1 Análise da política econômica brasileira diante da crise financeira globalizada a partir de 2008 Wagner Rocha Arruda Chaves∗ (IFES – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo) Resumo A crise financeira, originada no mercado imobiliário dos Estados Unidos da América, rompeu suas fronteiras e agravou a reprodução e acumulação de capital na economia globalizada. O Brasil, com seu mercado razoavelmente internacionalizado, vem administrando suas perdas financeiras e produtivas, realizadas em 2008 e 2009, com recuperação do crescimento do PIB em 2010 e em 2011, e estimativas razoáveis para 2012, que se traduzem em uma condição positiva no panorama das economias nacionais. Este artigo apresenta um estudo qualitativo do comportamento da economia brasileira, conduzida pela política econômica anticíclica do Governo, mediante análise de resultados da série anual recente de indicadores das contas nacionais – PIB, Formação Bruta do Capital, Taxa de Investimento, Taxa de Desemprego, Taxa de Inflação, Taxa de Juros, Consumo, Comércio Exterior e Endividamento Público. A referência teórica é baseada em textos de expoentes da crítica da Economia Política, que são Karl Marx, John M. Keynes, Celso Furtado e os contemporâneos Paul Krugman e Joseph E. Stiglitz. Palavras-chave: Crise econômico-financeira global, economia brasileira, política econômica anticíclica. Mestre em Economia Política pela PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; [email protected]. 2 Analysis of the Brazilian economic policy before the global financial crisis from 2008 Abstract The financial crisis, originated in the American real estate market, breached its borders and has aggravated the capital reproduction and accumulation in the globalized economy. Brazil, which has a fairly internationalized market, has managed its financial and productive losses in 2008 and 2009 with recovery of GDP growth in 2010 and 2011 and reasonable estimates for 2012 which turns out to be a positive condition in the national economies worldwide. This article presents a qualitative study of the Brazilian economy behavior driven by the countercyclical economic policy of the government through results analysis of recent annual series of national accounts indicators - Gross Domestic Product, Gross Capital Formation, Investment Rate, Unemployment Rate, Inflation, Interest Rates, Consumption, Foreign Trade and Public Debt. The theoretical reference for this study is based on texts by exponents of the political economy critique such as Karl Marx, John Maynard Keynes, Celso Furtado and contemporary Paul Krugman and Joseph E. Stiglitz. Keywords: global economic and financial crisis, Brazilian economy, countercyclical economic policy. 3 Introdução Tratar de um tema árido e complexo como essa crise recessiva global que enfrentamos e seus reflexos no Brasil, a impressão que dá, ao verificar os noticiários, é a vivência de uma copa do mundo de futebol, na qual todos opinam sobre a escalação do time e as opções táticas, porque envolve a cultura popular e sua interação com outros povos; assim como as crises econômicas atingem negativamente os recursos das pessoas, e por isso opinamos em larga escala para defender a busca dos objetivos do bem-estar socioeconômico nacional. É o exercício que faço nesse artigo, amparado em teorias da crítica da Economia Política. O método adotado para avaliar os impactos da crise financeira global na economia brasileira, e com isso a política econômica adotada pelo Governo brasileiro, é baseado na análise qualitativa dos resultados de indicadores das contas nacionais, dos anos em torno de 2008, por ser esse ano o epicentro da crise. Os indicadores analisados são: Produto Interno Bruto, Formação Bruta de Capital, Taxa de Investimento, Taxa de Desemprego, Taxa de Inflação, Taxa de Juros, Consumo Final, Comércio Exterior, Dívida Pública. O amparo teórico para esse estudo é dado pela referência de textos de expoentes da crítica da Economia Política, da segunda metade do século XIX, Karl Marx, da primeira metade do século XX, John Maynard Keynes, da segunda metade do século XX, Celso Furtado, e em textos recentes de Paul