Dores nos membros - Revista Adolescência e Saúde

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ARTIGO ORIGINAL
Flavio R. Sztajnbok1
Luciene Lima Campos2
Alessandra Fonseca G da S
Marques2
Rozana Gasparello de
Almeida2
Rodrigo Moulin Silva2
Bruno Leal Carneiro2
Henrique César d’Abreu2
Úrsula Pérsia3
Rejane Souza4
Dores nos membros
Pain in the limbs
Resumo
Este artigo tem como objetivo abordar de forma prática as principais causas de dores nos membros na infância e adolescência, além
da rotina diagnóstica mínima inicial, permitindo assim que o pediatra tome decisões rápidas e possa resolver muitas questões, agilizando o encaminhamento do paciente portador de queixas musculoesqueleticas ao especialista, quando pertinente.
Unitermos
Dor nos membros; criança; adolescência; dor de crescimento
Abstract
This is an article paper and the main goal is to consider, in a pratical way, the main diagnostics associated with pain in the limbs in childhood
and adolescence, and also give a little diagnostic routine to start investigation. This may allow pediatricians to take quick decisions and to
solve many problems, turning easier for the patient with muscleskeletal signs and symptoms to be sent to the proper specialist, whenever
necessary.
Key words
Pain in the limbs; childhood; adolescence; growing pains
Introdução e epidemiologia
Pacientes com queixas relativas ao sistema musculoesquelético são frequentemente encaminhados
aos serviços de reumatologia para investigação, embora nem sempre sejam portadores de enfermidades
reumatológicas. Segundo Bowyer(1), 7% das consul-
Médico responsável pelo setor de Reumatologia, atenção secundária, do Núcleo de
Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de janeiro (NESA/
UERJ); professor assistente de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (FM/UFRJ); professor adjunto de Reumatologia Pediátrica da
Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO).
2
Médicos pesquisadores associados do Setor de Reumatologia do NESA/UERJ.
3
Enfermeira pesquisadora associada do Setor de Reumatologia do NESA/UERJ
4
Enfermeira chefe da atenção secundária do NESA/UERJ; coordenadora da atenção
secundária do NESA/UERJ; pesquisadora associada do Setor de Reumatologia do
NESA/UERJ.
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tas pediátricas são devidas a dores nos membros.
Muitas vezes, no entanto, embora as queixas sugiram
uma doença reumatológica, a etiologia é de natureza
diversa, associada, por exemplo, a distúrbios mecânicos ou doenças infecciosas. A literatura registra que
cerca de 60% dos casos atendidos em serviços de
reumatologia pediátrica estão ligados a enfermidades
não-reumatológicas, ou seja, são doenças ortopédicas, infecciosas, endocrinológicas, hematológicas, ou
que primariamente acometem outros sistemas, mas
têm manifestações musculoesqueléticas. Portanto,
cabe ao médico generalista reconhecer o diagnóstico
diferencial das enfermidades que apresentam essas
manifestações mais frequentemente, assim como
traçar uma estratégia de diagnóstico para melhor investigar e encaminhar o paciente.
Adolescência & Saúde
Sztajnbok et al.
Alguns conceitos rápidos devem ser enfatizados.
A localização da dor é extremamente importante, já
que pode estar em articulação, ossos, músculos, tendões, ligamentos ou em outras estruturas de partes
moles. Artralgia significa dor na articulação, e artrite
ocorre quando, além da dor, existem sinais inflamatórios como calor, hiperemia e impotência funcional. O
aumento de volume de uma articulação pode ocorrer
pela presença de derrame articular, inflamação da sinóvia, aumento do volume ósseo ou por edema de
partes moles adjacentes à articulação. Denominamos
artrite crônica aquela que é fixa em uma articulação
por pelo menos seis semanas, e artrite aguda é o
acometimento articular por tempo inferior. Poliartrite
ocorre quando há acometimento de cinco ou mais articulações, e oligoartrite, quatro ou menos.
Manifestações clínicas,
diagnóstico, tratamento e
prevenção
Diagnóstico diferencial das dores nos
membros na adolescência
• Traumatismos: fratura de estresse, mioematoma,
miosite ossificante.
• Doenças ortopédicas:
– c ondromalácia da patela, plica sinovial,
osteocondrite dissecante, osteocondrites:
Legg-Calvé-Perthes, Osgood-Schlatter,
Sever, Freiberg-Köhler;
– epifisiólise, espondilólise e espondilolistese;
– síndrome da hipermobilidade articular.
• Doenças colágeno-vasculares:
– febre reumática, artrites crônicas da infância,
lúpus eritematoso sistêmico (LES), dermatomiosite, esclerodermia, doença mista do tecido
conjuntivo, vasculites.
