184 LITÍASE BILIAR Dr. Sílvio C. P. Leão Litíase biliar ou colelitíase representa distúrbio comum do trato biliar e corresponde à presença de cálculos, únicos ou múltiplos, na árvore biliar e/ou na vesícula biliar. Devido à incidência elevada de cálculos na vesícula, o termo colecistolitíase passou a designar esta doença. INCIDÊNCIA e PREVALÊNCIA A colelitíase acomete cerca de 10% da população, sendo mais freqüente nas mulheres, especialmente multíparas e obesas (cerca de 20%). A freqüência aumenta com a idade, e alguns trabalhos revelam que a ocorrência pode atingir cerca de 70% nos indivíduos acima de 70 anos. A maioria dos portadores de colelitíase apresenta algum sintoma durante a evolução da doença. Nos pacientes assintomáticos, a colelitíase é descoberta por um exame de utrassonografia de rotina. O seguimento desses pacientes revelou que 15% tornaram-se sintomáticos e 5% destes apresentam complicações da doença. ETIOLOGIA/FISIOPATOLOGIA Na via biliar, os cálculos podem ser primários, isto é, formados nos próprios ductos, ou originados na vesícula biliar. Quando primários, são decorrentes de um mecanismo de estase conseqüente a uma estenose biliar (traumática, cirúrgica, inflamatória ou tumoral) ou devido a uma disfunção do esfíncter de Oddi. A litíase intra-hepática está associada a cálculos de vesícula, mas algumas doenças como colangite crônica ou estase prolongada podem cursar com litíase primária intra-hepática. Doenças congênitas como a doença de Caroli (onde existem estenoses e dilatações) ou nos cistos congênitos dos ductos intrahepáticos apresentam-se também com litíase primária, sendo estes casos de tratamento mais difícil. Os cálculos biliares apresentam-se de diversas formas e tamanhos, desde grande e único até múltiplos ou mesmo com aspecto de lama biliar. Essas diferenças decorrem dos aspectos etiopatogênicos. 185 São 2 tipos básicos de cálculos biliares: a) Colesterol puro (raros, grandes, únicos) b) Mistos (colesterol + pigmentos biliares + cálcio) com tamanhos variados, múltiplos, facetados, podendo ser negros ou marrom-claro. Os cálculos de colesterol e pigmentares pretos se formam na vesícula biliar decorrentes de alterações físico-químicas e o pigmentar marrom-claro é conseqüência de infecção no colédoco. Mecanismos de formação dos cálculos de Colesterol Hipersaturação de Colesterol: excesso de produção pelo fígado, redução do “pool” de sais biliares (dificuldade de esvaziamento da vesícula biliar). Estase da vesícula biliar. Hipernucleação (excesso de produção de muco pela vesícula biliar). Mecanismos de formação de Cálculos Pigmentares Cálculos pretos (anemia hemolítica e cirrose hepática, por formação maior de pigmentos biliares). Cálculos marrons (estase e infecção da bile nas vias biliares). PATOLOGIA DA COLELITÍASE - Assintomática: achado de exame de ultrassonografia (10%). - Sintomático: o prinicpal sintoma relacionado à colelitíase é a dor em quadrante superior direito (Q.S.D.) do tipo cólica, apresentando às vezes irradiação para a escápula, náuseas, vômitos e intolerância a alimentos gordurosos (90%). A dor muitas vezes ocorre após refeição com alimentos gordurosos ou mesmo após uma refeição habitual. Não ocorre febre. Vesícula Biliar com cálculos livres na bile geralmente não determinam alterações severas; não há massa palpável; a presença de fosfatase alcalina elevada fala a favor de colédocolitíase. Cálculo encravado no infundíbulo ou ducto cístico evoluem para vesícula hidrópica ou colecistite aguda (empiema, gangrena ou fístulas internas). 186 PATOLOGIA DA COLEDOCOLITÍASE Os cálculos coledocianos podem ser de dois tipos: primários, quando são formados na via biliar principal (10% a 30% dos casos), e secundários, mais comuns, que migram de vesícula biliar. Freqüentemente são assintomáticos e podem ser cálculos únicos ou múltiplos, ocasionando um obstáculo intermitente ao fluxo biliar com episódios de icterícia. Quando os cálculos são pequenos, em geral passam pela papila e são eliminados pelas fezes. Quando um cálculo maior fica encravado na papila, ocasiona obstáculo total no fluxo biliar, levando a icterícia progressiva e dilatação da árvore biliar extra-hepática. Com freqüência ocorre colangite, que geralmente é conseqüente à entrada de bactérias pela papila provenientes do intestino. A bile torna-se marrom-escura (lama biliar). Clinicamente o paciente apresenta icterícia, febre com calafrios, dor no QSD (tríade de Charcot). A colangite pode ser supurativa, que necessita de drenagem imediata, pois rapidamente evolui para sepse e pode originar