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Revista Factores de Risco, Nº28 JAN-MAR 2013 Pág. 63-64
Gestão do Risco dos
Medicamentos Toxicidade da Digoxina
Introdução
Neste número da Revista Factores de Risco a Profª
Fátima Ceia apresenta uma revisão sobre a utilização da
digoxina nos nossos dias(1). Pelo que nos pareceu apropriado
rever aqui o problema da toxicidade da digoxina.
Na verdade, o uso da digoxina tem vindo a diminuir,
quer nos ensaios clínicos quer na prática clínica diária. No
último grande ensaio clínico em que foi utilizada a digoxina,
o HF-ACTION(2), que envolveu 2331 doentes, a digoxina foi
utilizada em 45% destes doentes. No entanto, a utilização
da digoxina na prática diária em doentes com insuficiência
cardíaca parece ser bem menor, tendo Hussain(3) verificado,
numa revisão de doentes entre 2001 e 2004, que aquela
não chegava aos 24%.
Vale a pena recordar as duas indicações da digoxina expressas nas Recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia(4):
• Em doentes com insuficiência cardíaca sintomática e
fibrilhação auricular, a digoxina pode ser utilizada para
reduzir a frequência cardíaca. Se a FEVE for igual ou
inferior a 40%, a digoxina pode ser usada em associação com um bloqueador beta.
Esta é uma recomendação de Classe I, nível de evidência C.
• Em doentes com insuficiência cardíaca sintomática e em
ritmo sinusal, a digoxina, em associação com um IECA,
melhora a função ventricular e o bem estar do doente,
reduz os internamentos hospitalares por agravamento da
insuficiência cardíaca, mas não reduz a mortalidade.
É uma recomendação de Classe IIa, nível de evidência B.
Nas Recomendações de 2012 é apresentado um fluxograma em que a digoxina surge sempre em 2.ª linha e apenas
se o bloqueador beta não controlar a frequência cardíaca em
doentes com fibrilhação auricular persistente ou permanente e sem evidência de descompensação aguda(5).
Carlos Perdigão
Professor Agregado de Cardiologia da Faculdade de
Medicina de Lisboa.
Fellow da Sociedade Europeia de Cardiologia.
Doses recomendadas
A dose de digoxina utilizada é importante para prevenir os
níveis tóxicos. Nos esquemas antigos fazia-se uma dose de
carga de 0,250 mg/dia durante alguns dias e depois ajustavase a dose consoante os níveis de digoxinémia ou reduzia-se
empiricamente para 0,125 mg/dia. Actualmente aconselha-se
desde o início uma dose de 0,125 mg/dia, mas nos idosos e
nos doentes com insuficiência renal esta dose pode ser administrada em dias alternados. Ter em atenção que não há necessidade de ter digoxinémias com valor superior a 1 ng/mL.
Num trabalho do Digitalis Intervention Group(6), os melhores
resultados verificaram-se com estas doses e as Recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia apontam par um
nível sérico entre 0,6 e 1,2 ng/mL.
Deve recordar-se que fármacos como a amiodarona, o diltiazem, o verapamil e alguns antibióticos podem aumentar os
níveis séricos da digoxina.
Diagnóstico de intoxicação digitálica
O diagnóstico de intoxicação digitálica, muitas vezes
subclínica, deve apoiar-se num elevado nível de suspensão
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Recebido para publicação: Dezembro de 2012
Aceite para publicação: Dezembro de 2012
Gestão do Risco dos Medicamentos. Toxicidade da Digoxina
«Na intoxicação digitálica aguda os sintomas e os sinais electrocardiográficos podem ser bastante exuberantes, mas na intoxicação
crónica podem ocorrer de forma insidiosa e mais atenuados.»
Na intoxicação aguda
1 – Se desconhece a quantidade de digoxina ingerida
e a digoxinémia, administrar 20 ampolas de digoxin
immune fab. Uma dose tão elevada pode dar uma reacção
febril, pelo que é aconselhável dar inicialmente 10 ampolas e depois ir administrando aos poucos as outras 10 e
monitorizar o efeito. Em crianças é importante monitorizar
a sobrecarga de volume.
