Doenças e pragas agrícolas geradas e

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Hasime Tokeshi
demonstra a
importância de
se ter uma visão
da agricultura
como um todo
Hasime Tokeshi
Nossa Capa
Morfologia das raízes
e fitohormônios:
raízes de milho
reagindo ao solo com
produção de
deformações e raízes
laterais
Doenças e pragas agrícolas geradas
e multiplicadas pelos agrotóxicos
G
rande tem sido o progresso das ciências agronômicas, bem como a especialização dos seus profissionais, principalmente dentro das universidades e centros de pesquisa estatais e privados. Como ocorre em outras
áreas, a agronomia também está gerando super especialistas, principalmente dentro das universidades, formando profissionais incapazes de analisar os problemas agrícolas como um todo . O
produtor tem que plantar e cultivar qualquer planta e, simultaneamente, resolver todos os problemas de nutrição, adubação,
correção de solo, manejo de solo e culturas, controle de doenças
e pragas, comercialização, crédito e assistência técnica. Professores e pesquisadores ganharam excelência em conhecimentos
somente na sua área de pesquisa, perdendo a visão global do
problema enfrentado pelos agricultores. Como conseqüência, estamos formando agrônomos incapazes de identificar doenças e
pragas corriqueiras e responder com acerto a consulta do produtor. É preciso pensar que além dos objetivos profissionais do agrônomo, de orientar o controle dos problemas do produtor, deve
existir a preocupação com o meio ambiente. O uso indiscriminado de fungicidas, inseticidas e adubações desequilibradas estão causando desvios metabólicos nas plantas, reduzindo a bioAbril de 2002
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diversidade do ecossistema como um todo. O uso inadequado
dos agrotóxicos advém do desconhecimento dos seguintes pontos: a) Os artrópodos (insetos e ácaros) são fitófagos que não
têm enzimas proteolíticas. Eles se alimentam de aminoácidos
livres fornecidos pelas plantas ou por microrganismos simbiontes do aparelho digestivo dos artrópodos Panizzi e Parra (1991).
b) Todos os desequilíbrios nutricionais das plantas levam, direta
ou indiretamente, ao acúmulo de açúcares e aminoácidos livres
e isso as tornam suscetíveis às doenças e pragas. O desconhecimento dos efeitos colaterais dos agrotóxicos, corretivos e fertilizantes estão gerando nas culturas maior necessidade de agrotóxicos, criando um círculo vicioso, o qual é necessário romper e
corrigir para que a nave espacial Terra seja capaz de sobreviver
ao ataque da terrível praga Homem, que a dominou e a trata
como se fosse sua dona, considerando-se superior aos demais
seres vivos do planeta. O homem só é capaz de enxergar as causas do ponto de vista humano e esquece que ele faz parte do
ecossistema e que qualquer ser vivo é importante neste ecossistema. O que o homem chama de pragas e doenças, para a mãe
natureza nada mais é que a polícia sanitária responsável pela
eliminação dos indivíduos doentes ou em desequilíbrio. Para terCultivar
17
mos uma idéia mais completa sobre o exposto, procuraremos
dar uma visão de como a planta interage com o solo e a biodiversidade aí existente.
IMPORTÂNCIA DAS MICORRIZAS NO
EQUILÍBRIO NUTRICIONAL DAS PLANTAS
A importância da micorrizas para as plantas advém da sua
ampla distribuição, pois 83% das dicotiledôneas, 79% das monocotiledôneas e 100% das gimnospermas possui pelo menos
uma micorriza. A micorriza vesicular arbuscular (MVA) é a que
predomina nas plantas tropicais. A sua importância cresce nos
solos pobres da Amazônia e Cerrado, onde o nível de fósforo e
Fig. 01
Fósforo solúvel em água extraído nas raízes (R), hifas
(H) e solo bruto (BS) em trevo branco micorrizado.