Krugman e Joseph E. Stiglitz, que receberam o Prêmio Nobel de Economia, por isso, são muito influentes no debate econômico contemporâneo. A crítica da economia política da crise sistêmica A crise financeira, originada com o estouro de uma bolha especulativa de papéis derivativos de hipotecas subprime (feitas para pessoas de baixa renda) do mercado imobiliário dos Estados Unidos da América (EUA), gerou uma grande recessão econômica, a partir de 2008, rompeu suas fronteiras e agravou a reprodução e acumulação de capital produtivo, com isso, conduzindo milhões de pessoas ao desemprego e à pobreza na economia globalizada. (Stiglitz: 2010) 4 É a pior crise recessiva que atinge os mercados das economias desenvolvidas centrais desde a grande depressão de 1929. Já no caso dos países subdesenvolvidos (Furtado: 1998), as crises econômico-financeiras assolaram esses mercados por 124 eventos estimados apenas entre 1970 e 2007. “A crise atual pôs a nu a existência de falhas essenciais no sistema capitalista” (Stiglitz: 2010, p. 22). “Os grandes inimigos da estabilidade capitalista sempre foram a guerra e a depressão.” (Krugman: 2009, p. 15) Krugman parece desviar as motivações das crises – guerra e depressões – da dinâmica própria do sistema capitalista, diferentemente de Stiglitz que atribui às “falhas essenciais no sistema capitalista”, com isso, aproxima-se de Marx (1988) quando este analisa o papel do crédito nos processos de reprodução capitalista: Se o sistema de crédito aparece como a alavanca principal da superprodução e da superespeculação no comércio é só porque o processo de reprodução, que é elástico por sua natureza, é forçado aqui até seus limites extremos, e é forçado precisamente porque grande parte do capital social é aplicada por nãoproprietários do mesmo, que procedem, por isso, de maneira bem diversa do proprietário, que avalia receosamente os limites de seu capital privado, à medida que ele mesmo funciona. Com isso ressalta apenas que a valorização do capital, fundada no caráter antitético da produção capitalista, permite o desenvolvimento real, livre, somente até certo ponto, portanto constitui na realidade um entrave e limite imanentes à produção, que são rompidos pelo sistema de crédito de maneira incessante. O sistema de crédito acelera, portanto, o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado mundial, os quais, enquanto bases materiais da nova forma de produção, devem ser desenvolvidos até certo nível como tarefa histórica do modo de produção capitalista. Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises. (p. 318) A tese de Marx, acima exposta, reafirma-se na análise que faz Stiglitz (2010) dos fatores que conduziram ao estouro da atual crise financeira: A maior parte das grandes empresas não tem um proprietário único. Tem múltiplos acionistas. Hoje, a principal distinção está em que os que são proprietários em última análise (os ‘acionistas’) são, em alguns casos, cidadãos que operam através de diferentes agências públicas e, em outros, cidadãos que operam através de diversos intermediários financeiros, como fundos de pensão e fundos mútuos, sobre os quais costumam ter pouco controle. Em ambos os casos, ocorrem problemas significativos de ‘agenciamento’, que derivam da separação entre a propriedade e o controle: os que tomam as decisões nem sofrem as conseqüências dos erros nem colhem os proveitos do êxito. (p. 290291) O processo de globalização, para Celso Furtado (1998), conformaria um cenário de tensões socioeconômicas estruturais, em que se manifestam no aumento das taxas de juros 5 praticadas nos mercados financeiros, conseqüência inclusive da “inflação virtual da economia norte-americana”, em virtude do longo declínio da taxa de poupança mais o elevado déficit na conta corrente da balança de pagamentos. Diante também da intensa demanda por capitais de investimento, advinda da região do Leste Europeu em processo de reintegração ao mercado capitalista. Inclui-se nessas tensões estruturais, o processo de integração dos mercados da Europa, o que fortaleceria a competitividade dos grandes grupos econômicos da região, mas debilitaria os instrumentos de política