expressividade emocional e deficiência mental: uma relação a

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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
EXPRESSIVIDADE EMOCIONAL E DEFICIÊNCIA MENTAL: UMA
RELAÇÃO A SER CONSIDERADA
Ana Cristina Polycarpo Gameiro
Camila Carmo de Menezes
Cristiane Ribeiro de Souza
Solange Leme Ferreira
Universidade Estadual de Londrina
RESUMO
Muitas pessoas comportam-se de modo ineficiente em ambientes sociais distintos,
ocasionando problemas nos relacionamentos interpessoais (VILA, 2005). As interações
sociais têm sido entendidas como um importante fator do desenvolvimento do indivíduo
como um todo.
Segundo Caballo (apud VILA, SILVEIRA & GÔNGORA, 2003), o chamado
comportamento socialmente habilidoso depende de parâmetros e de contextos sociais
que se modificam de cultura para cultura, não existindo um critério absoluto para a
conceituação de habilidade social.
O desenvolvimento deficitário de habilidades sociais compromete as interações sociais
do indivíduo. Segundo Del Prette, A. e Del Prette, Z. A. P., (2001), quando a falta de
habilidades sociais se torna crítica, isso pode caracterizar relações sociais restritas e
conflitivas que interferem, de maneira negativa, sobre o grupo e sobre a saúde
psicológica do indivíduo.
Esses mesmos autores afirmam que existem diferentes classes de comportamentos
sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das
situações interpessoais chamadas de habilidades sociais. Estas podem ser organizadas
em seis conjuntos: habilidades de comunicação, habilidades de civilidade, habilidades
assertivas, habilidades empáticas, habilidades de trabalho e habilidades de expressão de
sentimento positivo.
As habilidades de assertividade e expressão de sentimentos positivos são importantes,
pois podem prevenir problemas de relacionamento ou mesmo garantir a autenticidade
de uma relação. Portanto, estas habilidades serão detalhadas a seguir.
Del Prette, A. e Del Prette, Z. A. P., (2001), caracterizam a assertividade como um tipo
de enfrentamento que requer autocontrole de sentimentos negativos despertados pela
ação do outro ou a expressão apropriada desses sentimentos, sendo geralmente aplicada
às situações que envolvem algum risco de conseqüências negativas. A assertividade é
uma habilidade importante para a construção de relações de confiança, honestas e
saudáveis, e para inibir ou enfraquecer a ansiedade previamente experimentada em
relações interpessoais (ALBERTI e EMMONS, 1978).
Segundo Alberti e Emmons (1978), o comportamento assertivo torna a pessoa capaz de
agir em seus próprios interesses, a se afirmar sem ansiedade indevida, a expressar
sentimentos sinceros sem constrangimento ou a exercitar seus próprios direitos sem
negar os alheios.
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As habilidades de expressão de sentimentos positivos são as que mais requerem
coerência entre sentimento, pensamento e ação, pois as demandas de afetividade são
próprias das relações em que a expressividade emocional é indispensável para a
satisfação e/ou manutenção de um compromisso estabelecido ou em vias de se
estabelecer. As demandas afetivas fazem parte do cotidiano de qualquer pessoa
saudável, contribuindo decisivamente para a qualidade de vida, o equilíbrio emocional e
a harmonia entre as pessoas (DEL PRETTE e DEL PRETTE, 2001)
Nos últimos anos, o estudo das habilidades sociais tem tido um importante papel na
compreensão dos distúrbios de aprendizagem ou de desenvolvimento, como no caso da
deficiência mental.
Segundo a AAMR (Associação Americana para a Deficiência Mental) e DSM-IV, a
deficiência mental é um estado de redução notável do funcionamento intelectual
significativamente inferior à média, associado a limitações pelo menos em dois aspectos
do funcionamento adaptativo: comunicação, cuidados pessoais, competências
domésticas, habilidades sociais, utilização dos recursos comunitários, autonomia, saúde
e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho (TELFORD e SAWREY, 1978). Todos
os aspectos citados anteriormente devem ocorrer durante o desenvolvimento infantil
para que um indivíduo seja diagnosticado como sendo portador de deficiência mental.
Muito tem se falado e publicado a respeito do que sentem as pessoas envolvidas com os
deficientes mentais, como pais e irmãos (ARDORE, 1988; CARVALHO, 1996;
FERREIRA, 1999). No entanto, pouca ênfase tem sido dada aos sentimentos do
deficiente. Porque isto acontece? Será que os sentimentos das pessoas deficientes
mentais não são importantes? Ou primeiramente, será que eles sentem como a gente?
