Ao estabelecer uma genealogia da teoria das fontes do direito, o pre

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Leonardo Passinato e Silva
Aluno de mestrado, DFD-USP
Ao estabelecer uma genealogia da teoria das fontes do direito, o presente artigo adverte o caráter a-histórico que reveste a concepção acadêmica
de um modelo assentado em uma polaridade estática entre um legislador
como centro produtor ativo e exclusivo de normas em contraposição a súditos passivos. Com apoio nas reflexões sobre o problema da historicidade da
experiência jurídica, buscar-se-á estabelecer alguma convergência entre a
concepção das fontes no pensamento de Miguel Reale e de Herbert Hart, ao
se evidenciar como ambos se pautam pela importância central da consideração do fenômeno jurídico a partir da valoração da experiência humana.
Palavras-chave: Dogmática analítica; Common Law; Teoria das fontes;
Miguel Reale; Herbert L. A. Hart.
O presente trabalho tem por objetivo estabelecer algumas considerações sobre a genealogia de alguns dos valores afirmados pela teoria das fontes, sobretudo a partir das convergências possíveis entre os trabalhos de
Miguel Reale e Herbert L. A. Hart.
A respeito da formulação de uma teoria das fontes, a história do pensamento jurídico antigo e medieval pouco ou nada oferece de significativamente problemático sobre o arranjo dos diversos centros de produção de
normas, tal como o entendemos hodiernamente.
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Com efeito, o direito romano genuíno nos oferece um conjunto de
problematizações essencialmente tópicas dos casos particulares, jamais tendo se constituído ali algo como um sistema, que demandasse a rigorosa definição técnica, nos termos em que a questão se coloca na modernidade. Na
Antiguidade greco-romana, o problema da revelação do justo se põe como
1
uma questão eminentemente prudencial.
Posteriormente, quando do surgimento do Estado nacional absolutista,
no medievo tardio, ainda pouco se mostrava necessário haver precisão em
anotar as assim ditas fontes do direito. Isto porque se fazia derivar o fundamento de todas as normas da vontade do monarca. Ora, por se tratar de pura vontade, a emissão de preceitos pelo príncipe potencialmente acarretaria
flagrantes contradições de conteúdo entre os elementos constantes daquele
quadro normativo.
Paradoxalmente, tal situação não implicaria maiores problemas para o
conjunto das normas emanadas pelo monarca, afigurando-se plenamente
admissível que as decisões e normas subseqüentes viessem de encontro a
disposições passadas, vez que se baseavam todas, de um modo geral, no
arbítrio real, fundamentado por sua vez no amparo da divindade. O monarca
figurava como pedra angular do Estado e de seu ordenamento jurídico, fonte
de manifestação de todos os direitos e deveres, idéia ainda muito presente
em Hobbes, com sua concepção substancialista, subjetivista e relacional do
poder, enquanto ligado à figura humana de projeção, o soberano. Em outras
palavras, uma vez que havia apenas uma instância criadora do direito, livre
de amarras e limitações – ab-soluta – a emissão de preceitos de conteúdo
contraditório não implicava dificuldades do ponto de vista sistêmico: the
king can do no wrong.2
Observa Ferraz Júnior que o surgimento da teoria das fontes é acontecimento sintomático da imposição do imperativo de racionalização que emerge com o Estado liberal. Tal paradigma teria sido introjetado no pensamento jurídico por força dos reclamos do capitalismo emergente, que traz
em seu bojo alterações de monta para a estrutura social. De fato, os novos
padrões de trocas econômicas demandavam um cenário geral que conferisse
segurança e certeza às relações sociais. A continuidade das relações comerciais e financeiras não poderia depender da vontade volúvel de um governante. Em vista dessa situação, os lugares-comuns da classe burguesa ascendente preenchem a ordem do dia: como exemplos desses novos valores,
1
Evidentemente, sobre esta questão não poderei me estender neste momento. Oportunamente, dediquei-me ao
problema do pensamento prudencial na Antiguidade greco-romana em trabalho de conclusão de curso de
graduação, Genealogia da prudentia: dimensão jurídica da experiência entre gregos e romanos, apresentado
junto ao Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, em dezembro de 2009.
2
Alysson Leandro Mascaro, Introdução ao estudo do direito, pp. 131-135; Klaus Adomeit, Filosofia do
direito e do Estado, pp. 66-71; Norberto Bobbio, Estado, gobierno y sociedad, p. 103.
