Denis Pajecki, Marco Aurélio Santo – Unidade de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo, Departamento de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas - FMUSP. população brasileira está envelhecendo - A expectativa de vida da população brasileira aumentou significativamente na última década (1). Com isso, a proporção de idosos também aumentou, como mostram as pirâmides populacionais brasileiras dos sensos de 1990 e 2010 (Figuras 1 e 2). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), idoso é o individuo com 65 anos ou mais nos países desenvolvidos e com 60 anos ou mais nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil (2). A população brasileira está “engordando” - Segundo dados do IBGE, a prevalência de obesidade aumentou em praticamente todas as faixas etárias, em ambos os sexos, nas últimas duas décadas. Na população acima de 65 anos, 16,7% das mulheres e 8,1% dos homens são obesos (1). Uma fração desses pacientes apresenta graus mais avançados Pirâmide Populacional Brasileira, 1991 Pirâmide Populacional Brasileira, 2010 A de obesidade. Os dados oficiais são imprecisos em relação à prevalência de obesidade mórbida na população idosa, mas o afluxo de pacientes nesta condição aos consultórios e serviços especializados é cada vez maior. Levantamento realizado no ambulatório de cirurgia bariátrica do Hospital das Clínicas da FMUSP mostrou que 13,5% dos pacientes em espera para cirurgia tinham 60 anos ou mais (média de 65 anos), apresentavam em média três comorbidades e 1/5 deles eram superobesos. Os objetivos do tratamento da obesidade podem variar segundo os grupos etários: enquanto em jovens a prevenção de complicações sistêmicas e diminuição de risco de mortalidade podem ser primordiais, em idosos, o foco está no aumento da sobrevida livre de incapacidade e na melhora da qualidade de vida. Assim sendo, é importante avaliar nesses pacientes as comorbidades e seu perfil de dependência funcional. Dietoterapia, atividade física e programas de modificação de estilo de vida são os pilares desse tratamento. Na utilização de medicação específica para obesidade deve ser observado o risco de interação medicamentosa, junho 2012 – ABESO 57 – 7 Artigo Cirurgia Bariátrica no Idoso: um Novo Paradigma dado o uso frequente de polifarmácia entre idosos (3). Os critérios para indicação de tratamento cirúrgico da obesidade foram estabelecidos em 1991 por meio de reunião de consenso patrocinada pelo Instituto Nacional de Saúde norte americano (NIH). Neste documento, foi estabelecida a idade de 65 anos como limite para que um paciente fosse operado, mas deixando para cada cirurgião ou equipe a possibilidade de avaliar individualmente pacientes mais velhos, considerando a relação risco/benefício caso a caso (4). Os mesmos critérios foram adotados no Brasil e regulamentados por documentos do Ministério da Saúde (5) e Conselho Federal de Medicina (6), que limitaram a indicação inicialmente aos 60 anos e, porteriormente, aos 65 anos. Segundo as regras brasileiras, pacientes com idade superior também precisam ser avaliados caso a caso em relação ao seu “risco/benefício”. Nos últimos anos, inúmeras publicações baseadas em análises retrospectivas de séries de casos têm relatado os resultados do tratamento cirúrgico da obesidade mórbida em pacientes com mais de 65 anos. Um levantamento em banco de dados americanos, que analisou 25.428 cirurgias bariátricas, revelou mortalidade de 3,2% nessa população, contra 0,2 a 0,7% na população mais jovem, e efeitos adversos em 32,3%, contra 21,6% nos mais jovens (7). Nelson et al. (8) relataram mortalidade de 4% e índice de complicações cirúrgicas em até 20% dos pacientes. Mais recentemente, O´Keefe et al. (9) analisaram 157 pacientes com mais de 65 anos, submetidos a derivação gastro-jejunal em Y de Roux vídeo-laparoscópica (Bypass gástrico) realizadas em centros especializados de alto volume cirúrgico nos Estados Unidos (“centros de excelência”), e relataram mortalidade de 1,3%; complicações maiores (obstrução intestinal, fístula digestiva, hemorragia digestiva, insuficiência respiratória, pneumonia, infarto do miocárdio, tromboembolismo pulmonar) em 7%; e complicações menores (estenose de anastomose, ulcera marginal, infecção de ferida, hematoma de