborado com objetivo de facilitar, de forma didática, as informações necessárias aos profissionais que cuidam de pacientes sob terapia medicamentosa. As informações contidas na obra pretendem colaborar para o enriquecimento dos cuidados de enfermagem, diagnóstico, prescrição de enfermagem, enfim, em todo o processo da assistência ao paciente. [1] AME – Administração de Medicamento na Enfermagem – Editora SENAC – 4º Edição 3 Foram as dificuldades vivenciadas durante minha atuação na enfermagem, sobretudo no exterior, que me levaram a desenvolver um estudo no sentido de obter maiores informações sobre a ação das drogas usadas no tratamento ao paciente. Nesse trabalho, selecionei as informações técnicas de maior importância para a enfermagem com o intuito de divulgá-las, de forma clara e de fácil acesso. É possível perceber, porém, que mesmo com tais informações à mão, o enfermeiro continua afastado tanto do conhecimento mais profundo sobre as drogas como da prática em si, da administração de medicamentos, delegandoa, rotineiramente, a outros membros da equipe de enfermagem menos capacitados para tal tarefa. Esta observação intrigante levou-me a questionar não mais "o que fazer" para modificar tal situação, mas "por que" tal situação está tão acentuadamente arraigada na cultura da prática do enfermeiro? O papel do enfermeiro no processo de administração de medicamentos é de grande importância, motivo pelo qual ele deve compreender a atuação das drogas no organismo, com objetivo de uma assistência de enfermagem de qualidade. Os erros de medicação constituem uma triste realidade no trabalho dos enfermeiros e um dos maiores indicadores da qualidade de saúde prestada aos pacientes hospitalizados. O aumento da incidência de erros de medicação nos hospitais e, sobretudo a falta de notificação desses incidentes são preocupações de todos os profissionais da área da saúde. Uma das atribuições, que exige maior reflexão e conhecimento por parte do enfermeiro é a administração medicamentosa, por trazer em seu bojo aspectos legais e éticos de grande impacto sobre o profissional. Nesta prática, o erro cometido evidencia a falta de conhecimento sobre os princípios relacionados à atuação da droga no organismo e aos possíveis efeitos tanto benéficos como indesejáveis. Tal questionamento influenciou-me a desenvolver um projeto de pesquisa, a ser desenvolvido no Curso de Pós-graduação, com o objetivo de identificar as crenças do enfermeiro sobre a administração de medicamentos e 4 os fatores que levaram ou levam o enfermeiro a abdicar desta prática em seus afazeres diários. Os princípios da administração de medicamentos precisam estar presentes no conhecimento dos enfermeiros, para que essa função possa ser exercida. O conhecimento sobre as drogas administradas orienta o profissional a respeito das decisões a serem executadas na administração de medicamentos, assegura a confiança do paciente e encontra suporte médico e legal. Dentro desse processo, o enfermeiro necessita conhecer o paciente e uma série de dados que são coletados, para que o processo seja realizado. Entretanto, erros podem acontecer, trazendo sérias conseqüências e até a morte de pacientes. Um estudo realizado pela Harvard Medical International, em 2000, identificou os pontos em que ocorrem os erros na administração de medicamentos.Os pontos mais críticos estão na solicitação da droga, erro na leitura do rótulo da droga, embalagem e nomenclatura, no armazenamento e distribuição, e falha na competência profissional. 1 Os erros de medicação são uma triste realidade no trabalho dos enfermeiros e um dos maiores indicadores da qualidade de saúde prestada aos pacientes hospitalizados. O aumento da incidência de erros de medicação nos hospitais e, sobretudo, a falta de notificação, são preocupações de todos da área, e as intervenções devem ser empreendidas para minimizar essa situação. A administração de medicamentos é um processo que exige do enfermeiro conhecimento, segurança, eficiência e responsabilidade. Um erro pode ter um efeito fatal para o paciente. Uma das atribuições de maior reflexão do enfermeiro é a administração medicamentosa, que possui aspectos legais e éticos de impacto sobre o profissional. The National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention define erro de medicação como qualquer evento que pode causar dano ou levar ao uso impróprio da droga ou prejuízo para o paciente quando a droga está sendo administrada por um profissional médico ou de enfermagem e do próprio paciente. 2 5 Na prática profissional, este evento pode ser relacionado aos procedimentos, ao sistema utilizado, à prescrição verbal ou escrita, ao rótulo do produto, à embalagem, à nomenclatura, ao armazenamento e distribuição, à administração, à educação, à monitorização e ao uso dos medicamentos. Para a Agency for Healthcare Research and Quality, os erros que se referem a procedimentos podem envolver médicos, enfermeiros, diagnósticos, equipamentos e laboratórios e podem ocorrer durante as tarefas de rotina. 3 Muitos erros são decorrentes de problemas criados pela própria instituição. Em outras situações, podem ser decorrentes do processo de comunicação entre enfermeiro ou médico e o paciente. Há erros provenientes, ainda, de falhas quanto aos aspectos cognitivos relacionados ao fármaco, ao procedimento, ou a ambos. Estudos referentes a erros foram desenvolvidos em muitos países. Como exemplo citamos o do Department of Preventive Medicine da Vanderbilt University School of Medicine, USA, entre outros, onde ressaltam que o aumento das estatísticas sugere que os erros são freqüentes e resultam em danos importantes.4,5 Recentemente o Institute of Medicine Report descreveu a magnitude do problema por meio da realização de vários estudos, e demonstrou como a freqüência e a conseqüência dos erros médicos podem ser reduzidas pelo uso da informação tecnológica.6 No Japão, um estudo, com base nos casos ocorridos na administração de medicação intravenosa relatados por enfermeiros, concluiu que um controle sistemático dessa prática é essencial para reduzir os erros em razão da alta complexidade do processo da administração de medicação intravenosa. 7 Outros estudos mostram os erros constituem-se em aspecto de importância dentro da assistência à saúde. 8 O Institute of Medical, nos EUA, relata que entre 44.000 e 98.000 americanos morrem anualmente em decorrência de erros médicos ou por uso inadequado de medicação e que, deste total, 2% a 14% ocorrem em pacientes hospitalizados. 9 6 A American Society of Hospital Pharmacists propõe estratégias que, se implementadas, podem prevenir ou reduzir os erros na medicação. 10 No Brasil, em 1998, o Conselho Federal de Enfermagem aprovou a Resolução COFEN-210, objetivando estabelecer a atuação dos Profissionais de Enfermagem, que trabalham com quimioterapia antineoplásica, dentro das normas de biossegurança estabelecidas pelo Ministério da Saúde, conforme Portaria no 170/SAS, com a finalidade de assegurar a qualidade da assistência prestada pelos profissionais de enfermagem a pacientes submetidos ao tratamento quimioterápico, promovendo a humanização do atendimento. 11 “A arte ou ofício de curar é uma atividade de benefício ao semelhante, sendo descabido que daí resulte dano ou agravamento do mal”. Por isso, Hipócrates dispunha em precioso aforismo: “Primum non nocere”. 12 Estas considerações permitem reconhecer que a administração de medicamentos é um procedimento básico da enfermagem que exige do profissional aprimoramento de seus conhecimentos, técnicas específicas e aplicação de vários princípios científicos, promovendo a segurança necessária e benefícios ao cliente. Em razão disso, surgem alguns questionamentos quanto à prática de administrar medicamentos pelo enfermeiro: - quais serão as crenças e valores dos enfermeiros quanto a essa prática? - como os enfermeiros entendem sua responsabilidade nessa função? - os enfermeiros percebem que exercer tal função é algo que se espera deles por parte dos pacientes, da equipe multiprofissional e da própria estrutura organizacional? - delegar tal atividade a outros membros da equipe de enfermagem, menos qualificados, faz parte do comportamento profissional do enfermeiro? É o que este estudo pretende investigar. 7 2. REFERENCIAL TEÓRICO Estudar o comportamento humano é tarefa árdua e exaustiva. Talvez por isso existam inúmeros modelos teóricos destinados a tal atividade, com abordagens diferentes e óticas diversas. Todas as teorias, no entanto, são unânimes quando afirmam que, antes de qualquer intervenção, é preciso descobrir o que as pessoas sabem, pensam e acreditam sobre um determinado assunto, em seguida analisar este conhecimento à luz das crenças e valores de um grupo específico a fim de perceber as intenções dessas pessoas e prever comportamentos em relação ao problema em questão. 13 Pesquisar as intenções e opiniões das pessoas em relação a determinada situação fornece dados cuja análise é primordial para identificar possíveis falhas no conhecimento ou nas intenções de comportamento de um determinado grupo. 