IEP851-2010 Trabalho final Francisco José Teixeira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS,
ESTRATÉGIAS E DESENVOLVIMENTO
PPED-IE/UFRJ
Curso: Gestão Pública, Propriedade Intelectual e Desenvolvimento
Professores: Carlos Morel e Claudia Chamas
Gestão nas organizações públicas de pesquisa
Análise e comentários sobre o artigo “Trends in the organization of public research
organizations: lessons from the Brazilian case”.
Autores: Sergio Salles-Filho e Maria Beatriz Machado Bonacelli
FRANCISCO JOSÉ TEIXEIRA GARCIA
Rio de Janeiro, outubro de 2010
1. Introdução
O estágio atual da pesquisa científica no mundo globalizado demanda uma grande
reflexão sobre os rumos que as organizações públicas de pesquisa no Brasil tomaram ou
estão tomando. Submetidas muito vezes a críticas nem sempre objetivas e ponderadas
sobre o papel a desempenhar no esforço de desenvolvimento da sociedade brasileira,
essas organizações enfrentam obstáculos cada vez maiores e que precisam ser avaliados
à luz da academia, para propor não somente mudanças óbvias, mas também oferecer
caminhos alternativos de resolução de gargalos e áreas de sombra.
Partindo do principio que o papel central da competitividade global desempenhado
pelas políticas de promoção da inovação, faz com que profissionais estejam cada vez
mais estimulados a se reestruturar e participar do processo de inovação que, apesar de
ser um fenômeno global, mantém características específicas em cada país, Salles-Filho e
Bonacelli (2010) publicaram o artigo “Trends in the organization of public research
organizations: lessons from the Brazilian case” na edição de abril da revista Science
and Public Policy.
Nesse artigo desenvolvem uma taxonomia para as três trajetórias principais que podem
ser identificadas nas instituições brasileiras de pesquisa ou OPPs – Organizações
Públicas de Pesquisa: as path finders (aquelas que adaptaram suas trajetórias originais
para a perspectiva da inovação); as path founders (aquelas que tiveram de construir
novas trajetórias); e as path losers (aquelas que perderam as suas trajetórias originais e
não encontraram outras).
Em artigo anterior, denominado “Em busca de um novo modelo para as organizações
públicas de pesquisa no Brasil”, publicado na revista Ciência e Cultura, vol. 59, nº 4,
em 2007, os autores já tinham como objetivo recolocar o tema do papel das
organizações públicas de pesquisa no processo de desenvolvimento do Brasil, admitindo
a necessidade de mudança nos modelos institucional e gerencial dessas organizações
pelo fato de os modelos atuais serem em sua grande maioria, considerados anacrônicos.
Nesse artigo indicavam que a partir da crise da década de 1980 ocorreram diversas
alterações no perfil dessas organizações:
Algumas OPPs adaptaram seu ambiente original a partir da revisão de
suas práticas de trabalho, buscando recursos e saídas para a falta de
suporte das políticas e do orçamento público (path finders); outras
construíram
trajetórias
diferentes
das
suas
missões
originais,
diversificando competências e áreas de atuação (path founders);
algumas com atitudes tímidas e mais relacionadas ao lobbying político,
puderam sobreviver sem grandes mudanças institucionais (mudanças
cosméticas, como nome, revisão de organogramas etc.) e sem sair do
estrangulamento imposto pelas condições de então (survivors); e uma
quarta trajetória ilustrada pelos “perdedores” (path losers), ou seja,
instituições que se perderam no caminho e foram extintas ou fundidas
por falta de opção melhor. (SALLES-FILHO e BONACELLI, 2007)
Apesar da reestruturação ocorrida a partir de meados da década de 1990 permanece um
grave problema de coordenação, que aliado as questões institucionais e gerenciais
inerentes ao modelo de governança brasileiro, determina uma trajetória permeada por
graves problemas para o desenvolvimento da pesquisa e inovação no Brasil.
2. Análise
Os autores ao analisarem a questão da performance e sustentabilidade técnica-gerencial
das OPPs, argumentam que existem quatro questões afetando essa análise:

Estratégia de financiamento e capacidade de alavancagem de recursos para
atividades de pesquisa e inovação;

Compartilhamento de trabalho e a formação de uma participação técnica e
científica na gestão de redes de inovação;

Apropriação de conhecimentos e transferência de tecnologia (TT) e,

Atração e manutenção de recursos humanos (RH).
Essas questões aliadas às decisões tomadas pelas organizações ao longo de suas
trajetórias e ao estágio atual da sociedade globalizada determinaram um ambiente
complexo e desafiador para as OPPs que, segundo os autores, geraram resultados
diferenciados para as organizações. Neste ambiente, podem-se destacar as seguintes
iniciativas tomadas pela maioria das Organizações Públicas de Pesquisa:
a) adoção de modelos integrados de planejamento e de acompanhamento de atividades,
visando à consistência e a coerência entre os diversos níveis;
b) organização e divisão do trabalho segundo processos organizacionais, visão
horizontal do fluxo de atividades, e não segundo as funções clássicas da administração
de visão vertical do trabalho;
c) identificação das competências, tanto no nível da organização como no nível
individual, adoção de modelo de gestão por competências;
d) realização de pesquisas de satisfação de clientes;
e) utilização de modelos de remuneração variável, associados ao desempenho.