2 – Se conhece a dose ingerida mas não a digoxinémia, calcular primeiro a carga corporal total (CCT)
e vigilância dos doentes sob terapêutica digitálica e na
monitorização dos níveis séricos de digoxina. E pensar que a
intoxicação digitálica tem subgrupos mais susceptíveis:
• Os idosos (maior sensibilidade, confusão com as doses
e com outros comprimidos)
• As mulheres (usar doses mais baixas)
• Os insuficientes renais (aumento da concentração sérica)
• Os doentes das artérias coronárias (a isquemia afecta a
sensibilidade da bomba de Na+/K+ e pode interferir
com o mecanismo de acção da digoxina)
• Os doentes poli-medicados, pois os fármacos atrás
enunciados podem interagir com o digitálico.
Não esquecer que os digitálicos estão contra-indicados
nas síndromes de pré-excitação (WPW e LGL) e na doença
do nó sinusal.
CCT = miligramas ingeridos x 0,8
E depois calcular o nº de ampolas de digoxin immune fab
CCT/0,5
Cada ampola neutraliza cerca de 0,5 mg de digoxina.
Sintomas e sinais de intoxicação digitálica
Podemos agrupar os sintomas e sinais de intoxicação digitálica em quatro áreas: digestivos, neurológicos, na visão e cardíacos.
Os sintomas digestivos mais frequentes são náuseas,
vómitos, anorexia e diarreia.
Os sintomas neurológicos vão da simples fadiga e cefaleias até à confusão mental, desorientação e delírio.
Na visão pode ocorrer alteração da percepção das cores,
halo verde-amarelado à volta das imagens e das luzes, bem
como visão esfumada ou diplopia.
Podem ocorrer arritmias cardíacas diversas e complexas:
taquicardia auricular paroxística com bloqueio aurículo ventricular, taquicardia ventricular bidireccional, bradicardia,
regularização da fibrilação auricular, extrassistolia ventricular
por vezes com bigeminismo, paragem sinusal, entre outras.
É clássico dizer-se que todo o tipo de arritmias pode ocorrer
na intoxicação digitálica.
Na intoxicação digitálica aguda os sintomas e os sinais
electrocardiográficos podem ser bastante exuberantes, mas
na intoxicação crónica podem ocorrer de forma insidiosa e
mais atenuados.
Tratamento da intoxicação digitálica
3 – Se conhece a dose ingerida e a digoxinémia, o
número de ampolas a administrar obtem-se pela seguinte fórmula
Digoxinémia x Peso corporal (em kg)/100
De notar que a digoxinémia avaliada nas primeiras
seis horas após a ingestão está muito elevada por ainda
estar a ser feita a distribuição pelo organismo, pelo que há
que ter isto em conta quando se aplica esta fórmula.
Conclusão
A digoxina é um fármaco que tem o seu lugar no nosso
arsenal terapêutico. Deve ser manuseado com cuidado, utilizando as doses actualmente recomendadas e com as precauções referidas. Há que estar atento aos sinais de intoxicação e
quando necessário recorrer à terapêutica indicada, que deverá
ser feita em ambiente hospitalar.
Carlos Perdigão
Referências
(7)
1. Ceia F. Digoxina revisitada no século XXI. Rev. Factores de Risco 2012; nº 28 (Jan-Março) ...
2. O'Connor CM, Whellan DJ, Lee KL, et al. Efficacy and safety of exercise training in patients with chronic heart failure: HF-ACTION randomized controlled trial. JAMA 2009 Apr 8;301:1439-50 3. Hussain Z, Swindle J, Hauptman PJ. Digoxin use and digoxin toxicity in the post-DIG trial era. J Card
Fail. 2006;12:343-346.
4. Dickstein K. et al. ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure
2008. Eur Heart J. 2008; 29: 2388-2442
5. Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2012 of the European
Society of Cardiology, ESC Committee for Practice Guidelines. Developed in collaboration with the Heart
Failure Association (HFA) of the ESC. Eur J Heart Fail. 2012; 14:803-69.
6. The Digitalis Intervention Group. The effect of digoxin on mortality and morbidity in patients with
heart failure. N Engl J Med. 1997;336:525-533
7. From Medscape Education Cardiology. Digoxin Toxicity: Awareness, Recognition, and Treatment
CME/CE. Ileana L. Piña, MD, MPH; Peter E. Carson, MD; Paul Hauptman, MD; Peter S. Pang, MD. CME/CE
Released: 08/21/2012
Na intoxicação crónica
1 – Adultos com sintomas agudos ou em que não se
conhece o nível plasmático, administrar seis ampolas de
digoxin immune fab (240 mg)
2 – Crianças (<20 kg de peso)em terapêutica crónica
com digoxina e com sinais de toxicidade, uma única
ampola será suficiente.
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