macroeconômica dessas nações, como os de política monetária e creditícia. É o que se pode inferir do que ocorreu com o progressivo colapso econômico da Irlanda, Grécia, Itália, Espanha e Portugal. Ao contrário do que vem ocorrendo com as opções de política econômica anticíclica adotada pelos EUA como país autônomo e com moeda própria, com a grande vantagem de ser o dólar a moeda de referência dos negócios internacionais. Há consenso entre esses autores – Furtado (1998), Krugman (2009) e Stiglitz (2010) – de que o enfraquecimento do poder político-econômico em que os Estado nacionais foram circunscritos, pela onda ideológica neoliberal dos anos de 1980 e 1990, liderada pelo lobby das empresas transnacionais e grandes grupos financeiros, sob a égide dos governos dos EUA e da Inglaterra, está na base das causas que gestaram essa grande crise. A reestruturação dos mercados, com a concepção neoliberal, ocorreu pela desregulamentação financeira – a eliminação de regras de controle da circulação de capitais e de garantias institucionais aos pequenos poupadores e investidores –, pela abertura comercial das fronteiras nacionais com a desoneração da circulação de mercadorias, e pela livre movimentação dos fatores de produção – principalmente pelo uso desregrado dos recursos humanos, que beira o trabalho escravo, e dos recursos naturais, com a devastação ambiental. (Gadelha: 1997) Na questão da desregulamentação financeira, origem dessa grande crise nos EUA, há diferença, entre Krugman e Stiglitz, na abordagem do problema da estrutura operacional dos mercados financeiros e suas instituições. Para Krugman (2009), as instituições mais precárias e desregradas, os fundos de investimento que constituíram o “sistema bancário paralelo”, foram as responsáveis pelo calote de valores da massa de poupadores, que criaram e negociaram “papéis derivativos tóxicos”, e conduziram à bancarrota o sistema 6 bancário americano e europeu, que fora reestruturado após o fim da Segunda Guerra Mundial, e, por conseqüência, à uma brutal recessão o sistema produtivo internacional. No entanto, para Stiglitz (2010), o sistema bancário paralelo teria sido originado sob os auspícios do sistema bancário estruturado, portanto compartilhariam as responsabilidades pelos negócios financeiros fraudulentos. E ambos os autores concordam em caracterizar o FED (Banco Central do EUA) como inepto e submisso aos banqueiros de Wall Street, nesse processo. Opções de política econômica anticíclica O desenvolvimento econômico foi um problema teórico e prático posto às nações capitalistas da Europa e dos Estados Unidos, em virtude das crises estruturais nos marcos da Primeira Guerra Mundial (1914-18), da Grande Depressão Econômica (1929-33) e da Segunda Guerra Mundial (1939-45). Esses momentos históricos foram períodos de ruptura dos ciclos da expansão econômica, no interior de cada nação e no conjunto do sistema, forçando uma reorganização econômica dos Estados capitalistas. A teoria de John Maynard Keynes (1983), exposta na sua obra clássica Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, tem notória importância dentre as teorias da Economia Política por dois importantes aspectos: o primeiro, o autor faz a crítica ao liberalismo clássico, ao apresentar novos postulados para a teoria econômica, criticando as teses liberais que preconizavam a auto-regulação dos mercados, mesmo diante dos problemas a serem enfrentados naqueles períodos de depressão. O segundo, o referencial analítico, em que busca novas bases para a alocação dos fatores econômicos, que corresponde à sustentação da organização da sociedade moderna. (Chaves: 1999) Keynes (1983) extrai a natureza do efeito do tempo sobre as decisões dos agentes econômicos pelas “influências do passado sobre o presente, do presente sobre o futuro e do futuro virtual sobre o presente”. Essa tríplice conotação temporal impõe considerar a incerteza e suas implicações junto às decisões que envolvem o cálculo capitalista, dada à impossibilidade de se reduzir a incerteza quanto ao futuro a um mero cálculo de probabilidades. Isto repercute nas decisões de produção e de geração de empregos e, 7 ainda, se