14,15,16 Uma dessas teorias é a Teoria da Ação Racional, identificada na literatura como TRA - Theory of Reasoned Action - classificada como "teoria de predição", por se preocupar em prever e compreender o comportamento humano. Muitos pesquisadores têm admitido que há muitas e diferentes causas para distintos comportamentos. Esta teoria tem como meta prever e entender o comportamento do indivíduo e os fatores que o influenciam a agir de determinado modo. 17 A TRA é o resultado de um programa de pesquisa iniciado por Martin Fishbein, na década de 50 do século XX, que, desde o início preocupou-se com o estabelecimento de uma teoria e com a identificação e mensuração das atitudes, para, posteriormente, prever o comportamento. Em 1967, Fishbein introduziu esta teoria no campo da psicologia social, no estudo do comportamento, e que, com o tempo, foi sendo refinada, desenvolvida e testada. Em geral a teoria é baseada no pressuposto que o ser humano age, em geral, racionalmente e, para tanto, usa sistematicamente as informações que estão à sua disposição. A teoria acredita que as pessoas consideram as implicações de suas atitudes antes de decidirem agir ou não.7,18,19 8 Em 1980, Ajzen e Fishbein descreveram a teoria como tendo objetivos de prever e compreender o comportamento do indivíduo. Para atingir tais objetivos, são percorridas duas etapas. A primeira, denominada elicitation study, consiste na identificação do comportamento de interesse. A partir do pressuposto da teoria, a maioria das ações de relevância social está sob controle voluntário, e os autores atestam que as intenções das pessoas em realizar, ou não, certo comportamento, é o determinante imediato da ação. 17,18,19 Uma vez identificadas as crenças modais salientes, parte-se para a segunda etapa que é compreender e mensurar a força que cada grupo de crenças exerce sobre a formação da intenção, ou seja, determinar, por meio de modelos matemáticos a força e o peso relativo dessas crenças na formação da intenção do indivíduo em realizar um dado comportamento, mas que, pela exigüidade de tempo, não será realizada neste estudo. De acordo com a TRA, a intenção do indivíduo é função de dois determinantes básicos: um de natureza pessoal e, outro, de natureza social que reflete a influência do meio em que o indivíduo vive ou do grupo no qual está inserido, sobre suas ações (Figura 1). O fator pessoal é a avaliação positiva ou negativa que o indivíduo faz quanto a realizar um dado comportamento, e é denominada atitude em relação a esse comportamento. O segundo fator determinante da intenção é a percepção, que o indivíduo tem das pressões sociais exercidas sobre ele para realizar ou não o comportamento em questão: como se trata da percepção das normas sociais, recebe a denominação de norma subjetiva. Assim sendo, a meta final é prever e entender o comportamento do indivíduo. O primeiro passo dentro dessa meta é identificar e medir o interesse que motiva o comportamento. Uma vez definida a intenção de comportamento é possível perguntar e investigar o que determina a realização de tal comportamento.17,20,21 Crenças comportamentais ATITUDE Peso Relativo Crenças normativas INTENÇÃO NORMAS SUBJETIVAS Figura 1. Diagrama representativo das relações entre os fatores que determinam o comportamento do indivíduo, de acordo com a TRA. 17,18 Como definir e medir o comportamento dentro dos aspectos pragmáticos da TRA? Tem sido demonstrado, repetidamente, em vários trabalhos, que as intenções das pessoas determinam seu comportamento. E, para tanto, muitos autores têm utilizado a TRA. 13,22,23 A TRA sugere que é possível prever um comportamento quando se conhece a intenção, pois foi observado que a intenção antecede a ação. Os determinantes das intenções comportamentais são as atitudes pessoais e as normas subjetivas. De acordo com a TRA, dois fatores indicam a intenção do indivíduo: um de natureza pessoal (componente de atitude) e outro, de natureza social (componente normativo). Estes são considerados os “constructos” da TRA. A TRA está alicerçada na inter-relação de seus “constructos” - crenças e valores pessoais, crenças normativas – que constituem a matriz geradora das intenções e atitudes de uma pessoa em relação a alguém ou algo, portanto, torna-se imperativo conceituar tais “constructos” sob o prisma desse determinante. Crenças são inerentes ao ser humano e adquiridas pela vivência com diferentes fenômenos ou transmitidas culturalmente, representam o julgamento do indivíduo ou grupo de indivíduos, a respeito de um variedade de objetos ou COMPORTAMENTO 9 10 pessoas. Envolve o reconhecimento de um fato como verdadeiro. Quando as crenças são organizadas em um sistema, são denominadas ideologias”. 24 Outros autores, na mesma linha de pensamento, definem crenças como sendo: “uma afirmação ou proposição, declarada ou implícita, emocional ou intelectualmente aceita como verdade por um indivíduo ou grupo”. 25 Quanto à definição de valor, é necessário considerar que é um termo com diversos significados, dependendo do contexto utilizado: conceito abstrato, por vezes, meramente implícito que define, em relação a um indivíduo ou a uma unidade social, quais são as finalidades desejáveis ou os meios aconselháveis e apropriados para atingir essas finalidades. O conceito abstrato de valia não é o resultado de uma avaliação do próprio indivíduo, mas uma preferência partilhada e transmitida por uma comunidade. 26 Em vista disso, as atitudes são consideradas como sentimentos relativamente constantes, predisposições ou um conjunto de crenças indicando um rumo e objetivo pessoal ou situacional. 27 No contexto, os autores da TRA assumem que a atitude é determinada pelas crenças a respeito de um determinado objeto, pela associação de várias características, qualidades e atributos. Estas crenças, por sua vez, seriam resultado da experiência de vida do indivíduo, podendo decorrer da observação direta, ou adquiridas indiretamente, por meio de informações provenientes de outras fontes, ou ser autogeradas, com base nos processos de inferência. Quanto à estabilidade, algumas podem persistir ao longo do tempo, outras esquecidas, ou ainda, formadas novas crenças. 17,27 Ajzen e Fishbein concluíram que, uma vez conhecidas as crenças pessoais e normativas de alguém, será possível prever a atitude de um indivíduo em relação a um determinado comportamento, baseando-se na soma de suas crenças. Uma vez que a atitude e a norma subjetiva são determinantes da intenção comportamental, torna-se teoricamente possível prever a intenção, apoiados nesses dois grupos de crenças. 17 11 Embora o comportamento seja, em última análise, determinado por crenças, não significa que exista uma ligação direta entre crenças e comportamento. O que se percebe é que há fortes influências: as crenças pessoais influenciam as atitudes; as crenças normativas influenciam as normas subjetivas; estes dois componentes influenciam as intenções, e as intenções influenciam o comportamento. 17,18,28,29 Com base neste modelo teórico, portanto, é que este estudo deverá ser conduzido. 12 3. OBJETIVOS Em virtude do exposto até aqui e considerando - a importância da prática da administração de medicamentos dentro das atividades do enfermeiro; - a responsabilidade científica, legal e administrativa do enfermeiro em relação a essa prática; este estudo terá como objetivos: 1. identificar as crenças e valores pessoais dos enfermeiros quanto à administração de medicamentos; 2. identificar as crenças normativas dos enfermeiros em relação à administração de medicamentos. 13 4. CASUÍSTICA E MÉTODO. 4.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO. O estudo teve como referencial teórico, os pressupostos da TRA, de Ajzen e Fishbein, e limitou-se à realização da primeira fase, prevista na teoria. Nesta fase foi realizado o "elicitation study" com o intuito de identificar, entre a população estudada, as crenças modais salientes, tanto positivas como negativas sobre a “prática da administração de medicamentos". 4.2 POPULAÇÃO E LOCAL. O estudo foi realizado com 28 enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clinicas, instituição pública e de ensino que atende pacientes com tratamento de média e alta complexidade. A escolha de unidades de cuidados intensivos deveu-se ao fato de ser um local onde os pacientes, geralmente, recebem grandes quantidades de medicamentos. 4.3 INSTRUMENTO PARA COLHEITA DE DADOS. De acordo com a TRA, para colher os dados na primeira fase do estudo o pesquisador elaborou e utilizou um instrumento que foi submetido a uma avaliação de cinco juizes enfermeiros, com mestrado, doutorado ou cursando programas de pós-graduação, para apreciar o conteúdo das perguntas quanto à compreensão e pertinência. Após esta avaliação, foram feitas algumas alterações, sugeridas pelos juízes, para o aprimoramento das questões (Anexo I). A entrevista, semi-estruturada, foi elaborada com questões norteadoras para estimular as respostas discursivas dos participantes. Nesta pesquisa foi adotado o relato escrito, ao invés de entrevista gravada, por exigência da própria instituição, campo do estudo. 14 4.4 PORTARIA MS 196/96 O projeto e todos seus componentes tais como carta de solicitação à instituição e termo de consentimento livre e esclarecido, foram submetidos à apreciação do respectivo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme exigência da Portaria MS 196/96, que aprovou e autorizou sua execução (Anexo II). 4.5 COMPORTAMENTO INVESTIGADO Neste estudo, o comportamento tido como principal foco de investigação foi “administrar medicamentos aos pacientes como parte integrante da função do enfermeiro, durante sua jornada de trabalho”. 