MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO MELISSA PEREIRA DAS NEVES DE MACEDO PRINCIPAIS CUIDADOS NA TERAPÊUTICA DE FELINOS REVISÃO DE LITERATURA PORTO ALEGRE – RS 2012 MELISSA PEREIRA DAS NEVES DE MACEDO PRINCIPAIS CUIDADOS NA TERAPÊUTICA DE FELINOS REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais, para obtenção do título de Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientadora: M.Sc Luzia Cristina Lencione Sampaio PORTO ALEGRE – RS 2012 Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA M141p Macedo, Melissa Pereira das Neves . Principais Cuidados na Terapêutica de Felinos - Revisão de Literatura / Melissa Pereira das Neves de Macedo. -Mossoró, 2012. 34f. Monografia (Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural do SemiÁrido. Orientadora: Profª M.Sc. Luzia Cristina Lencione Sampaio. 1.Fármacos I.Título. felinos. 2.Intoxicação. 3.Terapêutica. CDD:636.0897 Bibliotecária: Keina Cristina Santos Sousa e Silva CRB15 120 RESUMO Esta é uma revisão sobre a terapêutica em felinos. Foram abordadas as principais peculiaridades do metabolismo de fármacos nesta espécie. O tratamento das doenças felinas deve ser feito de maneira extremamente cuidadosa devido às peculiaridades desta espécie no metabolismo de vários fármacos. Entre os fármacos não recomendados para uso em gatos estão o paracetamol, alguns antiinflamatórios não esteroidais, benzocaína, antissépticos das vias urinárias, benzoato de benzila, enemas à base de fosfato, progestágenos sintéticos e alguns antineoplásicos. Outros fármacos devem ser utilizados com cautela por serem capazes de provocar reações adversas, como ácido aceltilsalicílico, analgésicos opióides, azatioprina, estreptomicina, diidroestreptomicina, cloranfenicol, enrofloxacino, metronidazol, griseofulvina, propiltiouracil, compostos fenólicos, álcool benzílico, organofosforados, permetrina, iodo e iodóforos. Palavras-chave: fármacos felinos, intoxicação, terapêutica ABSTRACT This is a review of the therapy in cats. Have been addressed the main peculiarities of drug metabolism in this species. The treatment of feline diseases must be done very carefully due to the peculiarities of this species in the metabolism of several drugs. Among the drugs not recommended for use in cats are paracetamol, some NSAIDs, benzocaine, urinary tract antiseptics, benzyl benzoate, enemas phosphate-based, synthetic progestogens and some antineoplastics. Other drugs should be used cautiously because they can cause adverse reactions such as acetylsalicylic acid, opioid analgesics, azathioprine, streptomycin, dihydrostreptomycin, chloramphenicol, enrofloxacin, metronidazole, griseofulvin, propylthiouracil, phenolic compounds, benzyl alcohol, organophosphates, permethrin, iodine and iodophors. Keywords: feline drugs, intoxication, therapy LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS µg - micrograma g - grama h - hora IM - intramuscular IV - intravenosa kg - quilograma mEq - miliequivalente mg - miligrama SC - subcutânea SNC - sistema nervoso central VO - via oral SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8 2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 10 2.1 PECULIARIDADES DA FARMACOCINÉTICA ............................................................ 10 2.1.1 Absorção ......................................................................................................................... 10 2.1.2 Distribuição .................................................................................................................... 10 2.1.3 Metabolismo ou Biotransformação .............................................................................. 11 2.1.4 Excreção ......................................................................................................................... 12 2.2 SUSCEPTIBILIDADE DO ERITRÓCITO FELINO À OXIDAÇÃO .............................. 12 2.3 FÁRMACOS NÃO RECOMENDADOS PARA USO EM GATOS ................................ 13 2.3.1 Paracetamol/Acetaminofeno ......................................................................................... 13 2.3.2 Outros Anti-inflamatórios Não esteroides ................................................................... 14 2.3.3 Benzocaína...................................................................................................................... 15 2.3.4 Antissépticos das Vias Urinárias .................................................................................. 15 2.3.5 Benzoato de Benzila ....................................................................................................... 15 2.3.6 Enemas à Base de Fosfato ............................................................................................. 16 2.3.7 Progestágenos Sintéticos ............................................................................................... 16 2.3.7 Antineoplásicos .............................................................................................................. 17 2.4 FÁRMACOS CAPAZES DE PROVOCAR REAÇÕES ADVERSAS EM GATOS ........ 17 2.4.1 Ácido Acetilsalicílico...................................................................................................... 17 2.4.2 Analgésicos Opióides ..................................................................................................... 18 2.4.3 Azatioprina ..................................................................................................................... 20 2.4.4 Estreptomicina e Diidroestreptomicina ....................................................................... 21 2.4.5 Cloranfenicol .................................................................................................................. 