Adaptado de Römheld (1998)
mm, impedindo a passagem das hifas da MVA. Após o crescimento da planta, analisou-se o fósforo disponível restante no
solo dos vasos com e sem MVA. Em presença de MVA, 80 % do
fósforo da região H (hifa), distante 20 mm das raízes, havia sido
absorvido. Como as hifas pararam na tela colocada a 20 mm das
raízes, após este ponto o solo manteve 80 % do fósforo disponível sem ser absorvido. Na ausência de MVA, as raízes foram
incapazes de absorver o fósforo disponível e 80 a 90 % se manteve no solo na região H (hifa), distante 20 mm das raízes. Após a
segunda tela (região BS), o fósforo disponível foi igual ao do
vaso com MVA, pois esta também não atuou após a segunda
tela. Outros experimentos feitos com este sistema demonstraram que as hifas MVA foram capazes de absorver fósforo a 11
cm de distância das raízes, aumentando muito o volume de solo
explorado pela planta e seu simbionte. Liet et al (1991), Römheld
(1998). A eficiência e eficácia das hifas MVA se deve ao seu
pequeno diâmetro e ramificação no solo, aumentando a superfície de absorção do fósforo e, indiretamente, das raízes. Alguns
pesquisadores citam aumento da superfície das raízes em 700
%. As hifas MVA são capazes de excretar ácidos orgânicos que
solubilizam cristais de fosfato de ferro, alumínio e cálcio. Possuem sistema de vacúolos que armazenam polifosfatos que participam da geração de ATP e transporte de fósforo e carboidratos,
em fluxos opostos nas raízes e hifas. A eficiência de MVA depende da espécie, planta e ambiente, como pode ser observado na
Tabela 1 obtido de Römheld (1998). Nesta tabela verificamos
que a simples colonização das raízes não correlaciona com a efi-
Fig. 02
Esquema da dinâmica de absorção de nutrientes na planta
das hifas de micorrizas (MVA) e outros componentes de
raízes ectomicorrizadas. Adaptado de Marschner (1995)
micronutrientes são fatores limitantes para o crescimento dos
vegetais. Nos solos tropicais úmidos, o crescimento das plantas
originárias deste ecossistema é praticamente dependente das
micorrizas para crescerem nas condições naturais, sem adubos
solúveis.
MnO3 = Óxido de Manganês
Nprot = Nitrogênio proteico
Pi = Fósforo mineral
Porg = Fósforo orgânico
Nprot
R-NH2
[RM]
ABSORÇÃO DE FÓSFORO
No caso da mandioca , o exemplo da Figura 1 se adapta perfeitamente para explicar a ação da micorriza vesicular arbuscular ( MVA ). Nesta planta, a ação da micorriza é responsável pela
sua capacidade de crescer em solo com 1 ppm de fósforo disponível nos solos do Cerrados e da Bacia Amazônica. Na Figura 1
o trevo branco cresceu em vasos com e sem MVA e o fósforo
disponível foi quantificado antes e depois do cultivo. O controle
do fósforo foi feito junto às raízes, isoladas, com tela de 30 mm
que impede os pêlos absorventes de passarem por ela. À distancia de 20 mm das raízes foi colocada uma segunda tela de 0,45
18
Cultivar
RM = Feixe de hifas
MO = Matéria orgânico
R = Radical orgânico
C-COOH = Ácido orgânico
+
P
NH4
Zn
Cu
+
NH 4
-
NO3
K
R-COOH
Pi
Pi
MnOx
MO
Pi
Porg
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Mn 2+
Abril de 2002
Efeito da espécie de micorriza vesicular arbuscular ( MVA ) na colonização das raízes,
peso seco e fósforo absorvido em Sorgo bicolor ( sorgo ) durante 48 dias a 25oC
Tab. 01
Colonização de raízes
Peso seco (grama por planta)
Concentração
Espécie de MVA
Glomus
%
m raízes colonizadas
p/planta
Caule
Raízes
de fósforo
(mg/planta)
Ganho
%
Controle (-MVA)
G. macrocarpus
G. intraradices
G. fasciculatum
0
58
27
28
0
189,5
7,1
19,2
0,46
5,27
0,45
1,10
0,25
5,77
0,32
0,87
0,29
5,86
0,30
0,74
0
1.920
3
155
Adaptado de Römheld (1998)
MICROFLORA EPÍFITA E DA RIZOSFERA E SUA IMPORTÂNCIA
NA NUTRIÇÃO E CONTROLE DE PRAGAS E DOENÇAS
ciência de absorção de fósforo. Os estudos gerais de MVA já determinaram que a extensão das hifas no solo varia de 1 cm a 1 metro e o
diâmetro de 1 a 12 mm. A eficiência de absorção de fósforo decresce
à medida que a hifa se afasta das raízes. As MVA possuem capacidade
de disponibilizar fósforo orgânico quelatizado na matéria orgânica
por meio de enzima fosfatase ácida. A atividade da fosfatase ácida de
Glomulus manihotis é maior entre 1 a 2 cm das raízes e decresce após
esta distância Tarafdar e Marschener (1994). Adubações elevadas de
fertilizantes fosfatados anulam ou inibem esta atividade de MVA.
O controle biológico de doenças e pragas é um fenômenos
extremamente corriqueiro nos centros de origem das plantas cultivadas. O exame do problema nesses centros indica que as plantas coevoluíram com os microorganismos, por associação em simbiose mutualística, simbiose neutra ou associativa. Neste sistema, as plantas excretam sais minerais, aminoácidos, ácidos orgânicos e açúcares para favorecer o crescimento de microorganismos epífitos ou da rizosfera. Esta associação constante gerou
a interdependência entre microorganismos e plantas superiores.