aplica às decisões de investir. Como depende da probabilidade atribuída a um possível erro de projeção, a maior fragilidade das expectativas de longo prazo em relação às de curto prazo decorre tanto do horizonte de cálculo bem mais extenso, quanto da existência de diversas alternativas para aplicação do capital; de maneira igual, com relação ao risco maior que carregam as decisões de investir (principalmente quando se refere ao capital fixo, que traduz um congelamento do capital pelo longo prazo), o mais racional será operar uma capacidade produtiva já instalada. Assim, Keynes (1983) investe contra a teoria do liberalismo econômico, que idealiza o equilíbrio espontâneo entre oferta e demanda em mercados desregulados, postulado esse que contradiz a realidade das crises históricas do mercado capitalista. Ao contrário, propõe a tese da demanda efetiva, visando apresentar instrumentos teóricos para uma factível análise da organização econômica e alocação dos fatores de produção. Segundo ele: O volume de emprego é determinado pelo ponto de interseção da função da demanda agregada e da função da oferta agregada, pois é neste ponto que as expectativas de lucro dos empresários serão maximizadas. Chamaremos demanda efetiva o valor de D (produto) no ponto de interseção da função da demanda agregada com a da oferta agregada. (p. 30) Para fundamentar essa razão econômica, Keynes (1983) afirma que se deve levar em conta a observação do nível do emprego. Quando este aumentar, aumentará, também, a renda real agregada. A psicologia da comunidade seria tal que, quando a renda real agregada aumentar, o consumo agregado também aumentará, porém não nos mesmos patamares do aumento da renda, porque uma parte será destinada à poupança. Dessa maneira, para o estabelecimento de qualquer volume de emprego, deveria existir um volume de investimento suficiente para absorver a demanda excedente da produção total sobre o que a comunidade deseja consumir, quando o emprego se achar em um determinado nível, tendo em vista o problema da inflação pelo excesso de demanda. Portanto, se fosse possível medir a propensão a consumir e a taxa do novo investimento haveria apenas um nível de emprego compatível com o equilíbrio entre oferta e demanda, esse equilíbrio se daria em nível menor ou igual ao pleno emprego. No período da grande depressão dos anos de 1930, de acordo com Krugman (2009), os formuladores de política econômica não sabiam o que fazer, mas, atualmente, a maioria 8 concorda, dos neoliberais aos marxistas, que a “Grande Depressão foi provocada pelo colapso da demanda efetiva e que o Federal Reserve deveria ter combatido a desaceleração com grandes injeções de dinheiro.” (p. 21) Stiglitz (2010), que segue também a tradição de Keynes, assevera que os “Governos têm um papel a desempenhar, papel que não se limita apenas aos esforços para salvar a economia quando o mercado fracassa, e a impor-lhe regulações” para evitar os desarranjos econômicos que experimentamos recentemente. (p. 10-11) A atual crise que assola os EUA e a Europa com o descontrole da dívida pública e do balanço de pagamentos, o amplo desemprego e a recessão no sistema produtivo, são condicionantes conhecidos das economias subdesenvolvidas. Furtado (1999) teorizou que para atingir a reforma das estruturas econômicas, com a finalidade do desenvolvimento, o Governo coordenaria uma estratégia com ações em três frentes: a) “reverter o processo de concentração patrimonial e de renda”; b) investir robustamente na “promoção do bemestar da população”, que passa por educação, saúde e cultura; c) fortalecer o mercado interno com uma política de investimentos, e controlar o fluxo do capital financeiro globalizado, e priorizar na pauta de importação a atualização tecnológica do sistema produtivo nacional. (p. 32-39) Para o enfrentamento da crise, de acordo com Krugman (2009), deve-se levar em conta que “Os formuladores de políticas em todo o mundo precisam fazer duas coisa: garantir o fluxo de crédito e, mais uma vez, estimular os gastos.” (p. 194) Para o caso de tirar o sistema produtivo da recessão e volta a crescer, o pressuposto é o de “Recorrer aos bons estímulos