PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

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PROTOCOLO Nº 5305/2015
AUTOS DE TERMO CIRCUNSTANCIADO DE INFRAÇÃO PENAL Nº 001459369.2013.8.16.0030, DO 3º JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE FOZ DO IGUAÇU-PR.
INDICIADO: FERNANDO PRESTES MARTINS.
ASSUNTO: ART. 28 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO (ART. 28 DA LEI Nº
11.343/2006). CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. A pequena quantidade de droga
(04 gramas), mesmo que para consumo próprio não enseja a aplicação
do princípio da insignificância, pois o art. 28 da Lei de Drogas tutela,
como bem jurídico, a saúde pública, a qual transcende o direito
individual de escolha de cada indivíduo. Não há que se falar em
atipicidade do delito, por haver pouca quantidade da substância
entorpecente, pois o delito em apreço é de perigo abstrato para a saúde
pública. Assim, incide nas penas do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 quem,
por vontade livre e consciente, guarda ou traz consigo, para uso pessoal,
drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.
EXCELENTÍSSIMA SENHORA
SUBPROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS
I. RELATÓRIO
Trata-se de termo circunstanciado instaurado para averiguar a prática
do crime de porte de substância entorpecentes para consumo pessoal (art. 28 da Lei
nº 11.343/2006) atribuído ao noticiado FERNANDO PRESTES MARTINS.
1
Consta dos autos que, no dia 18 de junho de 2013, por volta das 18
horas, na Rua Henrique A. Pepin, Bairro Jardim São Paulo, Foz do Iguaçu-Pr., o
noticiado, FERNANDO PRESTES MARTINS, foi surpreendida por policiais por trazer
consigo, para uso próprio, 04g (quatro gramas) da substância entorpecente conhecida
popularmente por “crack” e 1 (um) cachimbo (cf. auto de exibição e apreensão de fls.
06/07 e auto de constatação provisória de substância entorpecente de fls. 08), sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
O ilustre promotor de Justiça, LEONARDO GABARDO FAVA, às fls. 37verso/39, requereu, com base no princípio da bagatela, do crime de menor
significância, da atipicidade da conduta e pela falta de interesse processual, o
arquivamento deste termo circunstanciado, tendo em vista a ínfima quantidade de
droga apreendida, sendo desproporcional a aplicação da pena abstratamente prevista
para o delito.
O douto Magistrado, MARCOS ANTÔNIO DE SOUZA, às fls. 40,
discordando da manifestação Ministerial, aduziu que a substância entorpecente em
questão é cinco vezes mais potente que a cocaína, sendo devastadores seus efeitos no
organismo do usuário e que 20% (vinte por cento) do “crack” no mundo são
consumidos no Brasil, o que torna o país em que vivemos o maior mercado da droga
no planeta. Assim, remeteu os autos para esta Procuradoria-Geral de Justiça para os
fins do art. 28 do Código de Processo Penal.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Analisando os presentes autos, verifica-se que o crime aqui apurado é o
tipificado no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, a chamada “Lei Antidrogas”, defendendose no arquivamento do Ministério Público a insignificância da conduta perpetrada pela
investigada, devido à ínfima quantidade de droga apreendida (04 gramas de “crack”).
2
O uso da substância entorpecente efetivamente não viola a saúde
pública, mas somente a saúde do usuário. Justamente por isto é que o verbo usar não
consta dentre os núcleos do tipo misto alternativo contido no art. 28, Lei nº
11.343/2006. Os núcleos típicos são adquirir, guardar, ter em depósito, transportar e
trazer consigo. Usar, repita-se, não é típico. Tampouco foi o que ocorreu nos autos. Na
hipótese, o sujeito ativo trazia consigo 04 (quatro) gramas de “crack” para uso próprio.
O agente ministerial pretendeu, assim, sustentar a falta de lesividade do
porte de tóxicos para o bem juridicamente tutelado no tipo penal.
O princípio da lesividade exige que a ofensa ao bem jurídico
caracterizadora do conteúdo material do injusto dê-se de modo transcendente ao
sujeito ativo do crime. Noutros termos: a conduta deve ultrapassar a esfera de bens
jurídicos do indivíduo para atingir a esfera de bens jurídicos de terceiros. A partir desta
construção, erigiu-se o argumento, em parcela da doutrina, de que o porte de drogas
para uso próprio não atenderia o princípio da lesividade, haja vista haver tão-só a
autolesão, mediante a violação, por parte do usuário, da própria saúde.
Efetivamente, o usuário não poderia ser punido acaso o comportamento
de portar a droga para uso próprio ficasse cingido à lesão da sua própria saúde. Porém,
a conduta transcende a sua esfera de bens jurídicos, de modo a atingir terceiros.
Reside neste ponto a impossibilidade de acolhimento do pronunciamento ministerial,
pois não se pode dizer que a conduta do requerido não cause lesões à vida em
sociedade ou que não haja potencialidade lesiva ao bem juridicamente tutelado.
De efeito, a transcendência do comportamento do portador de drogas
para uso pessoal está no fato de constituir polo destinatário de uma rede de
transações ilícitas absolutamente prejudiciais ao universo social em que incrustada.
