NECESSIDADE TRANSFUSIONAL EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA NO HOSPITAL ESCOLA DA FUNDAÇÃO ASSISTENCIAL DA PARAIBA (FAP) NA CIDADE DE CAMPINA GRANDE-PB RESUMO O uso de hemocomponentes, bem como hemoderivados, é prática rotineira na medicina, principalmente nos pacientes internados em unidades de terapia intensiva. Os motivos são os mais variados: pós-operatório, no curso da coagulação intravascular disseminada, puérperas que evoluíram com discrasia sanguínea importante, pacientes em vigência de tratamento químico/radioterápico, dentre vários outros exemplos. Contudo, a indicação da terapêutica transfusional deve ser criteriosa, haja visto que não é um procedimento isento de risco: a transmissão de doenças infecciosas e reações transfusionais agudas e crônicas podem ser conseqüência do processo. Palavras-chave: Transfusão sanguínea, unidade de tratamento intensivo. ABSTRACT The use of hemocomponents, like hemoderivative, is routine practice in medicine, especially in patients hospitalized in unit of intensive therapy. The reasons are varied: Postoperatively, in the course of disseminated intravascular coagulation, postpartum women who developed blood dyscrasia important, patients during treatment chemical / radiation therapy, among many other examples. However, an indication of transfusion therapy should be careful, since there is not a procedure without risk: the transmission of infectious diseases and chronic and acute transfusion reactions may be a consequence of the process. Keywords: Blood transfusion, intensive therapy unit. INTRODUÇÃO A descoberta dos grupos sanguíneos, iniciada com Karl Landensteiner, em meados do século XX, inaugurou a especialidade de hemoterapia na medicina. Esta representa uma atividade essencial e indispensável para o tratamento de suporte que auxilia a cura de pacientes com doenças hematológicas e não hematológicas complexas. O uso de sangue e seus componentes é uma prática cara que necessita de tecnologia de ponta e recursos humanos especializados e tem seu fornecimento diretamente relacionado à doação voluntária. Devido a estas particularidades, faz-se necessário a racionalização no uso do sangue, sempre pesando riscos e benefícios e considerando a saúde/segurança do doador e receptor. O processo de doação de sangue é regulamentado pela Lei n° 10.205, de 21 de março de 2001, e por regulamentos técnicos elaborados pelo Ministério da Saúde. A hemoterapia realizada através da utilização de componentes do sangue ao invés do sangue total vem sendo progressivamente difundida no Brasil nos últimos anos. Hemocomponentes e hemoderivados são produtos distintos. Os produtos gerados um a um nos serviços de hemoterapia (bancos de sangue/hemocentros) a partir da bolsa de sangue total são denominados hemocomponentes (concentrados de hemácias e plaquetas, plasma fresco congelado, crioprecipitado). Já os produtos obtidos em escala industrial, a partir do fracionamento do plasma, são os hemoderivados (albumina, fatores de coagulação, imunoglobulinas). Existem duas formas para obtenção dos hemocomponentes. A mais comum é a coleta do sangue total. A outra forma, mais específica e de maior complexidade, é a coleta por meio de aférese ( separação de componentes do sangue por equipamento próprio, com devolução ao doador dos outros componentes não necessários). Cada unidade de sangue doada é fracionada em componentes que podem não apenas beneficiar diversos pacientes, como também permitem que um volume maior de determinado componente seja transfundido para um paciente. Este último beneficia principalmente pacientes pediátricos e idosos cardiopatas. A seleção de doadores a partir de critérios mais abrangentes relativos à anamnese, o fracionamento do sangue coletado em sistema de bolsa fechado, a