Folha de Apoio 04

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
FACULDADE DE DIREITO
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO
PROF. JOSEMAR ARAÚJO – [email protected]
FOLHA DE APOIO 04
O Direito enquanto Ciência
Marilena Chaui assinala que Ciência significa Conhecimento
sistematizado, e advertida e intencionalmente elaborado, não se
distinguindo senão por essa sistematização em nível elevado e
elaboração intencional do Conhecimento comum ou vulgar, aquele
de que todo ser humano é titular, por mais rudimentar que seja seu
nível de cultura. O Conhecimento é essencialmente de uma só
natureza, e por mais elementar e grosseiro que seja, tem
fundamentalmente o mesmo caráter do mais complexo e refinado
conhecimento científico. Não há, aliás, nenhuma fronteira marcada,
ou possível de marcar, nessa complexidade, nem mesmo separação
possível, pois o conhecimento científico de hoje será o vulgar de
amanhã.
Classificação das Ciências
Quanto ao objeto, as ciências podem ser assim divididas: as
denominadas ciências da natureza (cujo foco de observação são
fenômenos naturais) e as chamadas ciências da sociedade (cujo foco
de observação cinge-se a fenômenos sociais e culturais).
As ciências naturais, por sua vez, costumam ser subdivididas em
ciências do macrocosmos (em que o foco de observação são
fenômenos naturais externos aos seres vivos) e em ciências do
microcosmos (em que o foco de observação são fenômenos naturais
internos aos seres vivos). Já as ciências sociais podem ser divididas
em ciências sociais puras e Ciências sociais aplicadas. No primeiro
grupo (ciências naturais do macrocosmos), estão a Física, a
Química, a Astronomia etc.; no segundo grupo (ciências naturais do
microcosmos), estão a Medicina, a Biologia, etc. Entre as ciências
sociais puras estão a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política.
Entre as ciências sociais aplicadas estão a Economia e o Direito.
Discussão sobre a Cientificidade do Direito
Segundo Paulo Nader, o Direito já se acha inscrito no quadro geral
das ciências. Poucos são os autores que contestam o seu caráter
científico. O ponto fundamental em que se apoia a corrente negativa
da Ciência do Direito é a variação constante que se processa no
âmbito do Direito Positivo e o caráter heterogêneo que predomina
no Direito Comparado. Com tal característica o Direito não poderia
ser considerado ciência e se reduziria apenas a uma técnica. Essa
corrente alimentava o seu argumento na ideia, levantada
inicialmente por Aristóteles e divulgada amplamente no período da
Renascença, de que as ciências consistiam em princípios e noções de
natureza absolutamente universal e necessária.
Oposição à natureza Científica do Estudo do Direito
Quanto à natureza científica do estudo do direito, reconhecida pela
maioria dos estudiosos, há alguns opositores. Desde 1848, foi-lhe
negado o caráter científico, quando Kirchmann, em conferência
célebre, disse: "A ciência do direito, tendo por objeto o contingente,
é também contingente: três palavras retificadoras do legislador
tornam inúteis uma inteira biblioteca jurídica". Assim, segundo
Kirchmann, uma simples lei derrogadora de um sistema jurídico
inutilizaria a ciência jurídica. Mas tal contingência, comum ao
histórico, só tornaria anacrônica uma forma de saber jurídico, que
seria substituída por outra tendo por objeto o novo direito.
Anacrônico, mas não sem validade, por ter valor histórico.
Conceito de Ciência do Direito
Nas palavras de Paulo Dourado de Gusmão, a ciência do Direito
significa “conhecimentos, metodicamente coordenados, resultantes
do estudo ordenado das normas jurídicas com o propósito de
apreender o significado objetivo das mesmas e de construir o
sistema jurídico, bem como de descobrir as suas raízes sociais e
históricas. Cabe-lhe, principalmente, construir o sistema jurídico,
também denominado ordenamento jurídico, ou seja, a ordenação das
normas do direito de um país (brasileiro, francês etc.), Bem como
formular conceitos e teorias jurídicas.