Os estudos da fixação associativa de nitrogênio em gramíneas
mostram que os elementos essenciais à planta não podem ser
isolados das necessidades da microflora associativa, se quisermos manter as condições ótimas de produção e controle biológico de pragas e doenças, Tokeshi (1991). Se admitirmos que a
ocorrência de doenças e pragas são resultados do desequilíbro
ecológico, microbiológico e nutricional da planta, fica evidente
que nos centros de origem das plantas, as doenças e pragas não
são devastadoras porque o referido equilíbrio é mantido. Quando domesticamos a planta e a cultivamos em condições diferentes, em monocultura, adubação química e agrotóxicos, estamos
destruindo o ecossistema original, a microflora e fauna benéfica
que protegia a planta. A destruição do ecossistema original en-
ABSORÇÃO DE ZINCO, COBRE, AMÔNIA E POTÁSSIO
Abril de 2002
Concentração de nutrientes em milho com e
sem micorriza Glomus mossae em solo calcário
Tab. 02
As MVA são ainda responsáveis pela absorção de outros nutrientes como potássio, zinco, cobre, amônia e, possivelmente, nitrato, manganês, cálcio, magnésio e sulfato. No esquema da Figura 2
verificamos que os elementos dentro dos círculos são seguramente
absorvidos diretamente pelas hifas da MVA. Os elementos com absorção com dados ainda incompletos foram omitidos. Os dados disponíveis não permitem ainda quantificar em condições de campo
os efeitos da MVA na absorção, devido às mudanças morfológicas e
fisiológicas causadas pela própria MVA nas raízes micorrizadas. Na
Tabela 2 são apresentados os efeitos de Glomus mossae em milho
crescendo em solo calcário. Verifica-se que a MVA aumenta os teores de fósforo, zinco e cobre. Há redução nos teores de potássio,
cálcio, manganês, ferro e boro. A presença de MVA controlou o
excesso de cálcio, manganês, ferro e boro, resultando em aumento
de produtividade, devido ao equilíbrio nutricional gerado na planta. Plantas micorrizadas têm a tendência de ter sistema radicular
menos desenvolvido e profundo, podendo por isso sofrer mais estresse de falta de água nos períodos de seca. O mais freqüente, porém, é que com a morte das micorrizas o crescimento seja retardado
e aumente a suscetibilidade a pragas e doenças, devido ao desequilíbrio nutricional e ao acúmulo de aminoácidos livres na planta. O
uso de agrotóxicos como herbicidas hormonais (glifosato), fungicidas e inseticidas matam freqüentemente as micorrizas ou causam
desbalanço nutricional o que leva à suscetibilidade a pragas e doenças. Este ponto será enfatizado, pois a falta de micronutrientes que
atuam como cofatores de enzimas leva ao acúmulo de aminoácidos
e açúcares livres na planta e aumento de suscetibilidade a pragas e
doenças.
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Nutrientes minerais
Concentração no peso seco dos caules
µg por grama
Glomus mossae
µg por grama
Sem
K
17
P Mg Ca
2,1 4,0 9,0
Zn Cu Mn Fe
10 5,6 139 88
B
46
Com
12
3,7 4,1 5,3
36 7,1 95
55
58
Adaptado de Römheld (1998)
Cultivar
19
Tab. 03
Crescimento do caule e raízes de ervilha durante 35 dias
com luminosidade alta e baixa em presença e ausência de
Rhizobium (Rh) e micorriza (MVA)
Simbionte
Luz
Peso seco (mg)
Rh
MVA
(µEM-2S-1)
Caule
Raiz
-
-
390
190
506
248
306
105
31,7
11,3
+
+
+
+
390
190
592
326
168
73
17,7
6,4
mento radicular do que a parte aérea. As plantas micorrizadas e
com Rhizobium usam de 15 a 50 % do carboidrato para alimentar os microorganismos simbiontes. Desta forma, como 83 %
das dicotiledôneas, 79 % das monocotiledômneas e 100 % da
gimnospermas têm micorriza, o custo da manutenção das micorrizas representa pelo menos 15 a 30 % dos carboidratos fotossintetizados pela planta. Como a natureza não perdoa desperdício, deve haver uma razão muito forte para que esta simbiose mutualística seja mantida e coevoluido com as plantas. Na
Tabela 3 verificaremos que em ervilhas crescendo com pouca luz
a presença de Rhizobium (Rh) e micorriza (MVA) é prejudicial à
planta pela competição pelos carboidratos e isto reflete no crescimento de caules e raízes. Sendo os Rhizobium e micorrizas fundamentais na absorção de nutrientes essenciais, verificamos que
qualquer produto ou manejo que reduza a fotossíntese é prejudicial às plantas ou a seus simbiontes associados. O uso de fungicidas sistêmicos como o benomil, que tem ação erradicante
sobre as micorrizas, prejudica, portanto, a planta por impedir a
absorção de micronutriente zinco e cobre, essenciais no sistema
de defesa e crescimento das raízes. A simples aplicação de fungicidas e inseticidas à base de carbamatos aumenta a suscetibilidade da planta aos ácaros e oídios, devido a mudanças fisiológicas no vegetal, que o torna mais palatável e nutritivo a estes
agentes (pragas e doenças) refletindo diretamente no crescimento
radicular via fitohormônios nas raízes e exsudatos.