21 2.4.6 Enrofloxacino ................................................................................................................. 22 2.4.7 Metronidazol .................................................................................................................. 23 2.4.8 Griseofulvina .................................................................................................................. 23 2.4.9 Propiltiouracil ................................................................................................................ 24 2.4.10 Compostos Fenólicos ................................................................................................... 24 2.4.11 Álcool Benzílico ............................................................................................................ 25 2.4.12 Organofosforados ........................................................................................................ 26 2.4.13 Permetrina .................................................................................................................... 26 2.4.14 Iodo e Iodóforos ........................................................................................................... 28 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 29 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 30 8 1 INTRODUÇÃO A intoxicação medicamentosa é, mundialmente, a maior causa de registro de casos, tanto em humanos quanto em animais (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). Muitos fatores favorecem os casos de intoxicação medicamentosa em animais no Brasil: automedicação por parte dos proprietários sem consulta veterinária, venda sem prescrição veterinária, falta de fiscalização dos estabelecimentos que vendem produtos veterinários e propaganda de medicamentos para o público leigo. Assim como ocorre em humanos, em que os pacientes mais predispostos à intoxicação medicamentosa são as crianças e os idosos, em animais são os filhotes e os animais velhos, além dos gatos (principalmente pela metabolização diferenciada de algumas drogas) (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). A diferença entre os números de intoxicações entre cães e gatos pode estar relacionada à característica dos felinos de serem mais seletivos que os caninos com sua alimentação, além de serem capazes de recusar obstinadamente qualquer alimento que apresente um odor que não lhes agrade. Esse número menor de casos é um fator positivo para a espécie, uma vez que os gatos apresentam peculiaridades metabólicas que podem favorecer um quadro de intoxicação quando comparados a outras espécies animais (MEDEIROS et al., 2009). As causas mais importantes de intoxicação em gatos são medicações sem prescrição veterinária dos animais pelos proprietários e extrapolação de regimes terapêuticos de cães; escolha inadequada de apresentações farmacêuticas inviáveis para felinos como cápsulas e comprimidos grandes e soluções parenterais extremamente concentradas; metabolização diferenciada de outros animais domésticos e maior suscetibilidade da hemoglobina do felino a se oxidar, resultando em metemoglobinemia, ocorrendo reações adversas com o uso de drogas específicas (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). Nesses últimos anos, tem-se dado grande ênfase à terapêutica felina dentro da Medicina Veterinária, em virtude do aumento da popularidade do gato como animal de estimação (SOUZA; AMORIM, 2008). Entretanto, ainda não existem esquemas terapêuticos seguros para a maioria dos fármacos utilizados nos tratamentos das doenças felinas, e há pouco conhecimento sobre a diferença de metabolização hepática e estrutura de hemoglobina dos felinos, quando comparadas aos cães (SOUZA; AMORIM, 2008). 9 Este trabalho tem como objetivo revisar as principais drogas que requerem cuidados na terapêutica de felinos. 10 2 REVISÃO DE LITERATURA As peculiaridades fisiológicas dos felinos quanto ao metabolismo dos xenobióticos devem ser consideradas no tratamento das doenças felinas (SOUZA, 2003). 2.1 PECULIARIDADES DA FARMACOCINÉTICA A Farmacocinética estuda o caminho percorrido pelo medicamento no organismo do animal, ou seja, estuda os processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção (FLORIO, 2002). Absorção, distribuição, metabolismo e excreção participam do importante mecanismo regulador de níveis plasmático dos fármacos. Além disso, algumas diferenças existem na disposição dos fármacos entre cães e gatos que podem acarretar desenvolvimento de reações adversas, se o mesmo esquema de dose for usado indiscriminadamente (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.1.1 Absorção Em farmacologia, a absorção define-se como uma série de processos pelos quais uma substância externa a um ser vivo nele penetra sem lesão traumática, chegando até o sangue. Portanto, para que um determinado medicamento seja absorvido é necessário que atravesse as diversas membranas biológicas, como epitélio gastrointestinal, o endotélio vascular e, também, as membranas plasmáticas (FLORIO, 2002). A taxa e a magnitude de absorção dos medicamentos são similares para cães e gatos, independentemente da via de administração (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.1.2 Distribuição Define-se distribuição como o fenômeno em que um medicamento, após ter chegado ao sangue, após a sua absorção, sai deste compartimento e vai para o seu local de ação (FLORIO, 2002). 