abscesso hepático. A presença e/ou a passagem de cálculos pela papila pode também determinar uma papilite, que geralmente é edematosa e reversível, mas que pode evoluir para fibrose com estenose do esfíncter de Oddi, fato este que ocorre muito raramente. Outra doença conseqüente a esse mesmo mecanismo é a pancreatite aguda que ocorre por bloqueio do fluxo pancreático pelo cálculo impactado na papila. Cerca de três quartos das mulheres e um terço dos homens com pancreatite aguda apresentam litíase biliar. Questiona-se que em pacientes idosos o cálculo de vesícula possa ser causa de carcinoma da vesícula. Cerca de 80% a 90% dos pacientes com carcinoma da vesícula apresentam colelitíase. O inverso é menos verdadeiro, isto é, somente 4,5% dos pacientes seguidos em longo prazo com cálculos de vesícula evoluíram com carcinoma da vesícula. A vesícula em porcelana é um fator associado ao risco de desenvolvimento de carcinoma da vesícula biliar. 187 DIAGNÓSTICO O advento da ultrassonografia em larga escala representou um grande avanço no diagnóstico da colelitíase. Os métodos de avaliação da anatomia biliar podem ser invasivos e não-invasivos: NÃO-INVASIVOS o Colecistograma oral e Colangiografia Venosa (importância histórica); o Rx simples: pode evidenciar cálculos radiopacos (10%) e aerobilia (fístula) - pouca utilidade prática; o Ecografia Abdominal (95% de positividade) - utilizada como rotina; o Colangiorressonância - método não-invasivo, permite excelente precisão anatômica. Vem ganhando muita importância na avaliação da árvore biliar; INVASIVOS o Colangiografia por drenos (Kehr); o Colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE): pode ser diagnóstica ou terapêutica - atualmente vem perdendo espaço como método diagnóstico para a colangiorresonância; o Colangiografia percutânea trans-hepática - pode ser terapêutica, possibilita a colocação de "stents" biliares; o Colangiografia intra-operatória (“Mirizzograma”) - muito útil na avaliação intra-operatória da anatomia biliar; CONDUTA DO SERVIÇO Há consenso que o paciente sintomático portador de colelitíase irá se beneficiar de tratamento cirúrgico. Já nos portadores assintomáticos, há que se levar em conta a eqüação Riscos x Benefícios. O fato de uma paciente ser portador de colelitíase e estar assintomático não é garantia que o primeiro evento de crise seja leve. Muitas vezes o primeiro sintoma já se inicia como uma pancreatite grave Pacientes diabéticos provavelmente irão obter benefício do tratamento cirúrgico, devido ao risco de desenvolverem quadros de colecistite aguda grave. Cálculos maiores aumentam o risco de impactação no infundíbulo e 188 desenvolvimento de colecistite aguda. Já os microcálculos apresentam maior risco de migração e pancreatite biliar. Mulheres grávidas portadoras de colelitíase assintomática podem apresentar quadro de colecistite aguda e pancreatite biliar durante a gestação. Todas essas possibilidades devem ser discutidas caso a caso. TÉCNICA: COLELITÍASE Atualmente a cirurgia padrão para o tratamento da colelitíase é a colecistectomia videolaparoscópica. O método laparotômico clássico (incisão de Kocher) deve ser considerado como conduta de exceção. Eventualmente é necessária a realização de uma colangiografia intra-operatória. Suas indicações são: Presença ou história de pancreatite biliar ou amilase elevada Presença ou história pregressa de icterícia. Hepatocolédoco dilatado (acima de 1cm) Variações anatômicas ou dificuldade na identificação da anatomia local Elevações assintomáticas das enzimas canaliculares (fosfatase alcalina e GGT). Nos quadros de colelitíase aguda, duas opções são advogadas: cirurgia imediata ou tratamento clínico com antibióticos e cirurgia a posteriori. Atualmente vem se notando uma tendência da realização da cirurgia em até 48 horas do início do quadro. A colecistite aguda já não é considerada uma contra-indicação para a realização do acesso vídeo-laparoscópico COLEDOCOLITÍASE O tratamento ideal da coledocolitíase depende das condições disponíveis no serviço. Papilotomia endoscópica Papilotomia cirúrgica Coledocotomia cirúrgica Derivação bileo-digestiva (se colédoco > 2cm): as opções são a anastomose colédoco-duodenal e as derivações em alça exclusa, colédoco-jejunal em Y de Roux. 189 ROTINAS DA CIRURGIA DA VIA BILIAR: 1- CIRURGIA NO PACIENTE ICTÉRICO: Morbi-mortalidade elevadas (Sepse, insuficiência renal e insuficiência hepática). As principais causas são: proliferação bacteriana intestinal e aumento da absorção das endotoxinas por falta de ácidos biliares no intestino, lesão