Comprimento
de raízes (m planta)
Adaptado de Marschner (1995)
volveu a microflora epífita e a rizosfera, criando, assim, condições para o surgimento de grandes epidemias de doenças e pragas da atualidade. Na natureza, a luta para sobrevivência das
espécies tem por base o melhor aproveitamento da energia. Como
as plantas alimentam as micorrizas, fornecendo de 20 a 50% dos
produtos da fotosíntese, isto significa que esta simbiose é benéfica para sobrevivência das espécies associadas. O nível de interdependência mencionado abrange micorrizas, rizobactérias promotoras de crescimento e bactérias fixadoras de nitrogênio, de
acordo com Döbereiner, J. (1979), Li e Liu ( 1986 ) e Ruschel
(1979 ).
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O sistema radicular é muito variável com as espécies de plantas e se caracteriza pela ampla adaptabilidade que as raiz apresentam em resposta à interação com o ambiente externo e interno da planta. Como o solo é extremamente variável nas características físico-químicas , as raízes têm que apresentar esta plasticidade para se adaptar a estas mudanças do solo. Os estudos de
localização de adubos mostram muito bem a adaptação das raízes na presença de nutrientes. As mudanças da concentração de
fitohormônios são respostas que as raízes produzem para superar as barreiras físico-químicas impostas pelo solo. Veremos alguns exemplos de resposta das plantas ao ambiente interno e
externo.
Fig. 03
EFEITO DE FATORES INTERNOS E EXTERNOS
NO CRESCIMENTO DA PLANTA
Esquema da ponta das raízes. IAA = ácido
indolacético; CIT = citoquininas; X = sensor não
identificado possivelmente (ABA)
IAA
CIT
RAÍZES LATERAIS
PÊLOS ABSORVENTES
ZONA DE CRESCIMENTO
FORNECIMENTO DE CARBOIDRATOS
ZONA MERISTEMÁTICA
As plantas fornecem diariamente ao sistema radicular de 25
a 50 % dos produtos da fotossíntese para o seu crescimento e
manutenção. Cerca de 50% dos carboidratos enviados para as
raízes são usados somente para a respiração e produção de energia (ATP). Qualquer fator que interfira na fotossíntese, como
baixa luminosidade e o uso de agrotóxicos, afeta mais o cresci20
Cultivar
X
COIFA
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Abril de 2002
Tab. 04
Efeito do suprimento de nitrato de amônia (NH4NO3) no caule e
raízes do milho durante 15 semanas de crescimento no campo
Nitrogênio
aplicado
kg/ha
0
150
Peso seco por
planta (gramas)
Caule
186
352
Grão
54
138
Raízes
por planta
Comprimento (m)
2.189
2.521
Peso seco
raízes /
Peso seco (g)
42
38
caule
0,23
0,11
Adaptado de Anderson (1988) e Marschner (1995)
PH DO SOLO, RELAÇÃO CÁLCIO E TOTAL
DE CÁTIONS DA SOLUÇÃO DO SOLO
MORFOLOGIA DAS RAÍZES E FITOHORMÔNIOS
Plantas que têm seu centro de origem em solos ricos em cálcio, no geral são muito sensíveis a pH ácidos. É por esta razão que
a alfafa, lentilha, grão de bico, melão, ervilha e algodoeiro são plantas que requerem solos neutros ou alcalinos para crescerem adequadamente. Devido a seleção e domesticação , algumas variedades destas plantas são mais tolerantes a solos ácidos, mas sempre
crescem melhor em solos neutros ou alcalinos. Plantas intolerantes a solos ácidos, no geral, não toleram alumínio e, por isso, tem
o alongamento das raízes inibido por este elemento. O cálcio protege as raízes do alumínio tóxico. O nível de proteção varia com a
espécie e variedade da planta, dependendo da concentração de
outros cátions do solo. Dessa forma, o nível de cálcio não é constante para controlar toxidez de alumínio no solo, ele é dinâmico
variando com o pH do solo. Por exemplo, no algodoeiro de pH
5,6, o nível de cálcio de 1 mM na solução do solo permite o máximo de crescimento radicular. No pH 4,5, o nível de cálcio requerido é de 50 mM para dar o mesmo efeito. No geral, a relação
cálcio dividido pelo soma de cátions da solução do solo (total de
cátions) deve ser de 0,15, para se obter crescimento radicular máximo. Nos solos tropicais ácidos, onde o pH é muito baixo, a simples calagem superficial não corrige o problema no subsolo, devido à pouca mobilidade do cálcio na ausência do gesso como ele-