11 As diferenças do volume de distribuição dos fármacos entre cães e gatos são pequenas. A concentração plasmática dos fármacos pode ficar elevada nos gatos, quando é utilizado o mesmo esquema de dose que nos cães, em virtude das diferenças no volume sanguíneo de cães e gatos, 90 ml/kg e 70 ml/kg, respectivamente. A distribuição dos fármacos também fica alterada nas perdas hídricas. O gato doente não se mantém tão bem hidratado como os cães (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.1.3 Metabolismo ou Biotransformação Consiste na transformação química de substâncias, sejam elas medicamentos ou agentes tóxicos, dentro do organismo vivo, visando favorecer sua eliminação. É dividido em duas etapas: fase I e fase II (FLORIO, 2002). A diversidade mais importante na disposição de medicamentos entre cães e gatos resulta nas diferenças do metabolismo dos fármacos lipossolúveis ou apolares. A função do metabolismo dos xenobióticos é transformar um composto lipossolúvel, geralmente por meio de reações catalisadas por enzimas, em substância hidrossolúvel, viabilizando sua excreção renal (SOUZA; AMORIM, 2008). Os fármacos relativamente hidrossolúveis não necessitam ser metabolizados e são excretados quase inalterados na urina. Em contraste, os fármacos lipossolúveis não são prontamente eliminados e necessitam ser convertidos em hidrossolúveis, podendo atingir concentrações tóxicas no organismo se não forem metabolizados (SOUZA; AMORIM, 2008). As reações metabólicas da fase 1 ocorrem de forma imprevisível e em graus variáveis entre as espécies domésticas. Podem ter três diferentes consequências em relação à atividade farmacológica do metabólito na fase 1: inativação, manutenção e ativação (SOUZA, 2003). As reações da fase 1 introduzem na molécula do fármaco grupos como OH, COOH e NH2, de modo geral, e tornam os metabólitos suscetíveis às reações de fase 2. Já a fase 2 envolve a conjugação das drogas ou dos metabólitos da fase 1 com grandes moléculas, tornando-os menos ativos, menos tóxicos e mais hidrossolúveis para serem prontamente eliminados na urina ou bile (SOUZA, 2003). As principais moléculas utilizadas nas reações de conjugação são o ácido glicurônico, o sulfato, a glutationa, a glicina, a cisteína, a glutamina, a taurina e os grupos metil e acetil, sendo a mais importante nos mamíferos a conjugação com o ácido glicurônico, catalisada por 12 uma família de enzimas microssomais, a uridina-difosfato-glicuroniltransferase (SOUZA, 2003). O gato apresenta uma deficiência relativa na conjugação com o ácido glicurônico em virtude das concentrações extremamente baixas ou deficiência de algumas enzimas da família glicuroniltransferases (SOUZA, 2003). 2.1.4 Excreção Basicamente, um medicamento pode ser excretado após biotransformação ou mesmo na sua forma inalterada. Os três principais órgãos responsáveis pela excreção de medicamentos são: os rins, onde os medicamentos hidrossolúveis são excretados; o fígado, onde após biotransformação os medicamentos são excretados pela bile; e os pulmões, responsáveis pela excreção de medicamentos voláteis (FLORIO, 2002). Pequenas quantidades de medicamentos podem também ser excretadas na saliva e no suor (FLORIO, 2002). 2.2 SUSCEPTIBILIDADE DO ERITRÓCITO FELINO À OXIDAÇÃO Os felinos apresentam uma característica biológica importante. O eritrócito, em particular a hemoglobina, é extremamente suscetível a sofrer oxidação, resultando na formação de metemoglobina. Esta é incapaz de transportar oxigênio e ocorre principalmente quando alguns fármacos específicos são usados nos gatos (SOUZA; AMORIM, 2008). A formação de metemoglobina é um processo reversível, ao passo que a formação de corpúsculos de Heinz é irreversível e pode causar hemólise intravascular (SOUZA; AMORIM, 2008). 13 2.3 FÁRMACOS NÃO RECOMENDADOS PARA USO EM GATOS 2.3.1 Paracetamol/Acetaminofeno O paracetamol é um analgésico e antipirético empregado na Medicina Humana (SOUZA, 2003). Pertence ao grupo dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e está contido em mais de 100 preparações medicamentosas vendidas sem receita médica (MOTTIN, 2009). Esse fármaco não possui atividade anti-inflamatória (SOUZA, 2003). É contraindicado a gatos, por provocar intoxicação grave com risco de morte devido a baixos níveis de glicuroniltransferase, enzima responsável pela etapa final da metabolização do paracetamol, resultando em deficiência na glicuronidação e provocando rápida saturação da via de sulfatação, gerando quantidade elevada do metabólito tóxico reativo, o N-acetil-pbenzoquinona. Este metabólito é inativado pela conjugação com a glutationa hepática e eritrocitário, havendo rápida depleção das reservas da glutationa. Por isso, os metabólitos tóxicos reativos se acumulam, causando lesão oxidativa hepatocelular e à hemoglobina, provocando metemoglobinemia e formação de corpúsculo de Heinz (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). Os sinais clínicos dessa intoxicação em gatos são anemia hemolítica, hematúria, hemoglobinúria, hipotermia, vômito, edema de pata e toxicose hepática aguda (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). O quadro de cianose produzido nos felinos pelo paracetamol é resultante da hipóxia decorrente da conversão de hemoglobina em metemoglobina, que não transporta oxigênio (SOUZA, 2003). Estes sinais clínicos podem ocorrer após a ingestão de menos de 10 mg/kg de paracetamol (GRAVE; BOAG, 2010). O tratamento dos felinos intoxicados pelo paracetamol é sintomático e de suporte (SOUZA, 2003). Este consiste em descontaminação oral, caso a ingestão tenha ocorrido há menos de 2 horas, com lavagem gástrica com carvão ativado. Oxigenoterapia em animais cianóticos e administração de acetilcisteína na dose de 70mg/kg, VO, quatro vezes ao dia. Outros fármacos que podem ser utilizados são cimetidina, que aparentemente inibe o metabolismo oxidativo hepático do paracetamol, na dose de 10mg/kg iniciais, seguidos de 5mg/kg, VO, a cada 6 ou 8h; e vitamina C, que reduz a quantidade de metabólitos tóxicos reativos e auxilia na conversão da metemoglobina em hemoglobina, na dose de 125 a 150mg/kg, VO ou 14 30mg/kg, SC, a cada 6h, durante dois dias (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). Devido à meiavida prolongada do paracetamol em gatos, a acetilcisteína deve ser dada independentemente do tempo de ingestão. S-adenosilmetionina pode limitar o dano oxidativo se administrada até 1 hora após a ingestão do acetaminofen na dose de 180 mg, a cada 12 horas por 3 dias. Após, 90 mg, a cada 12 horas, por mais 11 dias (GEFFEN, 2011). A terapia medicamentosa pode não ser rápida o suficiente em casos graves de intoxicação pelo paracetamol, sendo necessárias transfusões sanguíneas para melhorar o transporte de oxigênio, enquanto se aguarda a reversão da metemoglobina em hemoglobina (SOUZA, 2003). 