IES- Pós Graduação Especialização em Endodontia ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA A GESTANTE E LACTANTE COM ÊNFASE NO TRATAMENTO ENDODÔNTICO Ana Carla Assunção Débora Assumpção Miguel Belo Horizonte (MG) 2015 Ana Carla Assunção Débora Assumpção Miguel ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA A GESTANTE E LACTANTE COM ÊNFASE NO TRATAMENTO ENDODÔNTICO PREGNANT AND LACTATING DENTAL CARE WITH EMPHASIS ON ENDODONTIC TREATMENT Trabalho de conclusão de curso apresentado à Especialização em Endodontia do Instituto de Estudos da Saúde Sérgio Feitosa Orientador: Túlio Bruno Cavalhero de Oliveira Belo Horizonte (MG) 2015 2 SUMÁRIO Resumo...........................................................................................................................4 1 Introdução.....................................................................................................................5 2 Metodologia..................................................................................................................6 3 Revisão de Literatura...................................................................................................7 3.1 Radiografias...................................................................................................9 3.2 Anestésicos..................................................................................................10 3.3 Fármacos.....................................................................................................12 4 Protocolo de atendimento..........................................................................................18 5 Considerações Finais.................................................................................................22 6 Referências bibliográficas..........................................................................................23 3 RESUMO A assistência odontológica na gravidez é bastante dificultada, por diversos fatores como o não reconhecimento da necessidade do atendimento, a ansiedade e o medo de sentir dor por parte da gestante. Muitos cirurgiões-dentistas preferem postergar o atendimento odontológico às gestantes devido ao receio de serem responsabilizados por possíveis fatalidades que eventualmente possam ocorrer com o bebê. O objetivo do presente estudo é revisar a literatura disponível sobre o tratamento odontológico da gestante e lactante viabilizando ao cirurgião-dentista oferecer um tratamento seguro, e por fim estabelecer um protocolo de atendimento para tais pacientes. Dessa maneira, o atendimento da gestante será desmistificado e realizado com menor risco para a paciente e o feto. Palavras-chave: Gestantes, Gravidez, Atendimento odontológico. ABSTRACT The dental care in pregnancy is quite difficult for various factors such as nonrecognition of the need of care, anxiety and fear of pain on the part of the pregnant woman. Many dentists prefer delaying dental care to pregnant women for fear of being blamed for possible fatalities that might occur with the baby. The aim of this study is to review the available literature on dental treatment of pregnant women enabling the dentist to provide a safe treatment, and finally establish a treatment protocol for such patients. Thus, the care of pregnant women will be demystified and made with less risk to the patient and the fetus. Keywords : Pregnant, Pregnancy, Dental care. 4 1 - INTRODUÇÃO A assistência odontológica na gravidez é bastante dificultada, por diversos fatores como o não reconhecimento da necessidade do atendimento, a ansiedade e o medo de sentir dor por parte da gestante. De um lado há pacientes que acreditam que só poderão ser submetidas ao tratamento após a gravidez, visto que qualquer procedimento odontológico implicaria em riscos à saúde do bebê, do outro há cirurgiões-dentistas que, por desconhecimento ou medo, suspendem o tratamento ou não intervêm de modo a resolver a necessidade de tratamento odontológico da gestante (CODATO et al., 2008). Muitos cirurgiões-dentistas preferem postergar o atendimento odontológico às gestantes devido ao receio de serem responsabilizados por possíveis fatalidades que eventualmente possam ocorrer com o bebê. Além disso, se sentem despreparados para o atendimento e inseguros diante de tais mitos, possivelmente pela falta de atenção dada ao assunto de saúde oral da gestante desde a época da graduação (CODATO et al., 2011). A insegurança em tratar pacientes gestantes pode ser atribuída a diversos fatores, com início na formação acadêmica, pois raras são as universidades que possuem em sua grade curricular uma atenção maior ao atendimento de gestantes, criando assim uma lacuna na formação dos profissionais de Odontologia na sistemática de atendimento, e a ela se unem as crenças populares por parte das pacientes e dos que a rodeiam (COSTA et al., 2002). Ao se realizar o tratamento odontológico de gestantes, os cirurgiões-dentistas devem compreender as transformações que ocorrem com suas pacientes neste período, incluindo as alterações sistêmicas, e os principais cuidados no atendimento, para então estabelecer um plano de tratamento adequado. Sendo assim, o objetivo do presente estudo é descrever as principais recomendações acerca do atendimento odontológico de gestantes e lactantes, viabilizando ao cirurgião-dentista oferecer um tratamento seguro, e por fim estabelecer um protocolo de atendimento para tais pacientes. 