• Doenças infecciosas:
– bacterianas: artrite séptica, osteomielite, piomiosite, discite;
– virais: artrites reativas (por exemplo, sinovite
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transitória do quadril), miosite viral aguda;
– outras: toxoplasmose, doença de Lyme,
leptospirose, sífilis, doenças sexualmente
transmisíveis (DSTs), tuberculose, hanseníase,
doenças causadas por fungos.
• Neoplasias:
– leucemia, linfoma, neuroblastoma, histiocitose, tumores ósseos e sinoviais.
• Doenças hematológicas:
– doença falciforme e outras hemoglobinopatias,
hemofilia.
• Distúrbios endocrinológicos:
– hipo e hipertireoidismo, hipo e hiperparatireoidismo, hipercortisolismo, osteoporose.
• Distúrbios nutricionais:
– hipervitaminose A, escorbuto, raquitismo.
• Síndromes de origem desconhecida:
– dores de crescimento, fibromialgia.
• Desordens psicossomáticas:
– reumatismo psicogênico, fobia escolar, distrofia simpatorreflexa.
• Outras causas:
– doenças de depósito, eritema nodoso, sarcoidose, farmacodermia, osteoporose juvenil idiopática;
– imunodeficiências.
A anamnese e o exame físico são essenciais
na investigação, cabendo aos exames complementares confirmar alguns diagnósticos ou afastar outros. O exame físico se inicia quando da entrada
do paciente na sala, observando-se a sua deambulação. Devem ser examinadas articulações e força
muscular, verificados acometimento de tendões,
existência ou não de discrepância de comprimento
dos membros inferiores e realizados palpação óssea e exame da coluna vertebral. O exame articular
propriamente dito consta de inspeção (aumento de
volume, rubor, deformidades e desalinhamentos),
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palpação (calor, dor, crepitação) e movimentações
ativa e passiva. Muito importante é a identificação
do sítio doloroso, já que a dor pode ser articular,
periarticular (geralmente partes moles), óssea,
ligamentar, muscular ou localizada em tendões
ou sua porção terminal, conhecida como entese.
Devemos lembrar que na infância e adolescência
muitas vezes a dor articular é referida, isto é, o sítio
acometido é mais acima do local em que o paciente aponta como doloroso. Assim, problemas de coluna lombar podem cursar com dores nos quadris
e problemas nas articulações coxofemorais podem
ocasionar apenas dores nos joelhos. A seguir, comentaremos algumas das causas mais frequentes
de dores nos membros.
As osteocondrites são alterações que podem
acometer epífises, apófises ou ossos curtos e apresentam características radiológicas semelhantes,
com uma fase inicial em que a vascularização
local é reduzida, levando a áreas de esclerose (o
osso fica mais denso, com aumento da hipotransparência). Segue-se uma fase de revascularização,
em que a radiologia evidencia fragmentação óssea. Por último, ocorre regeneração óssea. Esse
processo é autolimitado (dura cerca de dois a três
anos) e recebe diferentes nomes segundo sua localização. Assim, o acometimento da cabeça do
fêmur é conhecido como doença de Legg-CalvéPerthes e pode cursar com claudicação e limitação
de movimentos. O tratamento deve ser orientado
por ortopedista, pois pode deixar sequelas graves.
O acometimento da apófise do calcâneo, conhecido como doença de Sever, apresenta claudicação por dor espontânea ou à palpação nessa
localização, melhorando com uso de palmilhas.
A doença de Köhler cursa com dor na face superior dos pés (tarso) por acometimento do osso
navicular. Na adolescência, a osteocondrite mais
prevalente é a doença de Osgood-Schlatter, que
acomete a tuberosidade anterior da tíbia (TAT),
que é o local de inserção dos tendões patelares
e do quadríceps. É mais frequente no sexo masculino e muito associada à prática de esportes.
Verificam-se no exame físico aumento de volume
local e, algumas vezes, algum grau de hiperemia
ou edema. Essa alteração é extra-articular e, porvolume 6 ■ nº 3 ■ setembro 2009
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tanto, não cursa com artrite. Quando quer indicar
o local da dor, o paciente aponta diretamente na
direção da TAT, diferentemente das outras causas
de dores em joelhos, em que ele aponta para a
região como um todo, sendo difícil precisar a localização. O tratamento sintomático é feito com
gelo para analgesia, eventualmente necessitando
de analgésicos por via oral. O uso do contensor
infrapatelar permite que o adolescente mantenha
suas atividades mais próximas do usual, porém,
de qualquer modo, deve ser recomendada diminuição da sobrecarga física da musculatura da
coxa. Também é aconselhável orientação fisioterápica para baixar a tensão que a musculatura da
face anterior da coxa exerce sobre a TAT.
