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RBORL Revis~a Br~sileira
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3009
ISSN 1806-9312
Ano:
2002
vol.68
Ed.6 - Novembro- Dezembro - (190)
Seção:Artigo de Revisão
Páginas: 903 a 906
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English
Genes do silêncio: a complexidade clínica da surdez genética
Silence genes: clinical camplexity af the genetic deafness
.Genética, surdez
AUt or( es ) :, Edi Lúcia Sartorato . 1,
Andrea Trevas Maclel Guerra 2
Hearing loss, genetic
A surdez é um dos defeitos sensoriais mais comuns. Uma perda auditiva
clinicamente significante pode afetar 2-7 em 1000 crianças. Em países
desenvolvidos 50% dos casos de surdez isolada têm origem genética. No Brasil, a
maior parte dos casos de perda auditiva é devido a fatores ambientais. A maioria
dos casos herdados são não sindrõmicos e aproximadamente 80% dos genes
apresentam padrão autossõmico recessivo, 18% autossõmico dominante e 2%
ligado ao X ou por herança mitocondrial. Nos últimos anos houve um enorme
progresso na localização e clonagem de genes associados à deficiência auditiva
hereditária, os "genes do silêncio". Mutações no gene da conexina 26 (GJB2 - Cx26)
levam à deficiência auditiva a maioria das populações em todos os países. Este
gene é responsável por aproximadamente 80% dos casos de surdez recessivos.
Cerca de 70% aas pessoas com mutação no gene GJB2 têm uma mutação em
particular, a 35de1G, com uma freqüência de portadores que pode chegar a 3%. Por
outro lado, o envolvimento do gene GJB2 na surdez com padrão herança dominante
também já foi proposto. Como conseqüência e também pela facilidade e beneficio
do rastreamento de mutações no gene GJB2, este teste está se tornando
rapidamente um importante assunto na saúde pública. Entretanto, clínicos que
tratam de crianças com surdez, devem estar atentos ao diagnóstico e terem muito
cuidado com a informação que fornecerem as famílias, uma vez que, alguns
pacientes apresentam mutação somente em um dos alelos do gene GJB2. A
complexidade da surdez genética, e algumas vezes a interpretação dos resultados
devem ser discutidos para ajudar no aconselhamento genético dos indivíduos com
deficiência auditiva principalmente aqueles que carregam mutações no gene GJB2.
Deafness is one of the most common sensory defects. Clinically significant
hearing loss may affects 2-7 in 1000 infants. In developed countries about
50% of the cases of isolated deafness have a genetic originoIn Brazil, the
majority of cases of hearing loss are due to environmental factors. Most of
cases inherited are nonsyndromic, and approximately 80% of genes are
autosomal recessive, 18% autosomal dominant, and 2% X linked or
mitochondrial inherited. Recent years have seen tremendous progress
localizing and cloning genes associated with inherited hearing loss the
"silence genes". Mutations in the connexin 26 gene (GJB2 - Cx26) lead to
hearing impairment in most of populations ali over the countries. This gene
is responsible for approximately 80% of the nonsyndromic recessive
deafness. Around 70% of the persons with mutations in the GJB2 gene
have one particular mutation, 35de1G, with a carrier frequency as high as
3%. On the other hand the involvement of GJB2 gene in deafness with
autosomal dominant pattem is also proposed. As a consequence, and also
because of the feasibility and benefit of screening for Cx26 mutation, this
test is quickly going to become an important public health issue. However,
clinicians treating deaf children must be aware of these diagnostic pitfalls
and be very careful in the information they provide to the families because
some of the patients only have a mutation on one allele. The complexity of
genetic deafness, and sometimes the interpretation of the results must be
discussed to help genetic counseling in deaf individuais mainly carrying
mutations in the GJB2 gene.
A genética da surdez
A deficiência auditiva é o problema sensorial mais prevalente na população. Sua importância dentre as
anomalias congênitas é considerável, uma vez que está presente numa freqüência que varia, dependendo da
amostra e da região estudada, de 2 a 7 em cada 1.000 recém-nascidos. Além disso, muitas outras crianças vão
manifestar déficit auditivo após o nascimento, mas antes de adquirirem a linguagem, e outras, ainda,
apresentarão déficits progressivos até a segunda década de vida (Russo, 2000). Finalmente, mais de 60% das
pessoas com mais de 70 anos apresentam perda auditiva em grau, suficiente para que seja necessário algum
tipo de intervenção para que continuem a se comunicar (Kalatis & Petit, 1998).