Tais inovações apóiam-se no uso de tecnologias de informação possibilitando a
utilização de modelos de gestão integrados com geração de informações em tempo real,
além do controle e acompanhamento das atividades da organização. Utilizando-se
muitas vezes de isomorfismo mimético, ou ações de benchmarking visando "queimar
etapas" essas organizações ampliaram sua evolução nas técnicas de gestão. Isomorfismo
coercitivo também foi observado através de pressões e estímulos externos seja via
planos governamentais ou via escassez de recursos financeiros.
Uma das questões mais presentes é o esforço que as organizações tem feito para aplicar
o conceito de gestão por resultados, apesar de todo o engessamento da atual legislação
trabalhista nos setores público e privado brasileiro. Notou-se também, que o papel da
liderança e da comunicação na implementação das inovações foi fundamental para a
evolução ocorrida. Para tanto a alta administração teve um envolvimento expressivo na
formulação e implementação de ações que reverteram uma trajetória nem sempre
positiva de boa parte dessas organizações.
Algumas dessas ações ancoraram-se nas idéias e reformas empreendidas ao longo das
décadas de 80 e 90 do século passado, que tinham por base a chamada New Public
Management (NPM), conhecida no Brasil como Nova Gestão Pública (NGP). Essas
idéias proliferaram durante boa parte do período e proporcionaram mudanças em
processos de gestão, baseadas na constatação de que o setor público sofria de dois males
burocráticos: a ineficiência relacionada ao excesso de procedimentos e controles
processuais e a baixa responsabilização dos burocratas frente ao sistema político e à
sociedade. A proposta básica era implantar uma flexibilização na administração pública
e aumentar a accountability governamental. (ABRUCIO e SANO, 2008)
Para alcançar esses objetivos, era necessária a adoção de uma administração pública
voltadas para resultados com a implantação de mecanismos de contratualidade da
gestão, com metas, indicadores e formas de cobrar os gestores, apoiada na transparência
das ações governamentais e uso de instrumentos de accountability. Essas questões
aliada a necessidade de desenhos institucionais mais apropriados à função de Pesquisa e
Desenvolvimento, são fundamentais para a consecução de objetivos na área da gestão
das OPPs.
Mesmo com o grande destaque proporcionado a essas idéias pelo governo brasileiro
através do Plano Diretor da Reforma do Estado, durante o governo Fernando Henrique
Cardoso, poucas organizações públicas experimentaram sua aplicação, seja por reações
das comunidades afetadas pelas propostas de mudanças, seja pela falta de maior apoio
governamental, à época mais preocupada com questões de inflação e controle fiscal.
Atualmente, apesar de não estar mais na ordem de prioridades governamentais, podemse citar algumas experiências de sucesso no plano da saúde, cultura e ação social (as
Organizações Sociais – OS e OSCIP) e, mais recentemente, em governos estaduais
(choque de gestão em Minas Gerais), proporcionando benchmarking que pode ser
apropriado pelas OPPs.
Analisando a evolução ocorrida em parte das organizações, que levou os autores a criar
uma taxonomia diferenciando estágios e processos evolutivos entre elas, constata-se que
permanece uma grande dificuldade no que concernem as questões relativas aos
mecanismos de gestão e das mudanças institucionais necessárias em quase todas as
OPPs. Através de um modelo trípode, conforme a seguir, os autores definem o que
consideram como restrições na autonomia das OPPs. Segundo eles, as OPPs convivem
num ambiente em que a autonomia para implementar as mudanças necessárias está
circunscrita por uma estrutura legal e pela influência política na tomada das decisões.
ESTRUTURA
LEGAL
AUTONOMIA
PARA
IMPLEMENTAR
MUDANÇAS
INFLUÊNCIA
POLÍTICA
Restrições na autonomia das OPPs.
Verifica-se, portanto, que as questões institucionais legais ligadas ao financiamento de
pesquisa e desenvolvimento e transferência de tecnologia, além da questão gerencial,
notadamente a relativa à contratação e manutenção de recursos humanos necessários ao
desenvolvimento das organizações permanece sem uma solução que as contemple de
forma geral. Algumas organizações avançam, outras retrocedem e boa parte adapta-se a
um mundo em constante mudança. A mudança constante no ambiente onde operam
essas organizações leva a que a capacidade de adaptação de uma organização seja um
diferencial fundamental na sua sobrevivência e evolução.