2.3.2 Outros Anti-inflamatórios Não esteroides Anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) e esteroidais (corticoides e corticosteroides) são os medicamentos mais comuns em intoxicações medicamentosas em veterinária, em especial os AINEs, que são também os medicamentos mais vendidos nas farmácias humanas e, portanto, frequentes no ambiente doméstico (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). São hipersensibilidades clássicas nesse grupo, para felinos: ácido acetilsalicílico, paracetamol/acetaminofen, diclofenaco (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011), ibuprofeno, fenilbutazona, ácido mefenâmico e naproxeno. O emprego destes fármacos para gatos é uma conduta amplamente contraindicada (SOUZA, 2003). O tratamento inclui descontaminação oral (com eméticos, lavagem gástrica com carvão ativado e catárticos osmóticos) e tratamento de suporte e sintomático (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). O gato deve ser monitorado para sinais de hemorragia gastrointestinal, tais como melena. Fluidoterapia agressiva deve ser instituída para prevenção de danos renais. A função renal deve ser monitorada (MEROLA; DUNAYER, 2006). 15 2.3.3 Benzocaína A metemoglobinemia induzida pela aplicação tópica de anestésicos locais, como a benzocaína, a lidocaína e a prilocaína, está associada à endoscopia, broncoscopia e ecocardiografia transesofágica (MOTTIN, 2009). O uso do anestésico local benzocaína em gatos está associado ao desenvolvimento de metemoglobinemia após administração tópica para dessensibilização da laringe para facilitar a intubação traqueal ou no controle do prurido na pele. Os sinais clínicos observados após o uso tópico de creme ou pulverizações contendo benzocaína em gato são vômito, dispneia, mucosa cianótica, taquicardia, taquipneia e prostração (SOUZA, 2003). A terapia recomendada é a transfusão sanguínea em casos graves e a N-acetilcisteína (SOUZA, 2003). 2.3.4 Antissépticos das Vias Urinárias O uso de antissépticos das vias urinárias contendo azul de metileno e fenazopiridina é contraindicado para gatos. A oxidação irreversível da hemoglobina provoca formação de corpúsculo de Heinz e hemólise intravascular. Os sinais clínicos de intoxicação são depressão, dispneia, urina e fezes de coloração azulada no emprego de azul de metileno e de coloração alaranjada com o uso da fenazopiridina, além de mucosas pálidas ou ictéricas. A terapêutica visa ao término imediato do emprego das medicações, transfusão de sangue e terapêutica de suporte. A fenazopiridina é o analgésico das vias urinárias para humanos. O uso inadvertido da fenazopirina em gatos com doença do trato urinário inferior resulta em quadros de anemia aguda (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.3.5 Benzoato de Benzila O Benzoato de benzila é utilizado no tratamento de escabiose e pediculose na Medicina Humana (SOUZA; AMORIM, 2008). Entre as contraindicações e os efeitos 16 colaterais referentes ao seu emprego, destacam-se a impossibilidade de seu uso em felinos (LARSSON et al., 2008), pois acarreta dor abdominal, vômito e diarreia, hiperexcitabilidade e convulsões. O tratamento consiste na remoção imediata da substância da pele por meio de banhos e terapêutica de suporte (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.3.6 Enemas à Base de Fosfato As soluções de enemas são utilizadas para amolecer as fezes impactadas e duras e promover a sua evacuação (SHERDING, 1998). Intoxicação grave ocorre em gatos com soluções à base de fosfato de sódio por meio da absorção pela mucosa retal. Os animais intoxicados desenvolvem hiperfosfatemia, hipocalcemia e hipernatremia. Os sinais clínicos são depressão, ataxia, vômito, gastroenterite hemorrágica, mucosas pálidas, estupor e óbito. O Fleet® Enema é contraindicado para cães e gatos (SOUZA; AMORIM, 2008). O tratamento consiste na reposição de fluidos com baixos níveis de sódio (dextrose 5%) e cálcio (aproximadamente 1,5ml/kg de uma solução de gliconato de cálcio a 10%) (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.3.7 Progestágenos Sintéticos Muitos pesquisadores têm documentado forte associação entre o uso de progestágenos sintéticos, como o acetato de megestrol e a medroxiprogesterona, e o desenvolvimento de massas mamárias benignas e malignas em gatos (SOUZA; AMORIM, 2008). Tais medicamentos apresentam grande aceitação, pois são de baixo custo e podem ser encontrados facilmente em casas de rações e lojas do gênero, além de serem vendidos sem prescrição do médico veterinário (OLIVEIRA et al., 2010). Muitos veterinários ainda utilizam esses medicamentos, com frequência, em cães e gatos, como forma de controle reprodutivo, em alterações de comportamento e em certas dermatopatias. Estudos demonstram que a utilização regular desses fármacos, tanto em 17 fêmeas como em machos, aumenta o risco de aparecimento de carcinomas, tumores benignos e lesões mamárias benignas, como a hiperplasia fibroeptelial (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.3.7 