Gradativamente, as linhas de reabilitação, tanto oralistas quanto manualistas, vão se aperfeiçoando de modo a
permitir o melhor desenvolvimento dos indivíduos afetados e sua perfeita integração social. Embora ainda
controverso, o implante coclear também tem sido utilizado em crianças e adultos, em particular aqueles com
surdez profunda.
O estudo das causas genéticas de surdez avançou significativamente nos últimos quatro anos. Há algum tempo
genes relacionados à surdez têm sido identificados. Mutações em alguns desses genes podem causar
deficiência auditiva de forma isolada, as chamadas formas não sindrômicas. A surdez pode ainda associar-se a
outras anomalias, entre as quais a cegueira, configurando diversos quadros sindrômicos. São conhecidas mais
de 400 síndromes de etiologia genética que cursam com deficiência auditiva, as chamadas formas sindrômicas
de surdez; muitos desses genes já foram identificados e isolados.
No final de 1997, foi isolado e clonado o gene GJB2, que codifica a proteína conexina 26, o primeiro gene
nuclear relacionado à surdez não sindrômica (Kelsell et aI., 1997). Inicialmente não se imaginava seu grau de
envolvimento na origem dos casos de surdez hereditária, principalmente aqueles com padrão de herança
autossômico recessivo. Hoje, porém, sabe-se que esse gene está envolvido em 80% dos casos onde se
observa esse padrão de herança, e que mutações no gene da conexina 26 também podem determinar surdez
herdada de modo dominante (Denoyelle et aI., 1997). Além disso, uma mutação específica, a 35delG (deleção
de uma guanina na posição 35 do gene), está envolvida em 70% dos casos de surdez de herança autossômica
recessiva. Finalmente, acredita-se hoje que mutações no gene da conexina 26 sejam responsáveis por 10 a
20% de todas as perdas auditivas neurossensoriais (Wilcox et ai., 2000).
Embora já tenha sido determinado que a conexina 26 se expressa na cóclea, sua função ainda não é conhecida
com precisão. Acredita-se que a proteína esteja associada à comunicação celular, relacionando-se aos
chamados gap junctions, canais que permitem a passagem de pequenas moléculas e íons entre membranas
celulares, permitindo, por exemplo, a reciclagem de íons potássio nos fluidos cocleares. O envolvimento de
diferentes genes na surdez humana de origem genética tem fornecido informações valiosas a respeito do
funcionamento normal das funções auditivas (Kikuchi et aI., 1995).
Além do gene da conexina 26, acredita-se que mais de 100 outros genes estejam envolvidos na etiologia da
surdez neurossensorial não-síndrômica (Sobe et aí., 2000). Alguns desses genes podem estar associados tanto
a surdez não sindrômica quanto às formas sindrômicas; entre eles estão as conexinas 30 e 31, associadas não
só à surdez não sindrômica com padrão autossômico dominante mas também a quadros em que a surdez se
associa a enfermidades de pele (Rabionet et aI., 2000).
A mutação 35delG
A mutação 35delG no gene da conexina 26 não é rara; pelo contrário, sua presença em heterozigose pode ser
encontrada em até 3% dos indivíduos em algumas populações (Friderici et ai., 2001). A pesquisa dessa
mutação em 620 recém-nascidos de uma cidade do interior do Estado de São Paulo revelou a presença de 6
heterozigotos, o que permitiu estimar uma freqüência de aproximadamente 1:100 (Sartorato et aI., 2001). Na
Itália, porém, ela está em tomo de 1:32, em Portugal é de cerca de 1:40, e na Espanha 1:45. Se forem
agrupadas essas três populações européias, das quais descende boa parte da população brasileira, verifica-se
que a freqüência média de heterozigotos para a mutação 35delG é de 1:42; considerando uma união aleatória
de heterozigotos e a chance de 25% de descendentes afetados, temos que nessas regiões 1 a cada 5.069
crianças nasceriam surdas por homozigose da mutação 35de1G (Gasparini et ai., 2000).
Os estudos preliminares indicam, portanto, que nos casos de surdez com recorrência familial ou mesmo nos de
origem indefinida a primeira hipótese a ser testada é a da existência de mutações no gene da conexina 26, em
particular a 35de1G, que é considerada a mutação mais freqüente em qualquer gene já estudado em
caucasóides. De fato, a prevalência de surdos homozigotos para a 35delG deve ser maior que a de portadores
de fenilcetonúria (1:10.000 a 1:20.000 nascimentos), que pode ser detectada pelo teste do pezinho. A mutação
35delG também pode ser diagnosticada ao nascimento a partir de uma gota de sangue em papel, pela técnica
de PCR alei o-específico (Lucotte et aI., 2001).