4.6 ANÁLISE DOS DADOS Os questionários foram entregues a cada entrevistado para serem respondidos e, posteriormente, devolvidos à pesquisadora. Participaram enfermeiros de diversas Unidades de Terapia Intensiva: Queimados adulto e infantil; Transplante de Fígado; Pós-operatório; Clínica Médica; Doenças Infecto-contagiosas; Renal e Hematologia. Na maior parte do tempo, houve cordialidade por parte dos enfermeiros em atender à solicitação. No entanto, a maior dificuldade foi quanto ao retorno das entrevistas respondidas. Com muita persistência e visitas diárias à instituição, foi possível reaver 28 questionários respondidos, dos 36 distribuídos aos enfermeiros. À medida que os questionários foram sendo entregues, as respostas foram submetidas à análise de conteúdo. Estas respostas foram agrupadas em unidades de significado e, posteriormente, em unidades temáticas. A análise dos dados foi direcionada sob o olhar qualitativo, uma vez que se optou pela análise do conteúdo dos relatos escritos pelos participantes. Para tanto, foi adotada a análise efetuada por Gallani e contida em seu trabalho: 18 - leitura e releitura atenta da descrição feita pelos entrevistados; 15 - destaque das unidades de significado contidas nos relatos; - agrupamento das unidades de significado em unidades temáticas. Assim, procurou-se registrar, de forma ordenada, as crenças salientes relativas ao comportamento investigado. 16 5. RESULTADOS 5.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO Foram analisadas as respostas de 28 enfermeiros, de ambos os sexos. Quanto ao perfil demográfico, as idades dos participantes variaram entre 25 e 54 anos e a maioria declarou-se casada. Quanto à formação acadêmica dos enfermeiros observa-se que 11 (39,3%) referiram ter apenas graduação e 17 (60,7%) declararam ter curso de especialização. Nenhum referiu curso de mestrado ou doutorado (Tabela1). Tabela 1. Distribuição do número de enfermeiros de acordo com a formação acadêmica. São Paulo, 2004. Nível de escolaridade N % Graduação 11 39,3 Especialização 17 60,7 Total 28 100,0 Quanto à experiência dos entrevistados, a maioria (75,0%) sempre trabalhou em UTI; 7 enfermeiros (25,0%) declararam ter experiência em UTI e outras áreas de internação (Tabela 2). Tabela 2. Distribuição do número de enfermeiros de acordo com a área de experiência. São Paulo, 2004. Área de experiência UTI N % 7 25,0 UTI 21 75,0 Total 28 100,0 + Unidade de internação Em relação à jornada de trabalho, 12 (42,8%) têm jornada única, 15 (53,6%) referiram jornada dupla e apenas 1 (3,6%) têm jornada tripla (Tabela 3). 17 Tabela 3. Distribuição do número de enfermeiros de acordo com a jornada de trabalho. São Paulo, 2004. Jornada de trabalho N % Jornada única 12 42,8 Jornada dupla 15 53,6 Jornada tripla 1 3,6 Total 28 100,0 Foi apurado, também, que a média de tempo de trabalho dentro da UTI era de sete anos e seis meses e a média de tempo de trabalho dentro da unidade de internação, de dois anos e seis meses. Nota-se, com isso, que não se tratava de profissionais recém formados. Estes resultados permitem supor que os participantes da pesquisa detinham uma razoável experiência profissional tendo em vista o tempo de trabalho tanto em unidades de internação quanto em unidades de cuidados intensivos. 5.2 ANÁLISE DO CONTEÚDO DOS RELATOS ESCRITOS Após repetidas leituras dos relatos escritos pelos enfermeiros, procedeuse à interpretação das declarações que foram categorizadas em unidades de significado e, finalmente agrupadas em unidades temáticas que, juntas, compõem “A atuação do enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos”. Numa primeira leitura, os relatos mostraram que o enfermeiro reconhece, como fundamental, ter um bom conhecimento para executar com segurança todo o processo que envolve esta prática, desde o armazenamento, o preparo, até a fase da administração ao paciente. No entanto, a tônica que permeia a maioria dos relatos é a sobrecarga de trabalho e, em conseqüência, a falta de tempo para desenvolver tal atividade. 18 5.3 TEMATIZAÇÃO DAS UNIDADES DE SIGNIFICADO 5.3.1 O enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos As respostas dadas às duas primeiras questões, em relação às vantagens e desvantagens que o enfermeiro percebe quando ele próprio administra medicamentos, deixam clara a interpretação contraditória quanto à importância desta prática. Foram apontados tanto aspectos positivos quanto negativos, agrupados no Quadro 1. Quadro 1 – Vantagens e desvantagens, vistas pelo enfermeiro, quando ele próprio administra medicamentos. ASPECTOS POSITIVOS ASPECTOS NEGATIVOS VANTAGENS DO DESVANTAGENS DO ENFERMEIRO ADMINISTRAR MEDICAMENTOS ENFERMEIRO ADMINISTRAR MEDICAMENTOS Estimula a aprendizagem Perda de tempo, por ser uma atividade básica Diminui erros na administração Impede de realizar outras atividades Diminui índice de infecção Sobrecarga de trabalho Melhor evolução do tratamento Erros na administração Maior contato com o paciente Dificulta as tarefas administrativas Observa as reações adversas Insegurança Melhor qualidade da assistência Falta de conhecimento Ao serem questionados sobre vantagens e desvantagens em administrar os medicamentos prescritos, aparecem declarações positivas como “é um estímulo à aprendizagem, diminui erros durante o procedimento, colabora para diminuir o índice de infecção, melhora a evolução do tratamento, permite contato com o paciente, podendo observar as reações adversas e existe melhor qualidade na assistência”. Percebe-se que todas as vantagens citadas dizem respeito aos cuidados de enfermagem ao paciente. 19 Quanto às desvantagens citadas nos relatos, as mais freqüentes reportam-se ao fato que “administrar medicamentos é uma atividade básica”, ou seja, que esta tarefa poderia ser realizada por outro profissional da equipe de enfermagem, enquanto o enfermeiro poderia usar melhor seu tempo em outras atividades mais importantes. Quando afirma que administrar medicamentos é uma desvantagem pois “precisa realizar outras atividades, que é uma perda de tempo e que tem sobrecarga de trabalho”, está implícito que ele se percebe como um profissional com muitas atribuições, encontra-se sobrecarregado e sem tempo para esta atividade, considerando-a de menor importância. Isto fica mais claro quando, nos relatos, aparece que “administrar medicamentos dificulta as tarefas administrativas”, ou seja, as tarefas administrativas, essas sim, fazem parte de suas atribuições mas se ele se dedicar à administração de medicamentos terá dificuldades em executá-las. Ao incluir nas desvantagens a “falta de conhecimento, insegurança e erros na administração”, ele reconhece que sua falta de conhecimento causa insegurança e, assim, podem ocorrer erros na administração de medicamentos. Ainda dentro desta unidade temática, as respostas quanto aos fatores que estimulam ou desestimulam o enfermeiro a essa prática, podem ser observadas no Quadro 2. 20 Quadro 2 – Fatores que estimulam e desestimulam o enfermeiro a administrar medicamentos. O QUE ESTIMULA O O QUE DESESTIMULA O ENFERMEIRO A DMINISTRAR ENFERMEIRO A ADMINISTRAR MEDICAMENTOS MEDICAMENTOS Aprendizagem Nada desestimula Gostar de farmacologia Cuidar do paciente Evolução do tratamento Ter tempo disponível Gostar de administrar medicação Função do enfermeiro Contato com a medicação Pacientes Graves Caso de Urgência Falta de Funcionários Regulamentação sobre quimioterapia e hemoderivados Nos relatos feitos sobre os fatores que estimulam, o enfermeiro a administrar medicamentos, os participantes reconhecem que tal atividade leva a “um aprendizado profissional, pois acredita que gosta de administrar medicamentos e de farmacologia”. Em relação ao paciente, o enfermeiro acredita que esta prática é “sua função como enfermeiro e o fato de prestar cuidados de enfermagem participa na melhora da evolução do tratamento”. Uma declaração tão interessante quanto contraditória, é quando dizem que ”ter tempo disponível é um estímulo para administrar medicamentos”, deixando claro que enquanto estiverem ocupados com outras tarefas, ou seja, 21 sem tempo disponível, ficariam sem estímulo, mostrando que administrar medicamentos não é uma atividade prioritária. Outras situações que estimulam o enfermeiro a administrar medicamentos são os pacientes em estado grave ou em caso de urgência. Esta declaração deixa entender que caso o paciente esteja em condição física estável, sem risco de vida, a medicação é feita por outro profissional e não existe estimulo para administrar medicamentos. A falta de funcionários é outra situação que também não é uma rotina, mas uma necessidade ou situação de urgência. Por não ter quem faça, ele se percebe obrigado a fazê-lo, mostrando que, quando possível, o enfermeiro delega a administração de medicamento a outro profissional. A menção dos entrevistados sobre a legislação, refere-se à regulamentação feita pelo Conselho Regional de Enfermagem (COREN) das Resoluções: COFEN nº200/1997; COFEN nº210/1998 e COFEN nº257/2001, onde é determinado que as aplicações quimioterápicas e os hemoderivados devem ser administrados por enfermeiros. 30 A legislação foi percebida como um fator estimulante para o enfermeiro adquirir conhecimento científico e para executar esta atividade, sob sua exclusiva responsabilidade, em razão dos riscos que correm os pacientes submetidos a este tipo de terapia. Com isto, pode-se supor que os enfermeiros foram estimulados a buscar conhecimento sobre administração de quimioterápicos e hemoderivados. De forma surpreendente, nenhum participante mencionou qualquer fator que desestimulasse a realização da administração de medicamentos. No entanto, apesar de todos os fatores estimularem esta prática, não se percebe uma tendência dos enfermeiros neste sentido. Da mesma forma, causa surpresa que, para muitos, esta prática não faça parte de suas conversas ou discussões, como se observa pelo Quadro 3. 