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inscrevem-se, entre outros de mesma orientação, a ordem pública; a preponderância da lei escrita; a liberdade, acompanhada de seu reflexo, a nãointervenção estatal; e a igualdade jurídica. Todos esses condicionantes podem ser resumidos naquelas noções de segurança e certeza ou, dito de outro modo, em mecanismos de calculabilidade e previsibilidade, os quais Grau
ressalta como fundamentais para o adequado cumprimento dos contratos. A
ideologia do contrato de tal forma domina o cenário das relações jurídicas,
3
que se presta até mesmo à explicação da gênese do próprio Estado.
Com efeito, embora plenamente válida a advertência de Heimann, no
sentido de não se poder reduzir a razão de ser de um modo de pensar a um
único fator de conformação ideológica, afigura-se patente a conexão entre
as teorias contratualistas da gênese do Estado e a filosofia empirista inglesa.
O empirismo se funda, necessariamente, na autonomia intelecto-espiritual
do indivíduo, ao fundar o conhecimento na sensação, conferindo ênfase à
observação dos fenômenos, bem como ao valor central de utilidade, que em
4
Hume, epítome empirista, perpassa toda a moralidade e a legalidade.
Dessa forma, o método de investigação promovido pelo empirismo acaba por servir, no âmbito da afirmação dos valores burgueses, a um desencantamento do mundo que se mostra especialmente contundente para o
ideário absolutista, seja ele fundado em termos de um discurso racionalista,
metafísico ou jusnaturalista. Ao caráter indemonstrável de tantas justificações, a hipótese do contrato social se impõe como uma via intelectualmente
plausível, ao mesmo tempo em que afirma a liberdade primordial do indivíduo e traz para a organização social o imperativo de racionalidade. Movimento paralelo se observa na obra de Quesnay e Adam Smith (este, um amigo mais jovem de Hume e opositor de Hobbes), cuja observação do mercado
segundo método tomado respectivamente à biologia e à física (então imbuídas do pensamento deísta que postula uma situação atual de desgoverno
natural em face da divindade criadora primordial) provocará o amadurecimento da ciência econômica cientificamente desvinculada da arte política.
Em termos práticos, nesta seara se manifesta a relação dialética entre
liberdade e segurança: a autonomia da vontade como fundamento dos contratos; em contrapartida, a certeza quanto à continuidade de tendências acenadas pelo sistema jurídico, a garantir a efetividade daqueles contratos. A
segurança jurídica se coloca como um sucedâneo da consecução da justiça,
vez que esta é tida como um ideal inalcançável e aberto a relativismos perigosos. Percebe-se aí a existência de uma pluralidade de canais produtores
3
Eros Grau, A ordem econômica na constituição de 1988, pp.32-35; Miguel Reale, Lições preliminares de
direito, pp. 148-154; Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, pp. 225-226.
4
Para este parágrafo e os que seguem, Claudio Napoleoni, Smith, Ricardo e Marx, pp. 40-47; Danilo Marcondes, O empirismo, pp. 117-123; Eduard Heimann, História das doutrinas econômicas, pp. 22-30, 53-54, 5787; Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida, Curso de filosofia do direito, pp. 290-296,
302.
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de normas, que constituem aquilo que Bobbio chamará ordenamento jurídico
complexo, de tal sorte que caberá à dogmática jurídica delimitar o lugar de
cada um desses eventos de repercussão no repertório do sistema. Eis a fun5
ção primordial da teoria das fontes.
A esse respeito, assinala Bobbio, em continuação, que qualquer consideração sobre o ordenamento jurídico de tipo simples – aqui entendido em
oposição ao ordenamento do tipo complexo, vale dizer, o sistema em que se
verifica uma única fonte produtora de normas, sendo exemplo recorrente a
polaridade entre um legislador que põe a norma e os súditos que a recebem
e obedecem (ou não) – é não-histórica e tem importância restrita às discussões de escola.
Segundo Ferraz Junior, o que se dá é a progressiva conscientização
quanto ao fato de o direito integrar o mundo da cultura, enquanto construção, e não como dado. No entanto, prossegue o autor para afirmar nessa
concepção duas dificuldades de relevo. Em primeiro lugar, a percepção do
objeto como construção intelectual não implica o afastamento total de sua
eventual dimensão previamente apreendida, senão da natureza, em outras
instâncias da própria cultura. Veja-se o exemplo dado pelo próprio autor, ao
identificar tal problemática na distinção elaborada por Savigny entre lei e
espírito, dicotomia que redundaria finalmente na conhecida diferenciação
entre as fontes materiais e formais do direito. Daqui decorre a segunda dificuldade, consistente no problema de se promover a unidade sistemática de
um ordenamento em que coexistam essas noções opostas de fontes do di6
reito.
