alfabetização e letramento

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO:
O QUE REGISTRAM OS ALUNOS E O QUE DIZEM AS PROFESSORAS
DO 1ª ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
BENEVENUTTI, Zilma M. Sansão – FURB
[email protected]
FISCHER, Julianne – FURB
[email protected]
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Esta pesquisa, vinculada ao Grupo de Pesquisa, Processos e Métodos Pedagógicos- Didáticos, do
Programa de Pós –Graduação Mestrado em Educação, da Universidade Regional de Blumenau,
Santa Catarina, Brasil, objetiva analisar os processos de alfabetização e letramento a partir dos
dizeres das professoras que atuam nas turmas de 1º ano do Ensino Fundamental, e os registros
escritos de alunos integrantes dessas turmas. Para esta pesquisa com abordagem qualitativa,
utilizou-se como instrumento de coleta de dados, entrevista individual, semi-estruturada com as 8
professoras que atuam nos primeiros anos do Ensino Fundamental nas escolas pertencentes a
Rede Estadual de Ensino Fundamental localizadas no município de Gaspar,SC, no ano de 2008
e cópia de registros de atividades diversas relacionadas as áreas do conhecimento desenvolvidas
em sala de aula por alunos do 1º ano do Ensino Fundamental das professoras entrevistadas. Com
a abtenção desses dados, procedeu-se a sistematização a análise. O embasamento teórico está
ancorado nos estudos de Wygotski, referentes ao caráter mediador na ação docente,a zona de
desenvolvimento proximal, além de Soares,Weisz que tratam especificamente do processo de
alfabetização na perspectiva do letramento e da formação do professor alfabetizador, Ferreiro e
Teberosky com a psicogênese da escrita e Cagliari com práticas de alfabetização. A pesquisa vem
sinalizar que as práticas de alfabetização e letramento continuam presas à perspectiva centrada na
decodificação, no ensino da leitura e da escrita voltado ao ensino somente das letras, das palavras
sem aterem-se ao contexto de produção da escrita, as questões das práticas sociais de leitura e de
escrita, na intenção de alfabetizar letrando.
Palavras-chave: alfabetização e letramento. Práticas de alfabetização. 1ºano do Ensino
Fundamental
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Introdução
Um grande marco na história da humanidade foi sem sombra de dúvidas, a invenção da
escrita. Ao longo dos séculos foi sendo aperfeiçoada, recriada. Usos e funções para a escrita
foram sendo ampliados e transformados, acompanhado as necessidades do homem de registrar
suas memórias, seus anseios, desejos e tratados, de atingir mundos não alcançados anteriormente
pela palavra oral, como também seu cotidiano e suas projeções e planos futuros.
Ao longo dos tempos, do mesmo modo, os conhecimentos foram se especificando,
ampliando, definindo-se por áreas e por consequência ordenando novos modos de escrever, de
marcar essas diferentes formas de escrever, de registrar os mais diferenciados domínios do saber
e necessidades sociais.
Acompanhando esse contexto é possível perceber que a educação é fundamental
constituinte da estruturação humana. O homem ao contrário dos outros animais, não recebe na
sua herança genética toda a herança acumulada pelas gerações anteriores ao seu processo de
atuação sobre a realidade. É fundamental compreender, considerar essa especificidade, os
processos envolvidos na prática educativa e de modo integrado analisá-los à luz de pressupostos
teóricos. A perspectiva histórica cultural oferece uma contribuição nesse sentido, na medida em
que possibilita compreender a aprendizagem como um processo ativo, sem secundarizar a ação
mediadora do professor. A importância da ação docente fica evidenciada no conceito de “zona de
desenvolvimento proximal” proposto por Wygotski (1987). Embasada nesta perspectiva, a prática
pedagógica se coloca como finalidade levar o estudante a se apropriar dos conhecimentos
acumulados historicamente pela humanidade.