22 Quadro 3 – Situações em que o enfermeiro discute ou conversa sobre administração de medicamentos. SITUAÇÕES EM QUE O ENFERMEIRO DISCUTE SOBRE ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS NÃO DISCUTE DISCUTE Nunca discute sobre este Com a Chefia de enfermagem assunto Não existem situações para Com outros enfermeiros discutir Somente discute se alguém Com médicos estiver administrando a medicação de forma errada Somente em caso de dúvida Com fisioterapeutas Não tem tempo para discutir Com os auxiliares de sobre este assunto enfermagem 23 Quando o enfermeiro declara que “nunca discute sobre este assunto, não tem tempo para discutir sobre este assunto e não existem situações para discutir”, deixa entender que esta prática não faz parte de suas atividades diárias; caso a administração de medicamentos fizesse parte de suas atividades, muitas discussões e muitas situações surgiriam para falar sobre o assunto. Ao dizer que somente “discute se alguém estiver administrando a medicação de forma errada”, mostra que ele apenas supervisiona esta atividade, portanto, é outro profissional que a executa. Quando declara que “discute somente em caso de dúvida”, afirma que o interesse por este assunto surge caso haja risco de administrar medicamentos de forma errada. Outros entrevistados relataram que conversam sobre esta prática em seu ambiente de trabalho. Percebe-se que a discussão não envolve apenas osmembros da equipe de enfermagem, mas, também, outros membros da equipe multiprofissional e que este tema é abordado como uma das funções precípuas do enfermeiro. Alguns entrevistados detalharam que este envolvimento pode ser parcial, mas que esta temática é uma constante dentro da rotina de trabalho seja pela falta de funcionários seja por situações de emergência. Os participantes destacaram, também, que durante a internação dos pacientes, a administração de medicamentos, além de ser função do enfermeiro, exige do profissional um apurado conhecimento científico tanto das drogas em si como das técnicas de aplicação, dando a entender que, quando não há tal conhecimento, muitas discussões podem ocorrer entre enfermeiros, médicos e demais membros da equipe. Um dos aspectos que resultou em maior volume de respostas dos entrevistados foram as questões relacionadas aos fatores que facilitam e dificultam a prática da administração de medicamentos. A análise dos relatos permitiu agrupar as respostas em três unidades de significado: fatores cognitivos relacionados ao enfermeiro, administrativos e fatores físicos e psicológicos relacionados ao paciente. fatores 24 Os aspectos cognitivos foram apontados pelos entrevistados como fatores que podem facilitar ou dificultar o desempenho correto dessa prática, como se observa no Quadro 4. Quadro 4 – Fatores cognitivos que facilitam ou dificultam administração de medicamentos. a FATORES COGNITIVOS QUE FATORES COGNITIVOS QUE FACILITAM A ADMINISTRAÇÃO DIFICULTAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO DE MEDICAMENTOS PELO ENFERMEIRO ENFERMEIRO Experiência Profissional Falta de conhecimento Cuidados de Enfermagem Insegurança O enfermeiro acredita que sua experiência profissional pode facilitar a administração de medicamentos. Cita também que, dependendo da via de acesso, há necessidade de maior conhecimento sobre farmacologia, diluição, tempo de infusão e cuidados de enfermagem. Alguns mencionaram que certas drogas, para serem administradas, pressupõem a utilização da bomba de infusão, equipos especiais e um conhecimento específico para manuseá-las. Caso o enfermeiro não tenha experiência, com certeza, terá grandes dificuldades e colocará o paciente em risco, podendo causar erros na administração dessas drogas. Pela análise das declarações, verifica-se que, quando a administração de medicamentos faz parte do conjunto de cuidados de enfermagem dispensados aos pacientes, ela se transforma em experiência profissional adquirida e ambos se tornam um elemento facilitador aumentando o cabedal de conhecimento do enfermeiro. O profissional acredita que a falta de conhecimento é um fator que dificulta a prática de administração de medicamentos por gerar insegurança em todo o processo, desde o armazenamento adequado até o momento em que a droga for administrada ao paciente. Durante a análise dos relatos feitos pelos enfermeiros, foi possível identificar, também, um grupo de fatores mencionados pelos participantes que se referiam a “causas externas”, tanto positivas como negativas para a 25 administração de medicamentos, relacionadas à estrutura organizacional das instituições. Estas causas foram categorizadas em fatores que facilitam ou dificultam esta prática, conforme apresentado no Quadro 5. Quadro 5 – Fatores administrativos que facilitam ou dificultam a administração de medicamentos. FATORES ADMINISTRATIVOS FATORES ADMINISTRATIVOS QUE FACILITAM A QUE DIFICULTAM A ADMINISTRAÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTO PELO MEDICAMENTO PELO ENFERMEIRO ENFERMEIRO Material e medicação disponíveis Material e medicação indisponíveis Prescrição médica bem feita e Prescrição médica mal feita e legível ilegível Escala adequada de funcionários Escala inadequada de funcionários Cumprimento da rotina da Tarefas administrativas unidade Sobrecarga de trabalho Falta de tempo Burocracia Baixa remuneração salarial Por outro lado, são citados vários fatores relacionados à estrutura organizacional da instituição que dificultam ao enfermeiro dedicar-se à prática da medicação. E, finalmente, o último grupo de fatores que podem facilitar ou dificultar a administração de medicamentos relatados pelos entrevistados, diz respeito aos aspectos físicos e psicológicos relacionados aos pacientes, como se observa no Quadro 6. 26 Quadro 6 – Condições físicas e psicológicas que facilitam ou dificultam a administração de medicamentos. CONDIÇÕES FÍSICAS E CONDIÇÕES FÍSICAS E PSICOLÓGICAS DO PACIENTE QUE PSICOLÓGICAS DO PACIENTE QUE FACILITAM A ADMINISTRAÇÃO DIFICULTAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS DE MEDICAMENTOS Acesso venoso disponível Acesso venoso indisponível Colaboração do paciente Falta de colaboração do paciente Muitos relatos enfatizaram que o acesso venoso disponível e a colaboração do paciente são condições que podem facilitar ou dificultar a administração de medicamentos. É provável que, em vista destas considerações, as opiniões dos entrevistados quanto à percepção das oportunidades que têm para administrar medicamentos tenham sido tão desencontradas, como se observa no Quadro 7. 27 Quadro 7 – Percepção dos enfermeiros quanto às oportunidades de administrar medicamentos durante seu plantão. QUANTAS VEZES DURANTE O QUANTAS OPORTUNIDADES PLANTÃO O ENFERMEIRO DURANTE O PLANTÃO O ADMINISTRA MEDICAMENTOS ENFERMEIRO TEM PARA ADMINISTRAR MEDICAMENTOS três a seis vezes durante o três a seis vezes durante o plantão plantão 30 vezes durante o plantão 20 vezes durante o plantão Somente em casos de urgência Poucas oportunidades Muitas vezes por causa da falta Muitas oportunidades, mas a parte de funcionários administrativa não permite Dependendo do plantão as oportunidades aparecem Sempre existem oportunidades para administrar medicação Pela falta de funcionários as oportunidades são uma rotina Nas declarações dos profissionais, percebem-se quatro diferentes atitudes dos enfermeiros, referentes ao número de vezes em que administram medicamentos durante o plantão: - há enfermeiros que administram medicamentos de “três a seis vezes durante o plantão”. Se considerarmos que as unidades de trabalho dos participantes são de tratamento intensivo percebe-se que há uma participação pequena do enfermeiro na administração de medicamentos durante sua jornada de trabalho, e que esta não é a principal ou a mais importante atribuição, dentro da escala de prioridades; 28 - há enfermeiros que administram medicamentos até “30 vezes durante o plantão”. Nestes casos, fica evidente que existe uma forte participação do enfermeiro na administração de medicamentos durante seu período de trabalho, sendo esta, portanto, uma atribuição importante e que faz parte de sua escala de prioridades; - há enfermeiros que administram medicação “somente em casos de urgência”. Subentende-se, nesta situação, que sua participação na administração de medicamentos é esporádica e “somente se torna importante em uma situação de urgência”, não fazendo parte de sua escala de prioridades; - há enfermeiros que administram medicamentos “muitas vezes, por causa da falta de funcionários”. Isto evidencia que o enfermeiro participa da administração de medicamentos durante o plantão, mas apenas em decorrência da falta de funcionários, caso contrário esta atividade é delegada a outros membros da equipe de enfermagem. Portanto, se o número de funcionários estiver adequado, esta atividade não fará parte de sua escala de prioridades. Quanto à percepção das oportunidades que os participantes têm em administrar medicamentos durante o plantão, também há diferentes manifestações: - há declarações em que as oportunidades para administrar medicamentos “variam entre três a quatro vezes ou poucas oportunidades durante o plantão”. Por se tratar de unidades de cuidados intensivos, esta