Ainda sobre fontes materiais e formais, à primeira categoria pertenceriam os fenômenos que, pensados e valorados em sua historicidade, dão
causa substancialmente às normas, é dizer, os aspectos psicológicos, sociológicos, econômicos etc. que condicionam aquela disposição normativa específica. Por seu turno, corresponderia ao conjunto das fontes formais o
produto dos procedimentos solenes previstos pelo ordenamento para a manipulação técnica daquelas fontes materiais.
Esta distinção, como se sabe, tem como principal inconveniente a dificuldade que ocasiona para a justificação da ordem, pois abre o caminho para
a discussão não apenas sobre qual seja o fundamento material do direito,
mas principalmente quanto à sua adequação àqueles fundamentos.
Chega-se, assim, a diversas tonalidades teóricas no que toca à centralidade do papel conferido às fontes formais, conforme sejam elas percebidas
como mero instrumento de revelação do direito brotado da materialidade da
5
Gustav Radbruch, Introducción a la filosofía del derecho, pp. 39-42; Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, pp. 37-47; Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, p. 227.
6
Para este parágrafo e os que se seguem, cf. Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito,
pp. 223-225.
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vida; ou verdadeiro mecanismo por meio do qual se poderá elaborar ou reconhecer o direito em definitivo.
Neste sentido, Miguel Reale postula que a teoria das fontes daria enfoque aos processos de instituição das normas jurídicas, a fim de problematizar o entendimento da dimensão da validade. Com este termo, Reale se refere exclusivamente à validade formal. Esta, em suas Lições preliminares de
direito, é conceituada como uma propriedade que diz respeito à competência
dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento do direito no
plano normativo.7
Essa definição ganha maior relevo, dentro da teoria das fontes preconizada por Reale, a partir do momento em que este principia sua obra especificamente dedicada a essa questão – Fontes e modelos do direito – com um
retrospecto de suas reflexões sobre o problema das fontes, para indicar que,
se a princípio havia proposto a revisão da teoria com vistas à preponderância
final da teoria dos modelos jurídicos, ora caminhava em direção oposta, para
enfim concluir que a teoria das fontes daria enfoque aos processos de instituição das normas jurídicas, com enfoque no âmbito da validade, enquanto
que a teoria dos modelos ligar-se-ia essencialmente à dimensão da eficácia
8
das normas.
Portanto, e em contraposição à noção de validade acima esboçada, a
eficácia é mencionada por Reale como dotada de um caráter experimental,
porquanto se refere ao cumprimento efetivo do direito por parte de uma
sociedade, ao ‘reconhecimento’, Annerkenung, do direito pela comunidade,
no plano social, ou, mais particularizadamente, aos efeitos sociais que uma
regra suscita através de seu cumprimento.9
Reale, apoiado em Bobbio, atribui à teoria das fontes a missão primordial de promover a fixação dos requisitos de fato e de direito que devem ser
obedecidos para que qualquer produção de normas possa ser considerada
válida. Ademais, caberia àquela teoria o estudo da necessária correlação com
a experiência jurídica compreendida em sua social historicidade; bem como
a análise e classificação das diversas formas ou processos de produção de
10
regras jurídicas.
Como se vê, Reale toma a teoria das fontes sob o aspecto procedimental, ou seja, das condições e pressupostos que devam satisfazer quanto a um
processo de aparição da norma. Afigura-se evidente com isso que Reale envereda pelo segundo rumo enunciado ao início deste trabalho, qual seja: a
minimização do problema do fundamento substancial, em atenção aos pro11
cessos formais de produção e reconhecimento da norma.
7
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, p. 2; Lições preliminares de direito, pp. 114; 139-140.
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 1-6.
Miguel Reale, Filosofia do direito, pp. 112-115.
10
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 12-13.
11
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 12-13; 18-19.
8
9
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83
Com efeito, Reale frisa que apenas poderá constituir objeto da ciência
jurídica o que tradicionalmente se denominou fontes formais, isto é, os processos de produção de normas jurídicas, aquilo que, novamente com fulcro
nas Lições preliminares, constitui os processos ou meios em virtude dos
quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é,
com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. Por seu
turno, as fontes materiais, repise-se, configuram objeto específico de ramos
do conhecimento diversos do direito, tais como a sociologia, a ciência política e a psicologia, disciplinas que em seu conjunto compõem o saber que
12
Reale dirá metajurídico.
