Hidro via a história A esquadra brasileira encontrava-se ancorada próxima a Corrientes, como um rio que se resguarda pacífico, antes de desbravar o que será novidade: o mar. Porém, os paraguaios como mar encapelado, bravamente avançaram, sem esperar a chegada do rio, indo ao encontro deste. “Mas antes de ir ao mar/ o rio se detém/ em mangues de água parada./ Juntase o rio a outros rios/ numa laguna, em pântanos/ onde, fria, a vida ferve.” (O Cão sem Plumas, João Cabral de Melo Neto). Fatalidade do destino, talvez por descuido de um mar grosso, agitado, que não esperou a calmaria e avançara de forma tardia, não atacando com surpresa aquele que estava pacífico, assim seria a primeira falha paraguaia, pois, como sugere Sun Tzu na obra Arte da Guerra, sobre estratégia: surpreender o inimigo é primordial para o sucesso. A fragata Amazonas, liderando a esquadra brasileira, içou os sinais que alertavam; inimigo à vista- os paraguaios se aproximavam. Rapidamente reuniram as demais embarcações que estavam recolhendo lenha (mal sabiam eles que mais tarde não teria o fogo apenas em suas caldeiras, mas em canhões e em várias embarcações de madeira) e preparavam a sua defesa. Quando a esquadra Guarani abriu fogo, a vida ferveu, desencadeando a Batalha Naval do Riachuelo que seria a mais sangrenta, e desafiaria os marítimos marcando um dos eventos da Guerra do Paraguai, que havia como cenário a guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Uruguai e Argentina) contra os colorados, um combate decisivo, de esquadras com táticas e estratégias opostas; como citou Rui Barbosa em A lição das esquadras: “As águas do Prata davam testemunho de proezas inolvidáveis, consumadas por uma esquadra de heróis brasileiros.” O controle dos rios da bacia do Prata seria de suma importância para a comunicação do Paraguai com os demais países, pois as hidrovias cumpriam sua sina ao servir de passagem como a única forma que o país tinha de saída para o Oceano Atlântico a fim de realizar as trocas comerciais; com isso o controle do Rio Paraná e do Rio Paraguai se fazia necessário para suprir os manufaturados, matérias primas de outras regiões e até mesmo embarcações para a guerra que estava travada. Para o Brasil, além de representar o bloqueio da passagem, enfraquecendo o Paraguai, como estratégia para a Tríplice Aliança; representara também o protecionismo da região do Brasil, principalmente do Mato Grosso, que estava em ameaça. Assim, a malha hidroviária é fundamental, tanto na defesa quanto no ataque de um povo, pois na guerra, ao transcender fronteiras, os rios, além de vias de transporte de pessoas e mercadorias, formam canais intercambiáveis com os mares, que servem de conexão com 1 outros locais; as lagoas e as bacias também funcionam como aparato de guerra servindo como locais estratégicos de refúgio e concentração. Na foz do rio Riachuelo, isto era notório, pois por meios navais e da artilharia de terra, os paraguaios tentavam se defender e atacar. A fragata Amazonas, maior e mais potente navio, com 188 pés e 462 tripulantes de proa resistente e robusta, aguardara achando que seria uma armadilha e logo depois atacara utilizando táticas romanas. Apesar de não possuir esporão (protuberância pontuda e muito resistente na proa dos navios de guerra) que tinha o Galé (Navio de guerra da antiguidade), a saliência de aço de seu navio permitira que Almirante Barroso tivesse a ideia de utilizar a estrutura fortalecida, e abalroar, perfurando o casco dos navios de madeira dos adversários paraguaios. Há 150 anos fincou na história a vitória brasileira, reconhecendo o poder da Marinha de Guerra da Nação, como descreve Luís Pereira da Silva, a grandiosidade do ato heroico, em seu poema épico Riachuelo: “Nem dos gregos heroicos mesmo dista;/ e no mundo achará talvez conceito/ que descripto bem póde ser na lista/ onde Roma vetusta as tradições/ orgulhosa gravou dos Scipiões!”