Na Figura 2 podemos verificar que a resposta imediata das
raízes às mudanças físico-químicas do solo são resultantes do fluxo e produção dos fitohormônios. A coifa das raízes, além de atuar como lubrificante para o crescimento radicular, é o sensor que
detecta a resistência do solo à penetração e determina maior ou
menor alongamento das raízes. A coifa controla, ainda, a emissão
de sinais para a síntese e efluvio de fitohormônios para produção
de raízes secundárias, pêlos absorventes, maior ou menor liberação de moléculas de baixo peso molecular e o crescimento da microflora externa. Há, portanto, similaridade das funções da ponta
dos dedos e suas funções com a ponta das raízes. De acordo com
o esquema das raízes, a sua ponta é produtora do estímulo da sua
resposta ao ambiente externo. Assim, se aplicarmos um fungicida
sistêmico como benomil, fossetil alumínio ou abamectina, interferimos na capacidade de resposta das raízes gerando mudanças
no suprimento de carboidrato, fitohormônios, micronutrientes ou
exsudatos de raízes, aumentando a sua suscetibilidade a pragas e
doenças da parte aérea ou raízes.
FATORES QUÍMICOS DO SOLO
MACRONUTRIENTES (N, P, K)
Ação dos ácidos fenólicos no peso fresco de raízes de
ervilha crescendo em soluções com níveis distintos de
nitrogênio
Tab. 05
Os estudos sobre a influência dos macronutrientes (N, P, K)
no crescimento das raízes, feitos em condições de campo, são
numerosos e mostram claramente que são elementos essenciais
para o crescimento do sistema radicular e do caule. A localização do adubo em diferentes profundidades e quantidades, muda
a quantidade e superfície total das raízes. Esta resposta é nítida
para o nitrogênio e fósforo na maioria das plantas. No caso do
potássio, a resposta não foi significativa, provavelmente devido
à extrema solubilidade do elemento e mobilidade no perfil do
solo. Na Tabela 4 são apresentadas as respostas em se tratando
de, nitrogênio em milho, no campo, em relação ao crescimento
de caule e raízes. Nas gramíneas, as raízes crescem mais nas
regiões onde o nitrogênio e fósforo foram aplicados, mostrando
a adaptabilidade das raízes à mudança de fertilidade e a sua sensibilidade às mudanças do ambiente solo. Se o elemento está
uniformemente distribuído no solo, o enraizamento é uniforAbril de 2002
me, se estiver concentrado lateralmente, as raízes
laterais vão predominar na profundidade onde o
elemento estiver concentrado. O uso de adubos
minerais solúveis e agrotóxicos, na agricultura moderna, causa a destruição agregada do solo e, como
conseqüência, teremos a formação de pé de grade
ou arado. O encharcamento e anaerobiose existentes nesta área interferem no crescimento das
raízes, que gastam muito mais energia para ultrapassar esta barreira físico-química e se tornam mais
suscetíveis ao ataque de pragas e doenças.
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Ácidos
fenólicos
Nenhum (controle)
Peso fresco (grama por planta)
Nitrogênio
Alto (15 mM) Baixo (1,5 mM)
0,52
0,39
Percentagem
de inibição
(baixo nitrogênio)
0
Ferúlico
0,56
0,14
64
Vanílico
0,54
0,22
44
p-Cumárico
0,54
0,11
72
p-Hidroxibenzólico
0,54
0,33
15
Adaptado de Marschner (1995)
Cultivar
21
Tab. 06
Efeito de ácidos graxos voláteis nas raízes de arroz
28 dias após o transplante
Ácido graxo
1 mM (100g)-1 de solo
Nenhum (controle)
Ácido acético (C2)
Propiônico (C3)
Butírico (C4)
Valérico (C5)
Peso seco de raízes
em grama por planta
Percentagens de inibição
sobre o controle
1,70
1,40
1,00
0,90
0,29
0
18
41
47
83
Adaptado de Marschner (1995)
RIZODEPOSIÇÃO E EXSUDATOS DE RAÍZES
Como já foi mencionado anteriormente, 30 a 60 % dos produtos da fotossíntese são consumidos pelas raízes. Deste consumo, a respiração da planta e micorrizas usam 16 a 76% e a
rizodeposição no solo de 4 a 70%, totalizando 42 a 90% na maioria das espécies de plantas, Lynch e Whipps (1990). A quantidade de carbono depositado no solo aumenta em plantas sob
estresse de solo compactado, anaerobiose, seca, deficiência mineral, microflora da rizosfera e efeitos colaterais de agrotóxicos.