Trata-se da rede de narcotraficância.
3
E, nessa perspectiva, se a liberdade do usuário atinge direito de
terceiros, pode sofrer intervenção estatal, pois é nestes termos que se reconhece a
ideia de liberdade, ou seja, com limitações na medida em que atinja direito alheio,
conforme dispõe, desde 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em
seu artigo 4º1:
A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o
outro: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não
tem outros limites senão aqueles que asseguram aos outros
membros da sociedade o desfrute dos mesmos direitos. Esses
limites só podem ser determinados por lei.
A mesma premissa limitadora da liberdade absoluta é prevista na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que amplia a questão para a
ótica da fraternidade2:
Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir
uns para com os outros num espírito de fraternidade.
(...)
Artigo 29. (1) Todo ser humano tem deveres para com a comunidade
em que o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade é
possível.
(2) No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano deve
estar sujeito apenas às limitações determinadas pela lei
exclusivamente com o propósito de assegurar o devido
reconhecimento e respeito pelos direitos e liberdades dos outros e de
satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bemestar geral de uma sociedade democrática.
Texto extraído de: HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos. Uma História. Tradução de Rosaura
Eichenberg, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 226.
2
Texto extraído de: HUNT, Lynn. Op. cit., pp. 230 e 236.
1
4
A liberdade vinculada à solidariedade também é inserida em nossa
Constituição Federal como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, em seu
art. 3º, I:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
I – constituir uma sociedade livre, justa e solidária;
Ou seja, essa “liberdade jurídica” é indissociável da ideia de
solidariedade, situação que insere a questão do porte de drogas e do direito à
autolesão num contexto diferenciado daquele tratado na promoção de arquivamento.
Assim, conjugando a liberdade com a solidariedade, nos moldes da
Constituição Brasileira, se sou “livre” para me “autolesionar” consumindo drogas, não
sou “livre” para portá-la, à luz da potencialidade lesiva desta droga frente a terceiros
que possam dela socializar e da solidariedade que deve nortear a exegese da temática
relacionada às drogas. Nesse sentido, mesmo sendo contra a criminalização, admite
LUÍS GRECO3 que “nunca se pode dizer que um sujeito “só fuma seu baseado”; antes de
fumar, ele tem de obter a droga, isso é, de participar no mercado da droga; enquanto ele
fuma, está ele deixando de fazer outras coisas, o que pode ter consequências para a economia
ou para o mercado de trabalho; depois de fumar, pode ser que ele tome parte no trânsito, e
num momento ainda mais tardio, pode ser que ele desenvolva problemas de saúde, com o que
ele acaba onerando o sistema de saúde e de previdência. Não se pode excluir uma afetação de
terceiros, nem antes, nem durante, nem depois do consumo de tóxico.”
Ou seja, a pretensa liberdade à autolesão no caso do porte de drogas
para consumo é, em verdade, uma “liberdade não-protegida”, para usar a expressão
de ROBERT ALEXY4 e, assim, o Estado pode, nesse contexto, estabelecer regras que
GRECO, Luís. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexões a partir da decisão do Tribunal
Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade
de próprio consumo. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 18, nº 87, nov-dez 2010, p. 91.
4
ALEXY. Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução da 5ª ed. alemã de Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros, 2008, p. 228.
3
5
limitem o direito à disponibilidade do próprio corpo, ou a liberdade à autolesão,
podendo, inclusive, estabelecer obrigações inversas, isto é, o direito de lesionar o
cidadão, como acontece, v.g., nos exames realizados em recém-nascidos para detectar
anomalias precocemente; nos exames em candidatos a cargos públicos; nos exames
periódicos em empresas; na vacinação preventiva obrigatória (vírus H1N1, por ex.); na
transfusão de sangue compulsória em caso de risco de vida (mesmo contra a religião
do paciente), dentre outras situações, notadamente envolvendo questões de saúde
pública.
O que se deve levar em conta, portanto, é se o comportamento
condutor à autolesão também é capaz de atingir terceiro, pois, quando isso ocorre, ele
deixa de ser considerado uma questão de saúde privada e ingressa na esfera da saúde
pública, como precisamente destacam JEAN RIVERO e HUGUES MOUTOUH 5:
Quando os comportamentos individuais em matéria de saúde
apresentam o risco de repercutir no conjunto da coletividade,
deixam de vincular-se à liberdade: passa-se da saúde privada à
esfera da saúde pública.
Enfim, a confusão entre a liberdade individual e o interesse coletivo,
também poderia autorizar alguém a dirigir embriagado e em velocidade excessiva
pelas ruas da cidade, partindo do pressuposto que o risco é só dele. É evidente que
esse comportamento, que pode provocar apenas uma autolesão, inclusive consciente,
pode também, potencialmente, provocar danos a terceiros. E, por isso, é merecedor
de tutela antecipada do direito penal. O mesmo se diga do aborto, onde a autolesão
fere direito do nascituro. E, também, da obtenção fraudulenta de seguro pela via da
autolesão. Enfim, o direito à autolesão só é legítimo se não violar ou puser em risco os
direitos de terceiros.
RIVERO, Jean e MOUTOUH, Hugues. Liberdades Públicas. Tradução de Maria Ermantina de Almeida
Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 373.