Mutações no gene da conexina 26
Além da 35de1G, primeira mutação descrita no gene da conexina 26, mais de 50 outras mutações já foram
relatadas. No endereço http://www.iro.es/deafness/
pode ser encontrada uma tabela relacionando também as
mutações associadas a surdez com padrão dominante, assim como mutações nulas e polimorfismos (Denoyelle
et aI., 1998; Morlé et aI., 2001).
Em recente estudo realizado em uma amostra da população brasileira, mutações no gene GJB2 foram
encontradas em 22% das familias com surdez neurossensorial não sindrômica, indicando mais uma vez que a
análise molecular desse gene em pacientes com deficiência auditiva não associada a quadros sindrômicos deve
ser o primeiro passo na determinação das causas de perda auditiva em nosso país (Oliveira et aI., 2001). Isto é
particularmente verdadeiro para os casos familiais, entre os quais a freqüência de encontro de mutações nesse
gene foi de 50%, mas também para os casos esporádicos, entre os quais a freqüência foi de pouco mais de
11% (aproximadamente 1:9).
De modo semelhante ao observado por Oliveira et aI. (2001), entre as familias com surdez não sindrômica
estudadas no Mediterrâneo (Estivill et aI., 1998) 49% dos casos com padrão de herança autossômico recessivo
apresentaram mutações no gene GJB2; nessa população, porém, essas mutações foram observadas numa
proporção muito maior de casos esporádicos (37%). Em nosso meio, a falta de informações precisas por parte
da familia acerca de intercorrências durante a gestação, o parto e o periodo perinatal costumam dificultar o
diagnóstico etiológico nos casos de surdez de origem ambiental; com isso, é mais provável que casos de
origem não genética acabem sendo rotulados como sendo de origem indefinida.
Heterogeneidade
clinica
Discernir a surdez de origem genética daquela de causa ambiental não é uma tarefa simples em muitos casos;
os estudos moleculares, ao mesmo tempo em que trouxeram respostas a muitas dúvidas, agregaram novos
dilemas à questão do diagnóstico etiológico da surdez. A cada dia surgem novos casos de deficiência auditiva
em que são encontradas mutações no gene da conexina 26, porém a expressão clinica é totalmente diferente
da esperada de acordo com os conhecimentos atuais. De uma forma geral, individuos homozigotos para
mutações no gene da conexina 26 apresentam surdez pré-lingual profunda; atualmente sabe-se, porém, que o
ao nascimento o fenótipo pode variar de audição normal a surdez profunda. Casos com surdez tardia,
confirmados apenas na terceira década de vida, também já foram relatados. Além disso, diferentes graus de
surdez podem ser observados em indivíduos de uma mesma familia com o mesmo genótipo (Denoyelle et aI.,
1999).
Outras mutações da conexina 26, como a M34T, são ainda mais controversas quanto a sua expressão
fenotipica; alguns consideram que determine surdez dominante e outros que seja um polimorfismo ou alelo nulo
(Kelsell et a1., 1997; Houseman et aI., 2001).
De uma forma geral, o grau de surdez não pode ser predito com base nas mutações encontradas no gene da
conexina 26, e o estabelecimento de um prognóstico e de medidas terapêuticas também esbarra na dificuldade
em estabelecer correlações genótipo-fenótipo. Para que seja determinada a patogenicidade das diferentes
mutações serão necessários estudos mais aprofundados envolvendo diferentes populações.
As dificuldades
ligadas ao aconselhamento
genético
A grande dificuldade em relação ao aconselhamento genético de indivíduos portadores de mutações no gene
da conexina 26 é o fato de em aproximadamente 40% desses casos a mutação ser detectada em apenas um
dos alelos. Até que a origem da surdez nesses casos venha a ser definitivamente esclarecida, o
aconselhamento genético dessas famílias permanece problemático (Marlin et aI., 2001).
Várias hipóteses são formuladas para explicar a surdez associada à mutação em somente um dos alelos: 1)
existência de mutações em regiões não codificantes do gene GJB2, afetando sua expressão; 2) mutações em
outros genes (incluindo genes da familia das conexinas) interagindo com o alelo normal do gene GJB2 e,
portanto, resultando no fenótipo deficiente; 3) relação casual, e não causal, entre a mutação no gene GJB2, que
não estaria, portanto, relacionado à surdez nesses casos. Acredita-se que essa última hipótese seja pouco
provável, uma vez que já foi observada segregação do suposto alelo normal com a surdez. É possível que haja
interação entre genes, nucleares e/ou mitocondriais, suprimindo a expressão do alelo normal (Wilcox et aI.,
2000).
