BASE DO TALUDE NA REGIÃO DO CONE DO AMAZONAS Jeck, I.K 1.; Alberoni, A.A.L 1; Torres, L.C. 1; Gorini, M.A 2 1 Centro de Hidrografia da Marinha (CHM) – Marinha do Brasil – Rua Barão de Jaceguai s/n Ponta da Armação – Niterói – 24048900 – [email protected], [email protected], [email protected], 2 Mar Ambiente e Geologia Serviços - [email protected] RESUMO Visando a extensão da Plataforma Continental Jurídica, à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar (CNUDM), foi necessária a definição do Pé do Talude Continental (PTC) na região do Cone do Amazonas. Uma vez que a margem continental brasileira nesta região é peculiar e única, em função do anômalo aporte sedimentar existente, a definição do PTC revestiuse de grande complexidade. A plataforma continental nesta região é a mais larga de toda margem brasileira e não existem talude e elevação continental como definidos por Heezen et al, (1959). Damuth, 1973; Damuth et al., 1983 e Damuth et al., 1988 prepuseram uma divisão para o cone em superior, médio e inferior, com base em características morfológicas gerais e características morfológicas. Este trabalho apresenta uma proposta de que as porções superior e média do cone podem ser consideradas um análogo ao talude continental, com base, especialmente, nos processos sedimentares existentes em cada porção. Tendo sido definida a região da base do talude, o PTC foi definido como um ponto de máxima variação do gradiente da batimetria. INTRODUÇÃO A Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar (CNUDM), em seu artigo 76 parágrafo 4, condiciona a definição da Plataforma Continental Jurídica de um estado costeiro além das 200 milhas das linhas de base, em determinada região, à determinação do Pé do Talude Continental (PTC). Uma vez que a margem continental brasileira na região do Cone do Amazonas é peculiar e única, em função do anômalo aporte sedimentar existente, a definição do PTC nesta região revestiu-se de grande complexidade. A fim de contribuir para a solução desse problema o LEPLAC (Plano de Levantamento da Plataforma Continental) adquiriu em 2005 dados adicionais (Leplac XIII) de batimetria (4010km) e sísmica multicanal (2662km) nesta área. O CONE DO AMAZONAS O Cone do Amazonas é uma feição peculiar da Margem Brasileira, com sua acumulação sedimentar anômala. A plataforma continental nesta área é a mais larga de toda margem brasileira e não existe um talude e elevação continental típicos como definidos por Heezen et al, (1959), em termos de gradientes. Ao contrário, existe um talude contínuo desde a quebra da plataforma até a planície abissal de Demerara, localmente interrompido por feições erosivas ou construtivas, como cânios, channel-levees, cicatrizes de deslizamento, fluxo de detritos e estruturas deformacionais não tectônicas, como diapirismo de lama (Figura 1). 1 Figura 1. Batimetria do cone do Amazonas. Em branco, seus limites laterais. Os limites laterais do cone são caracterizados, para o norte e para o sul, por configurações contrastantes das curvas batimétricas relacionadas à deposição do cone em águas profundas com a batimetria do talude convencional adjacente. O limite sul é realçado por um pronunciado embaiamento, no qual as curvas batimétricas evidenciam uma grande cicatriz de deslizamento (Figura 1). O cone do Amazonas é morfologicamente dividido em superior, médio e inferior, com base em suas características morfológicas gerais e sua característica acústica (Damuth, 1973; Damuth et al., 1983 and Damuth et al., 1988). Ainda de acordo com este autor, o cone superior apresenta um gradiente de 1:70, o médio de 1:200 e o inferior de 1:570. A definição de limites ao longo de um talude suavizado em cones submarinos, utilizando-se apenas gradientes como critério, é difícil e inadequada. A correlação dos gradientes de um cone, com feições típicas de uma margem continental passiva mostra, para os cones, gradientes menores que um grau, indicando a característica atípica desta unidade morfológica. Assim, uma abordagem simplesmente geométrica, na qual os processos morfológicos presentes nas diferentes porções do cone não são considerados, não se mostra adequada para o estabelecimento de seus limites. Essa constatação, de certa forma, é ratificada com a citação de Richards et al. (1998): “cones de geometria similar não apresentam, necessariamente, gêneses e características internas similares”. Para cones ricos em lama, como os cones de Bengala, Amazonas, Mississipi e Indus, de acordo com Richards et al. (1998), ”the inner fan is dominated by slump blocks, gullies, troughs of 2 varying scale and size, together with a large-scale channel-levee system which originates from a large submarine canyon upslope”. No caso do cone do Amazonas, não existe separação, em termos dos processos morfogenéticos, entre as porções superior e média. O melhor exemplo desta continuidade de processos são os sistemas de channel-levee. Este sistema de canais é contínuo e se constitui de complexos sinuosos, com channel-leeves agradacionais que crescem acima da superfície do cone. Estes canais diminuem gradualmente em tamanho em direção à porção distal de cone médio e se extinguem, dando origem a lóbulos frontais de sedimentos (“sheet sands”) e canais rasos sem levees (Figura 2). As porções superior e média do cone foram submetidas aos mesmos processos geológicos de construção e erosão. O limite entre elas foi arbitrariamente definido com base em gradientes médios, na curva batimétrica de 3000 metros - Damuth (1973), e Damuth and Kumar (1975). Em