Não que com isso Reale considere que o direito seja exclusivamente a
norma, pois entraria em contradição com a sua própria teoria tridimensional
concreta. O autor insiste que o direito é sempre normativo, embora não exclusivamente normativo. Com essa última afirmação em específico, pareceme que Reale pretende atacar em simultâneo o normativismo do tipo kelseniano e aquelas correntes a que chama genericamente fisicalistas ou sociológicas, no que penso compreender Reale o conjunto das vertentes ditas
13
realistas da ciência jurídica.
De fato, sabe-se que Kelsen, em sua primeira fase, se deteve especificamente sobre o problema da validade formal, mas, após voltar o olhar para
a vivência do common law nos Estados Unidos da América, enfim reconheceu
alguma relação entre validade e eficácia da norma jurídica. No entanto, teria
ainda ficado aquém da perspectiva defendida por Reale, já que o monismo
normativo adotado pelo austríaco considera que o âmbito material da validade se limita a um processo de explicitação do sistema de normas jurídicas
por meio da decorrência puramente lógica. Por seu turno, Reale observa a
interação entre validade e eficácia sob múltiplas formas, situada historicamente. Sendo o direito experiência, não se pode abstrair sua inserção histórico-social com apoio tão-somente em considerações de ordem lógicosemântica.
Para Reale, não se pode separar o conceito de fonte da idéia de obrigatoriedade das normas por ela emanadas, de modo que o conteúdo de uma
fonte do direito são as próprias regras jurídicas por ela enunciadas. Tendo
em vista a noção de validade objetiva, Reale propugna pela compreensão
prospectiva da fonte do direito, o que nos faz retornar, por via da oposição,
a Savigny, cuja reflexão acerca das fontes enfocava o produto destas sob o
viés retrospectivo, como se dá, por exemplo, com a idéia de interpretação
14
conforme a intenção do legislador.
12
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 14-15.
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 14-15.
14
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 23-24.
13
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Para Engisch, reside no debate sobre a busca do sentido objetivo da lei
a problemática central da teoria da interpretação. Para fins de interpretação
verdadeira, há que se procurar pelo contexto histórico e psicológico do legislador? Ou, do contrário, teria a lei algo como um sentido que se destaca
daquele impregnado em sua gênese? Radbruch defenderá a segunda posição, com base na comparação com o método de outras ciências “do espírito”,
o que é criticado por Engisch, (muito embora, penso eu, tal seja coerente
com a visão de Radbruch, que propugna inclusive por uma estética do direito). A oposição entre a compreensão prospectiva e retrospectiva das fontes
do direito já se problematiza na obra do próprio Savigny, a partir do momento em que este se insere na discussão secular sobre o critério da interpretação verdadeira. Esta polêmica leva às duas grandes formulações antagônicas, que buscam o sentido da norma ora na vontade do legislador, ora
na vontade da lei: a doutrina subjetivista e objetivista, respectivamente. Ferraz Junior e Engisch identificam Savigny como um subjetivista, na medida em
que este defende a interpretação como colocar-se em pensamento no ponto
de vista do legislador e recapitular mentalmente a sua atividade. 15
Reconhecido estudioso da hermenêutica jurídica em nosso meio, Carlos Maximiliano se coloca ao lado dos objetivistas, ao assinalar que a interpretação com base na assim chamada occasio legis é um dos métodos mais
fracos da hermenêutica, em razão de sua aplicabilidade decrescente à medi-
da que o tempo transcorre após o surgir da regra, escrita ou consuetudinária. De resto, dá à interpretação praticada pela corrente subjetivista definição
idêntica àquela que acabo de expor, no que muito se aproxima tal técnica da
noção de fonte material, deixada de lado por Reale como não-atinente à ci16
ência do direito.
Em Reale, o ato interpretativo e a conseqüente aplicação das regras jurídicas deve se desprender da fonte, de modo a dar foco à produção normativa em favor da previsão dos atos futuros, por ser um imperativo de liberdade, que opera dialeticamente com a ordem a fim de promover uma ordenação jurídica aberta e flexível, mas ainda assim realizada de modo racional.
Todas essas categorias axiológicas vêm se juntar aos imperativos de segurança e certeza, que se encontram no fundamento da exigência de um nú17
mero delimitado de fontes do direito positivo.
A teoria das fontes se revela de fundamental importância para as reflexões acerca da temática do poder, uma vez que o fato de Reale, muito embora afaste das considerações da ciência jurídica o problema das fontes materiais do poder – que de algum modo emergem da discussão que acabo de
trazer à baila sobre as doutrinas objetivistas e subjetivistas da interpretação
15
Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico, pp. 165-197; Tercio Sampaio Ferraz Júnior, Introdução
ao estudo do direito, pp. 264-268.