Antineoplásicos A maioria dos quimioterápicos antineoplásicos possui um índice terapêutico muito baixo. Gatos são mais sensíveis à anorexia, vômito e supressão medular (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). O uso sistêmico do quimioterápico cisplatina é contraindicado em gatos devido à toxicidade pulmonar primária espécie-específica e dose relacionada. A toxicidade se manifesta como hidrotórax grave e edema pulmonar e mediastinal fatais. Apesar do efeito letal quando usada IV, a cisplatina pode ser administrada com sucesso na forma intralesional, por meio de uma suspensão em óleo ou matriz colágena na dose de 1,5mg/cm³, sem toxicidade sistêmica aparente (SOUZA; AMORIM, 2008). O uso do quimioterápico fluoruracila, também é contraindicado em felinos. Neurotoxicidade irreversível e fatal tem sido descrita em gatos com o uso desse antineoplásico quando administrado por via sistêmica e tópica (SOUZA; AMORIM, 2008). O tratamento da intoxicação por antineoplásicos consiste na interrupção imediata do medicamento, tratamento de suporte e sintomático (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). 2.4 FÁRMACOS CAPAZES DE PROVOCAR REAÇÕES ADVERSAS EM GATOS 2.4.1 Ácido Acetilsalicílico É uma intoxicação de fácil ocorrência por se tratar do medicamento mais popular mundialmente; a maioria dos quadros de intoxicação por ácido acetilsalicílico, em especial em felinos, resulta da administração de doses elevadas usando as doses indicadas para humanos (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). 18 Os gatos são incapazes de metabolizar os salicilatos rapidamente devido à deficiência da enzima glicuroniltransferase. A meia-vida plasmática dos salicilatos nos felinos é dosedependente. Após a administração de uma única dose de 25mg/kg, apresenta meia-vida plasmática extremamente longa de 44,6 horas nos gatos, enquanto que nos cães a meia-vida plasmática é de 7,5 horas (SOUZA, 2003). Doses orais acima de 20mg/kg em gatos podem ocasionar sintomas de intoxicação (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). Os gatos intoxicados apresentam anorexia, depressão hiperpneia, profusa salivação e vômitos. Nos casos mais graves, observa-se hipertermia, severa gastroenterite hemorrágica, acidose metabólica, icterícia, associada à hepatite tóxica, anemia, ataxia, nistagmo, convulsão e dentro de poucos dias o animal vem a óbito (SOUZA, 2003). O tratamento dos felinos intoxicados pelos salicilatos é sintomático e de suporte. Quando a ingestão ocorreu nas últimas 4 horas, preconiza-se a remoção do salicilato do estômago por indução do vômito ou lavagem gástrica com bicarbonato de sódio na concentração de 3% a 4%. O carvão ativado é administrado na dosagem de 2g/kg por via orogástrica, no intuito de promover a ligação com o salicilato não absorvido (SOUZA, 2003). O tratamento de apoio consiste em fluidoterapia com ringer lactato ou solução fisiológica com bicarbonato de sódio, transfusão de sangue se houver anemia ou hemorragia gástrica grave, bloqueador H2 e sucralfato. Banhos frios podem ser necessários para controlar a hipertermia (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). 2.4.2 Analgésicos Opióides Os opióides são considerados os mais potentes analgésicos conhecidos (SOUZA; AMORIM, 2008). São agentes com alta eficácia e segurança (FANTONI; MASTROCINQUE, 2010). Esses fármacos são pouco usados em gatos devido à ocorrência de variados graus de sedação, acarretando tempos de recuperação imprevisíveis. Dependendo da dose, do agente e do fármaco, pode haver excitação ou depressão em felinos (SOUZA; AMORIM, 2008). Os efeitos adversos que os opióides promovem, entretando, são pouco frequentes e discretos em cães e gatos, além de poder ser revertidos pela naloxona ou até pela nalbufina (FANTONI; MASTROCINQUE, 2010). 19 A naloxona é o antagonista de todos os receptores opiáceos e pode ser utilizado no caso de sobredose dos opióides anteriormente citados, para reversão dos efeitos adversos como bradicardia, depressão respiratória, inclusive excitação ou efeitos comportamentais. Sua dose é de 0,04 a 1mg/kg (SC, IM ou IV), para gatos, e possui curta duração de ação (aproximadamente 30 minutos), podendo haver necessidade de reaplicações (FANTONI; MASTROCINQUE, 2010). 2.4.2.1 Morfina A morfina é um analgésico opióide seguro para gatos na dosagem de 0,05 a 0,1mg/kg, SC, IM ou IV, podendo ser administrada a cada 4 horas. O emprego de doses elevadas pode causar excitação, espasmos tônicos, ataxia e morte. A sensibilidade relativa do gato à morfina pode estar associada aos receptores dopaminérgicos. Esses receptores podem ser bloqueados pelos tranquilizantes fenotiazínicos (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.4.2.2 Meperidina A meperidina apresenta metabolismo muito rápido, com meia-vida plasmática de somente 42 minutos em gatos. Produz analgesia adequada após administração de 3 a 5 mg/kg, IM por aproximadamente 2 a 4 horas (SOUZA; AMORIM, 2008). Tem sido empregada com sucesso tanto em cães quanto em gatos, promovendo controle da dor semelhante ao causado pelos novos anti-inflamatórios não esteroidais, sendo a vantagem de seu uso em relação a estes a ausência de efeitos adversos gastrointestinais e renais, sobretudo quando há hipotensão e hipovolemia (FANTONI; MASTROCINQUE, 2010). 