Consenso de Refratariedade Plaquetária Mônica Veríssimo – Centro Infantil Boldrini Definição Refratariedade plaquetária (RP) é definida como o aumento (incremento) plaquetário inadequado após a transfusão, em pelo menos duas transfusões, preferencialmente consecutivas, com plaquetas recentes (≤48 horas) ABO compatíveis. O incremento inadequado deve ser definido por critério mensurado sendo o CCI (corrected count increment - contagem do incremento corrigida) o cálculo adotado para essa definição, que é o mais amplamente utilizado na literatura. O cálculo do CCI é realizado com base na fórmula: CCI = IP x SC x 1011 n onde: IP = incremento na contagem de plaquetas (x 10 9/L) (contagem pós-transfusional – contagem pré-transfusional) SC = superfície corpórea (m2) n = número de plaquetas transfundidas (x 10 11/L) (contagem do “pool” ou da unidade de plaquetaférese x volume do componente) Exemplo: Paciente com 1,8 m2 de SC, apresentando contagem de plaquetas inicial de 5 x 10 9/L, recebe uma transfusão de 4 x 10 11/L plaquetas, apresenta contagem de plaquetas pós-transfusional de 30 x 109/L. CCI = 25 x 1,8 = 11,25 plaquetas/L 4 A refratariedade plaquetária é definida por CCI-1 (contagem pós-transfusional de 1 hora - colhida entre 15 minutos e 1 hora após o término da transfusão) menor que 5000 plaquetas por mL (5,0 plt/L) ou CCI-24 contagem pós-transfusional de 24 horas colhida entre 18 e 24 horas após o término da transfusão) menor que 2500 plaquetas por mL (2,5 plt/L). CCI-1 ≥ 5000 CCI-24 ≥ 2500 NÃO REFRATÁRIO A necessidade de dois resultados consecutivos se justifica pela grande quantidade de fatores clínicos ou farmacológicos capazes de causar um incremento plaquetário insatisfatório. Classificação Muitos fatores podem interferir no incremento plaquetário adequado após a transfusão e podem ser assim divididos: Tabela 1. Fatores envolvidos no resultado da transfusão plaquetária Qualidade da plaqueta Causas imunológicas Causas não imunológica Quantidade transfundida Anticorpos HLA classe I Febre/Infecção No. Leucócitos Anticorpos HPA CIVD Tempo de armazenamento Anticorpos ABO TMO Tipo Imunocomplexos Esplenomegalia de bolsa para armazenamento Temperatura de armazenamento Anticorpos relacionados a drogas Autoanticorpos Adaptado de Novotny (1999) Os fatores não imunes são os responsáveis pela grande maioria (≈80%) dos casos de Refratariedade Plaquetária (RP). Os fatores aloimunes respondem por menos de 20% das RP e são relacionados ao desenvolvimento de anticorpos que reagem contra as plaquetas do doador, reduzindo sua função e sobrevida in vivo. O uso repetido de plaquetas alogênicas resulta frequentemente, no aparecimento de anticorpos direcionados ao antígeno leucocitário humano (HLA) classe I em pacientes politransfundidos, variando de incidência conforme a condição de base do paciente, o tipo de componente transfundido e a exposição prévia a antígenos HLA por transfusão ou gravidez. Em pacientes não imunossuprimidos transfundidos com componentes não leucodepletados, esses anticorpos (Ac-HLA) podem ser detectados em aproximadamente 80 a 100% dos casos, enquanto em pacientes recebendo terapia imunossupressora, sua ocorrência é de 40 a 70% dos casos. É importante ressaltar que a presença de anticorpos anti-HLA não implica necessariamente em Refratariedade Plaquetária (somente em torno de 30% dos Ac-HLA são considerados “patogênicos”). Em cerca de 10 a 20% dos casos de refratariedade plaquetária, os anticorpos são direcionados contra os antígenos plaquetários humanos (HPAs), associados ou não a anticorpos anti-HLA. Os anticorpos anti-ABO podem desempenhar um papel importante na RP. Este fator pode, no entanto, ser contornado pelo uso de plaquetas ABO - compatíveis. Apesar de sua menor prevalência, o estudo e manejo dos fatores imunes são fundamentais pela possibilidade de prevenção de formação de aloanticorpos e seleção de plaquetas compatíveis para