A epifisiólise ocorre quando há um escorregamento da cabeça do fêmur em relação ao colo, o
que pode ser causado por uma força súbita (traumatismo) ou crônica. É mais frequente na raça negra, em obesos e em adolescentes que apresentaram rápido crescimento longitudinal. Pode ser uni
ou bilateral e caracteriza-se pelo surgimento de dor
local ou referida, claudicação ou atrofia muscular.
O diagnóstico é radiológico e é necessária intervenção cirúrgica.
A hipermobilidade articular, frequente na infância, tende a diminuir à medida que a criança
cresce. Alguns adolescentes, no entanto, mantêmse hipermóveis, o que, se por um lado lhes permite
praticar com desenvoltura certos esportes, como
balé e ginástica olímpica, por outro lado pode levar
ao surgimento de dores locais após esforço, devido
ao impacto frequente sobre articulações com grande amplitude de movimentos e nem sempre preparadas para receber tal sobrecarga. Mais raramente,
o adolescente desenvolve derrames articulares e até,
mais tardiamente, artrose. É a causa mais frequente de dores nos membros na infância e é comum
no início da adolescência. A existência de quatro
dos nove sinais adiante relacionados (apenas um é
aferido unilateralmente) caracteriza essa hipermobilidade (critérios de Beighton 2), e a coexistência
de sinais e sintomas associados é conhecida como
síndrome da hipermobilidade articular benigna
(SHAB). A hipermobilidade pode restringir-se a certos locais, como pacientes que apresentam apenas
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genu recurvatum ou têm deslocamentos recorrentes
da patela. O diagnóstico é feito pela pesquisa dos
sinais associados à hipermobilidade, mas devem
ser afastadas outras causas de dores nos membros,
com ajuda de anamnese, exames físico e complementares, que devem estar normais nos estados
hipermóveis puros. Os sinais a serem pesquisados
são: aposição passiva do polegar na fase anterior do
antebraço; hiperextensão dos dedos das mãos, de
forma que fiquem paralelos à superfície extensora
dos antebraços; hiperextensão dos cotovelos acima
de 10 graus; hiperextensão dos joelhos acima de
10 graus e conseguir colocar as palmas das mãos
no chão sem fletir os joelhos. Devemos ressaltar a
benignidade de tal condição e sugerir a prática de
natação, que leva a um reforço muscular generalizado, contendo a instabilidade articular e a frouxidão
ligamentar próprias dos hipermóveis e levando à
melhora dos sintomas.
Critérios diagnósticos revisados da SHAB
• Critérios maiores: score de Beighton ≥ 4; artralgia por mais de três meses em pelo menos quatro articulações.
• Critérios menores: score de Beighton ≤ 3; artralgia por mais de três meses em menos de três
articulações, dor nas costas ou espondilólise;
deslocamento ou subluxação em uma ou mais
articulações ou em uma articulação mais de uma
vez; três ou mais lesões de partes moles; habitus
marfanoide; anormalidades cutâneas como estrias, hiperextensibilidade ou pele fina; alterações oculares como pálpebras caídas e miopia;
varizes, hérnias ou prolapso retal/uterino.
• SHAB: dois critérios maiores, ou um maior com
dois menores, ou quatro critérios menores.
Excluir síndromes de Marfan e Ehlers-Danlos
(exceto tipo 3).
Lesões por esforços repetitivos (LER) ou distúrbio osteomuscular relacionado com o trabalho
(DORT) são termos atualmente recomendados
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para
dores e lesões do sistema musculoesquelético relacionadas com atividades laborativas. Essas doenças
vêm crescendo em importância junto aos pediatras
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quando se levam em conta a introdução mais precoce do adolescente no mercado de trabalho e o
uso cada vez mais frequente de computadores e
jogos do tipo videogames por crianças, desde os
pré-escolares até os adolescentes. Podem manifestar-se em qualquer parte do corpo, ocorrendo mais
frequentemente em membros superiores, colunas
cervical e lombar, e decorrem da realização de movimentos contínuos, posturas inadequadas e estresse emocional mantidos por períodos de tempo
variados. Os sintomas mais precoces são sensação
localizada de desconforto ou peso na região afetada, formigamento e dor, inicialmente aos movimentos, passando a dor persistente e, nos estágios
mais avançados, podem aparecer sinais inflamatórios. Na faixa etária pediátrica é mais comum a
presença de lesões inflamatórias (artrite, tendinite,
entesite e bursite) do que lesões neurológicas por
compressão. Além disso, fadiga, redução da atividade física, anorexia, comportamentos agressivos,
convulsões, cefaleia, dores torácica, abdominal e
musculares difusas podem estar associados ao uso
frequente de computadores. O diagnóstico é essencialmente clínico, com anamnese ocupacional e
exame clínico detalhados. Os exames complementares, como radiologia simples, ultrassonografia
(US), tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), são utilizados para exclusão de doenças reumatológicas e ortopédicas. O
tratamento consta de medidas gerais em relação
à atividade causadora das queixas e terapias física
e medicamentosa. A precocidade no diagnóstico e
no início do tratamento está diretamente associadas ao prognóstico.