5
6
Toda esta atividade é constituída de dois polos: traficante e usuário. Em
relação a ambos, se constituem parcelas de expectativa social. Em face de ambos,
esperam-se préstimos de solidariedade social, consistentes no fato de que delimitem
suas atividades pessoais – seus âmbitos de organização – de modo a não prejudicarem
a preservação da saúde pública. Enfim, exige-se de ambos que não desempenhem
papéis sociais como traficantes ou usuários. Sem uns e sem outros, não existiria o
fenômeno do tráfico de entorpecentes, com suas consequências negativas.
É evidente que a carga de censura atribuível ao traficante é superior
àquela que deve ser dirigida ao consumidor, que porta a droga para uso próprio.
Porém, repita-se, não existe uma atividade sem a outra. E ambas, somadas, é que
degradam ou colocam a saúde pública sob perigo, constituindo a rede de
narcotraficância.
Portanto, recai sobre o porte para consumo pessoal do entorpecente
uma carga de censura derivada de que, sem ele, não haveria o próprio tráfico. Antes
do uso – que não é punido, aí sim, por força do princípio da lesividade – é necessário
adquirir a droga, transportá-la ou portá-la, guardá-la, tudo girando a roda do comércio
ilegal de entorpecentes. Aí entra a decepção de expectativas causada pelo usuário, e
não pelo fato do uso, per si.
Não bastasse, a pretensão de parcela da doutrina brasileira, de
considerar “inconstitucional” o crime que tutela o bem jurídico “saúde pública”, é
despropositada no Brasil, haja vista que a nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º,
XLIII, expressamente determina a incriminação do tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, cujo bem jurídico protegido é justamente a “saúde pública”. Aliás, a
saúde pública também é tema de preocupação constitucional no Brasil (artigos 196 e
ss.).
7
No caso em tela, cumpre classificar o crime atribuído ao noticiado. O
bem tutelado é a saúde pública. Não se exige, portanto, o efetivo atingir da integridade
física de outrem. A saúde da população em geral é posta em risco, por presunção legal,
a partir do mero comportamento de possuir, ou portar, ou transportar, ou ter em
depósito, por exemplo, drogas à margem da lei. Sua colocação em risco, nestes termos,
é suficiente para que se configure a lesividade necessária ao aperfeiçoamento da
conduta típica, configurando-se assim a respectiva tipicidade material, ainda mais em
casos como o presente onde o risco é aferível empiricamente.
Quando os crimes são classificados como "de perigo", cumpre realizar
uma ulterior divisão, tangente à maneira como reportado perigo deve ser demonstrado
nos autos. Trata-se de categorizar os crimes de perigo abstrato e os crimes de perigo
concreto. Ensinava HELENO CLÁUDIO FRAGOSO6:
Há casos em que a realização da conduta típica traz consigo real
probabilidade de dano, de cuja verificação depende a existência do
crime. São os crimes de perigo concreto. Em outros casos, a realização
dos tipos não traz perigo real nem dano ao bem jurídico tutelado. São
os crimes de perigo presumido ou abstrato.
De fato, crimes de perigo abstrato e concreto assemelham-se pelo fato
de o legislador, ao prevê-los, fixar uma presunção de que o comportamento típico gera
perigo para o bem jurídico tutelado. Todavia, a presunção de perigo concreto é juris
tantum ou relativa, cedendo diante de prova da inexistência de risco efetivo no caso
concreto. A seu turno, a presunção de perigo abstrato é juris et de jure, de vez que não
pode ser afastada pela demonstração - nos autos - de que na situação concreta os
riscos de ofensa ao bem jurídico inexistiam. Há, portanto, uma presunção "de direito e
por direito", absoluta, nas modalidades de perigo abstrato.
6
FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal – Parte Geral.16. ed. Rio de Janeiro: forense, 2003. p. 207.
8
O crime de porte ilegal de drogas para consumo próprio é de perigo
abstrato. O legislador firma uma presunção de perigo ex ante factum em relação a
toda pessoa que é flagrada possuindo irregularmente drogas, ainda que seja para
consumo pessoal. Independentemente de demonstração da efetiva possibilidade do
objeto material ou da conduta em si prestar-se à concretização de difusão, isto é, de
haver aquilo que HELENO FRAGOSO bem definiu como “probabilidade do dano”, o
crime está aperfeiçoado.
Neste passo, como é dispensado o perigo concreto, basta que a posse de
drogas esteja demonstrada. Se for para consumo pessoal, abranda-se a resposta penal;
se for para outra finalidade, incide-se no tráfico, com resposta penal mais severa.
Trata-se de opção legislativa, a exemplo do que ocorre em outros casos, como no porte
ilegal de arma de fogo.
Em suma: o art. 28 da Lei nº 11.340/2006 descreve a conduta de trazer
consigo droga irregularmente, não estando presente, como elementar do tipo,
qualquer outra exigência de potencialidade lesiva concreta, como a quantidade da
droga. O tipo firma a presunção absoluta de perigo para o bem jurídico tangente à
saúde pública, em todas as ocasiões em que flagrado o sujeito ativo portando droga
irregularmente, ainda que para consumo próprio. Assim, é crime de perigo abstrato.