Métodos
Serve-se de vários métodos, inclusive da intuição.. Utiliza-se do
método sociológico quando indaga as raízes sociais do direito ou
quando o estuda como fenômeno social; do método histórico, ao
tratar de suas origens históricas; do método comparativo sempre,
além dos métodos lógicos, dentre os quais o analógico, e da
compreensão (interpretação), para descobrir o sentido objetivo da
norma jurídica. Sentido não alcançado com métodos das ciências
físico-naturais e nem com o sociológico ou o histórico, que, no
entanto, podem facilitar apreendê-lo. Dito isto, é de se perguntar
pela sua natureza.
Natureza da Ciência do Direito
Discute-se a natureza da ciência jurídica, bem como a sua própria
possibilida¬de. Compreensível essa dúvida por se tratar de problema
cultural que não comporta resposta definitiva. Divergência há quanto
ao seu objeto, porém, em um ponto há acordo: são as normas
jurídicas, dado concreto que faz parte da realidade histórico-social,
ou, se quisermos, da realidade cultural, em que se acham também as
obras de arte, a literatura, a filosofia, a ciência etc. Por isso, a ciência
jurídica é ciência que trata de realidades, desde que se faça a
distinção da realidade físico-natural (natureza), independente da
ação humana, da realidade criada ou modificada pelo homem,
contida em suas obras (cultura). Por isso, nela não é empregável o
método das ciências dos fenômenos naturais, pois, sendo
conhecimento de normas, depende de interpretação, e não de
descrição, salvo quando versar sobre o direito como fenômeno social
ou fato histórico-social.
Perenidade e Universalidade
Segundo Paulo Nader A contestação à jurisprudência científica, no
passado, possuía como centro de gravidade a visão distorcida, que
supunha o Direito como algo inteiramente condicionado pelos
tempos e lugares, sem conservar nada de perene e universal. O
equívoco da corrente negativista deriva de um erro inicial, ao pensar
em Ciência do Direito em termos de Direito Positivo. A verdadeira
Ciência do Direito reúne princípios universais e necessários. O que é
contingente é o desdobramento dos princípios, a sua aplicação no
tempo e no espaço. A liberdade, por exemplo, é um princípio
fundamental de Direito Natural, universal e necessário, possuindo de
mutável apenas a sua forma de regulamentação prática. A variação
se faz no acidental e nunca no essencial, que é o princípio
componente do Direito Natural.
Ciência Jurídica Teórica
O estudo do direito pode apresentar-se como ciência jurídica teórica,
formuladora de conceitos e princípios gerais do direito, denominada
Teoria Geral do Direito, síntese do conhecimento jurídico de uma
época, e ciência jurídica particularizada, ou ciência do direito
positivo (leis, códigos, jurisprudência, costumes, etc.), também
denominada dogmática jurídica, que versando sobre o conteúdo das
normas jurídicas, interpretando-as e sistematizando-as, se subdivide
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em tantas ciências quantos forem os ramos do direito (ciência do
direito penal, ciência do direito constitucional etc.). Dogmática", por
ser o seu objeto (lei, precedente judicial) de antemão estabelecido, e
não por ser dogma para o jurista.
História do Direito
Por outro lado, quando o jurista indaga as origens históricas dessas
normas ou de todo o sistema jurídico, verificando os seus efeitos
históricos, ou seja, considerando-os como fato histórico, fato que
não é mais atual, mas que já produziu os seus efeitos, faz História do
Direito.