baixa estimativa aponta para o fato de os participantes não considerarem importante esta atividade dentro de sua escala de prioridades; - há declarações em que as oportunidades para administrar medicamentos são de “20 vezes durante o plantão ou mais”. Nestes casos os enfermeiros percebem que existem muitas oportunidades para realizar tal prática e que esta atividade é importante dentro de sua escala de prioridades; - há ainda declarações em que os participantes percebem que há muitas oportunidades porém “a parte administrativa não permite”. Provavelmente estes são os casos em que, apesar de o enfermeiro reconhecer as oportunidades, as funções administrativas antecedem a prática da medicação; 29 - há declarações em que as oportunidades de administrar medicamentos, “dependem do plantão”, e, nestes casos, fica implícito que o enfermeiro acredita que esta atividade não faz parte de suas atribuições, ou que, em último caso, depende de outros fatores decorrentes do plantão não explícitos em sua resposta; - há declarações que, em razão da “falta de funcionários as oportunidades são uma rotina”. São respostas que permitem inferir que esta atividade não faz parte de suas atribuições, portanto pode ser realizada por outro profissional, mas em razão da falta de funcionários, administrar medicação tornou-se sua atividade. Com o intuito de se conhecer as crenças normativas dos enfermeiros quanto à prática da administração de medicamentos executada por eles, foram apresentadas questões indagando sobre a possibilidade de alguém aprovar ou desaprovar tal prática. As respostas, agrupadas no Quadro 8, mostram a percepção dos enfermeiros quanto às normas subjetivas identificadas por eles. Quadro 8 – Referentes sociais que aprovam ou desaprovam a prática de administrar medicamentos pelo próprio enfermeiro. QUEM APROVA O ENFERMEIRO A ADMINISTRAR MEDICAMENTO QUEM DESAPROVA O ENFERMEIRO A ADMINISTRAR MEDICAMENTO Paciente Enfermeiro Médico Supervisão de Enfermagem Equipe de Enfermagem Equipe Multiprofissional COREN Ninguém desaprova Estas respostas causam surpresa: de acordo com os respondentes, ao mesmo tempo em que o enfermeiro percebe que todos à sua volta o aprovam como agente da prática de administrar medicamentos, também declara que ele mesmo – ou os seus pares - desaprovam tal procedimento. 30 5.3.2. Aspectos cognitivos. Apesar de não ser objetivo deste estudo investigar aspectos cognitivos a respeito de drogas, questionamos os enfermeiros sobre conhecimentos básicos de armazenamento dos medicamentos, uma vez que esta atividade está ligada, também, aos aspectos administrativos da unidade de internação. Pelas respostas obtidas, verificou-se que todos os entrevistados mostraram um conhecimento adequado sobre os princípios básicos de armazenamento de drogas, como apresentado ao Quadro 9. Quadro 9 – Conhecimento do enfermeiro sobre armazenamento de drogas. CONSIDERAÇÕES BÁSICAS DE ARMAZENAMENTO Local limpo e seco Abrigo da luz Prazo de validade Temperatura ambiente Da mesma forma, considerando-se que o enfermeiro é responsável por sua equipe de trabalho e, teoricamente, deve supervisionar o processo de administração de medicamentos, foi acrescida uma questão para verificar o conhecimento dos entrevistados a respeito do processo de absorção de drogas pelo organismo. As respostas dadas pelos enfermeiros,agrupadas em “corretas” e “incorretas”, estão apresentadas no Quadro 10. 31 Quadro 10 – Conhecimento do enfermeiro sobre absorção de drogas pelo organismo. CONHECIMENTO DO ENFERMEIRO SOBRE OS FATORES QUE MODIFICAM A ABSORÇÃO DA DROGA CORRETAS INCORRETAS Diluição Coloração Estabilidade Cápsula, drágea Interação medicamentosa Administração sublingual Interação alimentar Sonda nasogástrica Vômito Sedação Diarréia Suco gástrico Horário da administração Motilidade intestinal Maceração Disfunção gástrica Preparo Ph oral Nenhum fator altera Os enfermeiros, ao responder sobre os fatores que modificam a absorção da droga pelo organismo, deram nove respostas corretas e dez respostas incorretas. Pode-se inferir que, pelo número e tipo de respostas incorretas, os participantes necessitam aprimorar seu conhecimento científico sobre farmacologia. É fundamental conhecer os fatores que modificam a absorção da droga, pois, caso ocorram situações tais como interação medicamentosa ou alimentar, não só a terapia medicamentosa, mas o próprio paciente estará ameaçado. 32 6. DISCUSSÃO 6.1 UNIDADES TEMÁTICAS DECORRENTES DAS CRENÇAS COMPORTAMENTAIS E NORMATIVAS De acordo com a TRA a identificação das crenças comportamentais e normativas associadas a determinado comportamento possibilita entender as razões subjacentes desse comportamento. As crenças comportamentais são as características, qualidades e atributos percebidos por um grupo de pessoas representativo de uma população sobre um determinado comportamento. As crenças normativas, ou normas subjetivas, referem-se às pessoas ou grupos importantes dentro de determinada comunidade, que aprovariam ou desaprovariam um dado comportamento. Os objetivos deste trabalho foram identificar comportamentais e normativas do enfermeiro em relação à as crenças prática da administração de medicamentos. Seguindo-se, então, as recomendações da TRA identificaram-se, pela análise dos relatos escritos pelos participantes, as seguintes unidades temáticas; - o enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos, - conhecimento científico, - referentes sociais, - causas externas que interferem na prática. 33 6.2 UNIDADE TEMÁTICA: O ENFERMEIRO COMO AGENTE DA PRÁTICA DE ADMINISTRAR MEDICAMENTOS 6.2.1 Reflexos na qualidade da assistência . Pela análise das declarações percebe-se que, na concepção dos entrevistados, a qualidade da assistência está relacionada ao conhecimento científico do enfermeiro. A maioria dos relatos enfatiza que se o conhecimento é insatisfatório a assistência de enfermagem ao paciente é ruim, e o mesmo ocorre com a evolução do tratamento. Neste estudo, fica evidente que a principal vantagem vista pelos participantes quando são os enfermeiros que administram medicamentos é a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem. Essa correlação se torna mais clara quando se transformam os relatos dos entrevistados em diagramas, como apresentado à Figura 2. Figura 2. Correlação entre a qualidade da assistência e o conhecimento científico do enfermeiro. Excelente Média Ruim Insatisfatório Regular Satisfatório Insatisfatório Regular Satisfatório Conhecimento Evolução do tratamento 34 6.2.2 Reflexos no índice de erro na administração de medicamentos Da mesma forma, a citação de índices de erros na administração de medicamentos apresentava uma estreita relação com a falta de conhecimento e insegurança por parte do profissional. Assim, esquematizando as respostas dos entrevistados, nota-se que também fazem uma correlação dos índices de erro com a segurança e o conhecimento do enfermeiro ao administrar medicamentos, conforme apresentado à Figura 3. Figura 3. Correlação entre índice de erro, conhecimento científico e segurança do enfermeiro ao administrar medicamentos. Alto Médio Baixo Insatisfatório Regular Satisfatório Conhecimento Insatisfatório Regular Satisfatório Segurança 35 6.2.3 Reflexos no índice de infecção Os respondentes citaram, também, que os índices de infecção, de uma unidade de internação, podem estar relacionados com o conhecimento do enfermeiro, enfatizando que um alto índice de infecção pode ser atribuído ao conhecimento insatisfatório do enfermeiro, como apresentado à Figura 4. Figura 4. Correlação entre índices de infecção e conhecimento científico do enfermeiro. Alto Médio Baixo Insatisfatório Regular conhecimento Satisfatório 36 DIMINUI ÍNDICE DE INFECÇÃO OBSERVA AS REAÇÕES ADVERSAS PERMITE CONTATO COM O PACIENTE QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA DIMINUI ERROS NA ADMINISTRAÇÃO MELHOR EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO Legenda: Relação de causalidade Figura 5. Diagrama representativo dos elementos que influenciam a qualidade da assistência de enfermagem ao paciente. As primeiras perguntas da entrevista tiveram por objetivo avaliar as crenças dos participantes sobre as vantagens e desvantagens, quando o próprio enfermeiro administra as medicações. Ao analisar as declarações de que “é um estímulo à sua aprendizagem, diminui erros na administração, diminui índice de infecção, melhora a evolução do tratamento, permite contato com o paciente, observa as reações adversas e existe 37 qualidade na assistência”, verificou-se que o enfermeiro acredita que as vantagens proporcionadas pelo conhecimento científico resultam em melhor evolução do tratamento, apresentando uma relação com a qualidade da assistência, (Quadro 1, Figuras 2 e 5). Na opinião dos participantes, o alto índice de erros na administração de medicamentos apresenta uma relação com o conhecimento e segurança insatisfatórios (Figura 3), ao mesmo tempo em que altos índices de infecção apresentam uma relação com o conhecimento insatisfatório (Figura 4). Ao declarar que “administrar medicamentos é uma atividade básica”, quer dizer que poderia ser realizada por outro profissional menos qualificado e que poderia usar melhor seu tempo em outras atividades mais importantes, delegando este cuidado para outros. Para alguns entrevistados, o enfermeiro não administra medicamentos pois “realiza outras atividades, é uma perda de tempo e tem sobrecarga de trabalho”, considera-se um profissional