receptores aloimunizados. Dentre as medidas para a prevenção e suporte à aloimunização estão a leucorredução e o uso de plaquetas HLA/HPA compatíveis. É importante salientar que o diagnóstico de RP em um determinado momento não implica em RP em todos os ciclos do tratamento, sendo necessária sua confirmação em caso de novas suspeitas no mesmo paciente em momentos distintos. É importante salientar que em casos de suspeita Refratariedade plaquetária é contra-indicado ou com confirmação de a transfusão profilática de plaquetas. Fatores não imunes devem ser afastados, sempre que possível para tentar melhorar o rendimento transfusional. Por exemplo, tratar os processos infecciosos, controlar CIVD, suspensão ou troca de medicamentos, etc... Manejo da Refratariedade Plaquetária Os componentes de painel compatível e crossmatch (“prova cruzada”) serão colhidos por aférese. O método para realização do crossmatch será o PIFT (avalia anticorpos anti-plaquetários e anti-HLA classe I) e o crossmatch-HLA. Somente devem ser liberados para transfusão os componentes com ambos os testes com resultados negativos! A utilização de plaquetas com compatibilidade HLA parcial (match parcial) é frequentemente necessária, dado o grande polimorfismo HLA particularmente em populações com grande miscigenação, como a brasileira. É importante salientar que quando há compatibilidade parcial e trata-se de doadora com história de gestação ou doador/a com histórico transfusional, é realizada na primeira doação de painel a prova de reatividade (PRA-HLA), a fim de se avaliar a possibilidade de reatividade do anticorpo contra o antígeno não compatível do receptor. Havendo essa reatividade, o componente proveniente desta doação não deverá ser utilizado, pelo risco de TRALI (lesão pulmonar aguda associada a transfusão). A amostra de soro do paciente para realização da compatibilidade deve ser de no máximo 7 dias antes do teste (Checar a necessidade de nova amostra sempre). É importante a realização do CCI após a transfusão do componente com compatibilidade negativa para avaliar o impacto dos fatores não imunes da Refratariedade Plaquetária (quando há baixo rendimento com componentes compatíveis). Caso o uso de componentes compatíveis continue resultando em baixo rendimento (causas não imunes de RP, que não puderam ser corrigidas) e haja sinais de sangramento maior (risco de vida do paciente), deverá ser realizada transfusão de plaquetas com maior frequência (10mL/kg em intervalos de tempo menores, variando de 12/12h a 4/4h horas, enquanto persistirem sinais de sangramento maior) Bibliografia Leukocyte reduction and ultraviolet B irradiation of platelets to prevent alloimmunization and refractoriness to platelet transfusions. The Trial to Reduce Alloimmunization to Platelets Study Group. N Engl J Med 1997; 337(26):1861-1869. Detection of platelet-reactive antibodies in patients who are refractory to platelet transfusions, and the selection of compatible donors. Vox Sang 2003 ;84(1):73-88. Guidelines for the use of platelet transfusions. Br J Haematol 2003; 122(1):10-23. Davis KB, Slichter SJ, et al. (1999). Corrected count increment and percent platelet recovery as measures of posttransfusion platelet response: problems and a solution. Transfusion 39(6):586-92. Duquesnoy RJ (2008). Structural epitope matching for HLA-alloimmunized thrombocytopenic patients: a new strategy to provide more effective platelet transfusion support? Transfusion 48(2):221-227. Duquesnoy R J (2011). Antibody-reactive epitope determination with HLAMatchmaker and its clinical applications. Tissue Antigens 77(6):525-534. Engelfriet CP, Reesink WH et al. (1997). Management of alloimmunized, refractory patients in need of platelet transfusions. Vox Sang 73(3):191-8. Heal JM and Blumberg N (2004). Optimizing platelet transfusion therapy. Blood Rev 18(3):149-65. Hod E and Schwartz J (2008). Platelet transfusion