Na verdade, a agência detentora do poder de punir pode fixar a
presunção de perigo tanto através de órgão jurisdicional, verificando o caso concreto,
ex post factum (crimes de perigo concreto), como ex ante, por meio do poder
legislativo. Nesta hipótese, apresenta-se o crime de perigo abstrato. A legitimidade
deste modelo de tipificação deriva da correlação entre a conduta taxada como perigosa
e o tipo de dano cuja antecipação e prevenção se pretende. No caso do trânsito, v.g., a
correlação entre mortes e lesões (como resultados a evitar) e embriaguez na condução
de automotor (como fato de perigo), é extraída empiricamente das estatísticas
9
acidentárias, bem como de informações extrapenais, a exemplo daquelas que – no
âmbito médico – confirmam a redução de reflexos ante o efeito do álcool. A regra de
experiência é bastante para presumir perigoso o comportamento de conduzir
embriagado, ainda que – no caso concreto – o motorista não tenha exposto
efetivamente alguém a risco antes de ser abordado e flagrado na prática delitiva.
O mesmo vale para o porte de drogas para consumo pessoal. Extrai-se
de bases empíricas a correlação entre eventos trágicos de mortes e lesões, com o
consumo desenfreado de drogas, notadamente o crack. Inúmeros outros delitos
decorrem do consumo destas drogas, em particular crimes patrimoniais violentos
(latrocínio, extorsão mediante sequestro com resultado morte, homicídios dolosos em
geral). O consumo, como se sabe também de forma empírica, em grande medida é
difundido pelo usuário e não pelo traficante. Normalmente quando o usuário chega ao
traficante pela primeira vez, ele já foi “apresentado” ao mundo das drogas por outro
usuário. É exemplo clássico o jovem usar droga porque seu colega também o faz e dele
“exige” o consumo para igualar-se socialmente, agindo para inserir-se no círculo de
amizade. Aliás, a regra de experiência se estabelece na própria sede da atividade
ministerial, colhida na atividade laboral cotidiana atinente a esses delitos.
Nesta esteira de raciocínio, a presunção absoluta de perigo é legítima.
O questionamento aos crimes de perigo abstrato, evidentemente, pode
ocorrer com base no princípio da lesividade. A ilegitimidade do tipo de perigo abstrato
deriva da falta de correlação, suficientemente testada e cientificamente confirmada ,
entre a conduta presumida perigosa e o efeito danoso que se pretende prevenir. Aí, e
só aí, é que a presunção de lesividade efetuada pelo Poder Legislativo pode ser
questionada.
10
Assim, a questão, semelhantemente ao quanto já aventado acima,
insere-se no campo da solidariedade, ou seja, de que todo aquele que porta a droga
para consumo pessoal, viola este préstimo social que se lhe exigia, contribuindo para a
intensificação da estrutura de narcotraficância ofensiva do seu entorno. Nesse sentido,
já entendeu o Tribunal Constitucional Alemão, em acórdão de 09 de março de 1994,
nos termos noticiados por JOSÉ-IGNÁCIO GALLEGO SOLER (“Contexto do Tratamiento
Jurídico-Penal del Tráfico de Drogas”, in Política Criminal y Reforma Penal. Coord.
Santiago Mir Puig e Mirentxu Corcoy Bidasolo. Buenos Aires-Montevideo: BDf, 2007, p.
519):
Se submetia à sua consideração, em relação a uma condenação por
consumo de cannabis, em que medida existia um direito à
embriaguez e se o princípio da igualdade obrigava a permitir ou
proibir em igual medida todas as substâncias que potencialmente
sejam lesivas de modo similar. O recorrente sustentava ser
injustificável um modelo sancionador que castigasse a quem
consumisse cannabis e, todavia, não previsse a mesma resposta
punitiva nos casos de consumo de álcool, apesar da equiparável
afetação da saúde que ambas as hipóteses apresentavam. O Tribunal
Constitucional declarou que não existia um tal direito à embriaguez;
que o princípio da igualdade não obriga a permitir ou proibir em igual
medida todas as substâncias que potencialmente sejam lesivas de
modo similar, e que o legislador pode regular de modo diferenciado o
tráfico de cannabis e do álcool ou de nicotina sem que exista por isso
vulneração de preceitos constitucionais.
Prossegue o professor de Barcelona em termos (op. cit., p. 520):
Esta colocação genérica há de servir para delimitar o problema, em
termos jurídicos: a liberdade não é um elemento que tenha
inicialmente relevância no âmbito do castigo de condutas vinculadas
ao tráfico de drogas. O Estado opta por um modelo de standard de
cidadãos: quer cidadãos que possam realizar os mínimos de
solidariedade intersubjetiva. O Estado trata de garantir a saúde
pública considerando determinados objetos (drogas) agentes tóxicos
que comportam perigos não desejáveis a seus cidadãos (embora
11
existam outros agentes tóxicos que, sem favorecê-los, tolera-os e
enriquece com eles) - tradução livre.