Artrite reativa é aquela que ocorre uma a quatro semanas após a infecção sem que, no entanto,
o agente responsável pela infecção inicial esteja
presente nas articulações. Na maioria das vezes o
organismo que começou o processo imunológico
pode ser identificado, quer sorologicamente, quer
por cultura de secreções de órgãos inicialmente
comprometidos. Às vezes o comprometimento
articular pode ser simultâneo ou mesmo preceder
o quadro agudo de algumas doenças infecciosas,
como no caso das artrites virais, já que muitas viroses podem cursar com quadros articulares.
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A sinovite transitória do quadril caracteriza-se por
quadro de dor no local e limitação de movimentos,
normalmente acompanhado de claudicação, que surge duas a três semanas após quadro respiratório viral,
podendo ser uni ou bilateral. O laboratório é normal e
mesmo as proteínas de fase aguda não costumam estar alteradas. O exame radiológico também é normal,
mas a US e a cintigrafia óssea podem mostrar-se alteradas. O quadro é autolimitado, mas recomendam-se
repouso e uso de anti-inflamatórios.
É sabido que a AIDS pode cursar com síndromes
reumáticas, como artrite psoriásica, artrite reativa ou
espondiloartropatias indiferenciadas. Ainda que a incidência de manifestações reumáticas em crianças e
adolescentes com AIDS seja semelhante à do grupo
adulto, essas manifestações são caracteristicamente
muito menos graves. Surpreendentemente, as artrites
sépticas são raras em crianças e adolescentes com AIDS.
Em relação aos quadros bacterianos, cabe chamar atenção para a endocardite bacteriana, que pode
apresentar-se de forma muito semelhante à forma sistêmica da artrite idiopática juvenil (AIJ). Em qualquer
monoartrite aguda, até que se prove o contrário, devese pensar em artrite séptica. O agente etiológico mais
frequente em qualquer faixa etária é o Staphylococcus
aureus, e medidas imediatas como punção articular e
antibioticoterapia endovenosa devem ser adotadas.
Na maioria das vezes, o quadro articular vem acompanhado de febre, queda de estado geral, prostração e
intensa toxemia. Quadros não-tratados ou com atraso
no início do tratamento podem levar a deformidades
irreversíveis. Adolescentes que fazem uso de drogas
injetáveis podem desenvolver artrite séptica em articulações normalmente pouco acometidas, como intervertebrais, sacroilíacas e esternoclaviculares.
A artrite gonocócica pode ser frequente entre
adolescentes sexualmente ativos. Numa fase inicial, há
um quadro febril com calafrios, lesões cutâneas do tipo
maculopapulares ou vesículas com conteúdo piossanguinolento em mãos e pés, além de uma poliartrite
migratória com importante tendinite. Numa fase posterior, o estado geral melhora. A artrite se localiza em
uma ou poucas articulações, geralmente joelhos ou
punhos. A investigação de queixas referentes ao aparelho genitourinário, como disúria, descarga uretral e
orquite, ajuda na pesquisa diagnóstica.
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A doença falciforme cursa com vários tipos de
manifestações osteoarticulares, dependendo da faixa
etária. A síndrome mão-pé (dactilite) é mais comum
nas crianças menores. As crianças maiores e adolescentes podem sofrer dor intensa na coluna vertebral,
ossos e articulações por conta de crises vaso-oclusivas,
com infartos ósseos e da membrana sinovial. As leucemias na infância e na adolescência podem se iniciar
com quadros articulares, oligo ou poliarticulares, migratórios ou cumulativos. A poliartrite migratória de
início súbito faz lembrar a febre reumática. A leucemia
usualmente se apresenta com linfonodo e hepatoesplenomegalia, dor óssea importante (tibial e esternal),
palidez cutaneomucosa e desproporção entre sinais
inflamatórios e dor, isto é, a dor é muito intensa para
poucos sinais inflamatórios. Claudicação também é
uma queixa frequente na leucemia, mas, via de regra,
o exame da articulação dolorosa mostra-se normal.