5 2 - METODOLOGIA Foi realizada uma busca bibliográfica no banco de dados Pubmed com as seguintes palavras chaves: dental, care e pregnancy. Ao todo, foram encontrados 941 artigos dos quais 32 foram selecionados de acordo com sua relevância, aplicação clínica e relação direta com o tema a ser estudado. 6 3 - REVISÃO DE LITERATURA O receio por parte dos dentistas em realizar o atendimento às gestantes, muitas vezes, se sobrepõe às necessidades de tratamento. As consequências da dor e da infecção são muito mais prejudiciais à mãe e ao feto do que aquelas decorrentes do tratamento odontológico (MAMELUQUE et al., 2005). Adiar o atendimento até o nascimento do bebê pode ocasionar um dano maior em função da disseminação da doença, do que se reparar o problema odontológico ao ser diagnosticado (RIOS et al., 2006). A prevenção sempre deverá ser priorizada, mas, quando houver necessidade de intervenção, o tratamento deve ser instituído, uma vez que as doenças da cavidade bucal podem ter influências negativas sobre a gestação, principalmente quando a nutrição fica comprometida e há contribuição para a infecção e disseminação de patógenos no sangue (LIVINGSTON et al., 1998). Várias são as mudanças fisiológicas que ocorrem durante a gestação, tais como: ganho de peso; hipotensão quando posicionada numa posição supina; frequência para urinar; restrição da função respiratória; potencial de hipoglicemia; e diminuição dos batimentos cardíacos. Síncopes e enjoos também são comuns durante a gravidez. Mudanças na fisiologia oral também são observadas durante o período gestacional (SILVA et al., 2000). A gravidez não é responsável pelo surgimento de alterações bucais como cárie e doença periodontal, mas alterações hormonais e de comportamento que ocorrem durante este período podem levar a uma modificação na ecologia subgengival, favorecer o aparecimento de determinados microrganismos periodontopatogênicos e estimular a síntese de citocinas inflamatórias. O sistema imune materno é deprimido, o que pode aumentar o desenvolvimento da inflamação gengival. A Prevotella intermedia, bactéria anaeróbia gram-negativa, pertence ao grupo de microrganismos que são relacionados com o início da doença periodontal, se encontra em altos níveis na placa subgengival a partir do terceiro ou quarto mês de gestação, e utiliza como fonte de alimento hormônios, como progesterona e estrogênio, que estão presentes no fluido gengival. A doença periodontal instalada libera citocinas pró-inflamatórias que estimulam a contração uterina, o que pode levar ao parto prematuro e o nascimento de crianças com baixo peso (SOARES et al., 2009; MIANA et al., 2010). A gengivite gravídica pode ser evitada ou deixar de existir após alguns meses do parto caso os irritantes locais sejam eliminados, ou seja, promovendo-se a remoção do biofilme bacteriano por meio de uma higiene bucal satisfatória ou profilaxia 7 realizada pelo cirurgião-dentista (SARTORIO e MACHADO, 2001). Eventualmente, a placa bacteriana associada à má higiene bucal pode levar ao desenvolvimento de uma lesão benigna na margem gengival, o tumor gravídico. Uma forma de granuloma piogênico que usualmente surge na gengiva entre os dentes anteriores da maxila. Este tumor tem a característica de regredir voluntariamente dentro de meses após o término da gestação, mas em alguns casos a excisão cirúrgica pode ser necessária, principalmente se interferir na mastigação ou ulcerar. Pode acontecer em torno de 5% das gestantes, durante o segundo trimestre de gestação, como uma lesão nodular, séssil ou pediculada, que não ultrapassa 2 cm de dimensão, de coloração vermelho vivo, indolor e com sangramento ao toque (TARSITANO e ROLLINGS, 1993). Enjoos e consequentes vômitos, comuns na gravidez, podem modificar o equilíbrio de pH da cavidade oral, o que leva à exacerbação de processos cariosos e afecções gengivais (REIS et al., 2010). Outra alteração bucal habitualmente causada por enjoos e vômitos bastante encontrada em gestantes é a erosão dentária e pode acarretar na desmineralização do esmalte dentário e erosão ácida, principalmente