Sim! Eles sentem, sofrem, choram, amam, têm saudades, ficam com raiva, ou seja, se
emocionam como qualquer pessoa. Sendo assim, seus sentimentos também devem ser
considerados, por serem tão importantes quanto suas ações, pois ambos são produtos
das contingências vividas (SKINNER, 1978).
No entanto, as emoções da pessoa com deficiência mental, usualmente, não são
considerados, primeiro porque habitualmente pensamos que eles são imunes a tais
aspectos dado o seu déficit intelectivo. Em segundo lugar, muitas vezes, as inadequadas
expressões das emoções são vistas como parte da deficiência, inerentes a ela. Como
conseqüência, há uma tendência em se amenizar as deficiências fisiológicas, motoras,
cognitivas, deixando de se preocupar com as emoções e de se ensinar formas
socialmente adequadas de expressão das mesmas.
Uma expressão efetiva de sentimentos aumenta a probabilidade de que as necessidades
de uma pessoa sejam atendidas, pois podem evocar no ouvinte alguns dos mesmos
estados corpóreos que estão sendo expressos pelo falante. Quando estas mesmas
emoções são vivenciadas pelo ouvinte, aumenta a probabilidade de que este se lembre
de situações semelhantes por ele experenciadas, bem como dos comportamentos a elas
associados. Desta forma, os ouvintes podem predizer melhor o comportamento do
falante, pois passam a entender com maior facilidade o que a outra pessoa está sentindo.
Conhecer bem a outra pessoa, por sua vez, envolve estar capacitado para predizer como
ela agirá. Relações de intimidade parecem exigir bastante conhecimento do que esperar
da outra pessoa e, por isso, exigem expressão emocional. (KOHLENBERG e TSAI,
2004).
Del Prette, A. e Del Prette Z.A.P. (2001), apontam que, embora o desenvolvimento do
indivíduo ocorra ao longo de todas as etapas do desenvolvimento, a infância e os
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contextos familiar e escolar são momentos críticos para aprendizagens que influenciam
o desempenho do indivíduo em todas as etapas posteriores. Os autores destacam a
semelhança funcional que os grupos família e escola adquirem no processo de
socialização da criança e como o desempenho do indivíduo nestes grupos iniciais
fornece amostras de seu comportamento em outros grupos.
O contexto grupal pode favorecer o desenvolvimento pessoal, pois oportuniza o
relacionamento com pessoas diferentes, promove condições para a manifestação de
determinados comportamentos, favorece a transposição dos ganhos para o dia-a-dia;
aumenta a probabilidade de reforçamento mútuo.
O grupo pode proporcionar situações de ensaio e erro, que resulta em uma maior
probabilidade de lidar habilmente com as frustrações, permitindo um espaço para a
discussão de assuntos pessoais, que raramente são discutidos em outros ambientes,
como sexualidade, namoro e casamento.
A aquisição de comportamentos socialmente habilidosos favorece o sucesso nas
relações interpessoais, podendo contribuir para a desmistificação de que a deficiência
mental , necessariamente, acarreta incompetência no desempenho social das pessoas
nesta condição.
Assim, o grupo, como um contexto propício, aliado aos recursos de expressividade
proporcionados pelo teatro, cria um ambiente favorável à aprendizagem de formas
adequadas de expressão de sentimentos. Desta forma, aprender a expressar seus
sentimentos de maneira apropriada pode proporcionar a inclusão da pessoa com
deficiência mental nos diferentes contextos sociais, ao lhe ensinar comportamentos que
colaboram para sua autonomia .
Diante do exposto acima e da importância de um individuo possuir um variado
repertório de habilidades sociais, fez-se necessário o trabalho, em diversos laboratórios,
com a expressão de sentimentos dos atores, aspecto observado como deficitário pelos
coordenadores e estagiários do projeto. A expressão de sentimentos foi trabalhada
através da modelagem, modelação, reforçamento positivo e feedback e inclui o treino
das habilidades de assertividade (manifestar opinião, desculpar-se, admitir falha,
expressar raiva, pedir mudança de comportamento e lidar com críticas) e de expressão
de sentimentos positivos (expressar solidariedade e afeto).