com muitas atribuições e se encontra sobrecarregado e sem tempo para mais esta atividade. O enfermeiro acredita que esta atividade implica vantagens e desvantagens: as desvantagens estão relacionadas com outras atividades que levam à sobrecarga de trabalho, imposta pela estrutura administrativo-financeira da instituição. O enfermeiro acredita que é estimulado a administrar medicação porque “seria um aprendizado profissional, gosta de administrar medicamento e gosta de farmacologia”, mostrando satisfação e disponibilidade ao realizá-la. Em relação ao paciente, acredita “ser sua função como enfermeiro e o fato de prestar cuidados de enfermagem participa na melhora da evolução do tratamento”. Quando diz que o ”tempo disponível é um estímulo”, mostra que estivesse ocupado com outras tarefas, ou seja, sem tempo, ficaria sem estímulo, mostrando que administrar medicação não é uma atividade prioritária e por isso, delega para outro profissional. Os relatos evidenciam duas crenças divergentes: uma, onde os enfermeiros acreditam que administrar medicamentos é sua função, por isso a praticam; e a 38 outra, quando os enfermeiros acreditam que esta atividade pode ser realizada por outro profissional. A literatura consultada sobre o tema, tem produzido estudos onde os autores enfatizam que uma das atribuições da prática de enfermagem merecedora de reflexão é a administração de medicamentos, pois envolve aspectos legais e éticos de impacto sobre a prática profissional. 31,32,33,34 Quanto menos capacitado for o profissional que administra medicamentos, mais chances existem de se cometer erros. Os erros na administração de medicamentos trazem à tona a responsabilidade do enfermeiro. Quando se realiza a ação de modo adequado, torna-se possível a prevenção do erro e, conseqüentemente, do erro real. 35,36,37,38 Alguns autores ainda ressaltam que são escassos os trabalhos publicados sobre o tema, portanto, isso é um alerta para a necessidade de se refletir sobre uma maior inserção dos profissionais de enfermagem na prática da administração de medicamentos no que se refere a publicações. 31,36,38 De acordo com outras pesquisas encontradas na literatura sobre erro médico mostra que errar é humano, mas que o médico representa o indivíduo investido da prerrogativa sobre-humana de amenizar a dor, mitigar o sofrimento e adiar a morte do semelhante. Por isso, seu erro, por menor que seja, assume proporções dramáticas, representando a negação do bem, mas nunca a intenção do mal. 12 Na maioria dos países, contudo, os médicos prescrevem para cada paciente, em média, três diferentes medicamentos, o que vem contribuindo, progressivamente, para o aparecimento de novas doenças – chamadas doenças iatrogênicas. 12 A invasão da tecnologia química na medicina fez com que o mercado farmacêutico pudesse oferecer ao consumo milhares de fórmulas medicamentosas diferentes. No entanto, a Organização Mundial de Saúde preconiza não mais que cinco centenas de diferentes medicamentos para países como o Brasil, número suficiente para auxiliar na solução dos problemas de saúde da população. 12 39 6.2.4 A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAÇÃO COMO TEMA DAS DISCUSSÕES DO ENFERMEIRO NUNCA DISCUTE SOBRE O ASSUNTO SOMENTE DISCUTE SE ALGUÉM ESTIVER ADMINISTRANDO DE FORMA ERRADA DISCUSSÃO NÃO EXISTEM SITUAÇÕES PARA DISCUTIR NÃO TEM TEMPO PARA DISCUTIR SOBRE ESTE ASSUNTO SOMENTE EM CASO DE DÚVIDA Figura 6 – Diagrama representativo das situações em que o enfermeiro discute ou conversa sobre a administração de medicamentos. Quando o enfermeiro declara que “nunca discute sobre este assunto, não tem tempo para discutir sobre este assunto e não existem situações para discutir”, ele acredita que a administração de medicamento não faz parte de suas atividades; caso fosse uma atividade valorizada dentro das suas obrigações, haveria muitas situações para discussões. Ao dizer que somente “discute se alguém estiver administrando o medicamento de forma errada”, mostra que ele supervisiona esta atividade, mas é outro profissional que a executa. E quando declara que “discute somente em caso de dúvida”, só conversa sobre o assunto, se estiver correndo o risco de praticar a administração de forma errada e, na última hora, procura informação. Pode-se inferir, portanto, que não procura estudar a respeito do assunto e não se preocupa em estar preparado para executar esta atividade. (Figura 6) 40 Autores que analisam não apenas a prática médica, mas também a dos demais profissionais da saúde, consideram que todos têm o dever da atualização – ou seja, o regular exercício profissional não requer apenas uma habilitação legal. Implica também o aprimoramento continuado, adquirido por meio dos conhecimentos mais recentes de sua profissão, no que se refere às técnicas e aos meios de tratamento, seja em publicações especializadas, nos congressos, nos cursos de especializações ou nos estágios em centros hospitalares de referência. 12 No fundo mesmo, o que se quer saber é se naquele discutido ato profissional pode-se admitir a imperícia. Se o dano deveu-se à inobservância de normas técnicas ou ao despreparo profissional, em face da inadequação de conhecimentos científicos e práticos da profissão. 12 Talvez por isso é que, nos relatos, os entrevistados não se sentem muito estimulados a administrar medicamentos. 1 – CASOS DE URGÊNCIA 2- PACIENTES GRAVES ESTíMULO 3- FALTA DE FUNCIONÁRIOS Figura 7 – Situações que estimulam o enfermeiro a administrar medicamentos. A figura acima explica as declarações feitas pelos enfermeiros que se sentem estimulados, em três situações de risco iminente: em caso de urgência, com pacientes graves e na falta de funcionários, mostrando que, por não ter outra opção, ele se vê em uma situação onde é obrigado a fazê-lo (Figura 7). 41 6.2.5 A EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL FACILITANDO O PREPARO DO MEDICAMENTO Os relatos dos entrevistados deixaram claro que existe uma relação entre índices de erros na administração de medicamentos, falta de conhecimento e insegurança, com a falta de experiência profissional do enfermeiro, quando afirmam que os três fatores estão fortemente relacionados com os enfermeiros sem experiência profissional, e que quanto maior a experiência do enfermeiro, menores serão os riscos durante a medicação. Figura 8 – Relação entre experiência profissional e riscos na administração de medicamentos. Sem experiência Regular experiência Muita experiência Alto Regular Baixo Índice de erros Alto Regular Baixo Falta de conhecimento Alto Regular Baixo Insegurança 42 6.2.6 FATORES COGNITIVOS QUE DIFICULTAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ENFERMEIRO O enfermeiro acredita que sua vivência e experiência, adquiridas com a prática dos cuidados de enfermagem bem como seu conhecimento, constituem-se fatores que facilitam e imprimem segurança à prática da medicação, assim como o inverso representa fatores que dificultam esta prática (Figuras 8 e 9). FALTA DE CONHECIMENTO INSEGURANÇA DIFICULDADES DO ENFERMEIRO PARA ADMINISTRAR MEDICAMENTOS Figura 9 – Fatores relacionados às dificuldades para o enfermeiro administrar medicamentos. Legenda: Inter-relação Relação de causalidade A falta de conhecimento e de experiência dos profissionais são os maiores responsáveis pelos eventos indesejáveis relacionados com a medicação. O histórico de erros da administração de medicamentos nos Estados Unidos, nos anos 50 do século XX, mostrou a necessidade de melhorar o sistema de distribuição de medicamentos em razão do alto índice de erros em sua administração, pois uma em cada seis doses administradas causava iatrogenia. 39,40,41,42 43 Nos anos 60 do século XX, iniciou-se a implantação do sistema de distribuição de medicamentos por dose unitária reduzindo a incidência de erros significativamente. 39 No Brasil, o histórico sobre administração de medicamentos relata que nos anos 60, do século XX, as farmácias hospitalares tinham como atividade principal a produção de medicamentos e manipulação de fórmulas magistrais, tal como ocorreu no Hospital das Clínicas, na Santa Casa de Misericórdia e no Hospital do Servidor Público Estadual, todas em São Paulo. A atividade de distribuição de medicamentos ocorria por meio de um almoxarifado geral, que atendia às unidades de enfermagem.39,43 Todo empenho é válido para se evitar os erros. Ainda que não exista uma fórmula mágica e infalível para se evitar o erro médico, é mister que sejam envidados todos os esforços no sentido de se criarem condições e mecanismos capazes de contribuir de forma efetiva pelo menos na diminuição de maus resultados, pois eles não interessam a ninguém. 