16
Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, Hermenêutica e aplicação do direito, pp. 121-123.
17
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 23-24.
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– venha repetidas vezes a caracterizar o fenômeno jurídico, e explicitamente
o problema das fontes, em estreita conexão com a existência de um poder.
As fontes do direito vêm a ser caracterizadas, nesse sentido, como estrutu-
ras normativas que implicam a existência de alguém dotado de um poder de
decidir sobre o seu conteúdo, o que equivale a um poder de optar entre várias vias normativas.18
Por definição, portanto, não se pode falar em fontes do direito sem o
poder de decidir, motivo pelo qual se exclui de pronto a doutrina, que por si
só não tem o poder de obrigar. A doutrina se restringe a dizer as condições
que legitimam as fontes, além de apurar o significado e alcance dos modelos
jurídicos dela decorrentes. O poder, insiste, é um elemento essencial e con19
substancial ao conceito de fontes do direito.
Assim, desdobrar-se-ão as fontes em tantas quantas forem as possibilidades de poder de decidir, a partir do que o autor enumera as fontes do
direito em um universo de correspondência fechada, numerus clausus. Reale
considera a lei; o costume; a jurisprudência; e o ato negocial.
Reale propõe a verificação de preponderância de uma ou outra fonte
do direito, diante da qual as demais seriam secundárias, como um critério de
distinção entre os sistemas romano-germânico e anglo-americano, enquanto
respectivamente fundados no primado da lei e em uma base costumeiro20
jurisprudencial.
Impõe-se, nesse passo, uma digressão sobre a tradição do common
law, tendo-se em conta as implicações trazidas pela vivência de tal sistema
jurídico, de todo peculiar para o jurista da tradição continental, para a elaboração de uma teoria das fontes. Em verdade, verifica-se na tradição jurídica
anglo-saxã a atribuição de papel secundário à lei, o que não se traduz em
número reduzido de textos normativos, ao contrário do que sugere o senso
comum, mas em sua tímida consideração enquanto conformadores da prática jurídica. Pode-se lembrar aqui, a título ilustrativo e sem a pretensão de
estabelecer uma relação genealógica rigorosa, o pensamento de Hume, para
quem a lei positiva serve de sucedâneo à razão natural e, simultaneamente,
tem seu conteúdo confirmado ou aperfeiçoado pela reiteração dos precedentes judiciais. Sempre se teve a lei como uma figura estranha à normalidade
da vida jurídica, que, embora desde o século XX tenha crescido em importância com o advento do dirigismo estatal decorrente do welfare state, seu
teor apenas será revelado e confirmado após a reiterada aplicação e interpretação pelos tribunais. Com razão a prática jurídica anglo-americana legou
18
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 11-12.
Miguel Reale, Fontes e modelos do direito, pp. 11-12; 16-18.
20
Miguel Reale, Lições preliminares de direito, pp. 141-143.
19
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as vertentes decisionistas e representou verdadeiro desafio ao esquema teó21
rico kelseniano.
De outra banda, segundo a concepção clássica inglesa a respeito das
fontes, dita declaratory theory of the common law, não haveria que se falar,
a rigor, em jurisprudência como uma fonte do direito propriamente dita, uma
vez que o juiz que por primeiro tenha proferido decisão em uma matéria
teve que fundamentá-la em alguma regra não-fundada, evidentemente, na
autoridade do precedente. O fundamento remoto da cadeia decisória seria,
com efeito, constituído de regras substantivas deduzidas racionalmente da
realidade, tendo por substrato elementar o "costume geral imemorial do reino". A esta categoria, por uma questão principiológica em vigor desde o século XVIII, apenas pertencem aquelas normas costumeiras cuja existência
22
tenha sido atestada anteriormente ao ano de 1189.
Some-se a isso os complexos desenvolvimentos do direito inglês acerca da dicotomia, imperfeitamente solucionada ainda na atualidade, entre o
common law e a equity, bem como a profusão de Tribunais e instâncias decisórias de natureza judiciária e semi-judiciária, e ter-se-á a demonstração
patente da importância de uma formulação adequada das fontes do direito
23
naquele contexto.
Por tais razões, não se deve estranhar que um autor como Herbert L. A.
Hart manifeste, no âmbito do common law, preocupações análogas às já
mencionadas, no que tange às dificuldades ocasionadas por aquele modelo
simples enunciado no início deste trabalho, composto de um legislador que
emana regras de conduta e de súditos, meros receptores de tais normas.