Damuth et al. (1988), observa-se que o cone superior intercepta os sistemas de channel-leeves e de fluxo de detritos, presentes nas porções superior e média do cone, confirmando que esta divisão foi obtida com base em gradientes médios, e não em uma mudança abrupta regional. Figura 2. Talude contínuo, localmente interrompido por feições erosionais ou construtivas, associadas a progradação do cone. Deformações não tectônicas como diapirismo de lama também provocam tais irregularidades. Com exceção do diapirismo de lama, no cone superior, que provoca irregularidade batimétrica local, os processos geológicos observados nesta porção são os mesmos que os do cone médio, permitindo considerar estas duas porções como uma unidade geológica e geomorfológica, que poderia ser análogo ao talude continental de uma margem passiva típica. Em subsuperfície o sistema de influenciou diretamente a construção do cone, depositando sedimentos a ele relacionados por pelo menos 1.5 segundos (tempo duplo) na parte superior da seção sísmica. A estratigrafia acústica mostra claramente os canais enterrados e seus depósitos relacionados. O limite fisiográfico entre o cone médio e inferior, definido por Damuth et al. (1988) é marcado não somente pela variação de gradiente, mas principalmente pela descontinuidade do sistema de channel-leeves e pelas diferentes estratigrafias acústicas. A estratigrafia acústica do cone inferior é caracterizada por refletores fortes e contínuos, associados com camadas de turbiditos, trazidos pelos depósitos de sheet flows. 3 A BASE E O PÉ DO TALUDE Em função dos argumentos apontados anteriormente, a base do talude foi definida nesta região como o limite fisiográfico entre o cone médio e inferior, obtido por meio da análise dos perfis sísmicos e batimétricos, em especial pela caracterização dos channel-levees e de sua área de abrangência. O Pé do Talude foi definido como o ponto de máxima variação do gradiente na base do talude, utilizando para isto a aplicação do método da segunda derivada no perfil batimétrico. A figura 3 mostra em preto o perfil batimétrico e em azul a segunda derivada, o triângulo vermelho indica a posição definida como Pé do talude. A barra verde indica o início do perfil sísmico relacionado. De modo geral o padrão da segunda derivada muda do cone médio para o inferior, tornandose neste amaciada e com menor amplitude. Tal fato deve-se à ausência de irregularidades batimétricas no cone inferior, em função de sua característica eminentemente deposicional. Figura 3 – Linhas 5020415 (batimétrica) e 5030004(batimétrica e sísmica). A base do talude foi definida na região da seta vermelha, onde os refletores ainda apresentam características de channel-levees. Após esta região os refletores se tornam planoparalelos, característicos do cone inferior. O Pé do talude foi definido em um máximo da segunda derivada. Esta seção sísmica é um exemplo clássico da influência sedimentar dos channel-levees no cone médio, podendo seus refletores ser observados em superfície e subsuperfície. 4 CONCLUSÕES O cone do Amazonas, a exemplo de outros cones, representa uma unidade morfológica e morfodinâmica individualizada de uma margem continental, não devendo ser comparado a um talude e a uma elevação continental padrões em termos de fisiografia, bem como com nenhuma outra porção do fundo oceânico. Vastas citações na literatura científica indicam que os cones submarinos possuem peculiaridades próprias, não devendo ser comparados entre si com relação aos gradientes, divisões fisiográficas e processos morfogenéticos. O perfil batimétrico típico do cone não apresenta quebra de gradiente com expressão regional, normalmente caracteriza-se como um perfil contínuo, com gradientes que diminuem gradativamente em direção ao mar profundo. Uma evidência desta característica é a presença do mais importante sistema deposicional, os channel-levees, que iniciam no cone superior e alcançam o cone médio, em superfície e subsuperfície. Este sistema pôde ser estabelecido devido ao baixo gradiente destas porções, possibilitando o padrão meandrante, semelhante ao que ocorre em uma planície de inundação subaérea. Em função dos argumentos apontados, a base do talude foi definida nesta região como o limite fisiográfico entre o cone médio e inferior, obtido por meio da análise dos perfis sísmicos e batimétricos, em especial pela caracterização dos channel-levees e de sua área de abrangência. REFERÊNCIAS Damuth, J.E., 1973. The Western Equatorial Atlantic: morphology, Quaternary Sediments, and Climatic Cycles. New York, Columbia University. 1973. 602 p. MSc. Thesis. Damuth, J.E., and Kumar, N., 1975. Amazon Cone: Morphology, sediments, age and growth pattern. Geol. Soc. Am. Bull., 86:863-878. Damuth, J.E., Flood, R.D., Kowsmann, R.O., Belderson, R.H., and Gorini, M.A., 1983. Age relationships of distributary channels on Amazon deep-sea fan: Implications for fan growth pattern. Geology, v. II. p. 470-473. Damuth, J.E., Flood, R.D., Kowsmann, R.O., Belderson, R.H., and Gorini, M.A., 1988. Anatomy and growth pattern amazon deep-sea fan as revealed by long-range side-scan sonar (GLORIA) and high-resolution seismic studies. AAPG Bull.,72:885-911. Heezen, B.C., Tharp, M. and Ewing, M., 1959. The floor of the oceans, 1:The North Atlantic. New York, The Geological Society of America Special Paper 65, 122p. Richards, M., Bowmann, M., and Reading, H., 1998. Submarine fan systems I: characterization and stratigraphic prediction. Marine Petroleum Geology 15(1998): 689-717. 5