O presente trabalho realizou, em laboratórios de teatro, o treino de habilidades sociais
assertivas e de expressão de sentimentos positivos em pessoas com deficiência mental.
Participaram do trabalho onze deficientes mentais, com idade entre 17 e 35 anos e todos
componentes de um grupo de teatro para atores especiais. O trabalho foi desenvolvido
por alunos do 5º ano de Psicologia e supervisionado pela professora do departamento de
Psicologia, coordenadora do grupo de teatro.
Como estratégia, utilizou-se do espaço oferecido pelo laboratório de teatro para a
realização de roll play, vivências, dinâmicas e debates, com a finalidade de treinar as
habilidades sociais nos deficientes mentais. Diante disto, optou-se por realizar
atividades visando o treinamento das habilidades sociais de comunicação (pedir e dar
feedback , fazer elogios, etc) , de assertividade (manifestar opinião, desculpar-se,
expressar raiva, pedir mudança de comportamento, etc) e de expressão de sentimentos
positivos dos atores. No decorrer destas atividades, foi discutido como os atores
expressavam seus sentimentos nas mais diversas situações.
As atividades desenvolvidas nos laboratórios incluíram aspectos próprios da arte, como
a expressão verbal e gestual de sentimentos, revelando situações pessoais de cada ator,
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seus conflitos e alegrias, contribuindo para que o deficiente mental tenha consciência de
seus próprios sentimentos e do direito que tem de senti-los e expressá-los de maneira
adequada, mesmo quando não são sentimentos agradáveis. Alguns atores apresentaram
dificuldades de verbalizar que experimentavam sentimentos considerados negativos,
como raiva, talvez por acreditarem que este comportamento seria punido. Conforme era
explicado que estes sentimentos deveriam ser aceitos e expressados de maneira
adequada, conseguiam relatar as situações em que os mesmos ocorriam.
Pôde ser observada, a aprendizagem de comportamentos socialmente habilidosos por
alguns membros do grupo, pertencentes às classes de assertividade e expressão de
sentimentos, verificados através do aumento da ocorrência de comportamentos
socialmente habilidosos, como expressão de sentimentos e a diminuição da freqüência
de comportamentos inadequados. Estes resultados foram relatados tanto pela equipe
coordenadora, quanto pelos participantes e seus familiares.
O espaço proporcionado pelo grupo de teatro permitiu ao grupo de deficientes mentais
uma oportunidade para se expressarem livremente. A aceitação da atividade pelo grupo
deu indícios de quanto os deficientes mentais podem estar privados de contingências
que favoreçam sua expressividade emocional em situações sociais. A aquisição de
comportamentos socialmente habilidosos favorece o sucesso nas relações interpessoais,
podendo contribuir para a desmistificação de que a deficiência mental necessariamente
acarreta incompetência no desempenho social das pessoas nesta condição e, desse
modo, possibilitar inclusão.
Referências Bibliográficas
ALBERTI & EMMONS. Comportamento Assertivo: um guia de auto-expressão. Belo
Horizonte: Interlivros, 1978.
ARDORE, M. Eu tenho um irmão deficiente...vamos conversar sobre isso? São
Paulo: Paulinas, 1988, 107p.
CARVALHO, S. Thanise, um sorriso especial. Piracicaba: UNIMEP, 1996, 123p.
DEL PRETTE, A.; DEL PRETTE, Z. A. P. Psicologia das relações interpessoais:
vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes, 2001, p.58-101.
FERREIRA,S.L. Espaço pessoal: uma necessidade dos pais de portadores de
deficiência mental. Temas sobre desenvolvimento, v. 8, nº 46, setembro/ outubro,
1999, p. 41-47.
SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. 11 ed . São Paulo: Martins
Fontes, 1978.
TELFORD, C. W.; SAWREY, J. M. A pessoa mentalmente retardada. In: C. W.
TELFORD; SAWREY, J. M.: O indivíduo excepcional. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.
227-275.
Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
VILA, E. M.; GONGORA, M.A.N., & SILVEIRA, J.M. Ensinando repertório
alternativo para clientes que apresentam padrões comportamentais passivos e
hostis. In: C.G. DE ALMEIDA (Org). Intervenções em grupos: Estratégias
psicológicas para a melhoria da qualidade de vida Campinas: Papirus, 2003, p. 5981.
VILA, E. M. & BORINI, P. M. Texto elaborado para fins didáticos, apresentado na
disciplina Psicologia Clínica na Análise do Comportamento. 2005.
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