Hart principia sua obra basilar, O conceito de direito, exatamente pela apresentação crítica da teoria da soberania que atribui em grande medida à obra
do teórico J. L. Austin, mormente a partir de sua obra The province of juris-
prudence determined.
24
Evidentemente, o debate doutrinário no âmbito do common law era intenso, não se resumindo à teoria de Austin e à crítica de Hart. A propósito,
vale recordar, na linha trazida pelo discurso de Hart, o pensamento de outro
autor, que, apesar de ter a maior parte de suas investigações centrada no
estudo da História, deu significativas contribuições à jusfilosofia inglesa, em
cujo cenário antecedeu Hart em cerca de cinqüenta anos. Refiro-me a Paul
Vinogradoff.
21
Eduardo Carlos Bianca Bittar e Guilherme Assis de Almeida, Curso de filosofia do direito, pp. 296-302;
John Gilissen, Introdução histórica ao direito, pp. 208; 212; 215-216; René David, Os grandes sistemas do
direito contemporâneo, pp. 433-435.
22
John Gilissen, Introdução histórica ao direito, pp. 211-212; René David, Os grandes sistemas do direito
contemporâneo, pp. 427-430.
23
John Gilissen, Introdução histórica ao direito, pp. 207-216; René David, Os grandes sistemas do direito
contemporâneo, pp. 416-426.
24
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 23-26.
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87
Ao fornecer sua própria definição do direito, Vinogradoff coloca como
seu traço característico justamente o poder: para este autor, o direito seria
conjunto de normas impostas e aplicadas por uma sociedade com relação à
atribuição e o exercício do poder sobre as pessoas e as coisas . Com essa
concisa definição, parece-me que Vinogradoff formulou algumas reflexões
posteriormente experimentadas também por Reale, em seus estudos sobre
Hart, uma vez que o autor brasileiro perceberá que as normas de conduta
não se diferenciam necessariamente, na experiência, de normas de atribuição e organização. Contudo, delineia-se aqui uma distinção entre Reale e
Vinogradoff no que tange ao momento do poder em relação ao direito, vez
que o anglo-russo claramente toma o fenômeno do poder como fruto de
uma atribuição, enquanto que, em Reale, o poder terá natureza eminentemente genética em relação ao direito, de modo que este se manifesta a partir
25
de tantas quantas forem as expressões daquele.
Entretanto, não foi o propósito de Hart, como recorda Carl Friedrich,
realizar uma compilação de opiniões colhidas na literatura, qualidade acerca
26
da qual, aliás, Hart guarda plena consciência de seu caráter pouco usual.
Em linhas gerais, a doutrina de Austin, segundo exposta por Hart, preceitua a impossibilidade de dissociação entre direito e sanção, configurandose como uma teoria imperativa, em que a norma se coloca como um comando reforçado por uma ameaça. Tal doutrina define os fundamentos de um
sistema jurídico como uma situação de obediência habitual por parte da
maioria dos integrantes do grupo a ordens coercitivas de um soberano, juridicamente irresponsável (ab-solutum?). Para tanto, evoca-se o paradigma
27
das normas penais, de resto adequadas ao senso comum.
Antes, diga-se que apesar de Hart pôr em dúvida os fundamentos da
concepção sumarizada no discurso de Austin, isto não lhe impede de generosamente – não posso evitar o tom irônico dessa constatação, que de resto
é o próprio tom de Hart nesse passo – pensar possíveis artifícios que de algum modo corroborem aquele modelo. Entretanto, o que se dá é a inutilidade de todo recurso retórico para fortalecer a posição teórica adversa, sem
mencionar ainda seu prejuízo à simplicidade, esta um indicativo fundamental
de coesão teórica, de tal sorte que qualquer saída para a doutrina atacada
resulta invariavelmente – e esta é a intenção de Hart – em novos elementos
para seu próprio sacrifício.
O primeiro dos argumentos de Hart dá conta que muito embora a lei
penal se assemelhe ao modelo paradigmático de uma ordem apoiada por
ameaças dadas por alguém a outrem, tal não se configura nem ao menos
para esse ramo do direito em específico. Isto porque mesmo aqui se verifica
25
Paul Vinogradoff, Introducción al derecho, pp. 24-48.
Carl Joachim Friedrich, La filosofía del derecho, p. 19.
27
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 26-33.
26
88 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010
normalmente que as ordens emanadas não se dirigem exclusivamente aos
súditos, mas se aplicam também ao próprio enunciador da norma, se a con28
duta deste concretizar a hipótese do tipo penal.