Esta racionalidade está na base do art. 3º, item 2, da Convenção de
Viena contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (1988), da
qual o Brasil é signatário, estando incorporada ao ordenamento interno desde 1991,
através do decreto 154. Dispõe, em termos, que “cada parte adotará as medidas
necessárias para caracterizar como delito penal, de acordo com seu direito interno,
quando configurar a posse, a aquisição ou o cultivo intencionais de entorpecentes ou
de substâncias psicotrópicas para consumo pessoal...”.
Portanto, o Brasil, inclusive por vinculação à normativa internacional,
adotou a linha político-criminal de incriminação do comportamento daquele que porta
a droga para uso próprio. Funda-se, no dizer de VICENTE GRECO FILHO (Tóxicos. 11ª.
ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 113), na idéia de que...
A razão jurídica da punição daquele que adquire, guarda ou traz
consigo para uso próprio é o perigo social que sua conduta representa.
Mesmo o viciado, quando traz consigo a droga, antes de consumi-la,
coloca a saúde pública em perigo, porque é fator decisivo na difusão
dos tóxicos. Já vimos ao abordar a psicodinâmica do vício que o
toxicômano normalmente acaba traficando, a fim de obter dinheiro
para aquisição da droga, além de psicologicamente estar predisposto a
levar outros ao vício, para que compartilhem ou de seu paraíso
artificial ou de seu inferno.
Na mesma linha, endossando que o crime contido no art. 28 da Lei nº
11.343/06 (anteriormente, art. 16, Lei nº 6368/76), enumeram-se as posições: 1- de
RENATO MARCÃO (Tóxicos. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 217), definindo a saúde
pública como bem de proteção, remetendo a precedentes jurisprudenciais; 2- de
ROBERTO MENDES DE FREITAS JÚNIOR (Drogas. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p.
40), definindo que o legislador pretendeu, mediante o art. 28, Lei 11343/06, “ proteger
a saúde pública, colocada em risco com a utilização de drogas ”; 3- de RICARDO ANTUNES
12
ANDREUCCI (Legislação Penal Especial. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 30, fundado
em precedente do TJSP, RT 569/306). Portanto, conquanto alguns sustentem a
inadequação da opção legislativa, muitos, na literatura, posicionam-se de modo
avesso.
Há quem inclusive questione a brandura do texto. É o caso de
GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª. ed.
São Paulo: RT, 2008, pp. 304-305). Primeiro, aponta que “não se pune o porte de
droga, para uso próprio, em função da proteção à saúde do agente (a autolesão não é
punida, como regra, pelo ordenamento jurídico-penal), mas em razão do mal potencial
que pode gerar à coletividade”, tudo secundando a linha argumentativa ora defendida.
Após, NUCCI critica o legislador por ter erigido reação punitiva equivalente a uma
“falta de efetiva punição” ao portador da droga, que “pode levar (...) os operadores do
direito, com o beneplácito da sociedade, ao maior enquadramento dos usuários como
traficantes”.
Note-se, finalmente, que também as instâncias raras operam com a
orientação ora endossada. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que
o porte de droga para uso próprio acarreta situação de perigo a indeterminadas
pessoas e os tipos penais do art. 16 da Lei nº 6.368/76 e do art. 28 da Lei nº 11.343/06
protegem a saúde pública, tendo-a como objetividade jurídica. Vejam-se os
precedentes lançados no RE 430.105-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira
Turma, DJ 27.4.2007, bem como no HC 79.189, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira
Turma, DJ 9.3.2001, dentre outros.
Portanto, como dito, a criminalização do porte para uso trata-se de uma
decisão político-criminal semelhante a muitas outras exigências de préstimos sociais,
cometidos aos cidadãos, por parte do universo jurídico-penal, seja mediante comando
de ação, seja por comandos de abstenção. Assim, deve-se levar em conta que o
13
ordenamento jurídico, por exemplo, exige a prestação de socorro, como dever de
solidariedade (art. 135, CP). Noutro campo também tutela penalmente a arrecadação
fiscal, punindo o contribuinte sonegador, que recusa sua parcela de solidariedade
social mediante a arrecadação de tributos sob seu encargo (art. 1º, Lei nº 8137/90). E,
aqui, no art. 28, Lei nº 11.343/2006, exige que as pessoas se abstenham da aquisição e
porte de drogas, ainda que para consumo pessoal, como dever de cada um para com o
entorno social, dando contributo para que este entorno não se veja agravado pelos
efeitos negativos da existência de redes de narcotraficância. Por isto, todo aquele que
porta a droga para consumo pessoal, viola este préstimo social que se lhe exigia,
contribuindo para a intensificação da estrutura de narcotraficância ofensiva do seu
entorno.
Ademais, ao agente ministerial, enquanto titular da ação penal, na
forma do art. 129, I, CF, não compete questionar se a opção política criminal foi
correta. É certo que outros raciocínios poderiam presidir a plena descriminalização do
comportamento previsto no art. 28 da Lei de Tóxicos, ou mesmo manter a
criminalização do tráfico com tratamento diferenciado ao usuário, como já destacado
acima. Sobretudo, o ganho no combate ao traficante que ocorreria se o usuário
pudesse delatá-lo como testemunha ou informante em ação penal, ao invés de estar
posicionado como réu. É fato que o Estado afasta-se do usuário quando criminaliza o
comportamento do art. 28, aspecto que mina sua atividade preventiva e bloqueia uma
excelente fonte probatória para instruir a persecução contra os traficantes.