fiscais, no velho estilo keynesiano.” Além disso, faz-se necessário executar um plano que se concentre em “Sustentar e em expandir as despesas do governo – sustentar, por meio de ajuda aos governos estaduais e locais, expandir, por meio de gastos” públicos em infraestrutura urbana social e produtiva. (p. 197-198) E em conjunto com essas ações no curto prazo, e preparando para o médio e longo prazo, reformular o sistema financeiro com “Rigorosa regulamentação, com a proteção de forte rede de segurança.” (p. 199) O mundo atual, segundo Stiglitz (2010), se vê diante de pelo menos seis desafios econômicos cruciais. O problema mais drástico é o desequilíbrio entre a oferta e a 9 demanda no nível global. A capacidade produtiva do mundo está sendo subutilizada, enquanto parte da população mundial enfrentam o subconsumo; a) Em grande medida os recursos humanos estão subutilizados – como é o caso do “problema imediato dos 240 milhões de desempregados que a recessão espalhou pelo mundo”; b) A questão ambiental tornou-se muito complexa com o problema da mudança climática. “Recursos ambientais escassos são tratados como se fossem livremente disponíveis. Em conseqüência disso, todos os preços estão distorcidos”; c) Outro desafio é o enfrentamento dos desequilíbrios econômicos globais, porque “Uma parte do mundo vive bem além das suas posses; e a outra parte produz bem além da sua capacidade de consumir.” Nessa crise aguçou-se a demanda por empréstimos para financiar programas de recuperação dos mercados nacionais, com isso, há a tendência de aumento significativo nas taxas de juros. Isso forçará os Governos a aumentarem impostos ao mesmo tempo em que cortam gastos não financeiros, o problema maior é a redução dos investimentos – o que leva a uma produção menor no futuro. “Por outro lado, as taxas de juros mais altas ajudarão os países que têm poupança alta”. d) O quarto desafio é o chamado “dilema manufatureiro”. A industrialização das economias nacionais representou a marca desenvolvimento até meados do século XX, o modo pelo qual os países subdesenvolvidos poderiam superar atrasos em suas estruturas econômicas. “Os êxitos do aumento da produtividade significaram que, mesmo que o setor continue crescendo, o emprego diminui – e esse padrão deve permanecer.” e) “O quinto desafio é o da desigualdade. A globalização trouxe efeitos complexos sobre a distribuição da renda e da riqueza em todo o mundo. A pobreza extrema continua a ser um problema.” Esse quadro prolonga o problema da escassez da demanda global agregada – “o dinheiro sai das mãos de quem os gasta para as de quem tem mais do que precisa”. f) O sexto desafio é o de resolver o paradoxo da concentração de renda crescente em relação à maior demanda de reservas monetárias principalmente por parte dos países emergentes – desequilíbrio esse que pode “aumentar o problema da insuficiência da demanda global agregada e enfraquecer a economia mundial”. (p. 277282) 10 Análise da política econômica anticíclica brasileira O Plano Real, implantado a partir de 1994, inaugura com efetividade uma política econômica anticíclica no panorama recente do Brasil. A década de 1980 havia sido marcada por crises sucessivas, recessivas e inflacionárias. O enfrentamento desses problemas econômicos fez com que o Governo da época adotasse um Plano definido por uma reforma monetária, a adoção de metas de controle inflacionário, cambial e das contas públicas, e também de uma reforma regulatória restritiva do mercado financeiro. Portanto, a economia brasileira funcionou nesse período recente nos marcos de uma política econômica de controle de uma demanda efetiva abaixo do pleno emprego (Keynes: 1983), bem como do crescimento acelerado das economias emergentes da China e Índia. Os reflexos da crise econômico-financeira global aparecem precisamente, conforme o Quadro: Indicadores macroeconômicos brasileiros, apresentado a seguir, nos resultados dos indicadores dos anos de 2008-2009, período que é o epicentro da crise detonada no mercado dos EUA, e que se difunde pelo mundo, em uma segunda fase, aos países desenvolvidos da Europa – Inglaterra, França, Itália –, e em sua terceira