Diretrizes SBD 2014-2015 Transplante de pâncreas O sucesso do transplante de pâncreas relaciona-se com a melhora da qualidade de vida dos pacientes, não só pela dieta mais flexível, mas também pela interrupção do uso de múltiplas doses de insulina exógena e das medições diárias de glicemia capilar. Os pacientes passam a apresentar glicemia estável, sem as tão comuns e lesivas excursões glicêmicas. Esse benefício é maior quanto mais difícil era o controle anterior ao transplante, como verificado nos pacientes com diabetes mellitus (DM) hiperlábil.1,2 Em relação às complicações crônicas, não há dados de medicina baseada em evidências que comprovem a capacidade do transplante em revertê-las. Entretanto, vários trabalhos sugerem que a estabilização, ou mesmo a reversão, dessas complicações possa ocorrer, sobretudo as relacionadas com neuropatia e microangiopatia. Também não há dados na literatura para determinar se o transplante realizado precocemente possa prevenir essas complicações.3 Os pacientes transplantados necessitam de imunossupressão contínua, o que pode acarretar inúmeros efeitos colaterais. Portanto, deve-se avaliar seu benefício em comparação com a evolução das complicações crônicas do diabetes e da qualidade de vida do candidato ao procedimento. A taxa de mortalidade tende a diminuir com a maior experiência dos 248 centros transplantadores e, se comparada com a dos centros de maior experiência, deve ser inferior a 5% no primeiro ano após o transplante. A mortalidade relaciona-se sobretudo com processos infecciosos e complicações cardiovasculares.3 Deve-se optar por realizar o transplante de pâncreas em centros terciários que já apresentem experiência em transplante renal. A seguir, as indicações para o transplante de pâncreas : • Indica-se transplante simultâneo de pâncreas e rim a pacientes com DM tipo 1 (DM1) ou insulinodependentes com insuficiência renal em nível dialítico ou na sua iminência. Essa modalidade apresenta os melhores resultados tanto para a sobrevida do paciente quanto do enxerto. A melhora na qualidade de vida é marcante.4 • Recomenda-se transplante de pâncreas após o de rim a pacientes com DM1 ou insulinodependentes submetidos a transplante renal, com sucesso, com clearance de crea­tinina > 55 a 60 ml/min e que apresentem instabilidade glicêmica imporante, ou hipoglicemias assintomáticas, apesar de estarem em tratamento insulínico intensivo individualizado e supervisionado por profissional com experiência nessa modalidade de terapia. A redução da função renal após o trans­plante de pânreas é variável, mas, em geral, oscila ao redor de 25% ou mais. Vários centros indicam transplante devido à piora de complicações crônicas existentes, com base na possibilidade de interromper essa progressão ou mesmo revertê-la, principalmente neuropatia e retinopatia em fase não proliferativa. Não há evidências baseadas em medicina para essas indicações, embora vários trabalhos demonstrem melhora de complicações crônicas, da sobrevida e da qualidade de vida.2-4 Os dados da literatura, incluídos os de nosso grupo, mostram redução dos procedimentos oftalmológicos, como laserterapia e vitrectomia de maneira marcante após o segundo ano de transplante, com aumento da ocorrência de catarata. Entretanto, para portadores de retinopatia diabética profilerativa, os resultados na literatura ainda são conflitantes, sendo que em alguns pacientes a mesma pode piorar. • Indica-se transplante isolado de pâncreas a pacientes com DM1 ou insulinodependentes, com história de crises frequentes de descompensações em hipoglicemias e/ou hiperglicemias, apesar de orientação e tratamento intensivo individualizado por profissionais com experiência nessa modalidade de terapia. A presença de hipoglice- 2014-2015 mias assintomáticas é a principal indicação para o transplante isolado de pâncreas. Outra potencial indicação é para pacientes que apresentem problemas clínicos e emocionais com a terapia exógena de insulina que os incapacitem de ter uma vida normal.1-4 Os candidatos devem apresentar clearance de creatinina > 70 ml/min, em razão do esperado declínio na função renal associado à utilização de inibidores de calcineurina. Assim, o