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Prevenindo a contaminação
bacteriana de componentes
sangüíneos
Andreza Alice Feitosa Ribeiro1, José Mauro Kutner2
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Médica Responsável pelo Serviço de Processamento e Criopreservação do Departamento de
Hemoterapia do Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo (SP).
Coordenador Médico do Departamento de Hemoterapia do Hospital Israelita Albert Einstein - São
Paulo (SP).
O risco de transmissão de agentes infecciosos pelas
transfusões de sangue e hemocomponentes vem
diminuindo ao longo dos anos. Isto tem ocorrido graças
ao aprimoramento dos testes sorológicos e à introdução
de testes de biologia molecular, utilizados na triagem
laboratorial para a detecção daqueles agentes no
sangue doado. As transfusões de sangue nunca foram
tão seguras como atualmente.
Entretanto, a ocorrência de bacteremia associada
às transfusões de sangue, evento antes pouco lembrado
por sua relativa baixa freqüência, assumiu papel de
destaque na medicina transfusional atual(1).
A literatura médica relata a prevalência de
contaminação bacteriana num hemocomponente
sangüíneo como variando de 0,04% a 2%, dependendo
do tipo do componente. Isto pode ocorrer mesmo que
sejam tomados todos os cuidados de assepsia no
momento da coleta e com o uso de materiais descartáveis adequados(1).
Estudos recentes revelam que entre 1/22.000 e
1/3.000 unidades de plaquetas estejam contaminadas
por bactérias provenientes do doador. Entretanto,
apenas uma pequena fração destes casos leva à sepse
clinicamente identificável. Na França, outro estudo
recente estimou que 1/140.000 transfusões de
concentrados de plaquetas por aférese resulta em óbito
do paciente por sepses, devido à contaminação
bacteriana da unidade transfundida. Nos EUA, estudo
semelhante estimou em 1/13.000 o risco de contaminação de uma unidade de concentrado de plaquetas
por aférese e em 1/71.000 o risco de morte por este
motivo. Estes riscos estão muito além dos riscos atuais
de transmissão de outros agentes infecciosos de maior
popularidade, como o HIV, HCV e HBV (2-3)(vide
figura).
A figura mostra a evolução do risco de transmissão
de diferentes agentes infecciosos por via transfusional,
de acordo com a melhoria das técnicas de detecção
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viral, e sua comparação com o risco atual de contaminação bacteriana de concentrados de plaquetas, sem a
utilização de cultura rotineira das unidades de hemocomponentes.
O risco de contaminação bacteriana relacionado à
transfusão de concentrado de hemácias é menor: cerca
de 1/1 milhão de unidades. A principal razão desta
discrepância de prevalência entre os produtos está na
capacidade de crescimento dos microrganismos e de
sua capacidade de produzir toxinas, nos diferentes tipos
de estocagem. Os concentrados de hemácias são
armazenados entre 2°C e 6°C, enquanto os concentrados de plaquetas entre 20°C a 24°C.
São diversas as possíveis fontes de contaminação
bacteriana identificadas. O ponto crítico parece ser a
coleta do sangue. Durante a coleta, bactérias de pele,
ou mesmo bactérias presentes na corrente sangüínea
do doador, podem ser a fonte de contaminação do
sangue coletado, mesmo aplicando-se as técnicas
adequadas de assepsia no local da punção. Bacteremia
assintomática do doador no momento da doação, ou
infecções no período de incubação ou de convalescença,
que não são referidas pelo candidato durante a triagem
clínica, podem também ser a causa de uma contaminação(4).
Além disso, devido ao calibre das agulhas utilizadas
na coleta de sangue de doadores, também é possível a
introdução de bactérias na bolsa, caso um folículo piloso
seja seccionado na punção ou um fragmento diminuto
de tecido seja introduzido.
Os contaminantes mais freqüentemente encontrados nos concentrados plaquetários são predominantemente as bactérias Gram-positivas, principalmente
Staphylococcus sp e Propionibacterium sp, germes
comuns de pele, seguidas de Serratia marcescens,
Streptococcus sp, e um número variado de bacilos Gramnegativos(5).