fase, aos países periféricos da mesma Europa – Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal, e segundo, Krugman (2009), em sua quarta fase, aos países emergentes principalmente da América Latina e Ásia. No caso do Brasil, a teia do mercado de capitalismo global (Furtado: 1998) incorporou de fato a economia brasileira em seu ambiente de crise financeira e recessiva. O índice de negócios da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) tem uma queda profunda no ano de 2008. A variação do PIB se torna negativa em 2009, já como um quadro recessivo, o valor per capta cai também nesse ano. A variação da Formação Bruta de Capita torna-se acentuadamente negativa em 2009, isso correspondendo a uma queda na Taxa de Investimento. E a participação no PIB da Balança Comercial também cai em 2009. 11 Quadro: Indicadores macroeconômicos brasileiros Variáveis Ibovespa (média anual %) PIB (Ibge, ∆ % anual real) PIB per capta (Ipea, R$ mil) Desemprego (Ibge/Pme, dez.%) Consumo final (Ibge, % PIB) Formação bruta de capital (Ibge, ∆ %) Taxa de investimento (Ibge, % PIB) Exportação (IBGE, % PIB) Importação (IBGE, % PIB) Taxa de juros (Bacen/Selic, % a.a.) Inflação (IPCA/Ibge %) Dívida total líquida – Setor público (Bacen, % PIB) Fonte: Elaboração do autor deste artigo. 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 27,7 3,2 16,54 8,3 80,19 -10,48 15,94 15,13 11,52 18,05 5,69 48,4 32,9 4,0 16,99 8,4 80,34 1,52 16,43 14,37 11,47 13,19 3,14 47,3 43,6 6,1 17,82 7,4 80,15 7,88 17,44 13,36 11,84 11,18 4,46 45,5 -41,2 5,2 18,55 6,8 79,12 8,78 19,11 13,66 13,47 13,66 5,9 38,5 82,7 -0,3 18,31 6,8 83,55 -25,41 16,91 11,12 11,18 8,65 4,31 42,1 1,0 7,5 19,51 5,3 81,74 31,40 18,44 11,15 12,15 10,66 5,91 39,2 -18,1 2,7 4,7 11,62 6,5 36,5 Segundo o IBGE (2011), a variação do PIB já desacelera o crescimento de 2007 para 2008, e torna-se negativo em 2009. Essa desaceleração não se deu de maneira uniforme entre os setores da atividade econômica. Na Indústria, caiu o nível dos estoques, bem como o volume na formação bruta de capital fixo, juntos compõem a formação bruta de capital, que caiu fortemente em 2009. O grupo Serviços cresceu, neste as atividades de Intermediação financeira cresceram 7,8%, favorecido também pela manutenção das despesas de consumo final das famílias. O setor da Agropecuária registrou queda em volume. Com a adoção de uma política econômica anticíclica, o Governo incentiva os investimentos produtivos e gastos com consumo, com uma política creditícia expansionista e de desoneração fiscal da produção – nesse sentido, aproxima-se das formulações anti-crise de Krugman (2009) e Stiglitz (2010) –, resultado, o PIB recupera-se em 2010, com o crescimento de 7,5%, e mantém-se positivo em 2011 com 2,7%. No início de 2009, de acordo como o IBGE (2011), o Governo reduziu as alíquotas de IPI de insumos da construção. O volume de crédito destinado à habitação aumentou em 42%, com o valor acumulado em R$ 72,5 bilhões. Essas medidas contribuíram para o desempenho da atividade fazendo com que o valor nominal da produção (formal e informal) se expandisse 17,4% em relação a 2008. O emprego manteve-se estável em torno de 6,9 milhões de postos de trabalho no segmento da construção civil, que é uma área estratégica para manter aquecido o mercado interno. 12 O desequilíbrio da Balança Comercial, problema estrutural segundo Furtado (1999) para países emergentes, ressurge com essa crise recessiva global. A queda na demanda externa prejudicou fortemente o desempenho da Indústria a partir de 2008. Os dados do IBGE (2011) revelam que o volume das exportações de produtos industriais caiu 12,2% em 2009, no caso de máquinas e equipamentos -38,1%, aeronaves -24,8%, ferro gusa e ferroligas -43,1%, minério de ferro -12,6%, e de automóveis -38,1%, contudo, no caso de automóveis, houve uma compensação com o aumento da demanda interna impulsionada pela redução do IPI e aumento do crédito. As medidas ortodoxas de reforma monetária do Plano Real, com vistas às metas inflacionárias e controle da variação cambial, fizeram com que o regime creditício ficasse sob estreita margem expansionista por meio de elevadas taxas de