20 2.4.2.3 Butorfanol O butorfanol é considerado, a princípio, quatro a sete vezes mais potente que morfina e 30 a 50 vezes que a meperidina (SOUZA; AMORIM, 2008). Impressões clínicas e investigações experimentais recentes indicam que a ação do butorfanol é de curta duração (menos de 90 minutos) e requer doses freqüentes para ser eficaz (ROBERTSON, 2007). Recomenda-se o butorfanol em gatos na dosagem de 0,2 a 0,4mg/kg, IM, SC ou IV nos protocolos anestesiológicos. É empregada na dosagem de 0,2 a 0,8mg/kg, IM, SC ou IV, de 4 a 6h, nos casos de gatos com processos dolorosos mais graves (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.4.2.4 Fentanila A fentanila em adesivo transdérmico produz a liberação de fentanila por meio da pele em uma taxa constante para produzir efeitos sistêmicos (PAPICH, 2009). Os adesivos transdérmicos de fentanila liberam quantidades controladas de fentanila durante período de 72 horas. Esses adesivos são empregados em gatos com sucesso, para controle da dor crônica moderada a grave, com poucos efeitos colaterais (SOUZA; AMORIM, 2008). Tem se mostrado eficaz no o alívio da dor peri-operatória associada à ovariohisterectomia em gatas (GLERUM et al., 2001). É 75 vezes mais potente que a morfina e produz menos efeito adverso histamínico. O adesivo recomendado para o gato é o de liberação de 25 µg de fentanila por hora, devendo ser colocado em local sem pelo e com pouco movimento, como a região do dorso do gato, situada entre as escápulas (SOUZA; AMORIM, 2008). Usar com cautela em animais com baixo peso corporal (ex.: gatos debilitados). Caso sejam observados efeitos colaterais nos animais (ex.: depressão respiratória, sedação excessiva ou excitação em gatos), deve-se remover o adesivo e, se necessário, administrar a naloxona (PAPICH, 2009). 2.4.3 Azatioprina É um fármaco imunossupressor que atua inibindo a função dos linfócitos T. (PAPICH, 2009). 21 Os gatos são particularmente sensíveis à toxicidade medular da azatioprina. Por ser um imunossupressor potente, os animais geralmente demonstram leucopenia e trombocitopenia fatais (SOUZA; AMORIM, 2008). Deve-se ter cuidado extremo e monitoração cautelosa quando utilizada em gatos (PAPICH, 2009). Muitos autores não recomendam o uso da Azatioprina em gatos e, como alternativa, o clorambucil pode ser empregado para o tratamento de doenças imunomediadas nessa espécie (SOUZA; AMORIM, 2008). O tratamento da intoxicação por antineoplásicos consiste em interrupção imediata do medicamento, tratamento de suporte e sintomático (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). 2.4.4 Estreptomicina e Diidroestreptomicina Aminoglicosídeos são antibióticos que podem induzir neurotoxicidade nos gatos. Os sinais clínicos observados de intoxicação pela estreptomicina e a diidroestreptomicina são: ataxia, andar cambaleante, alteração na postura e perda da audição. A administração desses fármacos em doses elevadas causa completo bloqueio neuromuscular e paralisia respiratória (SOUZA; AMORIM, 2008). O tratamento inclui interrupção imediata do aminoglicosídeo e fluidoterapia intensa (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). 2.4.5 Cloranfenicol É um antibiótico do grupo das tetraciclinas, de largo espectro de ação. Os gatos são mais suscetíveis à intoxicação por cloranfenicol por esse grupo ser metabolizado no fígado pela conjugação com o ácido glicurônico (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). Depende da biotransformação hepática para a sua excreção renal e eliminação do organismo do animal. Os gatos são deficientes tanto nos mecanismos de enzimáticos de metabolização hepática da fase 1 como da fase 2 (SOUZA; AMORIM, 2008). Os sinais clínicos de reação adversa em gatos medicados com cloranfenicol mais frequentes são: anorexia, vômito, diarreia e desidratação. Pelo seu efeito na medula óssea, o uso de cloranfenicol no gato deve ser cauteloso, inclusive quanto ao uso de pomadas oftálmicas, pois há evidências de que quantidades significativas são absorvidas. O emprego do cloranfenicol deve ser reservado apenas nas infecções que comprometam o SNC, pois esse 22 agente antimicrobiano penetra nas membranas lipídicas rapidamente. A dosagem do estearato ou succinato de cloranfenicol recomendada é 25 a 50mg/gato, VO, a cada 12 horas, durante sete a dez dias. A intoxicação pelo cloranfenicol é dose-dependente (SOUZA; AMORIM, 2008). O tratamento é sintomático e de suporte (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). 2.4.6 Enrofloxacino O enrofloxacino é um antibiótico pertencente à classe das fluorquinolonas, amplamente utilizado em Medicina Veterinária, sendo reconhecido como fármaco capaz de induzir degeneração retiniana em felinos, quando utilizado em doses acima de 5mg/kg a cada 24hs. Admite-se que a incidência de toxicidade retiniana seja de 1 entre 122.414 casos (LAUS et al., 2011). Os sinais de degeneração de retina incluem a midríase, com diminuição ou ausência de reflexos pupilares (direto e consensual) e de ofuscamento. As alterações que se processam no segmento posterior provocadas pelo enrofloxacino são típicas de uma degeneração retiniana, com progressão e aparecimento de lesões de forma súbita, diferentemente do que se observa com outras formas comuns de doença degenerativa da retina (LAUS et al., 2011). Na identificação de alterações retinianas agudas induzidas por fármacos ou por outros agentes, a eletrorretinografia é método de exame confiável, que permite identificar alterações nos potenciais elétricos da retina. Na degeneração retiniana por enrofloxacino, as alterações eletrorretinográficas precedem as alterações oftalmoscópicas. Os mecanismos exatos de como as fluorquinolonas exercem alterações oculares não estão bem esclarecidos. Desconhece-se, em gatos, o potencial retinotóxico de outras fluorquinolonas (norfloxacino, ciprofloxacino, orbifloxacino) (LAUS et al., 2011). Devido à morte das células fotorreceptoras, as doenças degenerativa que acometem a porção externa da retina são incuráveis (LAUS et al., 2011). A recomendação atual é que se reserve o uso desses antimicrobianos para infecções graves ou recorrentes, com base em resultados de cultura em antibiograma. Além