utilização de testes laboratoriais mais sofisticados, e o uso mais racionalizado e específico de um componente do sangue, têm proporcionado a melhora da segurança e da qualidade da transfusão. Não existe outra área da medicina transfusional que requeira esforços mais concentrados e continuados do que a captação de doadores de sangue. Ela é fundamental, pois, sem abundância de sangue de boa qualidade, um serviço de hemoterapia não poderá, com eficácia, cumprir suas funções. Os programas de captação de doadores de sangue são baseados nos conceitos de responsabilidade da comunidade ou dos familiares pelo provimento de sangue para os receptores. A comunidade deve ser conscientizada, educada para a doação de sangue altruísta, por solidariedade humana (inclusive já deveria ser abordado este assunto na educação básica infantil, procurando conscientizar as crianças desde cedo). Todos devem estar conscientes de que a captação de doadores de sangue não é um problema exclusivo do serviço de transfusão, e sim de todos que estão nele envolvidos: a equipe médico-hospitalar, o receptor de sangue, seus amigos e familiares e toda a comunidade, afinal sem sangue não dá para ser paciente. A indicação de transfusão deve ser feita por médicos e baseada principalmente em critérios clínicos, devendo restaurar ou manter a capacidade de transporte de oxigênio, o volume sanguíneo e a hemostasia. Hoje se pode transfundir somente o componente que o paciente necessita, baseado em avaliação clínica e/ou laboratorial, não havendo indicação de sangue total. Os concentrados de hemácias podem ser indicados no tratamento de anemias em pacientes normovolêmicos que necessitam aumentar ou restaurar a capacidade de transportar oxigênio. A maioria dos pacientes adultos alcança aumento de 1g/dl de hemoglobina ou 3% no hematócrito, por unidade de concentrado de hemácia transfundido. Em crianças, para se obter um incremento no hematócrito de 10%, devese transfundir 10ml/kg de peso. Os concentrados de plaquetas são utilizados na prevenção de sangramento em pacientes em tratamento de doenças hematológicas malignas (particularmente leucemias), devido a falência medular. Tem sido aceito como consenso, tranfundir plaquetas quando os níveis estão em torno de 10.000/mm3, quando não apresentam fatores de risco adicionais (sepse uso de medicamentos, outras anormalidades da hemostasia). Para a prevenção de sangramento em procedimentos invasivos, o limiar de transfusão deve ser maior, sendo seguro com contagens plaquetárias em torno de 50.000/mm3, exceto em cirurgias oftalmológica e neurológica, quando o limiar é em torno de 100.000/mm3. De maneira prática, a transfusão de um pool de 6 a 8 unidades de plaquetas ou de 1 unidade de plaquetas obtidas por aférese, deveria elevar a contagem plaquetária do receptor de 10.000 para 40.000/mm3. O plasma fresco congelado é indicado em pacientes com sangramento acompanhado de deficiências múltiplas de fatores de coagulação secundárias a hepatopatias, CIVD ou coagulopatia dilucional em transfusões maciças. Pode, ainda, ser utilizado para reverter à ação de anticoagulantes orais, deficiência de proteínas S e C, antitrombina e no tratamento da púrpura trombocitopênica trmbótica (PTT). Não existe justificativa para o uso do plasma fresco congelado como expansor de volume ou como fonte protéica, uma vez que existem produtos alternativos (cristalóides, colóides, albumina). Em geral, a administração de 10-20 ml/kg de plasma fresco congelado usualmente aumenta os níveis das proteínas da coagulação em 20 a 30%. É importante a avaliação antes e após o uso de plasma, através do tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial (TTP). O crioprecipitado é uma fonte concentrada de algumas proteínas plasmáticas. Pode ser indicado no tratamento de deficiência