Nesse sentido, para que os estudantes se apropriem do saber de modo a se tornarem
autônomos, críticos, cabe ao próprio professor dispor de uma formação nesta perspectiva. O
trabalho docente implica em uma apropriação por parte do professor, de conhecimentos,
habilidades e valores da cultura, bem como de conhecimentos necessários para assegurar aos
estudantes a apropriação ativa e criativa dessa cultura.
A separação entre o significado e o sentido do trabalho docente, pode fazer com que o
professor e a escola percam de vista os fins sociais de sua existência decorrente de relações de
dominação existentes na própria estrutura da sociedade. Apostar nas possibilidades da escola
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como instância que pode contribuir para uma transformação da sociedade por parte dos
educadores constitui-se em um processo permanente e sistemático de reflexão.
A sociedade contemporânea encontra-se impregnada pelo uso das tecnologias aplicadas a
todos os campos do saber, como conseqüência a busca por novos saberes é uma constante. A
necessidade de estar continuamente em formação é uma formatação indiscutível na atualidade
A preocupação com a aprendizagem e o domínio da leitura e da escrita, por parte dos
estudantes, está cada vez presente no cotidiano escolar e na sociedade como um todo. As práticas
de alfabetização evoluíram em função de necessidades sociais e econômicas, advindas de novos
paradigmas que pressupõem redefinições quanto ao letramento de cada individuo. Soares (1998,
p. 47) define letramento como: “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas
cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita.” Desta forma, a instituição escolar torna-se
um espaço social, cujo papel é colaborar e influenciar nas formas de organização social. Neste
sentido é prudente repensar como se dá o processo de alfabetização. A revisão metodológica é
necessária para a adequação às novas exigências sociais e culturais que surgem na medida em que
as tecnologias da informação e do conhecimento evoluem. Essas necessidades são percebidas em
estudos recentes que anunciam a complexidade de operações tanto na linguagem escrita como
oral.
Segundo estudiosos como Emília Ferreiro, Ana Teberosky (1999), Magda Soares (1998,
2004), Wygotski (1984, 1987) – o objeto, aquisição da leitura e da escrita, é algo complexo, mais
que um simples processo mecânico.
Saber ler e escrever tem se configurado em condição insuficiente para atender às
necessidades da contemporaneidade, do mundo letrado. Ir além da aquisição do código escrito é
indispensável. É necessário fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano escolar, para que o
estudante possa usufruir com competência desses saberes no seu dia a dia.
Assim diante deste cenário, faz-se o seguinte questionamento: A perspectiva de
alfabetizar letrando é uma realidade em turmas de primeiro ano do ensino fundamental ou isto
permanece no plano dos dizeres de professores alfabetizadores?
A partir do questionamento exposto, definiu-se a realização do estudo ora apresentado
com objetivo de analisar se os dizeres que circulam entre os professores alfabetizadores que
atuam nas escolas estaduais do município de Gaspar, se refletem na realização de um processo de
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alfabetização que se concretiza na perspectiva da superação da codificação e decodificação,
adentrando no processo de alfabetizar letrando, estando incluso os registros de alunos, com
atividades desenvolvidas em seus cadernos de tarefas, propostas por esses professores.
Optou-se pela pesquisa de abordagem qualitativa, a qual, segundo Bogdan e Biklen (1994,
p.16) “a investigação não é feita com objetivo de responder a questões prévias ou de testar
hipóteses. Privilegia, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva
dos sujeitos da investigação.” Envolve a obtenção de dados descritivos com objetivo de
esclarecer e ilustrar certos aspectos do problema em foco”.
São características da pesquisa qualitativa descritiva, de acordo com Bogdan e Biklen
(1994, p.48), “na busca de conhecimento, os investigadores qualitativos não reduzem as muitas
páginas contendo narrativas e outros dados a símbolos numéricos,” procuram analisar tais dados
respeitando a forma como estes foram registrados ou transcritos. Ressaltam que a descrição é um
bom método de coleta de dados. Enfoca a palavra dos professores sobre suas trajetórias e as de
seus alunos por meio dos registros escritos.