Poder-se-ia contra-argumentar no sentido de estabelecer uma distinção entre a pessoa do legislador e o exercício oficioso dessa função, de modo que, ao acatar a conduta preconizada nas diversas disposições normativas ainda que justamente por ele emanadas em momento anterior, o indivíduo age como mero particular. Entretanto, ao admitir semelhante possibilidade, a doutrina criticada abre espaço para uma bifurcação implícita no mecanismo de produção do direito, que acarreta necessariamente a aceitação
dos elementos da construção teórica a ser enunciada pelo próprio Hart, con29
forme será exposto oportunamente.
A segunda ordem de objeções formulada por Hart em relação à doutrina encabeçada por Austin diz respeito à lembrança de normas jurídicas de
outros ramos dogmáticos, mormente em parcelas do direito público distintas
do direito penal, tais como as disposições constitucionais e o direito administrativo, bem como o campo do direito privado, todas elas normas para as
quais, por sua própria natureza, não se sustenta o caráter de ordens apoia30
das em ameaças.
Alguns argumentos em favor da posição atacada por Hart são correntes, para nós talvez até mesmo intuitivos. No caso das normas concernentes
às relações privadas, pode-se persistir em sua caracterização de comando
emanado com apoio em ameaça, se como punição for considerada a nulidade do ato praticado em desconformidade com o preceito normativo.
De outra banda, em relação às diversas normas de direito público, há
quem sustente (como é amplamente sabido, diga-se) que se tratam tãosomente de fragmentos de leis, subordinados àquelas que seriam as verdadeiras normas, a saber, os comandos que instruem as autoridades acerca
das hipóteses de aplicação de determinadas sanções, de modo que se transforma a lei em um enunciado condicional, pois remete, ainda que não de
31
maneira explícita, a hipóteses de aplicação de sanções pelas autoridades.
Ora, em ambos os casos, Hart acusa, promove-se uma distorção da realidade social para a adequação da teoria. Isto se dá porque cotidianamente
não se pensa a norma penal (para permanecer no exemplo dado) simplesmente como uma instrução dada pelo soberano aos tribunais, e sim como
um regramento dirigido diretamente aos súditos. A intervenção dos órgãos
judiciários é sempre pensada como ultima ratio, apenas sobrevindo quando
28
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 35-44.
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 56-59.
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 36-48.
31
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 48-52.
29
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do fracasso da lei em dissuadir o indivíduo quanto à conduta ilícita. Relati32
vamente às normas de direito privado.
Em seguida, Hart afirma que nem todas as normas jurídicas surgem a
partir de algo que se possa qualificar como uma ordem, afastando-se dessa
noção por seu caráter não-explícito. A possibilidade de acrescer a qualificação de tais normas como ordens tácitas não serve para a análise dos sofisticados ordenamentos das sociedades contemporâneas.
O último grande empecilho oposto por Hart à concepção do direito a
partir de ordens emanadas de um soberano, habitualmente obedecidas com
fundamento em ameaças, diz respeito ao problema da continuidade do direito a despeito da limitação temporal da existência do soberano; ou mesmo
na circunstância de sequer se poder falar em um soberano passível de indi33
vidualização, tal como Hart aponta ocorrer nas democracias modernas.
Em suma, a partir das objeções apresentadas, Hart conclui que as idéias a que se opõe não conseguem se aproximar de uma noção consistente de
norma. Para tanto, haveria que se atentar à necessidade de discriminação
entre as normas às quais se referirá como primárias e secundárias. Normas
do tipo primário seriam aquelas que exigem a prática ou abstenção de condutas, independentemente da vontade do receptor; normas do tipo secundário, por sua vez, consistiriam em estipulações sobre o procedimento de introdução, modificação e extinção daquelas normas primárias, além de trazer
34
determinações quanto à sua incidência e aplicação.
O modelo proposto por Austin toma em consideração apenas as normas ditas primárias. Reduzido a esse característico, o sistema jurídico apresentaria falhas de vulto, que demandariam mecanismos de suplementação.
Ora, tais mecanismos consistem justamente nas normas secundárias.
A primeira dessas falhas apontadas por Hart consiste na ausência de
normas definidoras do emissor e dos critérios de interpretação autêntica.
Trata-se do problema da incerteza. Outro defeito identificado é o caráter
estático de um ordenamento composto inteiramente de normas primárias.