Essa realidade exige uma revitalização permanente das organizações de pesquisa
visando fortalecer suas vantagens comparativas e ao mesmo tempo, criar novas
estruturas e nova cultura, principalmente no que diz respeito aos direitos de propriedade,
incubação de novas empresas de P & D, gestão de PI, gestão de contratos e
competências, entre outros. Todas essas questões têm por base capacidade gerencial, o
que de fato é um dos calcanhares de Aquiles das OPPs no Brasil.
Outro fator mencionado no artigo de Salles-Filho e Bonacelli (2007) e que se demonstra
bastante relevante quanto às OPPs é a falta de conexão com o sistema produtivo. Os
exemplos de sucesso das OPPs, em sua grande maioria, têm por base a capacidade que
essas organizações tiveram de superar essa limitação. No entanto, ressaltam os autores,
a falta de convergência entre as demandas da sociedade e os investimentos em ciência e
tecnologia tem contribuído para comprometer os esforços empreendidos por essas
organizações na questão da inovação.
Ao abordar as diversas trajetórias empreendidas pelas OPPs os autores constatam uma
questão comum a todas, ou seja, a existência de capacidade interna às organizações de
reagir ao ambiente externo mutável de maneira a se adaptar aos novos desafios do
campo de conhecimento, tornou-se um fator preponderante na definição de qual
trajetória seguir. Isto nos remete a algumas questões que permanecem como desafio
para as OPPs:
a) Competição por recursos governamentais cada vez mais escassos, gerando
necessidade de criar soluções alternativas para sobrevivência da organização;
b) Contratar e manter mão de obra especialista no campo de atuação, face às
restrições salariais e engessamento das formas de contratação de pessoal para
organizações públicas;
c) Contratar e manter mão de obra especialista em gestão nos diversos setores de
atuação, face às restrições salariais e engessamento das formas de contratação de
pessoal para organizações públicas;
d) Implantar e manter modelos de gestão compatíveis com a situação atual do
mundo globalizado, focando desempenho e indicadores de resultado;
e) Possibilitar a implantação de redes de complementariedade de estudos e
pesquisas, com conexões nacionais e internacionais, racionalizando e dando
eficácia aos investimentos em P & D;
f) Viabilizar junto ao governo a implantação de uma estrutura legal e regulatória
que seja mais clara e objetiva, e menos restritiva;
g) Implantar mecanismos institucionais que permitam rápida alteração e adaptação
nas estruturas das organizações, tornando-as ágeis e competitivas no mundo
globalizado;
h) Implantar mecanismos que aperfeiçoem as capacidades do atual capital
intelectual existente nas organizações, absorvendo novas capacidades e
competências.
i) Implantar
mecanismos
de
accountability
que
permitam
um
real
acompanhamento das ações das OPPs e dêem legitimidade aos investimentos
públicos em P & D.
3. Conclusões
Um mundo em permanente mudança requer organizações ágeis e transparentes. No caso
das Organizações Públicas de Pesquisa no Brasil, a realidade é bem mais complexa.
Comprimidas entre estruturas legais restritivas e um ambiente político mais afeito as
ações de curto prazo, e em face da realidade que enfrentam, as OPPs estão sujeitas a
desafios intermináveis na sua trajetória de desenvolvimento. A implantação de
mudanças necessárias ao ajuste dessas organizações à realidade que enfrentam tem sido
ao longo das últimas décadas, um esforço permanente de negociação e adaptação entre
agentes públicos e privados, muitas vezes totalmente desconectados das especificidades
que cercam o assunto.
Uma sociedade que pretende num curto espaço de tempo alcançar o nível de
desenvolvimento das sociedades mais avançadas do mundo globalizado, não pode
continuar a tratar Pesquisa e Desenvolvimento como um assunto marginal, de baixa
prioridade. Não existe registro na história mundial de sociedades que avançaram e
alcançaram níveis elevados de desenvolvimento econômico, humano e social, sem que
houvesse uma grande contrapartida nos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e
inovação.
Uma constatação presente em quase todos os estudos sobre o tema é a necessidade de
aperfeiçoamentos nas questões relativas aos modelos de gestão implantados e ao
desenho institucional determinado. Estas são, provavelmente, as duas questões centrais
que permeiam a trajetória das Organizações Públicas de Pesquisa no Brasil e que
explicam a atual realidade do setor. Reconhecer essas dificuldades e avançar nos
estudos sobre este tema é um dos desafios neste campo de conhecimento.
4. Referências Bibliográficas
ABRUCIO, F e SANO, H. Promessas e resultados da Nova Gestão Pública no Brasil:
O caso das Organizações Sociais de Saúde em São Paulo. Revista de Administração
Pública, vol. 48 nº 3 jul/set. 2008. Fundação Getúlio Vargas.
SALLES-FILHO, S. e BONACELLI, M. B. Trends in the organization of public
research organizations: lessons from the Brazilian case. Science and Public Policy, nº
37, pg. 193-204, abril 2010.
SALLES-FILHO, S. e BONACELLI, M. B. Em busca de um novo modelo para as
organizações públicas de pesquisa no Brasil, Ciência e Cultura, vol. 59, nº 4, São
Paulo, 2007
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