ABERTURA A 12 de Fevereiro de 1804 Kant morre em Konigsberg, a sua cidade natal, onde viveu e escreveu toda a sua obra. Duzentos anos depois a comunidade filosófica presta-lhe homenagem, multiplicando-se as publicações, as conferências, os encontros e os colóquios, num incremento considerável à já vastíssima literatura kantiana. Daí falarmos de 2004 como o ano de "regresso a Kant". A Philosõphica não podia alhear-se deste clima celebrativo. O presente número é praticamente todo ele dedicado ao autor das Críticas. Como é habitual a colaboração inclui autores com visões e perspectivas bem diversificadas. Kant é submetido ao cruzamento de diferentes olhares que ao trabalharem algumas das suas temáticas não só esclarecem o pensamento do filósofo como também revelam o modo como cada um foi por ele tocado e motivado a pensar criticamente. Aylton Barbieri Durão debruça-se sobre o modo como Kant entende a fundação do estado de direito, baseado na reconstrução do pensamento de Jean-Jacques Rousseau. Retomando a dupla via (empírica e racional) considerada pelo genebrino, Kant também apresenta dois modelos susceptíveis de fundamentar o estado de direito, analisando-o quer na sua vertente histórica quer analiticamente, através da consideração do princípio de direito, oposto à violência. E também no contexto social e político que Adelino Braz argumenta contra uma interpretação que reduz a filosofia normativa de Kant a um monologismo. Em "Kant et la Communauté », o autor pretende demonstrar que o projecto do filósofo de Konigsberg tem por finalidade a instauração de uma comunidade, manifestando-se esta quer no plano da estética quer no âmbito da ética. Em "Velocidade e Acordo: o carácter metafórico das ideias estéticas", Vítor Moura pretende ajudar a entender as razões que levaram Kant a utilizar metáforas como exemplo de ideias estéticas. Ao realçar o dinamismo inerente ao conceito de metáfora, procura assim reforçar uma leitura mais cinemática da concepção kantiana da experiência estética. Viriato Soromenho-Marques perspectiva o conceito de entusiasmo em três momentos do pensamento kantiano. Em "Sombras e luzes no entusiasmo em Kant" releva a duplicidade do conceito em causa, mostrando-o nas suas vertentes negativa e positiva. 4 Maria Luísa Ribeiro Ferreira Ao trabalhar a ideia alemã de Universidade ilustrada nos nossos dias por pensadores como Heidegger, Jaspers e Habermas, é ao modelo kantiano que Luísa Leal de Faria recorre. A centralidade da faculdade de filosofia proposta por Kant no ensaio "O conflito das Faculdades" é apresentada como um modelo ainda actual que deveríamos ter presente quando pensamos a Universidade. O artigo de Leonel Ribeiro dos Santos "Regresso a Kant. Sobre a Situação Actual dos Estudo Kantianos" pretende dar uma ideia da presença do filósofo nos debates filosóficos contemporâneos. A hermenêutica kantiana ao longo do século XX é reconstituída nas suas diferentes fases, ficando evidente o vigor deste pensamento que continua a provocar-nos, assinalando-se a sua importância em domínios fundamentais da hodierna filosofia. A presença de Kant em pensadores de língua portuguesa fica claramente evidenciada na "Bibliografia kantiana em Portugal e no Brasil, no século XX " que Renato Epifânio nos apresenta. E hábito a Philosophica publicar as lições que integram as provas de Agregação. Daí este número integrar o texto de Maria Luísa Ribeiro Ferreira sobre " A Crítica de Hume a Espinosa, a propósito do conceito de Substância". A terminar o volume uma recensão da obra de Leonel Ribeiro dos Santos, Linguagem, Retórica e Filosofia no Renascimento, bem como as usuais informações quanto a actividades filosóficas de interesse. Maria Luisa Ribeiro Ferreira