do hepatócito (insuficiência hepática pós-op.), imunodepressão (lesão cels. Kupfer e alterações nos linfócitos) e insuficiência renal aguda por lesão do túbulo distal. Objetivo das medidas pré-operatórias: Repor bile no intestino (prevenção sepse e insuficiência renal), descomprimir as vias biliares, recuperação do hepatócito, perfusão renal. Isso pode ser obtido através da colocação de prótese biliar endoscópica. Conduta (clínica sugestiva de Coledocolitíase): a) Sem Colangite Aguda: se icterícia leve (abaixo de 5mg%), acompanhamento clínico-laboratorial até normalização (5 a 10 dias). Cirurgia “eletiva” com colangio intra-operatória. Se icterícia moderada/severa ou que não apresenta queda em 5 a 10 dias, fazer drenagem endoscópica pré-operatória. b) Com Colangite Aguda (febre/calafrios): suporte clínico, antibioticoterapia polimicrobiana, papilotomia endoscópica em 24/48h com posterior cirurgia definitiva na mesma internação. Se não for possível tratamento endoscópico, cirurgia de urgência. c) Com Colangite Aguda Supurativa (Sepse): após rápido preparo, cirurgia de emergência para drenagem da via biliar. 2- EXPLORAÇÃO INTRA-OPERATÓRIA DOS CANAIS BILIARES: Tem por objetivos reduzir a litíase residual e prevenir litíase recidivante do colédoco. Diagnóstico Intra-Operatório: por palpação do colédoco ou colangiografia intra-operatória. Indicações da Colangiografia Intra-Operatória: já descritas. Indicações de Abertura e Exploração do Colédoco: palpação de cálculo, ou colangiografia intra-operatória demonstrando cálculo. 190 Seqüência de Exploração do Colédoco: instrumentação (pinças de Randall) se diâmetro do colédoco > 2 cm, lavagem com S.F e exploração com balão de Fogarty biliar. Tática Cirúrgica: - Coledocotomia Simples: nos cálculos secundários em número menor que 6 e colédoco até 1,5 cm de diâmetro. - Papilotomia: nos cálculos encravados na papila e na litíase (secundária e múltipla), em colédocos de até 2cm de diâmetro. - Derivação Bíleo-Digestiva: na litíase secundária e múltipla, em colédos maiores que 2cm de diâmetro; na litíase primária. 3- “ODDITES”: Quando não se consegue permeação da papila pelo contraste na colangiografia peroperatória ou pelo explorador de dilatador tipo Bakes nº 3, isto traduz um espasmo ou uma “oddite” edematosa, na maioria dos casos. Nesta situação, após manobra de Kocher, a papila deve ser palpada para afastar cálculo impactado ou tumor. Afastadas essas hipóteses, a conduta resume-se a coledocostomia externa (Kehr). O fenômeno regride em alguns dias a três semanas. Excepcionalmente o achado acima referido representa uma oddite fibrosa e, portanto, irreversível (3% dos casos). Nesta hipótese, se o paciente voltar a ter sintomas biliares, o tratamento é a esfincterotomia endoscópica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Bongarzoni G, et al. Ultrasound-guided trans-parietohepatic cholecystostomy in the critical patient: current indications. G Chir. 2001 Nov-Dec; 22(11-12):395-400. Italian. 2. Pellicano R, et al. Lithiasis of the gallbladder and biliary ducts: from epidemiology to therapy Minerva Med. 2001 Aug; 92(4):227-43. Review. Italian. 3. Demyda EP. Clinical and biochemical aspects of the course of strawberry gallbladder. Lik Sprava. 2003 Jan-Feb; (1): 49-52. Ukrainian. 4. Durando R, et al. Analysis of 101,379 cases hospitalized for calculi of the bile dusts in the Region of Piedmont. Chir Ital. 1987 Aug; 39(4):352-68. Review. Italian. 191 RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA Admissão de paciente Dor biliar típica Vômitos Intolerância alimentos gordurosos Avaliação clínica, testes laboratoriais: Hemograma; TGO, TGP, Gama GT, FA, BTF; Dilatação vias biliares; Icterícia flutuante/obstrutiva; Sinais de colangite Pancreatite aguda Amilase. US TC CTPH CPER CRNM Conduzir adequadamente Colelitíase Sintomas freqüentes e graves; Complicações prévias (Colecistite, pancreatite); Cálculos maiores que 2 cm; Vesícula em porcelana; Imunossuprimidos e diabéticos; Obstrução demonstrada; cálculo em via biliar prinicipal Tratamento CTPH = COLANGIOGRAFIA TRANSPARIETOHEPÁTICA CPRE = COLANGIOPANCREATOGRAFIA ENDOSCÓPICA RETRÓGRADA CRNM = COLANGIORESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA Cirúrgico Endoscópico Indicações de colangiografia intraoperatória: Presença ou história de pancreatite biliar ou amilase elevada Presença ou história pregressa de icterícia. Hepatocolédoco dilatado (acima de 1cm) Variações anatômicas ou dificuldade na identificação da anatomia local Elevações assintomáticas das enzimas canaliculares