disso, devese utilizar a dose de 2,5 mg/kg, VO, a cada 12h, evitar infusões IV rápidas, reduzir a dose em 23 gatos geriátricos e que possuam doenças retinianas, monitorar ocorrência de midríase e evitar luz ultravioleta durante o tratamento (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.4.7 Metronidazol É um fármaco antibacteriano e antiprotozoário (PAPICH, 2009). Pode causar intoxicação no SNC quando administrado em doses altas, pois atravessa a barreira hematoencefálica, e pode acumular-se no SNC (SOUZA; AMORIM, 2008). A toxicidade no SNC é dose-dependente (PAPICH, 2009). Os sinais clínicos, que podem ocorrer com doses maiores que 30 mg/kg/dia (DROBATZ; COSTELLO, 2010), incluem ataxia, fraqueza, desorientação, reações posturais diminuídas, convulsões e cegueira aparente. O tratamento compreende suspensão do antibiótico e tratamento de suporte (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.4.8 Griseofulvina É um agente antifúngico efetivo no tratamento das dermatofitoses superficiais dos felinos (SOUZA; AMORIM, 2008). Os gatos são mais sensíveis aos seus efeitos colaterais e podem se intoxicar com o uso prolongado, apresentando distúrbios hematopoiéticos, supressão da medula óssea e grave leucopenia (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). Está contraindicado em fêmeas gestantes no primeiro terço da gravidez em função dos efeitos teratogênicos, como fenda palatina e anormalidades no crânio dos gatinhos. A infecção pelo vírus da imunodeficiência felina (FIV) pode aumentar o risco de toxicidade medular (PAPICH, 2009). Anormalidades hematológicas e hepáticas podem se desenvolver em gatos com o uso da griseofulvina na dosagem clínica de 50 a 150mg/kg, dividido em duas doses, sendo administrado com alimento gorduroso. Essas anormalidades são consideradas idiossincrasias felinas. Alguns gatos apresentam anemia, leucopenia, anorexia, depressão, vômito, diarreia, ataxia e sinais neurológicos. Aconselha-se o monitoramento hematológico durante a terapêutica da griseofulvina em gatos (SOUZA; AMORIM, 2008). 24 O tratamento é sintomático e de suporte (ANDRADE; NOGUEIRA, 2011). 2.4.9 Propiltiouracil É um fármaco anti-tireoidiano usado no tratamento do hipertireoidismo felino (PAPICH, 2009). Alguns efeitos colaterais graves, no entanto, tem sido relatados com o uso dessa medicação: anorexia, vômito, letargia, icterícia, prurido facial, hepatotoxicidade, anemia hemolítica imunomediada, trombocitopenia e títulos de anticorpos antinucleares positivos (SOUZA; AMORIM, 2008). O propiltiouracil foi amplamente substituído pela terapia com o metimazol (PAPICH, 2009). 2.4.10 Compostos Fenólicos Os gatos são muito sensíveis aos derivados de composto fenólicos, em função da difícil conjugação com o ácido glicurônico, além da rápida saturação do mecanismo de detoxicação com sulfato. A retenção de compostos fenólicos não metabolizados provoca acúmulo de quinonas tóxicas, que inibem a respiração mitocondrial, resultando na formação de grandes quantidades de metemoglobina (SOUZA; AMORIM, 2008). O tratamento para casos de intoxicação inclui descontaminação dérmica ou gastrointestinal, aumentar a eliminação do produto (por meio de indução de êmese, lavagem gástrica, catárticos/adsorventes, diálise) e prover terapia de suporte de acordo com os sinais clínicos do paciente (GRAVE; BOAG, 2010). 2.4.10.1 Hexaclorafeno Utilizado como solução germicida ou em forma de sabonete, podendo ainda ser administrado em enemas. É insolúvel em água e tende a permanecer na pele após a lavagem. Não deve ser aplicado principalmente em gatos filhotes e com feridas, nem nos animais com 25 insuficiências hepática e renal, bem como com colestase. Os sinais clínicos de gatos intoxicados por hexaclorafeno são vômitos, anúria, depressão, ataxia, hiperrreflexia dos reflexos dos tendões, progredindo para paralisia flácida, tremores e convulsões. O tratamento de suporte é vital, além da remoção da substância da pele e pelo por meio de banhos, associando ao uso de lavagem gástrica e administração de catártico (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.4.10.2 Propofol Anestésico intravenoso de curta duração (FANTONI et al., 2002), derivado do fenol, que pode induzir lesões oxidativas nos eritrócitos dos felinos quando administrado durante vários dias consecutivos (SOUZA; AMORIM, 2008). 2.4.10.3 Dipirona É um antipirético e um derivado fenólico, sendo metabolizada lentamente. (SOUZA; AMORIM, 2008). A dose recomendada para felinos é 25 mg/kg, IV, IM, SC, a cada 24 a 48 horas (FRAGATA; IMAGAWA, 2008). 2.4.11 Álcool Benzílico É um fenol utilizado frequentemente como conservante em uma variedade de produtos biológicos, como as soluções parenterais. A intoxicação se dá pelo acúmulo do metabólito da fase 1 do ácido benzoico. A administração de 50 a 100ml da solução de ringer-lactato/kg contendo 1,5% de álcool benzílico acarreta intoxicação em gatos. Os sinais clínicos são ataxia, hiperestesia, fasciculação muscular, coma, convulsões, insuficiência respiratória e morte (SOUZA; AMORIM, 2008). 26 O tratamento é feito com administração de fluidos intravenosos (que não contenham álcool benzílico), bicarbonato de sódio (1 a 3 mEq/kg, IV na fluidoterapia), respiração artificial e fenobarbital ou pentobarbital, se necessário (BEASLEY, 1999). 