Alguns microrganismos Gram-negativos que
proliferam a 4°C, como a Yersinia enterocolitica e a
Pseudomonas fluorescens, podem proliferar também em
concentrados de hemácias contaminadas e estão
relacionadas a 75% das reações transfusionais
decorrentes da contaminação por esse tipo de
hemocomponente(6).
Várias medidas podem ser tomadas no intuito de
diminuir o risco de reações adversas relacionadas à
contaminação bacteriana de hemocomponentes.
Algumas direcionadas à redução do próprio risco de
contaminação, e outras visando à identificação e
desprezo de hemocomponentes contaminados.
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Dentre essas medidas, lembramos: a melhoria da
técnica de assepsia, realizada em dois tempos e com
duas soluções diferentes; a remoção dos primeiros
mililitros de sangue coletado, que podem inclusive ser
utilizados como amostra para os testes sorológicos e
imunoematológicos; a limitação do tempo de estocagem de concentrados plaquetários; e a leucodepleção
na fase de pré-estocagem.
Nos últimos anos, diversos especialistas têm advogado que, apesar das medidas acima referidas serem
fundamentais e de eficácia inquestionável, elas têm
suas limitações. Dentro desse conceito, cuidados
adicionais devem ser introduzidos na manufatura dos
hemocomponentes.
Em bacteriologia, o principal teste para avaliação
de esterilidade é a cultura microbiológica. Daí a
proposta de introdução desta metodologia rotineiramente, como mais um teste de triagem do sangue doado.
Diferentemente dos testes sorológicos, ou mesmo
dos de biologia molecular, que podem ser aplicados a
amostras colhidas no momento da doação do sangue,
a detecção de bactérias requer tempo para que os
organismos proliferem e sejam passíveis de detecção.
A cultura microbiológica rotineira de concentrados
sanguíneos apresenta alguns desafios e dificuldades
adicionais:
• como o inóculo microbiológico inicial é geralmente
pequeno, a amostra ideal a ser coletada para análise
de esterilidade deve ter um volume mínimo. Este
volume pode interferir com a dose terapêutica
desejada do componente, lembrando que um
concentrado individual de plaquetas tem apenas
cerca de 50 ml a 70 ml;
• o tempo que o hemocomponente deve aguardar até
a liberação do resultado da cultura compromete a
disponibilidade de produtos com tempo curto de
validade, como os concentrados plaquetários, que
têm validade de somente cinco dias.
Mesmo com estas dificuldades, diversos centros têm
implementado a cultura automatizada dos hemocomponentes e a prática os tem orientado quanto à resolução das adversidades(5).
Apesar da cultura microbiológica ainda não ser
exigida pelas autoridades sanitárias do Brasil, a
literatura médica recente sugere a necessidade de sua
introdução. Além disso, a Associação Americana de
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Bancos de Sangue (American Association of Blood
Banks, AABB, EUA)(7-8) exige que todas as instituições
por ela acreditadas implementem métodos de detecção
microbiológica até março de 2004.
Há muitos anos o Departamento de Hemoterapia
vem realizando, na sua rotina de controle de qualidade,
culturas microbiológicas de um percentual das unidades
produzidas. Além disso, também faz parte do nosso
protocolo de investigação de reações transfusionais
febris não-hemolíticas a análise microbiológica do
hemocomponente, objetivando a detecção precoce de
agentes contaminantes, caso estes existam.
O Departamento de Hemoterapia do Hospital
Israelita Albert Einstein estará introduzindo a cultura
microbiológica rotineira de seus hemocomponentes até
o final de 2003. Desta forma, segue a tendência médica
mundial, mesmo que ainda incipiente em alguns países,
e segue as diretrizes da AABB, entidade de referência
e pela qual é acreditada desde 1998, o que obriga a
seguir suas orientações técnicas. Porém, mais importante
do que estes motivos, é garantir o melhor que a
medicina moderna pode oferecer para a segurança de
nossos pacientes.
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Referências
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