do fibrinogênio congênita ou adquirido ou deficiência de fator XIII da coagulação Apesar de todos os cuidados, o procedimento transfusional ainda apresenta riscos (doença infecciosas, imunossupressão, imunomodulação, aloimunização), devendo, com isso, ser realizado somente quando existe indicação precisa e nenhuma outra opção terapêutica. A decisão da transfusão deve ser compartilhada pela equipe médica com o paciente ou seus familiares. Em situações relacionadas com crenças religiosas, existem orientações específicas que devem ser discutidas com o médico hemoterapeuta do serviço. Hoje o país possui uma rede de serviços de hemoterapia, a que se convencionou denominar de Hemorrede Nacional, que venceu o desafio de conter a transmissão de agentes infecciosos (como HIV e os vírus das hepatites. Embora a Hemorrede esteja distribuída por todo o território nacional, ela apresenta uma grande heterogeneidade em termos de estrutura e qualidade dos serviços prestados. Assim, serviços de qualidade internacional existem ao lado de unidades que carecem de maior desenvolvimento. Contribiu para isto tanto a necessidade de infra-estrutura adequada, como a contínua formação de recursos humanos treinados para o exercício competente das diversas funções que compõem o universo profissional de um serviço de hemoterapia. A requisição do produto hemoterápico deve ser preenchida da forma mais completa possível, prescrita e assinada por médico e estar registrada no prontuário do paciente. O Hospital Escola da Fundação Assistencial da Paraíba é um hospital público, atendendo as mais variadas especialidades, com ênfase na cirurgia-geral e oncohematologia , e que serve à cidade de Campina Grande ( 120km de João Pessoa e com 380.000 habitantes) e demais cidades do compartimento da Borborema (regiões do brejo e agreste paraibanos). Conta com unidades de tratamento intensivo adulto e infantil, bem como com blocos cirúrgicos, maternidade e agência transfusional. Os hemocomponentes e hemoderivados são dispensados pelo Hemocentro Regional de Campina Grande, pertencente à hemorrede do estado da Paraíba. OBJETIVOS Realizar um estudo retrospectivo baseado na quantidade de hemocomponentes (concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas e plasma fresco congelado) liberados pelo setor de hemoterapia do Hospital Escola da FAP para pacientes dos sexos masculino e feminino internados na unidade de terapia intensiva adulta, em um determinado espaço de tempo; procurando classificar estes hemocomponentes no sistema ABO/Rh e mostrar a indicação clínica destas solicitações. METODOLOGIA Pesquisa de dados em solicitações de hemocomponentes enviadas pela unidade de tratamento intensivo adulta ao setor de hemoterapia do Hospital Escola da FAP , no período de janeiro à junho de 2011. Os itens escolhidos para análise foram: sexo dos pacientes, tipo de hemocomponente liberado, classificação ABO/Rh e indicação clínica com determinação de hemoglobina e plaquetometria (como determina o Ministério da Saúde. RESULTADOS No período de janeiro à junho de 2011, deram entrada na unidade de tratamento intensivo adulto do Hospital Escola da FAP, 223 pacientes. Destes, 129 eram do sexo feminino e 94 do sexo masculino. Receberam transfusão com hemocomponentes, 57 pacientes (26 do sexo masculino; 31 do sexo feminino). A agência transfusional disponibilizou 275 hemocomponentes neste período: 147 concentrados de hemácias, 48 concentrados de plaquetas, 75 unidades de plasma fresco congelado e 05 unidades de crioprecipitado (alguns pacientes fizeram uso de mais de um destes componentes). Classificação ABO/Rh: A+ (15 pacientes); A- (3 pacientes); B+ (4 pacientes); B(nenhum paciente); AB+ (1 paciente); AB- (1 paciente) ; O+ (30 pacientes) e O- (3 pacientes). A indicação clínica, bem