2.4.12 Organofosforados A apresentação comercial dos organofosforados é em sprays, soluções, pó, coleiras antipulgas e produtos orais, como no caso de inseticidas utilizados na agricultura, e produtos para jardins domésticos (MANOEL, 2008). Os gatos são mais suscetíveis aos efeitos tóxicos dos organofosforados do que as outras espécies de animais. Essa intoxicação ocorre, especialmente, no emprego de coleiras contra pulgas à base de diclorvós nos felinos (SOUZA; AMORIM, 2008). Os sinais clínicos na intoxicação aguda pelos organofosforados são decorrentes do acúmulo de acetilcolina. Miose, salivação e fasciculação muscular são usualmente verificadas. O tratamento da intoxicação aguda é de suporte associado à administração do sulfato de atropina na dosagem de 0,1 a 0,2mg/kg, IV, lentamente, sendo necessária a repetição a cada 10 minutos até a diminuição dos tremores musculares e, posteriormente, a cada 60 minutos. Os tratamentos associando atropina e cloridrato de pralidoxima (2-PAM) trazem melhores resultados. Administra-se 2-PAM na dose de 20mg/kg, IV, podendo ser repetido após 60min. O emprego do sulfato de atropina pode ser requerido após 24 e 48 horas (SOUZA; AMORIM, 2008). As intoxicações por organofosforados requerem necessariamente o mínimo de 24 horas de internação para observação e tratamento do animal intoxicado, a despeito do seu bom estado geral inicial (MANOEL, 2008). 2.4.13 Permetrina Permetrina é um inseticida piretróide classe I que foi descrito pela primeira vez em 1973. É comumente usado em preparações spot-on para controle de pulgas. No entanto, os gatos são altamente sensíveis aos efeitos da permetrina pela deficiência da enzima glicuroniltransferase (BOLAND; ANGLES, 2010). 27 Os sinais clínicos mais comumente relatados em felinos intoxicados com permetrina, geralmente presentes em 3 horas após a exposição (SUTTON et al., 2007), são: convulsões, fasciculações musculares, ptialismo, hiperestesia, ataxia, pirexia e midríase. Outros sinais clínicos menos comumente relatados incluem: contrações repetidas dos músculos cutâneos (distinta de fasciculações musculares), vômitos, diarréia, anorexia, letargia, ansiedade, desorientação, alucinações, cegueira temporária, inclinação da cabeça, hipotermia, lacrimejamento, retenção urinária, cianose, colapso, coma, taquipneia, dispnéia, parada respiratória, arritmias cardíacas e parada cardíaca. O diagnóstico é geralmente baseado em uma história de exposição recente a permetrina e desenvolvimento de sinais clínicos típicos. Os diagnósticos diferenciais incluem outras causas de tremores e convulsões (BOLAND; ANGLES, 2010). Descontaminação dérmica deve ser instituída o mais cedo possível. Uma vez que os sinais clínicos estão presentes, o tratamento deve concentrar-se no controle dos tremores musculares e/ou convulsões. As benzodiazepinas são tipicamente insuficientes para controlar sinais em intoxicações graves, e também podem ser responsáveis por exacerbação paradoxal de sinais neurológicos. Uma taxa de infusão constante de propofol (0,1 a 0,4 mg/kg/min) pode ser utilizada. A duração da infusão de propofol em gatos deve, idealmente, ser limitada a aproximadamente 12 horas, devido à sua capacidade para induzir lesão oxidativa das células vermelhas, nesta espécie. Fenobarbital é uma outra droga que pode ser utilizada, no entanto, deve notar-se que, mesmo quando administrada por via intravenosa, o seu início de ação é da ordem de 20 a 30 minutos, tornando-o menos útil para o controle no paciente com crises agudas (BOLAND; ANGLES, 2010). Em face de hipersalivação, o uso de atropina é muitas vezes considerado, mas não é recomendado porque pode produzir estimulação do SNC adicional (BOLAND; ANGLES, 2010). A atropina não é antídoto para permetrina. Não existe antídoto específico (MEROLA; DUNAYER, 2006). Para os casos leves o prognóstico é bom e não é improvável que os efeitos permaneçam a longo prazo. Para os casos mais severamente afetados, as taxas de sobrevivência são boas somente se os pacientes recebem tratamento precoce agressivo e cuidados de suporte contínuo, mas, infelizmente, alguns serão eutanasiados ou morrerão devido à gravidade dos seus sinais. Tipicamente a recuperação leva aproximadamente 2 a 3 dias (GRAVE; BOAG, 2010). 28 2.4.14 Iodo e Iodóforos Os compostos à base de iodo podem provocar intoxicação nos gatos em consequência de seu hábito de higiene por lambeduras. Os animais apresentam prostração, inapetência, úlcera na língua e distúrbio gastrointestinal (SOUZA; AMORIM, 2008). O tratamento de feridas em gatos com o antisséptico polivinilpirrolidona-iodo na concetração de 1% e 10% causa irritação e necrose tecidual. Assim sendo, é aconselhável uma diluição, para obtenção de solução de polivinilpirrolidona e iodo de 0,1 a 0,5% (SOUZA; AMORIM, 2008). 29 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O tratamento das doenças felinas deve ser feito de maneira extremamente cuidadosa devido às peculiaridades desta espécie no metabolismo de vários fármacos. Formulações medicamentosas menos concentradas, comprimidos com dosagens adequadas a espécie, entre outros, ajudariam o clínico de pequenos animais na prescrição. Entretanto, deve ser dada atenção especial ao perigoso hábito de alguns proprietários de seguir indicação terapêutica feita por balconistas de pet shops e lojas agropecuárias, resultando em graves intoxicações e até mesmo em óbitos. Cabe aos clínicos de pequenos animais desestimularem este tipo de comportamento, esclarecendo a população acerca dos riscos. É importante também, salientar que, é fundamental que o médico veterinário busque atualizar-se sempre, seja através de cursos, simpósios, revistas de educação continuada, entre outros, para que possa aprimorar seus conhecimentos e prestar de um serviço de qualidade. 30 REFERÊNCIAS ANDRADE, S. F.; NOGUEIRA, R. M. B. Intoxicação Medicamentosa e por Drogas Ilícitas ou de Abuso. In: ANDRADE, S. F.; NOGUEIRA, R. M. B. Manual de Toxicologia Veterinária. São Paulo: Roca, 2011. Cap. 13, p. 243-272. BEASLEY, V. Toxicants that Cause Central Nervous System Depression. International Veterinary Information Service (IVIS), Ithaca, August 1999. 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