Modelo de fluxo de carbono na rizosfera com exsudação de
moléculas de baixo peso molecular ( MBPM ) e ciclagem interna
por catabolismo nos microrganismos
Fig. 04
mento transportador do cálcio em profundidade. Isso
porque o cálcio não é transportado pelo floema para
a extremidade das raízes, onde o ocorre o seu alongamento. Esse fato nos obriga a aplicar sempre calcário e gesso simultaneamente para obter mudança
de pH no subsolo e, assim, ter adequada relação cálcio/cátion total na solução do solo. Quando o solo
está compactado e encharcado, a respiração das raízes e microorganismos gera gás etileno que permanece junto às raízes, inibindo o seu crescimento e
aumentando o crescimento dos pêlos absorventes.
Todas estas respostas estão associadas a fitohormônios induzidos pelo receptor junto a coifa das raízes
(Figura 3). O papel do cálcio neste sistema ainda
não está totalmente esclarecido, mas é um elemento
participante do metabolismo radicular.
pé de grade ou arado que, em poucas horas de encharcamento,
produz as MBPM, inibindo o crescimento das raízes. Um exemplo da ação inibidora pelo ácido fenólico é apresentado na Tabela 5, onde a inibição se torna bastante evidente comparada com
o controle. Na Tabela 6 são mostrados exemplos de ácidos graxos na inibição radicular, adaptado de Marschner (1995).
MOLÉCULAS DE BAIXO PESO MOLECULAR
(MBPM)
Moléculas de alto peso molecular resultante do
húmus como ácido fúlvico, fitohormônios (IAA)
e proteínas, no geral , estimulam o crescimento
radicular. Fenômeno oposto ocorre com moléculas de baixo peso molecular (MBPM), como álcool
etílico, etileno, ácido butírico, ácido valérico, ácido
acético, ácido málico, ácido oxálico, ácidos graxos
de cadeia curta e ácidos fenólicos. As MBPM surgem durante a fermentação dos exsudatos das raízes e matéria orgânica em decomposição anaeróbica, em solos encharcados ou compactados. Quando aplicamos fertilizantes, herbicidas e fungicidas
que matam os microorganismos benéficos e plantas invasoras, são criadas as condições para a fermentação anaeróbica dos exsudatos das raízes, dispersão de argila e perda de agregação de partículas
do solo. A conseqüência deste fato é a formação de
22
Cultivar
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Abril de 2002
dam os exsudatos das raízes e tornam disponível os elementos
em falta por meio de ácidos orgânicos que quelatizam os minerais, tornando-os disponíveis. Isto já foi demonstrado em várias
plantas, e na Tabela 7 são apresentados os dados de Marschner
(1995), onde várias leguminosas usam ácidos distintos para obter a liberação do fósforo insolúvel do solo.
Os principais componentes da rizodeposição são: a) exsudatos
de MBPM (ácidos orgânicos, aminoácidos, açúcares e álcoois),
b) gomas ou mucilagens associados à coifa e c) escamação dos
tecidos e células radiculares, devido à morte dos pêlos absorventes e suberificação das raízes. Na Figura 4 são apresentados de
forma esquemática os componentes da rizodeposição e os produtos secundários resultantes da sua degradação, absorção por
microorganismos, até a sua liberação como CO2 para a atmosfera e formação de novas MBPM, como matéria orgânica no solo.
Quando a microflora é diversificada, o período de residência dos
fotossintetizados no solo é maior, devido a sua ciclagem na forma de novos microorganismos até a sua liberação final como
CO2 e MBPM no solo.