ferida, hematoma intra-abdominal) em 33,1%. Em comparação, população mais jovem submetida à mesma técnica cirúrgica nos mesmos centros mostrou índice de complicações semelhante, 8 – ABESO 57 – junho 2012 mas mortalidade bem menor (1,3% contra 0 a 0,4%). Apesar disso, o estudo considerou o procedimento seguro e eficaz para os pacientes com mais de 65 anos e sugere que a idade não deveria ser uma barreira para os pacientes portadores de obesidade grave e que desejassem submeter-se ao tratamento cirúrgico. Enquanto os resultados em termos de perda de peso, resolução de comorbidades e índice de complicações parecem bastante semelhantes quando comparados à população mais jovem, a mortalidade cirúrgica nesta faixa etária, como observado, é superior. Os estudos até agora publicados não foram, portanto, suficientes para que o NIH revisse sua posição e elevasse o limite de idade para a cirurgia. O fato concreto é que cada vez mais pacientes com mais de 65 anos e obesidade severa estão buscando o tratamento cirúrgico. Em outra situação, pacientes próximos a essa idade que estão na fila para a cirurgia em serviços públicos podem ser excluídos por terem passado dos 65 quando chegar a sua vez. Frente a esta situação, algumas questões devem ser colocadas: 1) Como definir de modo objetivo quem deve ou não ser operado?; 2) O que significa avaliar risco/benefício?; 3) Como avaliar o potencial benefício que a perda grande de peso pode trazer a um determinado paciente?; 4) Quais as metas em termos de perda de peso devemos buscar nessa população (as mesmas buscadas na população mais jovem)?; 5) Como sistematizar a avaliação pré-operatória?; 6) Que método ou técnica cirúrgica é mais apropriada para esta faixa etária? Em relação à avaliação pré-operatória, deve-se levar em consideração, nesta população, a perda de funcionalidade, agravada pela obesidade, associada a deteriorização da qualidade de vida e perda da independência. Para tanto, ferramentas específicas de avaliação funcional, utilizadas na geriatria e gerontologia, devem ser empregadas. O quanto a perda acentuada de peso pode contribuir na melhora dos aspectos funcionais deve ser considerada na indicação ou não da cirurgia bariátrica no idoso. Não temos respostas ainda para todas estas perguntas, mas elas nos dão a ideia da dimensão do problema. Temos uma população crescente de idosos com obesidade grave, com número elevado de doenças associadas, que podem se beneficiar de tratamento cirúrgico, mas que enfrentam dificuldades para receber esse tratamento. As evidências mostram que os pacientes com idade entre 60 e 65 anos podem ser operados com risco de morbi-mortalidade igual ao de pacientes mais jovens. Já os pacientes com mais de 65 anos devem ser estudados mais profundamente e avaliados por meio de critérios mais objetivos, para se acessar o real risco/benefício da cirurgia. Esses pacientes devem ser também tratados em centros especializados, de elevado movimento cirúrgico e baixos índices de morbidade e mortalidade cirúrgicas. c for obesity in the elderly patients. Drug aging 2010;27(6): 497-506 Yerminlou I, Mc Gory ML, Shekelle PW et al. Appropriateness criteria for bariatric surgery: beyond the NIH guidelines. Obesity (2009);17:1621-1627. Ministério da Saúde. Portaria nº 390 de 06 de julho de 2005. Resolução CFM nº 1942(2010) D.O.U de 12 de fevereiro de 2010, seção I, p72. Davis MM, Slish K, Chao C et al. Na- tional trends in bariatric surgery 19962002 Arch Surg 2006;141:71-74. 8. Nelson LG, Lopez PP, Haines K et al. Outcomes of bariatric surgery in patients >or =65 years. Surg Obes Relat Dis. 2006 May-Jun;2(3):384-8. 9. O’Keefe KL, Kemmeter PR, Kemmeter KD et a. Bariatric surgery outcomes in patients aged 65 years and older at an American Society for Metabolic and Bariatric Surgery Centers of Excellence. Obes Surg. 2010 Sep;20(9):1199-205. Referências Bibliográficas: 1. Pesquisa de orçamentos familiares (2008-2009) – Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Ministério da Saúde e Ministério do Planejamento. IBGE 2010 2. World Health Organization. Obesity and overweight. Disponível em : http//www.who.int/mediacentre/ factsheets/fs311/em/print.html 3. Horie NC, Cercato C, Mancini MC et al. Long term pharmacoterapy 4. 5. 6. 7. junho 2012 – ABESO 57 – 9