Acerca do bem jurídico tutelado pela nova Lei de Drogas, escrevem
Gilberto Thums e Vilmar Pacheco:
A lei de drogas tutela a saúde pública como bem transindividual, da
coletividade. A vítima não é o usuário que adquire droga de
traficante, mas é o Estado, especificamente a saúde pública.
Portanto, no caso de se vender droga a alguém para consumo
próprio, o adquirente não é vítima do tráfico, mas, sim, o Estado
14
(saúde pública), que figura como sujeito passivo imediato, eis que a
conduta “adquirir para uso próprio” também constitui ato ilícito. A
preocupação da lei na criminalização do tráfico não é a de evitar os
males causados pela droga àqueles que a consomem, mas o de evitar
o risco à integridade social que os entorpecentes acarretam. O crime
é de perigo comum, presumido em caráter absoluto, bastando a
realização de uma das condutas proibidas relacionadas com droga.
Não importa se a droga apreendida é capaz de produzir uma lesão
efetiva à saúde pública.
Não é necessário questionar aos peritos se a qualidade de droga
apreendida em poder do agente é capaz de causar lesão à saúde
pública. Assim – e o tema é pacífico – a posse de pequena
quantidade, mas que permita a confecção de um cigarro ou sua
utilização em 'maricas' caracteriza o delito de “trazer consigo ou
guardar entorpecente para uso próprio”. A mesma coisa pode ser
dito se o agente vende apenas um 'fininho' de maconha a um
consumidor. Sua conduta será típica no art. 33, 'caput', como tráfico.
Portanto, o objeto de proteção legal não é a saúde do usuário nem
do traficante, mas da coletividade. É uma questão que transcende a
pessoa e atinge a população em geral.
Com a Nova Lei de Drogas, criou-se um Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas (SISNAD), e o legislador passou a preocupar-se
com o usuário de drogas, mas isso não modifica a questão do bem
jurídico, objeto de proteção penal. As leis penais não solucionam os
problemas da violência na sociedade nem a problemática das drogas,
mas são as políticas públicas para o enfrentamento do grave
problema que representam. Nesse ponto, melhorou a nova lei, ao
compelir o Estado a fornecer tratamento aos toxicômanos 7.
Assim, vislumbra-se que a tipificação constante no art. 28 da Lei nº
11.343/2006, em que pese interfira nas escolhas individuais de cada pessoa, garante a
tutela de um bem jurídico maior e coletivo, que transcende a escolha de cada
indivíduo, que é a saúde pública, incumbindo ao Estado velar por ela. Ora, ainda que
consumir substâncias entorpecentes seja uma escolha pessoal, há diversas
consequências sociais em tal ato, como o tráfico ilícito de drogas e aumento da
criminalidade, sem falar no sofrimento das próprias famílias dos usuários. Como bem
7
THUMS, Gilberto e VILMAR, Pacheco. Nova Lei de Drogas: Crime, Investigação e Processo. 2ª ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2010. p. 34.
15
observado, a saúde pública e o direito à segurança são direitos constitucionalmente
assegurados no rol do artigo 6º da Constituição Federal, que não podem, de modo
algum, ser ignorados pelo Estado.
Verifica-se, nos presente caderno investigatório, que o noticiado foi
surpreendido trazendo consigo entorpecente para seu consumo pessoal (“crack”).
Em que pese o respeitável entendimento da ilustre Promotor de Justiça, a
jurisprudência e doutrina pátrias entendem que o art. 28 da Lei Antidrogas tutela a
saúde pública, transcendendo a liberdade de escolha de cada indivíduo. Há
potencialidade lesiva ao bem juridicamente tutelado, que é a saúde pública,
lesionando, portanto, a vida em sociedade.
Sobre a razão da incriminação do agente, discorrem Vicente Greco Filho
e João Daniel Rassi:
Razão da incriminação: a razão jurídica da punição daquele que
adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo para
uso próprio é o perigo social que sua conduta representa. Mesmo o
viciado, quando traz consigo a droga, antes de consumi-la, coloca a
saúde pública em perigo, porque é fator decisivo na difusão dos
tóxicos. O toxicômano normalmente acaba traficando, a fim de obter
dinheiro para aquisição de droga, além de psicologicamente estar
predisposto a levar outros ao vício, para que compartilhem ou de seu
paraíso artificial ou de seu inferno (cf. Vicente Greco Filho, cit., p. 19
e s.). A lei anterior e a em estudo, que acolheu a posição sustentada
pelo Desembargador José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini (RT,
476/287, “Das penas na legislação antitóxicos – Sugestões para o
aperfeiçoamento do sistema”), apenaram com considerável maior
brandura aquele que traz consigo para uso próprio, aceitando que o
perigo social causado por esta conduta é menor que o causado pelo
traficante. Ademais, levaram em consideração a condição pessoal do
viciado que, apesar de imputável e responsável, sofre grande
compulsão para a prática de tal conduta 8.
8
FILHO, Vicente Greco e RASSI, João Daniel. Lei de Drogas Anotada. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 46.