. O Rio Prata seguiu seu curso natural, assim como as demais hidrovias que seguem transformando e guardando tesouros- as histórias; assim, por sua fluidez fincaram nomes, travaram batalhas, registros e lembranças, como a fragata Amazonas e os homens corajosos com espírito de corpo que formavam as tripulações. Em meio tanta riqueza, Amazonas: esse nome remete força, tanto a embarcação que faz história ao deslizar na Batalha, quanto às águas do rio que servem como importante palco em territórios da Nação, ambos se assemelham em agir com destreza e valentia ao romper fronteiras. A imensidão das águas do Amazonas que são formadas pela junção aflora do Peru na Cordilheira dos Andes e em terras brasileiras se torna Solimões, ao encontrar com o rio Negro, tornando se extremamente importante para abastecer comunidades ribeirinhas, usinas hidrelétricas, e propiciar a navegação. Ao imergir em suas águas e afluentes depara-se com a história da humanidade que usufrui e transforma por onde passa como afirmava Heráclito: “Ninguém se banha no mesmo rio duas vezes.”. O pensador acredita que as pessoas se modificam e o rio segue seu curso sem paradas, ultrapassando limites e barreiras, desviando obstáculos que por ventura lhe surpreendam, sempre percorrendo seu intento de alcançar o seu mar e tornar-se gigante. Porém, mesmo diante da regeneração constante, as águas que se renovam e fluem, o ser humano consegue se fazer perene, assim como alguns rios fixos no seu curso, na sua história. Os homens que estavam embarcados e participaram da Batalha Naval do Riachuelo, por exemplo, escreveram suas histórias fincando na fluidez das águas, com toda garra de 2 vencer aquele momento. Como citado no oitavo canto do poema épico Riachuelo de Luís Pereira da Silva: “Os nomes eu direi dos marinheiros/ horror da morte, do universo espanto;/ pois de mortos se a morte faz celeiros,/ como aquelles não póde a morte tanto,/ cujos golpes, ferindo, vão certeiros/ dos inimigos tirar o sangue e pranto,/ cujos braços erguidos e as espadas/ a vida dão tambem aos camaradas.”. Destacaram-se figuras como Marcílio Dias que se tornou exemplo de conduta de um subordinado ao mostrar as manifestações do valor militar, estabelecido no artigo 27 do Estatuto dos Militares: “patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e pelo solene juramento de fidelidade à Pátria até com o sacrifício da própria vida”. Isso remete ao esperado cidadão brasileiro, declarado por Almirante Barroso, que cada faça cumprir o seu dever ao lutar pela Nação, esse comandante também demonstrou conhecimento e liderança, dando força mesmo nas horas mais difíceis: “Sustentar o fogo que a vitória é nossa!”. Dessa forma, a importância das águas interiores transcende o que em tempos de paz já se faz notório para os indivíduos que vivem a explorar suas riquezas, aqueles que tiram o seu sustento e os recursos das entranhas de suas águas. Desde os primórdios, os povos viam na sua fluidez a possibilidade de se fixarem e percorrerem para além do horizonte. Esses construíram suas casas, depois vilas, comunidades e assim surgiram as cidades e os países que utilizavam as conexões de água para exportar, importar e expandir sua capacidade, como raízes de uma árvore servindo de base a diferentes povos; por exemplo, na Mesopotâmia com suas especiarias, Tietê e as desbravadas dos bandeirantes, estreito de Gibraltar sendo pilares de Hércules conectando mar Mediterrâneo e Oceano Atlântico, São Francisco estrada da colonização e Amazonas com fauna, flora e ribeirinhos. As hidrovias, essenciais para as populações, têm interligado regiões, continentes e países; como a Hidrovia do MERCOSUL que já está em processo de dragagem do rio Jaguarão e conectará Brasil e Uruguai. Essa fluidez resulta em mágica ao se fazer presente por todo o interior dos continentes, uma imensidão que invade terras ramificando, como veias no corpo humano, com vital importância a transportar o essencial que nutre a vida: irrigação, navegação, abastecimento de água e fonte de energia, fortalecendo a vida na via, hidrovia. Seguem assim, cumprindo sua função: a circulação das águas que ao sair da foz se misturam com o suor daqueles que constroem sua vida ao utilizar de alguma forma o rio para sua sobrevivência e o sangue daqueles que na guerra entregaram suas vidas na luta por seus ideais, fazendo as conexões que fluem com o tempo e fincam história. 3