nas faces palatinas dos dentes (POLETTO et al., 2008). A maior incidência de cárie dentária no período gestacional é devido à negligência de tratamento e de higiene oral, o que seria evitado caso houvesse uma atenção profissional regular e uma efetiva técnica de higiene oral (SPOSTO et al., 1997). O cirurgião-dentista deve sempre realizar a anamnese, para questionar sobre a possibilidade de uma gestação que, muitas vezes, só é perceptível após o segundo mês e, só então, formular o plano de tratamento (SOARES et al., 2009). O pré-natal odontológico é indispensável e fundamentado por vários estudos que evidenciam alterações hormonais e bucais que, somadas com maus hábitos de higiene oral, podem desencadear o parto prematuro, baixo peso ao nascer e até transmissão de Streptococos mutans via mãe-filho (SOARES et al., 2009). O atendimento odontológico à gestante pode ser realizado em qualquer período da gestação. Muitos consideram que o segundo trimestre é o mais indicado para realizar o tratamento odontológico da gestante, principalmente para procedimentos como exodontias e tratamentos endodônticos (POLETTO et al., 2008). Porém, os casos de urgência devem ser solucionados em qualquer época, removendo a etiologia via terapia endodôntica, exodontia e drenagem. Antes de se dar início a qualquer procedimento invasivo, é indispensável a realização de uma boa anamnese e se necessário falar com o médico da gestante, para obter informações 8 complementares sobre o estado geral de saúde da mesma (SPOSTO et al., 1997). Controle de placa e profilaxia oral podem ser realizados durante qualquer período gestacional, pois a gengivite na gravidez é uma condição muito comum, em que a gengiva fica sensível, edemaciada e tem sua vascularização aumentada (TARSITANO e ROLLINGS, 1993). O período da organogênese, que se refere da quarta a oitava semana da gestação, é o período embrionário no qual estão se formando os principais órgãos e sistemas e é considerado o período de maior risco para agentes teratogênicos (SILVA et al., 2006). Quase todos os procedimentos odontológicos podem ser realizados em gestantes, mas alguns cuidados especiais devem ser empregados nas consultas para se adequar às necessidades da paciente, proporcionando seu bem-estar. Aconselham-se consultas e procedimentos curtos, de preferência no meio da manhã, pois os enjoos são menos frequentes neste horário e há menor risco de hipoglicemia, além do ajuste da posição da cadeira (POLETTO et al., 2008). Consultas longas devem ser evitadas em qualquer período da gestação, pois há possibilidade de ocorrer hipotensão supina ou síndrome da veia cava principalmente na segunda metade da gravidez, em que o útero já se encontra com seu volume aumentado o que pode comprimir a artéria aorta e veia cava caso permaneça muito tempo na posição de decúbito dorsal. Durante o atendimento, o cirurgião-dentista deve manter a paciente em posição de decúbito lateral para evitar complicações como hipotensão, taquicardia e redução da circulação útero-placentária, o que representa perigo ao feto (TARSITANO e ROLLINGS, 1993). Apenas 1% das malformações congênitas são causadas por drogas e exposição química durante a gravidez. As principais causas de complicações no parto e defeitos ao nascimento são nutrição deficiente, fumo, consumo de álcool, doenças e predisposição genética. Um estilo de vida saudável, incluindo uma excelente saúde oral, é imprescindível para a mulher grávida (MOORE, 1998). 3.1 - Radiografias: Comumente, cirurgiões-dentistas evitam realizar tratamentos endodônticos, cirurgias e todos os procedimentos que necessitam uso de radiografias em pacientes gestantes (POLETTO et al., 2008). Entretanto, todas as radiografias odontológicas necessárias podem ser feitas durante a gravidez, desde que sejam tomadas algumas 9 medidas: evitar radiografias desnecessárias; proteger o abdome com avental de chumbo; evitar repetições por erro de técnica; evitar angulações direcionadas para o abdome; proteger o colimador; usar filmes rápidos, com tempo de exposição reduzido. Se estas precauções são seguidas, radiografias dentárias podem ser feitas com segurança, mesmo no 1º trimestre de gravidez (SILVA et al., 2000). O efeito das radiações no embrião e no feto correspondem a mutações, lesões no sistema nervoso central, hidrocefalia, alterações no desenvolvimento, espinha bífida, catarata, microcefalia e sindactilia. Tais complicações estão diretamente relacionadas à dose, ao tempo de exposição, à região irradiada e à fase da gestação (TIRELLI, 2004). A quantidade de radiação empregada nas radiografias dentárias é bem menor que a dose limiar. A radiação ionizante que a paciente recebe a partir de uma radiografia dentária é inferior à radiação cósmica adquirida diariamente. Sendo assim, a quantia de raios-x recebidos pelo feto é insignificante, e não se deve evitar o diagnóstico através de radiografias durante a gravidez (SPOSTO et al., 1997). A utilização de radiografias deve ser evitada no primeiro trimestre de gestação, período em que ocorre a organogênese (POLETTO et al., 2008). Porém, se todos os cuidados com a proteção forem tomados, o exame radiográfico não necessita ser evitado ou adiado, especialmente em casos de urgência (SILVA et al., 2006). 