Além das alterações hematológicas sugestivas do quadro (leucopenia ou leucocitose com linfocitose, anemia e trombocitopenia), o achado da tarja leucêmica
(área de hipertransparência metafisária) no exame radiológico dos ossos longos ajuda no diagnóstico dessa
enfermidade.
Entre as síndromes de amplificação da dor e
os distúrbios psicogênicos, gostaríamos de chamar
a atenção para alguns pontos. A dor de crescimento
afeta crianças e adolescentes na faixa etária de 4 a
12 anos, mais frequentemente até os 8 ou 10 anos,
portanto não é comum na adolescência. Seu nome
é indevido, pois surge em fase da vida que não é a
do estirão de crescimento. Caracteriza-se pela presença de dores nas pernas simultânea ou alternadamente, em especial à noite (muitas vezes acordam
as crianças), quase sempre associada a exercícios extenuantes e/ou hipermobilidade articular, com duração superior a três meses. Cede com massagens.
A localização das queixas não é articular, sendo referida dor em região inguinal, coxas, oco poplíteo
e pernas, de forma vaga. Os exames laboratoriais e
radiológicos estão normais nesses casos. O manejo
terapêutico deve ser feito de forma a tranquilizar a
criança e os seus familiares em relação à benignidade do quadro, fazer uso de massagens com álcool
ou gel, que apresentam boa resposta, podendo
eventualmente utilizar analgésicos ou anti-inflamaAdolescência & Saúde
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tórios não-hormonais (AINHs), o que raramente se
faz necessário.
A fibromialgia acomete, com maior frequência,
o sexo feminino, com início do quadro clínico na adolescência. Caracteriza-se pela presença de dores difusas pelo corpo seguidas de dor à digitopressão de pelo
menos 11 de 18 pontos predeterminados, localizados
nas regiões occipital e cervical anterior, na área do
trapézio e do supraespinhoso, na segunda articulação
costocondral, na região glútea, no grande trocanter e
nos joelhos. Além disso, o paciente reclama de fadiga, dificuldade em dormir, com sono não-reparador,
cefaleia, edema subjetivo e dores abdominais, mas os
exames laboratoriais e radiológicos estão dentro da
faixa de normalidade. O tratamento inclui consultas
com psicólogos e fisioterapeutas. Podem ser prescritos
AINHs e antidepressivos tricíclicos. Os reumatismos psicogênicos estão associados a problemas na escola, na
família, enfim, dentro da vida social dos adolescentes,
causando-lhes grandes preocupações. São pacientes
com queixas desproporcionais aos achados do exame
físico, que, como os exames laboratoriais e radiológicos, encontram-se, via de regra, normais.
Uma rotina laboratorial mínima se faz necessária para auxiliar os rumos da investigação diagnóstica dos adolescentes queixosos. Algumas vezes são
úteis para confirmar certos diagnósticos e, outras,
servem para descartar outras enfermidades. Exames
complementares normais em pacientes poliqueixosos sem alterações no exame físico sugerem quadros
funcionais. Essa rotina mínima vai sendo acrescida
de novos exames à medida que o desenvolvimento
Dores nos membros
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da enfermidade e alguns exames laboratoriais ou de
imagem sugiram algum diagnóstico específico. A
rotina laboratorial mínima deveria constar de hemograma completo, velocidade de hemossedimentação
(VHS) e proteínas de fase aguda, elementos anormais
e sedimento urinário (EAS), além de exame parasitológico de fezes. Assim, na presença de uma poliartrite
migratória aguda, por exemplo, deveriam ser solicitados, além dos exames da rotina mínima, cultura de
orofaringe, dosagem da antiestreptolisina-O (ASO) e
eletroforese de proteínas.
Rotina laboratorial mínima na
investigação das dores nos membros na
adolescência
• Hemograma completo;
• VHS e proteínas de fase aguda;
• EAS;
• exame parasitológico de fezes.
Dados essenciais na clínica: definir
localização e características da dor em
membros
Dados essenciais no diagnóstico: afastar causas ortopédicas, infecciosas, onco-hematológicas,
reumatológicas e funcionais.
Dados essenciais no tratamento: encaminhar
ao especialista apropriado e tranquilizar a família
em relação às condições funcionais.
Leitura recomendada
1. Bowyer SL, Hollister JR. Dores nos membros em crianças. Clin Ped Am Norte. 1984; 5: 1105-35.
2. Grahame R, Bird HA, Child A, et al. The revised (Beighton 1998) criteria for the diagnosis of benign joint hypermobility
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