12,44,45,46,47 44 6.2.7 OPORTUNIDADES QUE O ENFERMEIRO PERCEBE PARA ADMINISTRAR MEDICAMENTOS A percepção que os enfermeiros têm sobre as oportunidades de administrar medicamentos apresentou-se de forma contraditória, oscilando entre extremos de três a trinta vezes, ou mais, demonstrando os diferentes graus de importância que é dada a esta prática, como representado na Figura 10. Figura 10. Relação entre oportunidades em administrar medicamentos e respectivo grau de importância. Muita importância Média importância Pouca importância Muitas vezes 3a6 Casos de 30 vezes por falta de vezes por urgência por plantão funcionários plantão Na análise das declarações, o enfermeiro acredita não ser uma tarefa prioritária a administração de medicamentos, porque somente o faz quando existe disponibilidade de tempo, ou quando não está ocupado com afazeres administrativos. Entende-se que existe uma inter-relação entre as tarefas, e as que não são prioritárias, no entender do profissional, somente são realizadas se houver disponibilidade de tempo. Entre os trabalhos de menor prioridade, infelizmente, encontra-se a administração de medicamentos. Neste aspecto, o tempo sempre foi um mito na enfermagem. Os enfermeiros se queixam que não têm tempo para ler, para se atualizar, para fazer cursos, para pesquisar, para publicar e, ultimamente, também dizem não ter tempo para a medicação, para os curativos e outros cuidados específicos de enfermagem. Há uma crença subjacente, entre os enfermeiros, que as atividades consideradas “de administração”, ou burocráticas ocupam todo o tempo disponível. Esta crença aparece nos relatos dos entrevistados e pode ser esquematizada como na Figura 11. 45 ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS OUTRAS ATIVIDADES SOBRECARGA DE TRABALHO ENFERMEIRO ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS Legenda Inter-relação Relação de causalidade Relação secundária Figura 11 – Relação de importância entre as atividades do enfermeiro. Nos relatos analisados, percebe-se que o tempo de trabalho do enfermeiro inclui diversas tarefas tais como atividades administrativas e outras atividades burocráticas e afins que, quando acumuladas, causam uma sobrecarga de trabalho. Em vista disso, a administração de medicamentos torna-se uma atividade secundária ou, como os entrevistados relatam, que só é realizada “quando o tempo permite”. Há declarações, porém, evidenciando que existem muitas vantagens quando o enfermeiro administra medicamentos, tais como o aumento do conhecimento, maior segurança para o paciente, melhor qualidade da assistência, diminuição do índice de infecção e melhor evolução do tratamento (Figura 14). 46 QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA O ENFERMEIRO COMO AGENTE DA PRÁTICA DE ADMINISTRAR MEDICAMENTOS ASPECTOS POSITIVOS CONHECIMENTO SEGURANÇA QUALIDADE DE ASSISTÊNCIA ASPECTOS NEGATIVOS FALTA DE CONHECIMENTO INSEGURANÇA CAUSA ERROS NA ADMINISTRAÇÃO DIMINUI ERROS E INFECCÇÃO MELHOR EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO Legenda Relação de causalidade Inter-relação Figura 12 – Diagrama representativo dos aspectos relacionados ao enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos. 47 6.3 UNIDADE TEMÁTICA: CONHECIMENTO CIENTÍFICO DO ENFERMEIRO Os enfermeiros mostraram ter bom conhecimento sobre armazenamento de drogas nas unidades de trabalho. No entanto, demonstraram deficiência de conhecimento no que se refere à absorção da droga pelo organismo. Em suas respostas, afirmaram que bom conhecimento científico sobre administração de medicamento pode garantir uma melhor evolução do tratamento, levando à melhor qualidade de assistência. Na literatura também se encontram referências quanto à importância de se ter um conhecimento adequado sobre os aspectos científicos de farmacologia, bioquímica e fisiologia, que devem ser reforçados nos currículos universitários, pois a falta de conhecimento pode ameaçar a evolução do tratamento, levando a resultados indesejáveis na qualidade da assistência. 48,49 (Figura 13). RESPOSTA CERTA = BOM CONHECIMENTO GARANTIA DE BOA EVOLUÇÃO NO TRATAMENTO QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA RESPOSTA ERRADA = FALTA DE CONHECIMENTO AMEAÇA A EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO RESULTADOS INDESEJÁVEIS NA QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA Legenda Relação de causalidade Figura 13 – Conhecimento do enfermeiro sobre os fatores que modificam a absorção da droga 48 6.4 UNIDADE TREMÁTICA: REFERENTES SOCIAIS A análise dos relatos dos enfermeiros permitiu identificar os referentes sociais que exercem influência em relação ao comportamento investigado. É possível perceber que esta influência pode ser tanto positiva quanto negativa em relação à administração de medicamentos. 6.4.1 Referentes sociais positivos As declarações mostraram que tal prática é tema de discussões tanto dentro da equipe de enfermagem como no âmbito da equipe multiprofissional, indicando que se há motivo para conversar sobre esse assunto, envolvendo diferentes profissionais, é pelo fato de que esta responsabilidade é, de alguma forma, vista como sendo da competência do enfermeiro. Percebe-se que todos os profissionais com quem os enfermeiros discutem sobre administração de medicamentos, consideram esta prática como função do enfermeiro (Figura 14). ENFERMEIRO DISCUTE SOBRE ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS Chefia de enfermagem Enfermeiro Fisioterapeuta Auxiliar de Enfermagem Médico ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS COMO FUNÇÃO DO ENFERMEIRO Figura 14 – Referentes sociais positivos quanto à prática de administrar medicamentos. 49 Os entrevistados reconhecem também, em seus discursos, quais os referentes sociais que aprovam que a prática da administração de medicamentos seja feita pelo enfermeiro. (Figura 15) REFERENTES SOCIAIS POSITIVOS COREN Paciente Equipe de Enfermagem Equipe Multiprofissional Médico APROVAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ENFERMEIRO Figura 15 – Referentes sociais positivos que aprovam a prática da administração de medicamentos pelo enfermeiro. Os relatos mostraram que a aprovação quanto à prática da medicação se inicia dentro da equipe de enfermagem e se estende para toda a equipe multiprofissional, incluindo o paciente e o COREN. A aprovação não se limita aos profissionais que cuidam do paciente, mas engloba o próprio paciente que, provavelmente, experimentou e aprovou a administração de medicamentos feita pelo enfermeiro. Quanto à menção do Conselho Regional de Enfermagem (COREN), órgão fiscalizador da profissão, deduz-se que os entrevistados reconhecem, também, que na Lei do Exercício Profissional e no Código de Ética de Enfermagem, está claro que o enfermeiro é responsável pela prática da administração de medicamentos, mesmo que tal atividade não seja exercida por ele, e não o exime de possíveis erros cometidos por membros de sua equipe. 50 A partir de 1997, o COREN regulamentou a obrigação legal do enfermeiro administrar quimioterápicos e hemoderivados. Neste caso, o enfermeiro vê a legislação como um fator que o impulsiona e incentiva a buscar conhecimento para a prática dessa atividade. Há uma responsabilidade civil e penal à qual os enfermeiros estão sujeitos como agentes da prática de administrar medicamentos e prestar assistência aos pacientes, da mesma forma que existem leis que responsabilizam civil e penalmente outros profissionais da área da saúde, entre os quais também os médicos. A responsabilidade civil e penal é o instituto jurídico cuja existência está vinculada ao princípio basilar do direito que obriga o profissional a responder por prejuízos causados a terceiros, cometidos no exercício da profissão. 12 Esta responsabilidade ética, moral e legal exigida do enfermeiro na prática da administração de medicamentos, porém, não vem acompanhada de adequados programas de educação continuada que incentivem os profissionais a se atualizarem e se reconhecerem como responsáveis por essa atividade. Em outros países, como os EUA, o governo criou o Department of Health and Human Services, onde está sediado o FDA – Food and Drugs Administration responsável pela regulamentação e controle de medicamentos e alimentos comercializados dentro daquele país e que apresenta diversos programas de esclarecimento para profissionais da área de saúde envolvidos com a prática de administrar medicamentos. O CDER – Center for Drug Evaluation and Research - que faz parte do FDA, apresenta um programa educativo com o objetivo de familiarizar os profissionais da área de saúde com a missão de assegurar a eficiência das drogas disponíveis à população americana e de discutir vários aspectos sobre a investigação da aplicação de novas drogas, incluindo os testes de drogas nos pacientes, feitos pelos laboratórios, a importância da prescrição médica e dos genéricos. 50 Percebe-se que apesar da legislação vigente e das instituições fiscalizadoras da profissão serem consideradas normas subjetivas positivas ainda há muito a fazer em prol dos enfermeiros. 51 6.4.2 Referentes sociais negativos A grande surpresa encontrada nos relatos, foi quanto ao fato do próprio enfermeiro declarar que desaprova a execução da administração de medicamentos por ele mesmo. (Figura 16). REFERENTES SOCIAIS NEGATIVOS ENFERMEIRO DESAPROVA QUE A PRÁTICA SEJA FEITA POR ELE MESMO Figura 16 – Referentes sociais negativos, que desaprovam a prática da medicação pelo próprio enfermeiro. A crença dos entrevistados de que o próprio enfermeiro desaprova a execução dessa atividade, pode ser motivada por múltiplas causas. Pode-se entender que exista falta de envolvimento ou falta de consciência sobre a importância em administrar medicamentos; pode-se, também, relacionar esta resposta com as percepções relatadas a respeito dos fatores administrativos que dificultam esta prática tais como: tarefas administrativas, sobrecarga de trabalho, falta de tempo e baixa remuneração salarial. Deduz-se que a estrutura administrativa cria uma distância entre o enfermeiro e sua função, decorrente de interesses institucionais. 