como os valores prévios de hemoglobina e contagem plaquetária, só foram descritas em 3 pacientes: Paciente do sexo feminino, pós-operatório de cesárea cursando com sangramento, Hb 7,5g/dl e plaquetas 78.000/mm3, receberam: 16 unidades de concentrados de hemácias, 05 unidades de concentrados de plaquetas, 23 bolsas de plasma fresco congelado e 05 unidades de crioprecipitado. Paciente do sexo feminino, Hellp-síndrome, com HB 9,1g/dl e plaquetas 68.000/mm3, recebeu 04 unidades de concentrados de hemácias e 10 bolsas de plasma fresco congelado. Paciente do sexo masculino, portador de hepatopatia e cursando com melena, Hb 4,8g/dl , recebeu 03 unidades de concentrados de hemácias. DISCUSSÃO Tópicos a serem observados: O predomínio do sexo feminino, tanto entre os pacientes internados na unidade de tratamento intensivo, bem como dentre os que receberam hemocomponentes. Concentrado de hemácias como principal hemocomponente transfundido. Tipos sanguineos predominantes O+ e A+. Anemia como principal indicação de transfusão de hemocomponentes. Contrariando o que preconiza a RDC 153 de junho de 2004 , houve preenchimento incompleto da prescrição transfusional, já que um dos principais itens, indicação clínica e valores de hemoglobina e plaquetas, não foram anotados. Como foram utilizados mais concentrados de hemácias, suspeita-se que a anemia foi a principal indicação clínica para uso de hemocomponentes. Sabe-se que a prática transfusional dentro das terapias intensivas é heterogênea, não seguindo um protocolo único. Alguns trabalhos mostram que centros da Europa ocidental e EUA, utilizam valor de hemoglobina 8,5g/dl para indicação de transfusão. Dados brasileiros de algumas publicações, mostram gatilho de 7,7g/dl e 8,0g/dl em pacientes cardiopatas. Muito da prática baseada em gatilhos transfusionais é fundamentada no potencial benefício em melhorar o transporte de oxigênio e reduzir a injúria tecidual. Mesmo assim, esta ação deve ser guiada por níveis de hemoglobina/hematócrito e por parâmetros fisiológicos individualizados. Faz-se necessário estar sempre ciente dos riscos inerentes de uma transfusão sanguinea e sempre procurar incorporar evidências científicas ao exercício contínuo do cuidado à beira do leito. TABELAS TABELA 1 Distribuição dos pacientes por sexo SEXO Fi % MASCULINO 94 42,2% FEMININO 129 57,8% TOTAL 223 100% TABELA 2. Distribuição dos pacientes que receberam transfusão com hemocomponentes SEXO Fi % MASCULINO 26 45,6% FEMININO 31 54,4% TOTAL 57 100% TABELA 3. Disponibilização de hemocomponentes no período TIPO Fi % Concentrados de hemácias Concentrados de plaquetas Plasma fresco congelado Crioprecipitado TOTAL 147 48 75 5 275 53,5% 17,5% 27,3% 1,8% 100% TABELA 4. Classificação ABO/Rh TIPO Fi % A+ 15 26,3% A3 5,3% B+ 4 7,0% 0 0,0% BAB+ 1 1,8% AB1 1,8% 30 52,6% O+ 3 5,3% OTOTAL 57 100% TABELA 5. Indicação clínica e valores de hemocomponentes Hemocomponentes Concentrados de Hemácias Concentrados de Plaquetas Plasma Fresco Congelado Crioprecipitado TOTAL Pós-operatório de cesárea cursando com sangramento Hb 7,5g/dl e plaquetas 78.000/mm3 FEMININO Hellpsíndrome, com HB 9,1g/dl e plaquetas 68.000/mm3. FEMININO Portador de hepatopatia e cursando com melena, Hb TOTAL 4,8g/dl. MASCULINO 16 4 3 23 5 0 0 5 23 10 0 33 5 49 0 14 0 3 5 66 GRÁFICOS Grafico 1- Distribuição dos pacientes por sexo Gráfico 2 – Distribuição dos pacientes que recebera transfusão com homocomponentes. Gráfico 3 - Disponibilização de hemocomponentes no período Gráfico 4 - Classificação ABO/Rh Gráfico 5 - Indicação clínica e valores de hemocomponentes BIBLIOGRAFIA 1. AUDET, A.M.; GOODENOUGH, L. T. Practice strategies for elective red blood cell transfusion: American College of Physicians. Ann. Intern. Med, 1992 2. 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