Acredita-se que esses padrões complexos de segregação sejam devidos tanto à complexidade da natureza das
mutações no gene da conexina 26, que podem determinar, corno já foi mencionado, tanto um padrão recessivo
quanto dominante de herança, quanto a casamentos preferenciais entre os indivíduos afetados, que convivem
em comunidades relativamente fechadas. De fato, a segregação educacional e social determinada pela
dificuldade de comunicação fazem com que esses indivíduos se identifiquem uns com os outros, e haja,
portanto, uma tendência ao casamento dentro do grupo.
Com o avanço das pesquisas nessa área, ficou evidente a importância dos estudos de mutações no gene
GJB2; devido à facilidade de detecção de mutações na conexina 26, este é o primeiro gene indicado para
análise molecular em famílias que apresentam deficiência auditiva neurossensorial (Sobe et aI., 2000). O
grande número de casos com mutações identificadas neste gene faz com que, aumentem as expectativas com
relação ao aconselhamento genético.
A viabilidade e 05 benefícios de screening de mutações no gene da conexina 24 tendem a se refletir na saúde
pública. O uso de testes moleculares em conjunto com 05 audiológicos ajudarão na detecção precoce da
surdez, o que é de extrema importância no manejo desses pacientes, em partícular nos casos de surdez
progressíva, pois a estimulação da linguagem em seu período crítico faz com que as críanças aprendam a se
comunicar antes que a surdez se torne mais grave. Além disso, é possivel hoje até mesmo o diagnóstico
predítivo, ou seja, a detecção de indivíduos com mutações no gene da conexina 26, porém ainda sem
manifestação da surdez. As conseqüências dessa predição, no âmbito social e famílial, são enormes, seja em
relação à prevenção da surdez, seja no auxílio e redução dos custos da educação especial desses indivíduos,
seu tratamento médico e decisão profissional (Sobe et aI., 2000; Sartorato et aI., 2001).
Considerando uma família na qual tenham sido diagnosticadas, em uma criança com surdez, mutações nos
dois alelos do gene GJB2, o risco de recorrência na irmandade é estimado em 25%. Entretanto, o grau de perda
auditiva de um novo indivíuo afetado não é previsível, uma vez que existem casos de famílias com
expressívídade variável, ou seja, em que indivíduos com o mesmo genótipo têm fenótipos diferentes com
relação à audição.
Por sua vez, o risco de recorrência famílial na situação de um casal ouvinte com um filho afetado por surdez
não sindrõmica sem história de deficiência auditiva na família e sem mutações no gene GJB2 foi estimado por
Prasad et aI. (2000) em 14%, um pouco inferior ao risco estimado por esses autores nos casos em que nenhum
rastreamento molecular é realizado (17%). Na situação em que um dos cônjuges é ouvinte e portador de
mutação no gene GJB2, e o outro, também ouvinte, tem os dois alelos deste gene normais, o risco de virem a
gerar um filho com surdez seria inferior a 0,075% (Green et aI., 1999).
Em síntese, embora o estudQ dos genes "do silêncio" tenha aprimorado substancialmente o diagnóstico
etiológico em casos de surdez, é importante alertar os profissionais envolvidos no atendimento a portadores de
distúrbios auditivos da importância e das dificuldades envolvidas no processo do aconselhamento genético
desses indivíduos. É importante que, além de serem fornecidas informações sobre os ríscos de recorrência de
surdez na irmandade e na prole dos individuos afetados e de outros membros da família, sejam contemplados
todos os princípíos éticos do aconselhamento, que não deve ser diretivo e nem coercivo.
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1 Doutor em genética humana - UNICAMP - CBMEG
Endereço para correspondência: Cidade Universitária Zeferino Vaz
Barão Geraldo Campinas SP 13083-970
Tel: (Oxx19)3788-1147 Fax: (Oxx19) 3788-1089 - E-mail: [email protected]
2 Doutor em genética humana - UNICAMP - FCM Cidade Universitária Zeferino Vaz
Barão Geraldo Campinas SP CEP 13083-970
Artigo recebido em 7 de dezembro de 2001. Artigo aceito em 07 de março de 2002.
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