Surdez: uma questão de família. Maria Cecilia Leal Giraldes de Formigoni Derdic- PUCSP Não existem Filhos sem a existência de Pais! Cada um de nós , além da herança genética que constitui nosso corpo biológico, é herdeiro do simbólico da relação pai-mãe-filho que se instaurou no imaginário de nossos pais antes mesmo de havermos nascido. Isso quer dizer que cada filho, do ponto de vista dos pais, nasce com um "missão imaginária" que será moldada, resgatada, confrontada e reformulada naquilo que de real ocorra entre esse filho e seus pais. "Seu filho é surdo" sentencia o Doutor. De modo inexorável o Real se impõe! Nós, Pais ouvintes, que sabemos do mundo dos Surdos? Como imaginar esse filho, seu futuro? Que apostas podem ser bancadas? Bem, se pelo menos falasse .... mas... falará? Não falará? E a Medicina, que tantas promessas faz, poderá reparar este dano? Bem, talvez haja um equívoco! Melhor consultar outros especialistas. Tantos diagnósticos, tantas tentativas, tantos desencontros! Implante Coclear. Língua de Sinais. Escola comum. Escola Especial. Devo falar? Posso fazer gestos? Ele não me entende ( nem eu a ele!). Frente a tantos impasses, melhor conversar com o médico. Bem, o médico me encaminhou para uma fonoaudióloga. Parece que ela vai ensinar meu filho a falar!( Meu outro filho aprendeu a falar comigo!) Talvez exista algo que eu possa fazer! Ah! Se eu começar trabalhar como meu filho em casa, se eu trabalhar bastante, ele terá bons progressos! Ele precisa falar! A fonoaudióloga me disse que existem, basicamente, dois modos de abordar a questão da surdez: uma linha chamada de Oralista e outra dita Educação Bilingüe. A primeira, partindo do aproveitamento dos resíduos auditivos, tem por objetivo a aquisição da Língua Oral. A Educação Bilingüe parte do princípio que é através da Língua de Sinais que a criança surda poderá adquirir linguagem. Ela me disse ainda que fala e linguagem são coisas diferentes. (São muitas informações, estou confusa!. Parece que os próprios profissionais não se entendem!) Por que não me dizem o que devo fazer? É urgente que algo seja feito! Na tentativa de amenizar a própria dor e angústia, os Pais correm atrás de um Saber seja ele científico, místico, religioso, que acene com a promessa de uma fórmula capaz de restaurar a ordem perdida, de que tudo possa voltar a ser como era antes. O anseio frenético com que muitos Pais se lançam na busca daquilo que eles acreditam ser a reabilitação da surdez é exemplo do quanto é preciso sustentar a crença de que a Surdez seja algo a ser eliminada, recomposta ,suturada, dissimulada. Neste contexto, a criança desaparece. Não há lugar para um filho! Tudo gira em torno da falta de audição; há apenas um ouvido a ser consertado! É preciso resgatar o Real. Estabelecer a realidade desta criança que não escuta. É preciso nomeá-la, uma criança surda. Isso implica que os Pais não se resignem à posição de privilégio da deficiência : "É surdo, nada a fazer.", mas que possam reconhecer na surdez uma condição que ,se bem não tem cura, pertence a esse humano. "Meu Filho é surdo. O destino que imaginei para ele, jamais se cumprirá." É preciso re-gestar essa criança. Deixá-la nascer. Isso significa humanizá-la , refazer apostas; apostas essas pautadas naquilo que em última instância é a tarefa dos pais: - a Educação. Um Pai não pode abrir mão da Educação de seu filho! Não importa o caminho percorrido, a escolha que se faça , o que estará em jogo é a possibilidade da re-apropriação daquilo que caracteriza as funções materna e paterna. São os Pais, e somente eles que têm a possibilidade de fazer da criança um outro humano , de dar-lhe um nome , uma filiação. A inscrição de uma criança na vida se faz porque acreditamos que ali existe um ser em potencial que, muito antes mesmo de saber falar, nos diz de seus desejos e necessidades através do jogo de intenções colocado nas relações maternantes. "A Educação é sempre a transmissão de um Saber (.....) vindo de uma posição ideal". ( )Ideal esse que, afortunadamente, jamais será totalmente cumprido. Frente à descoberta da Surdez, a mãe põe em dúvida seu Saber de mãe. As famílias recorrem a nós, profissionais, na esperança de que possamos fornecer-lhes o "como" criar esse filho. É preciso cautela! Se os Pais forem deslocados do lugar de Pais, se o colocarmos no lugar de reabilitadores, em posição de "professores", estaremos subvertendo a ordem da família . Estaremos tomando para nós, atribuições cujos efeitos são decisivos para a existência da criança. É aos Pais que compete a Educação da criança. Nossa tarefa se resume em auxiliá-los a ser os pais que eles podem ser.