refractoriness. Br J Haematol 142(3):348-360. Jimenez TM, Patel SB, et al. (2003). Factors that influence platelet recovery after transfusion: resolving donor quality from ABO compatibility. Transfusion 43(3):328-34. Metcalfe P (2004). Platelet antigens and antibody detection. Vox Sang 87 Suppl1:82-6. Metcalfe P, Watkins NA, et al. (2003). Nomenclature of human platelet antigens. Vox Sang 85(3):240-245. Novotny VM (1995). Platelet transfusion refractoriness--prevention and therapeutical approaches. Transfus Clin Biol 2(1):47-9. Novotny VM (1999). Prevention and management of platelet transfusion refractoriness. Vox Sang 76(1):1-13. Novotny VM, van Doorn R, et al. (1995). Occurrence of allogeneic HLA and non-HLA antibodies after transfusion of prestorage filtered platelets and red blood cells: a prospective study. Blood 85(7):1736-41. Pai SC, Lo SC, et al. (2010). Epitope-based matching for HLA-alloimmunized platelet refractoriness in patients with hematologic diseases. Transfusion 50(11):2318-2327. Pappalardo PA, Secord AR, et al. (2001). Platelet transfusion refractoriness associated with HPA-1a (Pl(A1)) alloantibody without coexistent HLA antibodies successfully treated with antigen-negative platelet transfusions. Transfusion 41(8):984-7. Pavenski K, Freedman J, et al. (2012). HLA alloimmunization against platelet transfusions: pathophysiology, significance, prevention and management. Tissue Antigens 79(4):237-245. Petz LD, Garratty G, et al. (2000). Selecting donors of platelets for refractory patients on the basis of HLA antibody specificity. Transfusion 40(12):1446-56. Phekoo KJ, Hambley H, et al. (1997). Audit of practice in platelet refractoriness. Vox Sang 73(2):81-6. Rebulla P (2002). Refractoriness to platelet transfusion. Curr Opin Hematol 9(6):51620. Rebulla P (2005). A mini-review on platelet refractoriness. Haematologica 90(2):24753. Rozman P (2002). Platelet antigens. The role of human platelet alloantigens (HPA) in blood transfusion and transplantation. Transpl Immunol 10(2-3):165-81. Sanz C, Freire C, et al. (2001). Platelet-specific antibodies in HLA-immunized patients receiving chronic platelet support. Transfusion 41(6):762-5. Sintnicolaas K and Lowenberg B (1996). A flow cytometric platelet immunofluorescence crossmatch for predicting successful HLA matched platelet transfusions. Br J Haematol 92(4):1005-10. Slichter SJ, Fish D, et al. (2005). Evaluation of different methods of leukoreduction of donor platelets to prevent alloimmune platelet refractoriness and induce tolerance in a canine transfusion model. Blood 105(2):847-54. Slichter SJ, Davis K, et al. (2005). Factors affecting posttransfusion platelet increments, platelet refractoriness, and platelet transfusion intervals in thrombocytopenic patients. Blood 105(10):4106-14. Vassallo RR (2009). Recognition and management of antibodies to human platelet antigens in platelet transfusion-refractory patients. Immunohematology 25(3):119-124. Marwaha N, Sharma RR (2009). Consensus and controversies in platelet transfusion. Transfus Apher Sci 41:127–133 Pavenski K, Rebulla P, Duquesnoy R, Saw CL, Slichter SJ, Tanael S, Shehata N (2013) .International Collaboration for Guideline Development, Implementation and Evaluation for Transfusion Therapies (ICTMG) Collaborators. Efficacy ofHLA-matched platelet transfusions for patients with hypoproliferative thrombocytopenia: a systematic review. Transfusion. Apr 3. [Epub ahead of print] Heikal NM, Smock KJ.(2013) Laboratory testing for platelet antibodies. Am J Hematol.;88(9):818-21. Epub 2013 Jul Wiita AP, Nambiar A. (2012) Longitudinal management with crossmatch-compatible platelets for refractory patients: alloimmunization, response to transfusion, and clinical outcomes (CME). Transfusion:52(10):2146-54. Rioux-Massé B, McCullough J (2011). The role of the pretransfusion platelet count in platelet refractoriness. Transfusion. Oct;51(10):2258-9.