16
Ainda sobre tal particular, a tutela da saúde pública pela Lei de Drogas e
sua sobreposição ao direito à intimidade, os tribunais pátrios já decidiram:
A NORMA QUE TRATA DO DELITO DE PORTE DE ENTORPECENTE,
“POR TUTELAR INTERESSE COLETIVO, SE SOBREPÕE AO DIREITO À
INTIMIDADE. ASSIM, A POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE OU
QUE DETERMINE DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA, AINDA QUE
PARA USO PRÓPRIO, REPRESENTA PERIGO PARA A SAÚDE PÚBLICA,
QUE O LEGISLADOR ORDINÁRIO PODE APENAR SEM FERIR O DIREITO
À PRIVACIDADE, PREVISTO NO ART. 5º, X, DA CF (TJRS, AP.
698.029.790, 3ª CÂM., J. 16-4-1998, REL. DES. JOSÉ EUGENIO
TEDESCO, RT 754/701);
O ART. 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, AO
PROTEGER A PRIVACIDADE DO INDIVÍDUO, NÃO TEVE A FINALIDADE
DE ABRANGER CASOS EM QUE PESSOAS ESTEJAM COMETENDO
DELITOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EM VIGOR. DIZ ELE RESPEITO À
DEFESA DO HOMEM CONTRA A INVASÃO DE SUA VIDA ÍNTIMA, ISTO
É, À GARANTIA OFERECIDA AO INDIVÍDUO DE QUE NÃO SERÁ
VIOLADA SUA PRIVACIDADE (TJSP, AP. 78.176-3, 3ª CÂM. CRIM., J. 78-1989, REL. DES. GENTIL LEITE, RT 649/254);
ININVOCABILIDADE. CRIME DE PERIGO CONCRETO, TENDO O ESTADO
COMO SUJEITO PASSIVO FORMAL E MATERIAL, NA QUALIDADE DE
TITULAR DO BEM JURÍDICO SAÚDE PÚBLICA (TJSP, AP. CRIM.
206.305-3, 1ª CÂM. CRIM., J. 9-9-1996, REL. DES. FORTES BARBOSA,
JTJ 184/302).
Ademais, o fato de ter sido apreendida pequena quantidade de drogas
também não enseja a aplicação do princípio da insignificância, não havendo que se
falar em atipicidade da conduta. Neste sentido, há jurisprudência do Egrégio Tribunal
de Justiça do Estado do Paraná e de outros tribunais pátrios:
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL POSSE ILEGAL DE DROGAS
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICABILIDADE, NO CASO
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
17
DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO RECURSO PROVIDO. O PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA NÃO SE APLICA AOS CASOS EM QUE O DESVALOR
DA CONDUTA DO AGENTE RECLAMA A RESPOSTA PUNITIVA DO
ESTADO. "A
PEQUENA
QUANTIDADE
DE
SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE, POR SER CARACTERÍSTICA PRÓPRIA DO TIPO DE
POSSE DE DROGAS PARA USO PRÓPRIO (ART. 28 DA LEI 11.343/06),
NÃO AFASTA A TIPICIDADE DA CONDUTA." (STJ HC 158.955/RS,
QUINTA TURMA, JULGADO EM 17/05/2011, DJE 30/05/2011).
APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA, COM A DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO,
DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO (TJPR - 5ª
C.CRIMINAL - AC 822213-7 - FORO CENTRAL DA COMARCA DA
REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - REL.: JORGE WAGIH
MASSAD - UNÂNIME - J. 19.04.2012);
APELAÇÃO CRIMINAL - DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
APREENSÃO DE 0,37 (TRINTA E SETE CENTIGRAMAS) DE MACONHA
APLICAÇÃO DO ARTIGO 28, I, DA LEI 11.343/2006 PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA
INAPLICABILIDADE
CONDENAÇÃO
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA - SENTENÇA MANTIDA POR SEUS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DECISÃO : NÃO TEM APLICAÇÃO NO
CASO CONCRETO. NATUREZA E ALCANCE DO BEM JURÍDICO
TUTELADO. DECISÃO: ACORDAM OS JUÍZES DE DIREITO INTEGRANTES
DA TURMA RECURSAL ÚNICA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E
CRIMINAIS DO ESTADO DO PARANÁ, À UNANIMIDADE, EM NEGAR
PROVIMENTO À APELAÇÃO CRIMINAL (TJPR RA Nº 2009.0000229-5,
RELATOR HELDER LUIS HENRIQUE TAGUCHI, JULGADO EM
13/02/2009) (TJPR - 1ª TURMA RECURSAL - 20110014520-4 LONDRINA - REL.: ANDREA FABIANE GROTH BUSATO - J. 02.02.2012).
“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. USO DE DROGAS. ARTIGO 28 DA LEI
Nº 11.343/2006.REJEIÇÃO DA DENÚNCIA SOB O FUNDAMENTO DE
OCORRÊNCIA DA ABOLITIO CRIMINIS E DE PEQUENA QUANTIDADE
DE
DROGA.
INSURGÊNCIA
MINISTERIAL.ALEGAÇÃO
DE
DESPENALIZAÇÃO E NÃO DESCRIMINALIZAÇÃO. ACOLHIMENTO.