Como instrumento de coleta de dados,além dos registros nos cadernos de alunos, optou-se
pela entrevista individual semi-estruturada com as professores. Conforme Bauer e Gaskell
(2002), esse tipo de entrevista “fornece dados básicos para o desenvolvimento e compreensão das
relações entre os atores sociais e sua situação”. Oferece ao entrevistador uma amplitude de
situações consideráveis, que lhe permite levantar uma série de tópicos além de favorecer ao
sujeito a oportunidade de moldar o seu conteúdo. Para Bogdan e Biklen (1994, p.135) “nas
entrevistas semi-estruturadas fica-se com a certeza de se obter dados comparáveis entre os vários
sujeitos.” Essa possibilidade é uma realidade neste estudo uma vez que cada professor tem seu
olhar sobre o processo de alfabetização e sua forma de abordagem de atividades propostas aos
alunos no decorrer da ação docente no dia a dia de sala de aula.
Além de dados identificando de cada professora alfabetizadora, sua formação, experiência
na área, para realização da entrevista, com auxílio do gravador e com base nos tópicos a seguir,
foram realizadas as entrevistas, envolvendo cada professora que integra o grupo de oito
professoras que atuam no primeiro ano do ensino fundamental na Rede Estadual no município de
Gaspar. Qual o ponto de partida no seu trabalho para iniciar a ensino da leitura e da escrita? O
que é necessário proporcionar a criança para que aprenda a ler e a escrever a partir de contextos
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significativos? Como se dá a apropriação da linguagem escrita pela criança? Em que se constitui
o processo de alfabetização e letramento?
A seleção de cadernos para observar as atividades de escrita desenvolvidas pelos alunos
que se constituiu de mais um instrumento de coleta de dados neste estudo, se processou de forma
em que cada professora deixou a disposição os cadernos e pastas dos alunos que continham
atividades realizadas desde o início do ano letivo e ficou livre o critério de seleção deste material.
De forma aleatória foi realizada a seleção de cadernos ou pasta de três alunos por professora.
Parte deste material foi foto copiado e devolvido imediatamente.
Procedeu-se a transcrição das entrevistas, com a identificação de cada professora
entrevistada e a compilação das cópias com os registros das atividades realizadas pelos alunos.
A análise dos dados teve como aporte teórico Wygotski, Soares, Ferreiro e Teberosky e
Telma Weisz.
Esse artigo apresenta-se estruturado nas seguintes seções: introdução; o processo de
mediação nas formalidades do ensino, os conceitos de alfabetização e letramento, o processo de
ensino em classes de alfabetização, considerações finais e referências.
O Processo de Mediação na Formalidade do Ensino
A educação escolar é qualitativamente diferente da educação no sentido amplo. Muitas
vezes cometemos o erro de pensar que a aprendizagem começa apenas na escola. Observando os
registros de atividades desenvolvidas pelo aluno (A) de uma das turmas do 1º ano do Ensino
Fundamental, da professora (X), no início do ano letivo de 2008, apresenta indícios desta
concepção. Percebe-se que é proposto a criança uma tarefa repetitiva, o desenvolvimento da
coordenação motora fina de forma isolada, descontextualizada. A partir do desenho de uma
bolinha é solicitado que a criança reproduza completando duas linhas. Seguindo a outra atividade
é solicitado para recortar e colar a letra “a” e em outra atividade ainda é para pintar as vogais
conforme a legenda de cores. A aquisição da escrita e da leitura somente faz sentido num
contexto de uso real. Apresentar ou desenvolver atividades que envolva a escrita de forma
aleatória descaracteriza a função da escrita.
Nesse sentido, Ferreiro (2000, p. 34) afirma que
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Se pensarmos que a criança aprende só quando é submetida a um ensino sistemático, e
que a sua ignorância está garantida até que receba tal tipo de ensino, nada poderemos
enxergar, Mas se pensarmos que as crianças são seres que ignoram que devem pedir
permissão para começar a aprender, talvez comecemos a aceitar que podem saber,
embora não tenha sido dada a elas a autorização institucional para tanto.