Direito Comparado
Se usar os resultados desse estudo histórico para, com o método
comparativo, compará-lo com direito atual ou confrontar direitos de
países diferentes, perquirindo semelhanças, para propor unificações
de legislações ou para abrir o horizonte jurídico graças à doutrina e à
experiência jurídica de outros povos, estará fazendo Direito
Comparado.
execução. Isto significa, por exemplo, que uma sentença, que é uma
norma jurídica individualizada, se fundamenta na lei e esta, por seu
lado, apoia-se na constituição. Acima desta, acha-se a Norma
Fundamental, ou Grande Norma, ou ainda Norma Hipotética, que
pode ser uma outra constituição anterior ou uma revolução
triunfante. E a primeira constituição, onde se apoiaria? A primeira
constituição, diz Dourado de Gusmão, não é um fato histórico, mas
hipótese necessária para se fundar uma teoria jurídica., a norma
fundamental é um dos pontos mais obscuros da Teoria Pura.
A Fórmula Reale
Também conhecida como teoria Tridimencional do Direito, informa
que toda experiência jurídica pressupõe sempre três elementos: fato,
valor e norma, ou seja, “um elemento de fato, ordenado
valorativamente em um processo normativo”. O Direito não possui
uma estrutura simplesmente factual, como querem os sociólogos;
valorativa, como proclamam os idealistas; normativa, como
defendem os normativistas. Essas visões são parciais e não revelam
toda a dimensão do fenômeno jurídico. Este congrega aqueles
componentes, mas não em uma simples adição. Juntos vão formar
uma síntese integradora, na qual “cada fator é explicado pelos
demais e pela totalidade do processo”.
Sociologia Jurídica e Política Jurídica
Finalmente, se encarar o direito como fato social, fará Sociologia
Jurídica. Mas, se, com os resultados e auxílio do Direito Comparado,
da História do Direito e da Sociologia Jurídica, entregar-se à crítica
construtiva do direito vigente, com o objetivo de propor reformas
jurídicas, dedicar-se-á à Política Jurídica ou Crítica do Direito.
Nesse caso o jurista toma posição em relação ao direito vigente,
fundado em valores ou na realidade social, com o objetivo de indicar
reforma da legislação.
A Teoria Pura do Direito
Kelsen adotou uma ideologia essencialmente positivista no setor
jurídico, desprezando os juízos de valor, rejeitando a ideia do Direito
Natural, combatendo a metafísica. A teoria que criou se refere
exclusivamente ao Direito Positivo. É uma teoria nomológica, de
vez que compreende o Direito como estrutura normativa. O Direito
seria um grande esqueleto de normas, comportando qualquer
conteúdo fático e axiológico. Assim, o Direito brasileiro seria tão
Direito quanto o dos Estados Unidos da América do Norte ou o da
Rússia. Kelsen rejeitou a ideia da justiça absoluta. Admitiu, porém,
como conceito de justiça, a aplicação da norma jurídica ao caso
concreto. A justiça seria apenas um valor relativo. A sua teoria não
pretende expressar o que o Direito deve ser, mas sim o que é o
Direito. Não expõe qual deve ser a fonte do Direito, mas indica as
fontes formais do Direito. Kelsen abandonou, assim, a axiologia,
bem como o elemento sociológico. Daí, porém, não se pode
concluir, com acerto, que para ele a Moral e a Sociologia não
tivessem importância. A sua ideia, porém, é que as considerações de
ordem valorativa estão fora da Ciência do Direito. O centro de
gravidade da Teoria Pura localiza-se na norma jurídica. Esta
pertence ao reino do Sollen (dever-ser), enquanto a lei da
causalidade, que rege a natureza, pertence ao reino do Sein (ser). O
Direito é uma realidade espiritual e não natural. Se no domínio da
natureza a forma de ligação dos fatos é a causalidade, no mundo da
norma, é a imputação. A norma jurídica expressa, pela versão
definitiva de Kelsen, um mandamento, um imperativo: “Se A é, B
deve ser”, em que “A” constitui o suposto e “B”, a consequência.