MERA DESPENALIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJPR - 5ª
C.Criminal - RSE - 1285206-1 - Cascavel - Rel.: Maria José de Toledo
Marcondes Teixeira - Unânime - - J. 29.01.2015)
Consta, ainda, do acórdão:
18
“No que diz respeito à irresignação Ministerial sobre a tese de
atipicidade da conduta por aplicação do princípio da
insignificância, pois a quantidade de droga apreendida com o
réu foi ínfima, também não merece ser acolhida.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça1 o princípio da
insignificância "tem o sentido de excluir ou de afastar a própria
tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como
um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e
não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua
não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença
de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da
conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da
ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua
aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve
ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor por não importar em lesão significativa a bens jurídicos
relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à
integridade da própria ordem social. No caso em apreço, pouco
importa a quantidade de droga apreendida com o réu, pois
sua conduta se amolda perfeitamente ao tipo incriminador
previsto no artigo 28 da Lei de Drogas e as suas respectivas
sanções. Além disso, a quantidade de substância
entorpecente não afasta a tipicidade penal.”
RECURSO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO EVIDENCIADO. 1. Independentemente da quantidade de
drogas apreendidas, não se aplica o princípio da insignificância aos
delitos de porte de substância entorpecente para consumo próprio
e de tráfico de drogas, sob pena de se ter a própria revogação,
contra legem, da norma penal incriminadora. Precedentes. 2. O
objeto jurídico tutelado pela norma do artigo 28 da Lei n.
11.343/2006 é a saúde pública, e não apenas a do usuário, visto que
sua conduta atinge não somente a sua esfera pessoal, mas toda a
coletividade, diante da potencialidade ofensiva do delito de porte de
19
entorpecentes. 3. Para a caracterização do delito descrito no artigo
28 da Lei n. 11.343/2006, não se faz necessária a ocorrência de
efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da
conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso
porque, ao adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o
comércio nefasto, pondo em risco a saúde pública e sendo fator
decisivo na difusão dos tóxicos. 4. A reduzida quantidade de drogas
integra a própria essência do crime de porte de substância
entorpecente para consumo próprio, visto que, do contrário, poderse-ia estar diante da hipótese do delito de tráfico de drogas, previsto
no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006. 5. Recurso em habeas corpus não
provido. (STJ, RHC 37094/MG, Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, 6ª T, data do julgamento 04/11/2014). (sem destaque o
texto original)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. POSSE
DE DROGA PARA USO PRÓPRIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA.
APLICAÇÃO DA MEDIDA EDUCATIVA DE 04 MESES DE PROGRAMA OU
CURSO EDUCATIVO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
IMPOSSIBILIDADE. PLEITO DE DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 28 DA
LEI N.º 11.343/06. INVIABILIDADE. AI NO RESP N.º 1.135.354/PB.
RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. "A jurisprudência desta Corte
firmou entendimento de que o crime de posse de drogas para
consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/06) é de perigo
presumido ou abstrato e a pequena quantidade de droga faz parte
da própria essência do delito em questão, não lhe sendo aplicável o
princípio da insignificância" (RHC 34.466/DF, 6.ª Turma, Rel. Min. OG
FERNANDES, DJe de 27/05/2013). 2. A Corte Especial deste Tribunal
Superior, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no
RESP 1.135.354/PB, decidiu ser inviável a arguição de questões
constitucionais em recurso especial, tendo em vista que a via própria
para o exame do pleito de declaração incidental de
inconstitucionalidade do art. 28 da Lei n.º 11.343/2006 é o recurso
extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. 3. Recurso ordinário
desprovido. (STJ, RHC 43693 / DF, m Ministra LAURITA VAZ, 5ª
T, data do julgamento 21/08/2014). (sem destaque o texto
original)
20
Diante do exposto, ressalte-se que não há que se falar em aplicação do
princípio da insignificância ao delito de porte de drogas para consumo próprio, uma
vez que se trata de crime de perigo abstrato, em que o bem tutelado pela norma é a
saúde pública. Irrelevante, portanto, para a tipificação da conduta, a quantidade de
entorpecente apreendido em poder do agente. O simples ato de portar substância
ilícita presume o potencial ofensivo da conduta. Ademais, a reduzida quantidade de
droga é inerente à natureza do delito previsto no art. 28 da Lei 11.343/06.
Assim, o delito tipificado no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 tutela o bem
jurídico saúde pública, que transcende o direito individual de escolha de cada
indivíduo, sendo que a pequena quantidade apreendida não enseja a aplicação do
princípio da insignificância. Além de tudo isso, eventual acolhimento da pretensão
ministerial pode motivar o consumo de substâncias entorpecentes, fomentando,
ainda, o aumento da criminalidade, pelo que, o arquivamento dos autos, também é
inadequado.
III. CONCLUSÃO
Diante do exposto, em respeito à independência funcional do ilustre
Promotor de Justiça que se pronunciou pelo arquivamento, sugere-se a designação de
outro agente ministerial para atuar no feito, acompanhando a demanda nos seus
ulteriores termos.
Curitiba, 1º de abril de 2015.
Reginaldo Rolim Pereira
Procurador de Justiça
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