juros, com isso, tornando atrativo o mercado financeiro brasileiro aos investidores do capital financeiro global, assim assegurando uma relativa vantagem comparativa dinâmica ao mercado de capitais no Brasil (Furtado: 1998; Krugman: 2009). De acordo com o IBGE (2011), mantém-se o crescimento do segmento de Intermediação Financeira e de Seguros. Com o estouro da bolha especulativa financeira nos EUA, em 2008, o Governo brasileiro intervém no mercado financeiro por meio de medidas anticíclicas (Krugman: 2009; Stiglitz: 2010), : ampliou o volume total das linhas de crédito em 2009, que representou um aumento de 15,2% sobre 2008, operou desonerações fiscais, que assegurou a estabilidade na geração de emprego e o crescimento da massa salarial. Disponibilizou recursos para projetos habitacionais, de infraestrutura e de capital de giro – no caso de pessoas jurídicas –, e crédito consignado em folha de pagamento, aquisição de automóveis e de habitações – no caso de pessoas físicas. O consumo, que é um fator destacado por Krugman (2009) para ser bem ativado a fim de obter uma demanda agregada necessária para que a economia não aprofunde a recessão e, ao contrário, retorne ao crescimento da produção e do emprego, em 2008 representou 79,1% do PIB, ganhou participação, passando a 83,5% do PIB em 2009, e 81,7% em 2010. Segundo o IBGE (2011), a despesa com o consumo final das famílias e da administração pública foram os principais responsáveis por essa recuperação. 13 Considerações finais A análise, promovida neste artigo, da política econômica brasileira, diante da atual crise financeiro-recessiva globalizada, amparou-se em fundamentos da teoria da crítica da Economia Política, tendo como referenciais textos de Marx (1988), Keynes (1983), Furtado (1998, 1999), Krugman (2009) e Stiglitz (2010), e em seus resultados indica a afirmação de teses apresentadas por esses autores, como segue: a) Que a dinâmica desregulada do sistema de crédito e mercado financeiro agravam as contradições do capitalismo até a crises estruturais recessivas, como a que vivenciamos: b) Reafirma a condição efetivamente globalizada do mercado capitalista, a exemplo da rápida difusão da crise financeira gerada nos EUA; c) Confirma a necessária ação econômica do Governo para assegurar a estabilidade da dinâmica da reprodução econômica, e a busca dos objetivos do bem-estar da sociedade, com a regulação e ajustes dos mercados nacionais, e a adoção de uma política econômica desenvolvimentista; d) Que a política econômica brasileira adotada diante da crise atuou nos marcos da Economia Política keynesiana, com a intervenção anticíclica do Governo na economia, embora tímida na expansão do consumo das famílias e do investimento em infraestrutura social e produtiva, em virtude da prática das elevadas taxas de juros, que agrava o endividamento público e privado e, com isso, transferindo parte considerável da renda nacional à elite de investidores do mercado financeiro globalizado. Esses são fatores a serem investigados para os limites da atual política econômica brasileira. Referências CHAVES, W. R. A. (1999). Subdesenvolvimento na América Latina: atualidade dos fundamentos do pensamento econômico das décadas de 1950-1960. Dissertação de mestrado. São Paulo: PUC – Pontifícia Universidade Católica. FURTADO, C. (1998). O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra. FURTADO, C. (1999). O longo amanhecer – reflexões sobre a formação do Brasil. São Paulo: Paz e Terra. 14 GADELHA, R. M. A. F. (1997). Globalização, metropolização e políticas neoliberais. São Paulo: EDUC. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2011). Análise dos principais resultados das contas nacionais. Rio de Janeiro: IBGE. KEYNES, J. M. (1983). A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Abril Cultural, cap. 6 e 7. KRUGMAN, P. (2009). A crise de 2008 e a economia da depressão. Rio de Janeiro: Elsevier. MARX, K. (1988). O capital – crítica da economia política. Vol. IV. Livro 3º. São Paulo: Nova Cultural. STIGLITZ, J. E. (2010). O mundo em queda livre: os Estados Unidos, o mercado livre e o naufrágio da economia mundial. São Paulo: Companhia das Letras.