Revisão Bibliográfica 16 2.2. DIGESTÃO ANAERÓBIA 2.2.1. Etapas da digestão anaeróbia A despoluição da água residuária industrial tem sido cada vez mais fonte de estudos para evitar impactos ambientais. A decomposição anaeróbia da matéria orgânica pode ser considerada como uma das mais antigas tecnologias para estabilização do efluente. O tratamento anaeróbio converte os poluentes orgânicos (DQO, DBO) presentes na água residuária em pequena quantidade de lodo e uma grande quantidade de biogás (metano e dióxido de carbono), restando uma fração de difícil degradação. A degradação biológica de compostos orgânicos complexos ocorre em vários estágios bioquímicos consecutivos (reações em cadeia), cada qual realizado por diferentes grupos de microrganismos específicos. Vários produtos intermediários são continuamente gerados e imediatamente processados, havendo a necessidade dos vários estágios ocorrerem na mesma velocidade a fim de evitar distúrbios, como o acúmulo de ácidos, que pode resultar na falência do reator. Isso também pode ocorrer se não houver monitoramento de variáveis importantes para o controle da digestão anaeróbia como, por exemplo, temperatura, pH, nutrientes, taxa de carregamento orgânico e produção de metano por microrganismos (RAJESHWARI et al., 2000). Simplificando o processo de degradação, quatro fases principais podem ser distinguidas (Figura 2.2), podendo haver a inclusão de uma quinta fase, dependendo da composição química do despejo a ser tratado, como a seguir: Hidrólise: hidrólise de materiais particulados complexos (polímeros) em materiais dissolvidos mais simples (moléculas menores), os quais podem atravessar as paredes celulares dos microrganismos fermentativos. Esta conversão de materiais particulados em materiais dissolvidos é conseguida através da ação de exoenzimas excretadas pelas bactérias fermentativas hidrolíticas. Acidogênese: os produtos solúveis oriundos da fase de hidrólise são metabolizados no interior das células das bactérias fermentativas, sendo convertidos 17 Revisão Bibliográfica em diversos compostos mais simples, os quais são então excretados pelas células. Os compostos produzidos incluem ácidos graxos voláteis, álcoois, ácido lático, gás carbônico, hidrogênio, amônia e sulfeto de hidrogênio, além de novas células bacterianas. Como os ácidos graxos voláteis são os principais produtos dos organismos fermentativos, estes são usualmente designados de bactérias fermentativas acidogênicas (exemplo, espécies Clostridium e Bacteroids). Acetogênese: as bactérias acetogênicas são responsáveis pela oxidação dos produtos gerados na fase acidogênica em substrato apropiado para as bactérias metanogênicas. Os produtos gerados pelas bactérias acetogênicas são o hidrogênio, o dióxido de carbono e o acetato. Metanogênese: etapa final do processo de degradação anaeróbia de compostos orgânicos em metano e dióxido de carbono efetuada pelas arqueas metanogênicas. Em função de sua afinidade por substrato e magnitude de produção de metano, as metanogênicas são divididas em dois grupos principais: Metanogênicas acetoclásticas: formam metano a partir do ácido acético ou metanol. São os microrganismos predominantes na digestão anaeróbia, responsáveis por cerca de 60 a 70 % de toda a produção de metano. Pertencem a dois gêneros principais: Methanosarcina (formato de cocos) e Methanosaeta (formato de filamentos). Metanogênicas hidrogenotróficas: praticamente todas as espécies conhecidas de bactérias metanogênicas são capazes de produzir metano a partir de hidrogênio e dióxido de carbono. Os gêneros mais frequentemente isolados em reatores anaeróbios são: Methanobacterium, Methanospirillum e Methanobrevibacter. Sulfetogênese: a produção de sulfetos é um processo no qual o sulfato e outros compostos a base de enxofre são utilizados como aceptores de elétrons durante a oxidação de compostos orgânicos. Durante este processo, sulfato, sulfito e outros compostos sulfurados são reduzidos a sulfeto, através da ação de um grupo de microrganismos anaeróbios estritos, denominadas bactérias redutoras de sulfato (ou bactérias sulforedutoras). Na presença de sulfato, as bactérias redutoras de sulfato (BRS) passam a competir com os microrganismos fermentativos, acetogênicos e metanogênicos pelos substratos disponíveis. A importância dessa competição bacteriana é maior 18 Revisão Bibliográfica quando ocorre o aumento da concentração relativa de SO4-2 em relação à concentração de DQO. Orgânicos Complexos (Carboidratos, Proteínas, Lipídeos) Bactérias Fermentativas (Hidrólise) Orgânicos Simples (Açúcares, Aminoácidos, Peptídeos) Bactérias Fermentativas (Acidogênese) Ácidos Orgânicos (Propionato, Butirato, etc) Bactérias Acetogênicas (Acetogênese) Bactérias acetogênicas produtoras de hidrogênio H2 + CO2 Acetato Bactérias acetogênicas consumidoras de hidrogênio Bactérias Metanogênicas (Metanogênese) Metanogênicas hidrogenotróficas CH4 + CO2 Metanogênicas Acetoclásticas Bactérias Redutoras de Sulfato (Sulfetogênese) H2S + CO2 Figura 2.2 - Seqüências metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão anaeróbia (com redução de sulfato). Fonte: Chernicharo (1997).