A Pirâmide Jurídica e a Norma Fundamental
A estrutura normativa, objeto da Ciência do Direito, apresenta-se
hierarquizada. As normas jurídicas formam uma pirâmide apoiada
em seu vértice. Eis a graduação: constituição, lei, sentença, atos de
O Direito, para Reale, é fruto da experiência e localiza-se no mundo
da cultura. Constituído por três fatores, o Direito forma-se da
seguinte maneira: Um valor – podendo ser mais de um – incide
sobre um prisma (área dos fatos sociais) e se refrata em um leque de
normas possíveis, competindo ao poder estatal escolher apenas uma,
capaz de alcançar os fins procurados. Um valor, para Miguel Reale,
pode desdobrar-se em vários dever-ser, cabendo ao Estado a
escolha, a decisão. O jusfilósofo salienta que toda lei é uma opção
entre vários caminhos. Contesta, porém, o decisionismo, que erra ao
exagerar o poder de escolha. Em relação ao fato, acentua que nunca
é um fato isolado, mas um “conjunto de circunstâncias”.
Em sua concepção, o fenômeno jurídico é uma realidade fáticoaxiológiconormativa, que se revela como produto histórico-cultural,
dirigido à realização do bem comum. Ao mesmo tempo que rejeita o
historicismo absoluto, não admite valores metahistóricos. A pessoa
humana, fundamento da liberdade, é um valor absoluto e
incondicionado. A ênfase que dá à experiência não exclui uma
concepção de Direito Natural em termos realistas. Apesar de sua
natureza dinâmica, o Direito possui um núcleo resistente, uma
constante axiológica, invariável no curso da história.
Ciência do Direito segundo a Fórmula Reale
A Ciência do Direito, durante muito tempo teve o nome de
Jurisprudência, que era a designação dada pelos jurisconsultos
romanos. Atualmente, a palavra possui uma acepção estrita, para
indicar a doutrina que se vai firmando através de uma sucessão
convergente e coincidente de decisões judiciais ou de resoluções
administrativas (jurisprudências judicial e administrativa). Ao expor
sua visão tridimensional do direito, Miguel Reale afirma que:
a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e
necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico,
demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere
determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a
ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade
ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a
relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o
fato ao valor;
b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem
separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta;
c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem
reciprocamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos que
o Direito é uma realidade histórico-cultural) de tal modo que a vida
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do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três
elementos que a integram.
Desse modo, fatos, valores e normas se implicam e se exigem
reciprocamente, o que se reflete também no momento em que o
jurisperito (advogado, juiz ou administrador) interpreta uma norma
ou regra de direito (são expressões sinônimas) para dar-lhe
aplicação.
Dialética de Implicação Polaridade
Desde a sua origem, isto é, desde o aparecimento da norma jurídica,
- que é síntese integrante de fatos ordenados segundo distintos
valores, - até o momento final de sua aplicação, o Direito se
caracteriza por sua estrutura tridimensional, na qual fatos e valores
se dialetizam, isto é, obedecem a um processo dinâmico. Reale
afirma que esse processo do Direito obedece a uma forma especial
de dialética que denomina "dialética de implicação-polaridade".
Segundo a dialética de implicação-polaridade, aplicada à experiência
jurídica, o fato e o valor nesta se correlacionam de tal modo que
cada um deles se mantém irredutível ao outro (polaridade) mas se
exigindo mutuamente (implicação) o que dá origem à estrutura
normativa como momento de realização do Direito. Por isso é
denominada também "dialética de complementaridade.
O autor da Teoria Tridimensional definiu o Direito como “realidade
históricocultural tridimensional, ordenada de forma bilateral
atributiva, segundo valores de convivência”. O Direito é fenômeno
histórico, mas não se acha inteiramente condicionado pela história,
pois apresenta uma constante axiológica. O Direito é uma realidade
cultural, porque é o resultado da experiência do homem. A
bilateralidade é essencial ao Direito. A bilateralidade-atributiva é
específica do fenômeno jurídico, de vez que apenas ele confere a
possibilidade de se exigir um comportamento.
Fontes:
CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia. Rio de
Janeiro: Ática, 2000.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do Direito. Rio
de Janeiro: Forense, 2008
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 26. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2012.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva,
2002.
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