Os exsudatos de raízes abrangem as MBPM liberadas ou secretadas pelas raízes. No entretanto, são as mucilagens, exoenzimas e fitosideróforos que exercem grande influência na fisiologia das raízes e que são responsáveis pela agregação de partículas do solo e formação dos macroporos. Devido à ação sensorial
da ponta das raízes é esta que comanda a quantidade e qualidade dos fitohormônios produzidos, bem como o tipo de exsudato
liberado (Figura 3). Quando o solo está compactado, passando
de 1,2 g cm3 para 1,6 g cm3, o alongamento radicular é drasticamente reduzido, mas o consumo de produtos da fotossíntese
dobra com mais exsudação de MBPM e a formação de agregados aumenta na periferia das raízes. Os exsudatos radiculares
mudam sob a ação de fatores internos e externos da planta, estado nutricional e dinâmica dos nutrientes do rizoplano e rizosfera. A grande compactação do solo e aeração dele resultante muda
drasticamente os exsudatos radiculares e aumenta as podridões
radiculares na maioria das plantas.
MICROORGANISMOS DA RIZOSFERA NÃO PATOGÊNICOS
Como vimos anteriormente , 25 a 50 % dos produtos da
fotossíntese são translocados e usados nas raízes. A maioria dos
fotossintetizados acaba no solo pelos exsudatos radiculares,
mucilagens, escamação e morte de células dos pêlos absorventes. Este conjunto de matéria orgânica recebe o nome de rizodeposição (Figura 4). Esta matéria orgânica representa energia que
é usada por organismos do solo. Isto pode ser facilmente demonstrado contando o número de microorganismos no solo e
no rizoplano, e a proporção encontrada é de 1 : 5 a 1 : 50,
dependendo da idade, espécie e condições de crescimento do
vegetal. Como regra geral, de 75 a 80 % do carbono orgânico
provém das raízes. A população de microorganismos é limitada
principalmente pelo nível de nitrogênio da rizodeposição. As leguminosas e gramíneas que fixam nitrogênio atmosférico têm
maior número de microorganismos por exsudarem mais aminoácidos que as não fixadoras. Quando adubamos as plantas com
excesso de nitrogênio em cobertura ou fazemos aplicações de
agroquímicos que impedem a síntese de proteínas, os aminoácidos acumulam nas folhas e raízes, aumentando a exsudação de
aminoácidos e açúcares no solo. Estes exsudatos atuam como
estímulo químico e induzem a germinação de esporos de fungos
patogênicos (Fusarium, Pythium, Phytophthora e Rhizoctonia) e
bactérias fitopatogênicas (Pseudomonas solanacearum e Pseudomonas spp). O aumento do número de patógenos no rizoplano
rompe a resistência natural da planta e surge o processo patogênico (doença ) nas raízes do vegetal. Muitas bactérias benéficas
do rizoplano que fixam nitrogênio de forma associativa e as micorrizas, em presença de excesso de nitrogênio amôniacal, nítrico e aminoácidos, usam este nitrogênio, passando a atuar como
parasita da planta simbionte. Com os simbiontes atuando como
parasitas e maior consumo de produtos da fotossíntese e o aumento
MUCILAGEM E MUCIGEL
Abril de 2002
Ácidos orgânicos exsudados das raízes crescendo em solo deficiente em fósforo
Tab. 06
A região apical das raízes , em particular, está constantemente
coberta por uma camada mucilaginosa produzida pela raízes,
formada basicamente por polissacarídeos (20 a 50 %) formados
por cadeias de ácido poliurônico. A quantidade de polissacarídeo produzida é proporcional à velocidade de crescimento da
extremidade das raízes. No solo, os polissacarídeos são alimentos para bactérias e fungos que degradam os polissacarídeos.
Estes, em combinação com microorganismos e seus polissacarídeos e partículas do solo, formam o mucigel. São os mucigeis
que dão estabilidade aos agregados do solo e geram, ao final, os
macroporos. Os agregados do solo podem conter até 40 % de
mucigel ou mucilagens. A presença das mucilagens nas raízes é
extremamente importante em solos contaminados por metais
pesados como chumbo, mercúrio, cobre e cádmio porque formam complexos com os metais e impedem a sua absorção pelas
raízes. Em solos ácidos com alumínio tóxico, as mucilagens atuam da mesma forma, tirando da solução do solo o alumínio e
permitindo que as raízes cresçam sem a toxidez do metal. Um
ponto crítico da fisiologia das raízes pode ser observado quando
as plantas crescem em solos deficientes em nutrientes como fósforo, zinco, ferro e manganês. Nestas condições, as plantas mu-
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Exsudatos de raízes frescas avaliadas em mMg-1 em 24 horas
Espécies de
leguminosas
Ácidos
orgânicos totais
Malônico
Fumárico
Málico
Cítrico
Soja
2,83
0
1,03
0,78
1,02
Grão de bico
66,54
7,04
6,87
12,67
35,63
Amendoim
47,21
0
24,44
12,84
9,17
Feijão de porco
6,17
0,34
0,73
4,31
0,79
Adaptado de Marschner (1995)
Cultivar
23
Fig. 04
pelos herbicidas em sub
substancial da exsudação
Processos biológicos e bioquímicos que levam aos desvios
dose.