O processo de aprendizagem e desenvolvimento humano tem início a partir do momento
em que o sujeito começa a interagir com o meio social e cultural no qual vive. A sala de aula
certamente não é o início do aprendizado. Quando a criança chega à escola, já possui
conhecimentos acerca do mundo, já adquiriu conhecimentos por meio da educação informal. A
família, os amigos, os meios de comunicação, as experiências vivenciadas, enfim, todos os
espaços em que o ser humano atua são espaços de ensino e aprendizagem informal. A criança
desde o seu primeiro dia de vida, encontra-se exposta aos elementos culturais produzidos
historicamente e a presença do outro como agente mediador a coloca em processo de
aprendizagem e desenvolvimento
Na escola acontece a educação sistemática, onde ocorre a mediação entre o individuo e a
sociedade por meio do ensino sistemático, planejado e organizado. A ação docente deve atingir a
zona de desenvolvimento proximal, e não os níveis de desenvolvimento já atingidos. Wygotski
(1987) afirma que o bom aprendizado é aquele que se antecipa ao desenvolvimento. É tarefa da
escola, empreender esforços para encaminhar os estudantes no desenvolvimento que lhes falta.
A escrita é muito mais do apenas uma habilidade motora. Wygotski (1984) destacara que
a psicologia até então dera pouca atenção ao estudo da escrita.
Notadamente, ela tem dado muito pouca atenção à linguagem escrita como tal, isto é, um
sistema particular de símbolos e signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o
desenvolvimento cultural da criança. (WYGOTSKI, 1984, p.120).
A professora alfabetizadora (Z) ao ser consultada, qual o ponto de partida no seu trabalho
para iniciar a ensino da linguagem escrita com seus alunos, no início o ano letivo, responde: O
ponto de partida é despertar na criança uma necessidade para escrever, seria ela
demonstrar uma necessidade. Eu acho que seria a partir daí, da necessidade que ela tem
para aprender. Geralmente eu começo a partir de uma história.
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Apesar do depoimento a professora (Z) afirmando considerar o desejo dos alunos e
normalmente iniciar o processo de trabalho com a linguagem escrita a partir de um gênero
textual, história, os registros escritos nos cadernos de alunos seus dão conta de que se processa
indicando que a criança não apresenta noção de escrita, a primeira atividade registrada nos
cadernos no início do ano letivo é repetir uma série de vezes o contorno de uma bolinha, em
seguida repetir a letra ‘a’ minúsculo em 3 linha, fazer o mesmo com a letra ‘A’ maiúscula e em
seguida com as demais vogais. Recortar em revistas as vogais das palavras e colorir cada vogal
de uma cor combinada com o grupo. Percebe-se certa falta de sintonia entre o discurso da
professora e a proposta de ação operacionalizada por seus alunos.
De acordo com Freire (1983, p.49), alfabetizar:
É construir um conhecimento. Alfabetizar-se é adquirir uma língua escrita através de um
processo de construção do conhecimento com uma visão da realidade. A criança é o
sujeito do processo educativo, não havendo dicotomia entre o aspecto cognitivo e
afetivo, mas uma relação dinâmica, prazerosa, dirigida para o ato de conhecer o mundo.
Muito antes de aprenderem a ler e escrever convencionalmente, as crianças formulam hipóteses
sobre esse sistema de representação, demonstram certa postura numa perspectiva de letramento.
A Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2005) coloca que pensar a
alfabetização nessa perspectiva significa experienciar situações que envolvam as diferentes
linguagens de forma crítica e dialógica, sendo os professores mediadores, sensíveis à educação
que ensejam e concretizam suas práticas pedagógicas nesta direção. Ressalta ainda, o respeito a
heterogeneidade, às diferenças e necessidades individuais dos alunos e a consideração do erro, na
elaboração da escrita, como inerente ao processo de construção textual.
