Complicações das transfusões de produtos hemoterápicos

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Complicações das transfusões de produtos hemoterápicos
José Mauro Kutner
Andrea Tiemi Kondo
As transfusões de hemocomponentes nunca foram tão seguras como na
atualidade. Entretanto, como em qualquer procedimento médico, em algumas
situações podem ocorrer reações adversas. O pronto reconhecimento destas
reações é importante para que medidas terapêuticas sejam estabelecidas, bem
como estratégias de prevenção para futuras transfusões.
As reações transfusionais adversas podem ser divididas em infecciosas e
não infecciosas; imunológicas e não imunológicas; e em agudas (aquelas com
início em menos de 24 horas após a transfusão) e tardias (com início após 24
horas da transfusão).
Reações Agudas:
Tabela 1 – Reações transfusionais agudas imunológicas
Tipo
Incidência
Causa
Reação
Hemolítica
Aguda
a
incompatibilidade
eritrocitária
Reação
Febril Não
Hemolítica
(RFNH)
1:100 a
(0,5 a
1:100 a
Reação
Alérgica
Anafilática
TRALI
(transfusion
related
acute lung
injury)
(0,5% a
1:20.000 a
a
anticorpos contra
antígenos
leucocitários,
citocinas
Sinais e Sintomas
febre; calafrios; dor lombar,
torácica, no local da infusão
ou abdominal; hipotensão
arterial;
oligúria;
hemoglobinúria;
choque;
anemia; icterícia; CIVD
Prevenção
Rotina
cuidadosa
de
checagem dos componentes
antes da transfusão.
realização
correta
de
tipagem ABO/RhD e pesquisa
de anticorpos irregulares
- Uso de filtro de leucócitos
- Uso de pré-medicação (p.ex.
Tremores, calafrios, febre,
anti-térmicos)
cefaléia, mal estar, náuseas e
vômitos
anticorpos contra
proteínas
plasmáticas
- Uso de pré-medicação (p.ex.
anti-histamínico ou corticóide)
prurido, rash cutâneo, urticária Uso de componentes
lavados (em alergias severas)
anticorpos contra
proteínas
plasmáticas,
geralmente antiIgA.
anticorpos do
doador dirigidos
contra HLA ou
antígenos dos
neutrófilos do
receptor
urticária, eritema, ansiedade,
broncoespasmo, tosse, edema
laríngeo,
insuficiência
respiratória,
hipotensão
arterial
febre,
vômitos,
diarréia,
calafrios,
dispnéia,
taquicardia,
hipotensão
arterial,
cianose,
hipóxia
severa, infiltrado pulmonar,
insuficiência respiratória
- Uso de pré-medicação (p.ex.
anti-histamínico ou corticóide)
Uso de componentes
lavados
- ainda sem unanimidade
mínima na literatura médica
sobre formas de prevenção
Tabela 2 – Reações transfusionais agudas não imunológicas
Tipo
Incidência
Plaquetas
%a
Contaminação
Bacteriana
Sobrecarga
Circulatória
Reação
Hemolítica
de Causa
Mecânica
Raro c/
transfusão de
hemácias
a
Causa
Sinais e Sintomas
Staphylococcus
Enterobacteriacea
febre,
calafrios,
e
dispnéia, hipotensão
Y. enterocolitica
arterial, oligúria, CIVD
Serratia
liquefaciens
Sobrecarga de
volume
Dispnéia, ortopnéia,
taquicardia,
hipertensão
arterial,
cefaléia
Destruição física
ou química do
sangue por
Hemoglobinúria,
Desconhecida
aquecimento
anemia, icterícia
inadequado,
adição de drogas,
roletes de bombas
Prevenção
- Cultura bacteriana dos
componentes plaquetários
pré-transfusão
- Assepsia adequada na
coleta e manipulação do
componente
- Triagem rigorosa do doador
- Infusão lenta, de acordo com
a capacidade volêmica do
paciente
- Não infundir componente em
via concomitante com
medicações hiper/hipo tônicas
- utilizar apenas dispositivos
adequados para o
aquecimento de componentes
Reações tardias
Reações hemolíticas tardias
Reações hemolíticas tardias podem ocorrer quando a transfusão do
concentrado de hemácias induz uma resposta imunológica anti-eritrocitária dias ou
semanas após a transfusão. Cursa com quadro clinico indolente, geralmente com
mal-estar, fraqueza, anemia e icterícia, usualmente não causando risco para o
paciente. Tipicamente não é necessária terapêutica aguda, mas cuidados na
seleção de concentrado de hemácias compatíveis para futuras transfusões são
necessários para prevenir novas reações. Geralmente estão envolvidos anticorpos
de outros sistemas sanguíneos que não o ABO, como os sistemas RH e Kell.