de açúcares e aminoácimetabólicos, ataque de artrópodos e doenças
Recentemente , os surdos, o sistema radicular se
tos de Cancro Cítrico
torna mais vulnerável aos
(Xanthomonas axonopodis)
patógenos das raízes e da
nos pomares na região norparte aérea. Como consete do Estado de S. Paulo
qüência final, aumentaestão associados aos pomamos a suscetibilidade da
res com ataque da Clorose
planta a pragas, doenças
Variegada dos Citros (Xyle ácaros devido a maior
lela fastidiosa). Para conexcreção de aminoácidos
trolar a cigarrinha vetora
e carboidratos livres. Se lidesta última doença emgarmos os fatos acima
pregou-se o herbicida glicom os efeitos colaterais
fosato na vegetação das
da aplicação de inseticiáreas periféricas dos pomadas, fungicidas, acaricires cítricos. A deriva dos
das, nematicidas e adubos
produtos pode ter causaquímicos de alta solubilido bloqueio do sistema de
dade, verificamos que os
defesa da planta causando
efeitos colaterais resultam
a explosão do Cancro Cíno acúmulo de aminoátrico na região. Este é um
cidos e açúcares livres nas
exemplo típico de medida
folhas e extremidades das
de controle com visão parraízes. Com isto, fica evicial e unilateral do probledente que a ocorrência de
ma.
doenças e insetos pragas
Os resultados têm sido
nas culturas nada mais é
desastrosos, pois a própria
que o resultado do deseClorose Variegada dos Ciquiliíbro nutricional da
tros (Xyllela fastidiosa) é
planta, refletindo nos exum reflexo do aumento de suscetibilidade da planta pelo uso exasudatos radiculares e foliares. Na Figura 5 apresentamos o esquema
gerado e inadequado de agroquímicos. Com o abandono dos agrodos processos biológicos e bioquímicos que levam aos desvios metatóxicos convencionais e retorno do uso de Calda Sufocálcica e Calbólicos e à suscetibilidade a pragas e doenças.
da Bordaleza, a Xyllela fastidiosa está deixando de ser problema em
muitos pomares cítricos.
CONCEITOS FINAIS
O equilíbrio microbiológico gerado em pomares abandonados,
nos quais os sintomas da Xyllela fastidiosa desapareceram, é uma
O uso de adubos químicos extremamente solúveis, herbicidas,
outra prova de que muitas doenças iatrogênicas (geradas pelos agroinseticidas, fungicidas, nematicidas, bactericidas e preparo do solo
químicos) estão se agravando pelo uso inadequado de agrotóxicos
com equipamentos pesados estão degradando o ambiente solo. As
nas culturas. Há, portanto, necessidade dos professores, técnicos e
derivas de herbicidas por quilômetros de distância submetem as
produtores adotarem uma visão mais holística das causas e controplantas a sub doses 100 a 1000 vezes menores que as recomendadas
le de pragas e doenças antes de simplificarem o problema, recomenpara as culturas. Estas sub doses não produzem sintomas de toxidando aplicação de agrotóxicos sem os devidos cuidados, pois muidez nas plantas acidentalmente atingidas, mas causam o bloqueio
tas vezes ao invés de curar a planta, acabam gerando novas doenças
do sistema de defesa. Os herbicidas hormonais, em particular o
e pragas. É de suma importância ao recomendar o uso de agrotóxiglifosato, bloqueiam a síntese de fitoalexinas nas plantas e, por isso,
cos, fertilizantes e corretivos pensar no ecossistema como um todo,
transformam as plantas invasoras daninhas de altamente resistenincluindo o homem, o trabalhador rural, a saúde dos consumidores
tes a suscetíveis a podridões de raízes por Fusarium, Pythium, Rhie pensar na responsabilidade nossa de deixarmos o solo sadio para
zoctonia Phytophthora. As plantas cultivadas com doses de 0,1 a 0,001
os nossos descendentes.
das doses recomendadas podem não mostrar sintomas de fitotoxiNão devemos esquecer que todos os seres da Terra são interdecidade, mas têm a síntese de fitoalexina bloqueada total ou parcialpendentes. Cada ser está vivendo da cooperação de outros seres.
mente e por isso são atacadas por agentes patogênicos dos mais
diversos. Portanto, o aumento de doenças bacterianas, fúngicas,
Hasime Tokeshi,
nematoides e ataque de insetos e ácaros podem ser ocasionados
ESALQ-USP
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