Se alfabetizar significa orientar a própria criança para o domínio da escrita, letrar significa
levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e escrita. Uma criança alfabetizada é uma
criança que sabe ler e escrever, uma criança letrada é uma criança que tem o hábito, as
habilidades e até mesmo o prazer da leitura e da escrita de diferentes gêneros de textos, em
diferentes suportes ou portadores de textos, em diferentes contextos e circunstâncias. Alfabetizar
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letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com
práticas reais de leitura.(SOARES, 2004). As atividades de alfabetização quando bem planejadas,
promovem situações de aprendizagem , incidem na aprendizagem dos alunos. Eles precisam
colocar em jogo o que sabem em torno do objeto em estudo. Os princípios didáticos fazem muito
mais sentidos quando consideram que os alunos não são meros repetidores, mas sim sujeitos
intelectualmente ativos, isto é, que pensam, comparam, refletem, categorizam, analisam, excluem
e que procuram compreender o mundo que os rodeia e que aprendem por meio de suas ações
sobre os objetos do mundo, que se convertem em objeto do conhecimento.Wygotski (1994),
afirma que o valor maior da palavra é a interação social que acontece a partir dela.
A professora (S), diferentemente de todas as demais professoras entrevistadas, que ao
iniciar a escrita partem do método sintético, trabalhando com fragmentos da lingua, afirmam que
iniciam o processo de alfabetização com história, com música, que consideram as necessidades e
desejos dos alunos, que partem das partes para o todo , esta professora parte da história de vida
dos seus alunos, de contextos significativos. A escrita para esta professora (S) não se constitui em
exercício repetitivo, em uma atividade motora, mas de uma escrita que tem sentido. A professora
expressa esse entendimento quando relata que inicia a escrita com seus alunos geralmente a partir
da história do nome dos alunos e justifica: Eu parto do nome deles, da identificação, da
história do nome, pra poder ter um significado para eles. Pois não tem coisa mais
significativa do que o nome da gente. Daí eu parto do nome deles e assim já vão começando
a junção com o nome dos amigos. É assim que eu parto sempre, da identificação, do nome
deles. Daí eu vou entrando na história da escrita, como surgiu a escrita, eu conto pra eles a
história, e assim vai indo.
A ação mediadora no processo de alfabetização baseada na textualidade, pressupõe que
seja apresentado aos alunos textos que sejam coerentes para ele e cujo conteúdo esteja articulado
no seu conhecimento prévio.
“O ensino tem que ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias
às crianças [...] A escrita deve ser relevante à vida [...] deve ter significado para as crianças [...]
deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida”. (VYGOTSKI,1984, p.133).
Observando registros de alunos desta professora (S), encontramos o registro do nome do
próprio aluno, seguido de colegas que tem o nome com a mesma letra inicial do seu. Uma
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pesquisa com a família explicitando as razões do nome; a quantidade de letras que compõe os
nomes, caça palavras para encontrar os nomes dos integrantes da turma.. Um gráfico com as
datas de aniversário e a idade dos integrantes da turma. Os registros apresentam certa sintonia
com os dizeres da professora (S). Percebe-se indícios do desenvolvimento do processo de
alfabetização voltado para a perspectiva de alfabetizar letrando.
O processo ensino em classes de alfabetização
Os estudos voltados a Psicogênese da Língua Escrita na década de 1980, trouxeram
contribuições relevantes para a área da alfabetização, uma vez que alfabetizar transcende ao
processo de memorização, de domínio da técnica perceptivo motora.
A questão crucial da alfabetização é de natureza conceitual. Isto é, a mão que escreve, o
olho que lê está sob o comando do cérebro que pensa sobre a escrita que existe em seu meio
social e com a qual toma contato através da sua própria participação em atos que envolvem o ler
e o escrever, em práticas sociais mediadas pela escrita. (WEISZ, 1999).