Aloimunização HLA
A sensibilização ao sistema HLA é uma complicação freqüente nos
pacientes adultos submetidos a transfusões, e está envolvida na fisiopatologia da
refratariedade plaquetária. Estudos com crianças verificaram que pacientes
submetidos a transfusão crônica antes de 10 anos de idade apresentavam maior
tolerância e raramente desenvolviam tal complicação.
Doença do enxerto versus hospedeiro transfusional (GVHD-T)
A doença do enxerto versus hospedeiro pós-transfusional, apesar de rara,
é uma complicação habitualmente fatal. A expansão clonal dos linfócitos T do
doador em um paciente imunossuprimido leva a um ataque imunológico aos
tecidos do receptor, culminando com febre, pancitopenia, eritrodermia, hepatite e
enterocolite. Os sintomas iniciam-se com 10 a 12 dias da transfusão.
Não há nenhum tratamento efetivo para o GVHD transfusional, pois
imunossupressores mostraram-se pouco eficazes na reversão do quadro. A
prevenção deve ser realizada através da irradiação de hemocomponentes
transfundidos em pacientes com risco para tal reação adversa. Pacientes que
devem receber produtos irradiados são os imunodeprimidos, como p.ex. os
transplantados, pacientes onco-hematológicos, neonatos prematuros ou de baixo
peso, submetidos a exsanguineotransfusões e a transfusões intra-uterinas.
Sobrecarga de ferro
A sobrecarga de ferro invariavelmente ocorre após 50 a 100 transfusões de
concentrado de hemácias e por vezes até antes. Tratamento com quelantes de
ferro deve ser iniciado quando o nível sérico de ferritina ultrapassar valor de 1.000
mg/dL. A desferroxamina tem sido o quelante mais utilizado, entretanto novas
opções terapêuticas via oral como o deferiprone e deferasirox estão chegando ao
mercado.
Infecções transmitidas por transfusões
Os avanços nas técnicas de detecção de doenças infecciosas melhoraram
significativamente a segurança transfusional.
Infecções virais como hepatites (B, C, D), HIV, HTLV I/II, CMV, EpsteinBarr, herpesvirus 6 e 8, parvovirus B19, West Nile virus, TTV, SEN-V, Prions
(relacionados às encefalopatias espongiformes transmissíveis – doença de
Creutzfeldt-Jakob e Creutzfeldt-Jakob variante) podem ser transmitidas através da
transfusão de hemocomponentes. Estratégias para detecção associadas ou não à
triagem rigorosa dos doadores corroboram para a redução dos riscos desta
complicação. Estima-se que, hoje, nos EUA, o risco de se transmitir HIV ou HCV
por transfusão de sangue é de 1/1,5 a 2 milhões de transfusões.
É fundamental a triagem rigorosa dos doadores de sangue e a execução de
testes laboratoriais de alta sensibilidade para selecionar as unidades que podem
ser transfundidas.
Leituras recomendadas
- Blood Transfusion Therapy- A Physician's Handbook , 8th ed. AABB
Press, 2005.
- Transfusion Reactions, 3rd ed. AABB Press, 2007.
- Technical Manual, 5th ed. AABB Press, 2005.
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