52 6.5 UNIDADE TEMÁTICA: CAUSAS EXTERNAS QUE INFLUENCIAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS Os relatos dos entrevistados permitiram identificar, também, um grupo de fatores, considerados, por eles, como alheios ao seu controle, e que foram categorizados como causas externas que podem influenciar de forma positiva ou negativa, facilitando ou dificultando a prática da medicação pelo enfermeiro. Neste grupo, encontram-se os fatores administrativos e aspectos relacionados às condições físicas e psicológicas dos pacientes. 6.5.1 FATORES ADMINISTRATIVOS QUE FACILITAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ENFERMEIRO Os relatos deixam claro que existe uma relação entre a excelente organização da unidade, que apresenta disponibilidade de material e medicamentos, prescrição médica legível e completa, adequado número de funcionários, com o bom funcionamento de todas as rotinas da unidade. Figura 17 – Fatores administrativos como facilitadores da prática de administrar medicamentos. ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE EXCELENTE REGULAR RUIM Material e medicação disponíveis Prescrição médica bem feita Escala de funcionários adequada Cumprimento da rotina da unidade Os fatores administrativos que facilitam a administração de medicamentos pelo enfermeiro, estão relacionados com a organização permanente da unidade, distribuição de medicação pela farmácia, distribuição de material pelo almoxarifado e 53 administração da escala de funcionários pela supervisão ou gerência de enfermagem. Os entrevistados deixaram claro que, se ocorrer uma manutenção apropriada de material e medicamentos armazenados na unidade de trabalho, o paciente receberá a medicação no horário prescrito e, para que isto seja executado com sucesso, é necessário um número adequado de funcionários para a unidade. 6.5.2 FATORES ADMINISTRATIVOS QUE DIFICULTAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ENFERMEIRO. Em contrapartida, porém, ocorre o inverso quando a unidade se apresenta com falta de material e medicamentos, prescrição médica ilegível e incompleta, inadequado número de funcionários e falta de funcionamento de toda as rotinas da unidade. 54 Figura 18 – Fatores administrativos que dificultam a prática de administrar medicamentos. ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE EXCELENTE REGULAR RUIM Ruim Regular Excelente Ruim Regular Excelente Disponibilidade do Material e medicação (Fig. 18 –cont.) Prescrição médica ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE EXCELENTE REGULAR RUIM Ruim Regular Excelente Ruim Regular Excelente Escala de funcionários Baixa remuneração salarial Além dos problemas relativos à falta de recursos materiais e humanos, os enfermeiros vêem dificuldades burocráticas, como as tarefas administrativas, que lhes tomam boa parte do tempo, e até prescrições médicas mal feitas ou ilegíveis, situações essas que precisam ser resolvidas para que a rotina das unidades de internação não sofra interrupções. Pela análise das declarações percebe-se que a organização administrativa da unidade apresenta uma relação com o sucesso da execução da administração das drogas ao paciente e a desorganização administrativa também uma correlação com o fracasso, conforme mostram as Figuras 17 e 18. 55 6.5.3 CONDIÇÕES TÉCNICAS E PSICOLÓGICAS QUE INFLUENCIAM A ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS Entre as causas externas citadas pelos participantes, que exercem influência na prática da medicação, estão as de aspecto técnico e as de ordem psicológica, relacionadas ao paciente, conforme apresentado na Figura 19. CONDIÇÕES FÍSICAS E PSICOLÓGICAS DO PACIENTE ACESSO VENOSO DISPONÍVEL SIM NÃO FATORES QUE FACILITAM COLABORAÇÃO DO PACIENTE SIM NÃO FATORES QUE DIFICULTAM Figura 19 – Causas externas relacionadas ao paciente que influenciam na administração de medicamentos. A menção a estes dois fatores específicos, relacionados ao paciente, deixa entrever que os enfermeiros podem estar revelando dificuldades técnicas como a punção venosa, a instalação de cateteres periféricos, a utilização de novos equipamentos e materiais bem como dificuldade ou inabilidade em estabelecer um processo comunicativo que resulte em colaboração do paciente. A forma como os entrevistados se manifestaram pode significar que, se estes aspectos já estiverem resolvidos, tanto melhor e mais fácil. É um “trabalho” a menos para eles. 56 7. CONCLUSÃO Após a análise dos relatos escritos pelos entrevistados e, levando-se em conta que este estudo teve como objetivo principal a identificação das crenças pessoais e normativas dos participantes em relação ao comportamento investigado, os resultados obtidos permitem concluir que, no grupo estudado: - a vivência do enfermeiro na administração de medicamentos possibilitou a identificação de crenças pessoais e normativas que foram agrupas em quatro unidades temáticas, a saber: a) o enfermeiro como agente da prática de administrar medicamentos; b) o conhecimento científico; c) os referentes sociais; d) as causas externas que influenciam na prática da medicação. - foram evidenciadas crenças pessoais positivas em relação à prática de administrar medicamentos pelo enfermeiro, sendo elas: melhor qualidade de assistência ao paciente; menor índice de erros na administração de medicamentos; menor índice de infecção para o paciente; a experiência profissional e o conhecimento científico facilitam a realização desta prática; - foram evidenciadas crenças normativas positivas em relação a esta prática realizada pelo enfermeiro, sendo elas: a equipe multiprofissional aprova tal prática pelo enfermeiro; os órgãos de normatização e fiscalização da profissão, como o COFEN e o COREN aprovam e incentivam tal prática; há fatores externos que facilitam a prática tais como os aspectos administrativos da unidade de trabalho e a situação física e psicológica do paciente; - foram identificadas crenças pessoais negativas, sendo elas: não tem tempo para administrar medicamentos; é uma tarefa secundária; pode ser delegada a outros membros da equipe de enfermagem; não tem oportunidade para discutir sobre o tema nem para realizar tal prática; tarefas burocráticas impedem de fazê-lo; 57 só administra medicamentos em caso de urgência, falta de funcionários ou pacientes graves; - foram identificadas crenças normativas negativas, sendo elas: o próprio enfermeiro desaprova tal prática; há fatores externos que dificultam a prática da medicação tais como os aspectos administrativos da unidade de trabalho e a situação física e psicológica do paciente. 58 8. ANEXOS ANEXO I INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS QUESTIONÁRIO 1. DADOS SÓCIODEMOCRÁFICOS Sexo: Masc. Fem. Idade:___anos Estado Civil: Solteiro Casado Viúvo Desquitado/Divorciado Amasiado Escolaridade: Graduação Especialização Mestrado Doutorado Vínculo empregatício: Jornada única Jornada dupla Outra Locais de trabalho: 1. público privado outro. Especifique:_______ Há quanto tempo?____ 2. público privado outro. Especifique:_______ Há quanto tempo?____ 3. público privado outro. Especifique:_______ Há quanto tempo?____ Tempo de atuação na unidade atual: UTI Unidade de internação______ anos. ou 59 1. Quais as vantagens que você vê quando administra os medicamentos prescritos? Na sua atuação como profissional: E no tratamento do paciente: 2. Quais as desvantagens que você vê quando administra os medicamentos prescritos? Na sua atuação como profissional: E no tratamento do paciente: 3. Existem fatores que tornam mais fácil para você realizar a administração dos medicamentos prescritos? 4. Existem fatores que tornam mais difícil para você realizar a administração dos medicamentos prescritos? 5. Você pode supor o número de vezes que administra medicamentos durante um plantão? 6. Você pode supor o número de oportunidades que tem para administrar medicamentos durante um plantão? 7. Você discute com alguém sobre a administração de medicamentos realizada por você em seu local de trabalho? 8. Há algo que o estimula a administrar os medicamentos durante seu plantão? 9. Há alguém que aprova você a realizar a administração de medicamentos durante seu plantão? 10. Existe algo que o desestimula a realizar a administração de medicamentos durante seu plantão? 11. Existe alguém que o desaprova a medicamentos durante seu plantão? realizar a administração de 60 12. O que você acha mais importante quando armazena os medicamentos em sua unidade? 13. Existe algum fator que modifica a absorção da droga quando administrada pela via oral? 14. Você se considera preparado para administrar medicamentos durante um plantão? 61 ANEXO II AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA 62 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Harvard Medical Internacional, 2000. Available from: http://www.hms.harvard.edu/ 2. Nacional Coordinating Council for Medication Error Reporting and Preventing. Available from: www.ismp.org (fev.2004). 3. Agency for Healthcare Research and Quality, [serial online] 2000. Available from: http://www.guideline.gov (27 September 2001). 4. Department of Preventive Medicine, Division of Pharmacoepidemiology, Vanderbilt University School of Medicine. Possible medication errors in home healthcare patients. J Am Geriatr Soc 2001; 49(6):719-24. 5. Bates DW et al. Reducing the frequency of errors in medicine using information technology. J Am Med Inform Assoc 2001; 8(4):299-308. 6. Institute Medicine Report. Department of Information Systems, Partners HealthCare System, Harvard Medical School, Boston, MA, USA. [email protected] 7. 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