Considerando o relato da professora (S) que nos primeiros dias de aula anuncia que ao
desencadear o processo de escrita com seus alunos, primeiro eu começo a trabalhar o
nomezinho deles, porque é a identificação do aluno, porque a primeira identificação do ser
humano é o nome. [...]. E através do nome eu começo a trabalhar com eles as letras, porque
querendo ou não, indiferente de eu ter aluno na sala alfabetizado ou não, eu começo por aí,
pelo nome . Daí eu trabalho com as vogais, com o alfabeto todo, a junção das letras, junção
de sílabas que compõem os nomes, são observadas no contexto da palavra. É mais ou menos
isso e aí eu vou formando outras palavras com eles juntando os nomes e assim vão lendo e
escrevendo. Para compreender a natureza dialógica da linguagem, é preciso produzi-la, ou seja,
propiciar situações dialógicas efetivas entre locutor e interlocutor. Ao produzir linguagem
aprende-se a linguagem. Para Bakhtin (2004), toda palavra realmente pronunciada é a expressão e
o produto da interação social de três participantes: o locutor, o ouvinte e isto de que se fala..
Percebe-se que o ensino se processa para além da decodificação, da apropriação das letras
e das palavras, as questões relacionadas ao contexto, as razões e funções da escrita recebem
visibilidade.
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Ao construir o sistema de escrita se faz necessário analisar objeto, verificar quais
propriedades e relações será colocado na representação.
O sujeito que aprende uma
representação estabelece relações com o contexto, formula hipóteses. Certamente nesse processo
comete erros que podem significar avanço na conceituação. De qualquer forma, a criança procura
entender o sistema de representação, e não simplesmente as marcas isoladas por si mesmas.
Pode-se afirmar que o sistema de escrita não é um código, mas um sistema de representação, pois
não existe uma correlação direta entre elementos da escrita e elementos da fala.
A apropriação da linguagem escrita e a prática da cidadania sofrem uma impregnação
recíproca, de modo que uma não pode existir plenamente sem a outra. Nesse aspecto alfabetizar
significa proporcionar aos sujeitos que façam uma leitura da realidade para além das letras.
Cagliari (1996, p. 105) afirma que:
A motivação da escrita é sua própria razão de ser: a decifração constitui apenas um
aspecto mecânico de seu funcionamento. Assim a leitura não pode ser só decifração:
deve, através da decifração, chegar à motivação do que está escrito, ao seu conteúdo
semântico e pragmático completo. Por isso é que a leitura não se reduz à somatória dos
significados individuais dos símbolos (letras, palavras, etc.), mas obriga o leitor a
enquadrar todos esses elementos no universo cultural, social, histórico, etc. em que o
escritor se baseou ao escrever.
Nesta perspectiva, a alfabetização, considerada em seu sentido restrito de aquisição da escrita
alfabética, ocorre dentro de um processo mais amplo de aprendizagem da Língua Portuguesa. O
professor em sua prática de alfabetização pressupõe o estabelecimento de relações entre o sistema
de codificação, o sistema de representação e as práticas sociais.
Weisz (1999) coloca que trabalhar a alfabetização, onde a criança precisa memorizar e
fixar informações descontextualizadas, em que a escrita é apresentada somente como código,
retrata um modelo típico que as cartilhas contemplam:
As cartilhas trabalham com uma concepção de língua escrita como transcrição da fala:
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elas supõem a escrita como um espelho da língua que se fala. Seus ‘textos’ são
construídos com a função de tornar clara essa relação de transcrição. Em geral são
palavras chaves e famílias silábicas, usadas exaustivamente – e aí se encontram coisas
como ‘o bebê baba na Babá’, ‘o boi bebe’, Didi dá o dado a Dedé’. A função do
material escrito numa cartilha é apenas ajudar o aluno a desentranhar a regra do sistema
alfabético: que o b com a dá ba, e por aí afora. (WEISZ, 1999, p.32).
Nesta perspectiva o conhecimento está fora do sujeito e é internalizado pelos sentidos.