transplante isolado de pâncreas é considerado um fator de risco potencial de perda da função renal, de modo que, após dez anos, até 40% dos transplantados poderão necessitar de um transplante de rim. As indicações relacionadas com a piora das complicações crônicas do diabetes, tendo como base a possibilidade de melhora ou mesmo de reversão destas após o transplante, não têm, até o momento, respaldo em medicina baseada em evidência, devendo ser avaliadas em relação ao risco não desprezível de mortalidade e do alto risco de morbidade do procedimento cirúrgico. • Apesar da melhora dos resultados, o transplante de ilhotas é uma terapia ainda experimental na maioria dos países que a realizam. Recomenda-se a pessoas com DM1, hiperlábeis, ou com quadros de hipoglicemia assintomática. Outra indicação é o autotransplante de ilhotas para portadores de pancreatite crônica dolorosa, que além de bons resultados no controle da glicemia, dispensa a utilização de imunossupressores.5 Em razão de problemas técnicos, em geral esses pacientes devem apresentar peso normal ou baixo e não utilizar altas Diretrizes SBD QUADRO 1 Transplante de pâncreas atualmente oferece excelente sobrevida ao paciente e ao enxerto Grau de Recomendação recomendação ou conclusão Imunossupressão deve incluir terapia de indução, inibidores de calcineurina, micofenolato mofetil ou derivado e esteroides A Drenagem exócrina entérica é superior à vesical B Transplante simultâneo de pâncreas e rim é altamente custo-efetivo C Transplante isolado de pâncreas é uma terapia com potencial de controlar as complicações crônicas do diabetes. Trabalhos clínicos randomizados são necessários para comprovar o potencial de melhora C QUADRO 2 Recomendações e conclusões finais recomendação ou conclusão Grau de Recomendação O transplante simultâneo de pâncreas e rim apresenta os melhores resultados em relação à sobrevida do paciente e dos enxertos renal e pancreático A O transplante de rim com doador vivo relacionado deverá ser realizado, sempre que possível, com o objetivo de diminuir o tempo em terapia renal substitutiva. Se necessário, o transplante de pâncreas após rim será indicado posteriormente B Transplante isolado de pâncreas é uma terapia com potencial de controlar as complicações crônicas do diabetes. Trabalhos clínicos randomizados são necessários para comprovar o potencial de melhora C (A) Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; (B) Estudos experimentais e observacionais de menor consistência; (C) Relatos de casos – estudos não controlados; (D) Opinião desprovida de avaliação crítica, ba­sea­da em consenso, estudos fisiológicos ou modelos animais. doses de insulina (< 0,7 U/kg). Apesar de ser um método pouco invasivo em comparação com o transplante de órgão total, demanda alta tecnologia para a purificação das ilhotas e geralmente são necessárias duas ou mais infusões de ilhotas para obter insulinoindependência. Após cinco anos do transplante de ilhotas, a taxa de pacientes isentos de utilizar insulina exógena é ao redor de 10%, mas existe redução na ocorrência de hipoglicemias graves. Estudos internacionais apontam que essa modalidade é mais cara que o transplante de órgão total e deverá ser mais uma opção terapêutica, com indicação específica a subpopulações de pacientes com DM1. 249 Diretrizes SBD 2014-2015 REFERÊNCIAS 1. Robertson RP, Davis C, Larsen J, Stratta R, Sutherland DER. Pancreas and islet transplantation for patients with diabetes mellitus (technical review). Diabetes Care. 2000;23:112-6. 2. American Diabetes Association. Clinical practice recommendations: 250 pancreas transplantation for patients with type 1 diabetes. Diabetes Care. 2003;26:S120. 3. Larsen JL. Pancreas transplantation: indications and consequen­ces. Endocrine Reviews. 2004;25:919-46. 4. Sa JR, Gonzalez AM, Melaragno CS et al. Pancreas and islet transplantation in patients with diabetes melli- tus. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2008;52(2):355-66. 5. Robertson RP. Pancreas and islet transplantation: an evidence-based analysis. In: Vora J, Buse J. Evidence-based Management of Diabetes 1. Shrewsbury: TFM Publishing Limited; 2012. p. 211-22.