Em outros termos, semelhante sistema não traria previsões de identificação e
modificação deliberada das normas. Tem-se até aqui propriamente o problema das fontes do direito. A terceira falha verificada diz respeito à ineficiência de tal ordenamento, problema que decorre da ausência de autoridade e
procedimento estabelecido seja para a constatação da violação das normas,
seja para a execução da sanção, no que as idéias de Hart tomam rumo próximo ao conceito de direito dado por Vinogradoff.
Portanto, em conformidade com as categorias enunciadas há pouco, as
normas do tipo secundário podem se desdobrar em normas de reconheci32
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 52-56.
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 67-87.
34
Para este parágrafo e os que se seguem, Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 118-128.
33
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mento, de modificação e de julgamento. Em poucas palavras, as normas de
reconhecimento se prestam à identificação conclusiva das normas primárias,
com vistas a conferir certeza aos operadores do direito. Retorna-se, com
isso, às considerações iniciais sobre o contexto de surgimento da teoria das
fontes do direito. Pelo recurso à noção de normas de reconhecimento, esvazia-se qualquer justificação metafísica das normas, ao se chegar à solução
do problema da validade das normas do sistema, uma vez que serão válidas
exatamente aquelas que atendam aos requisitos previstos pela norma de
reconhecimento. Simultaneamente, se estabelece uma cunha entre validade e
eficácia, diferenciação especialmente problemática no quadro já exposto do
common law: a eficácia da norma apenas repercutirá em sua validade se
35
constituir um daqueles requisitos impostos pela norma de reconhecimento.
Reale, ao tratar das diversas tipologias das normas, relembra a diferenciação da literatura entre normas primárias e secundárias, aduzindo a
posição de Kelsen, para quem são primárias as normas que estipulam sanções, secundárias todas as demais. Recorda ainda que Hart toma essa dicotomia em sentido diverso, ao dizer que normas primárias são, como já exposto, aquelas que se referem a condutas, enquanto as secundárias seriam
subsidiárias das primárias. Curioso notar como a denominação do par primário-secundário não segue, em Hart, uma ordem valorativa. 36
Reale comete a Hart o mérito de transcender a ênfase kelseniana, expandindo os elementos da norma para além do aspecto da sanção; sustenta,
porém, que toda a tipologia das normas secundárias elaborada por Hart pode se resumir àquela categoria denominada por Reale normas de organização. Estas, de fato, são secundárias, uma vez que têm por pressuposto a
existência das normas de conduta. Não por acaso, Reale, neste passo, já havia mencionado a crítica de Bobbio à diferenciação em normas primárias e
secundárias, exatamente por se tomar, com essa dicotomia, as normas como
diferentes sob critérios temporais e axiológicos.
Para Reale, tais normas de organização vão além das funções pretendidas por Hart. Para tanto, aduz a título exemplificativo a existência de normas
interpretativas. No fim, a distinção entre normas primárias e secundárias
perde em importância, segundo Reale, pois uma norma pode ter em seu
momento de gênese, a natureza binária de regulação de conduta e estabelecimento de organização.
Qualificado por Reale como um neo-empirista, Hart, na percepção do
autor paulista, faz repousar o fundamento de validade do ordenamento em
um fato – a obediência –, o que seria uma concepção simplista do sistema
normativo, uma vez que, à luz dos ditames da teoria tridimensional concreta,
a validade do ordenamento se funda em um postulado de razão prática jurí35
36
Herbert Hart, O conceito de direito, pp. 129-135.
Miguel Reale, Lições preliminares de direito, pp. 96-99.
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dica, a saber: o ordenamento jurídico vale, no seu todo, como uma exigência
da razão, em função da experiência histórica. Para Miguel Reale, portanto,
não basta a visão sincrônica ou lógico-formal de um Kelsen, tampouco a
consideração diacrônica e em perspectiva histórica. A norma guarda um sen37
tido unitário, ao englobada pela totalidade da experiência.
De qualquer modo, as linhagens empiristas da tradição jusfilosófica trazem ocultas em si valorações sobre a normalidade jurídica. Nesse sentido,
Hart legitimaria a obrigatoriedade da ordem jurídica por meio da admissão
forçosa do que Reale identifica como formas mínimas de proteção das pessoas, da propriedade e dos contratos, características indispensáveis de direito
positivo. Muito embora o próprio Hart tenha explicitamente negado à sua
doutrina o caráter de fundamentação fática do direito, ao rejeitar a aguerrida
tese positivista de abstração dos valores éticos, ou seja, de indiferença quanto
ao conteúdo para a caracterização do direito, termina por dar testemunho da
38
essencialidade dos motivos axiológicos na experiência do direito.
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37
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