Aprender deve ser entendido como sendo o resultado da reconstrução que a criança faz do real, à
medida que interage com ele.
Ferreiro (1999) apresenta alguns fatores necessários para que a alfabetização se processe
com eficiência: a compreensão do modo de representação da linguagem que corresponde ao
sistema alfabético de escrita; a compreensão das funções sociais da escrita e, portanto, geram
diferentes expectativas a respeito do que se pode encontrar por escrito nos múltiplos objetos
sociais que são portadores de escrita (livros diversos, jornais, cartas, embalagens de produtos ou
de medicamentos, cartazes na rua, etc.).
Alfabetizar, considerando a escrita como um sistema de representação requer o
oferecimento às crianças, paralelamente às reflexões sobre o princípio alfabético, de situações
que as façam compreenderem as funções da língua escrita no cotidiano da sociedade. Essas
atitudes ensinam à criança as funções que a escrita exerce na vida das pessoas. Além das
características próprias do sistema alfabético, aprendem as características próprias da linguagem
que se usa em diferentes situações, com distintas finalidades e em distintos tipos de texto.
Considerações Finais
Este estudo esteve voltado a analise dos dizeres que circulam entre os professores
alfabetizadores que atuam em classes de alfabetização. Veio possibilitar uma reflexão sobre o
processo de alfabetização que se concretiza na perspectiva da superação da codificação e
decodificação, adentrando no processo de alfabetizar letrando. Estando incluso ainda o processo
de tomada do contexto alfabetizador a partir dos registros de alunos, com atividades
desenvolvidas por esses alunos em seus cadernos de tarefas, propostas por esses professores que
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incluem atividades diversas envolvendo as disciplinas trabalhadas no dia a dia. da sala de aula.
As práticas desenvolvidas nesse sentido procuram priorizar o processo de alfabetizar em que a
decodificação se faz presente de forma destacável e a perspectiva dos usos sociais da leitura e da
escrita, o processo de alfabetização pressupondo a relação entre a apropriação do sistema da
escrita e o seu emprego em práticas reais, fica sem uma efetiva articulação.
Aproveitar à curiosidade inerente a criança, a sua predisposição de observar, descobrir,
conhecer e questionar para possibilitar que avance no seu processo de domínio, de aquisição da
leitura e da escrita de forma natural é papel do professor que se propõe a atuar na perspectiva de
alfabetizar letrando.
Alfabetizar neste sentido, é mais do que ensinar a grafia e a decodificação das palavras.
Amplia-se para a compreensão de que ler e escrever significa mergulhar num universo conceitual
que possibilita ao sujeito realizar processos mentais mais elaborados contidos na linguagem
escrita e que contam com a compreensão da totalidade da realidade vista, ouvida e dos
conhecimentos historicamente produzidos. Pensar a alfabetização articulada à dimensão do
letramento é propiciar em sala de aula, situações que envolvam, de forma crítica e dialógica, as
diferentes linguagens. Significa orientar, propor à criança para que pense e aprenda a linguagem
sem limites determinados, que esta vem carregada de significado definido pelo seu contexto.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikail Volichinov. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004
BAUER, Martin W. GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
manual prático: entrevistas individuais e grupais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
BOGDAN, Robert: BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à
teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. 10 ed. São Paulo: Scipioine, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1983.
FERREIRO, Emilia Com todas as letras. 7 ed. São Paulo; Cortez, 1999.
_____________ Reflexões sobre alfabetização. 25. ed. São Paulo; Cortez, 2000.
5067
SANTA CATARINA, Proposta Curricular de Santa Catarina – Estudos Temáticos..
Florianópolis: IOESC, 2005
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2004.
VYGOTSKY, Lev Semenovich S. A formação Social da Mente. São Paulo, Martins Fontes,
1984
_______________ Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
WEISZ, T. Apresentação do livro: Psicogênese da língua Escrita. In FERRERO, Emília:
TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto alegre: Artes Médicas, 1999.
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