3.2 - Anestésicos Com o propósito de estabelecer os riscos associados ao uso de drogas durante a gravidez, bem como orientar o cirurgião-dentista quanto à terapêutica mais adequada à gestante, a FDA (Food and Drug Administration) classificou os fármacos em cinco categorias de riscos, levando-se em conta os seus efeitos, principalmente no primeiro trimestre da gestação: 10 Tabela 1 - Classificação dos fármacos quanto ao uso na gravidez. Fonte: www.fda.gov Os anestésicos locais são seguros para serem usados durante todo o período de gestação, não havendo contraindicações do seu uso (AMADEI et al., 2011; SILVA et al., 2006). A maioria é classificada pela FDA na categoria B, com exceção da mepivacaína e bupivacaína (categoria C) (GIGLIO et al., 2009). A solução anestésica local mais segura em gestantes é a lidocaína 2% com adrenalina 1:100.000 (POLETTO et al., 2008; AMADEI et al., 2011; GIGLIO et al., 2009), e o limite máximo é de dois tubetes anestésicos (3,6ml) por sessão, sempre injetando a solução lentamente (SILVA et al., 2006). A Associação de Cardiologia e o Conselho de Terapêutica Odontológica Norteamericano preconizam o uso de vasoconstritores em todos os anestésicos locais, pois são usados em quantidades pequenas e não apresentam muitas desvantagens, não sendo contra-indicados para gestantes (POLETTO et al., 2008; SILVA et al., 2006), uma vez que eles aumentam a duração da anestesia, reduzem a toxicidade dos anestésicos locais pela diminuição da absorção sistêmica, proporcionam hemostasia e elevam a concentração local dos anestésicos (CENGIZ,2007; SILVA et al., 2006). A benzocaína (presente em anestésicos tópicos), prilocaína, procaína e 11 articaína não devem ser utilizadas, pois estes anestésicos reduzem a circulação placentária e podem causar metemoglobinemia e hipóxia fetal (AMADEI et al., 2011; SILVA et al., 2006). Soluções anestésicas que contenham felipressina devem ser usadas com cautela, visto que este vasoconstritor se assemelha a ocitocina e em altas doses, pode estimular as contrações uterinas (SILVA et al., 2006). Outro vasoconstritor que não deve ser utilizado é a fenilefrina, pois pode dificultar a fixação do óvulo no útero e diminuir a circulação placentária (ARMONIA e TORTAMANO, 2006). Bupivacaína e Mepivacaína não estão diretamente ligadas a efeitos teratogênicos, porém são capazes de atravessar a barreira placentária (SILVA et al., 2006). A Bupivacaína é cardiotóxica e pode penetrar nas membranas do coração. O uso da Mepivacaína é desaconselhado durante a gestação, já que seus efeitos sobre o feto não estão esclarecidos (AMADEI et al., 2011). O vasoconstritor Noradrenalina não deve ser usado na concentração 1:25.000 e 1:30.000 devido ao grande número de complicações cardiovasculares e neurológicas causadas por essa substância, sendo a concentração 1:50.000 a mais indicada (XAVIER e XAVIER, 2004). 3.3 - Fármacos: O uso de medicamentos durante a gestação se tornou importante e motivo de estudos nos anos entre 1950 e 1960, devido a uma maior incidência de nascimento de bebês com malformações de membros, por uso de talidomida, droga esta que era utilizada para o alívio de enjoos matinais (AMADEI et al., 2011). Uma atenção especial deve ser dada em relação ao tratamento de uma gestante, pois a gravidez leva a uma série de mudanças que podem influenciar a cinética e a dinâmica dos fármacos. Além disso, medicar gestantes e lactantes gera uma preocupação devido à passagem do fármaco pela barreira placentária e pelo leite materno, o que pode ter efeitos prejudiciais ao feto e ao bebê (SILVA et al., 2000). Quase todos os fármacos administrados a lactantes podem ser encontrados no leite materno. Felizmente, a concentração de fármacos presente no leite geralmente é pequena. Entretanto, durante a lactação, deve-se evitar a administração de medicamentos que não apresentam dados disponíveis sobre sua segurança (CHAVES e LAMOUNIER, 2004). A quantia total do medicamento que o lactente pode receber por dia advindo do 12 leite materno, deve ser menor do que a que seria considerada como dose terapêutica. É importante programar o horário de administração do fármaco à mãe, para que o período de concentração máxima do medicamento no sangue e no leite materno não coincida com o horário da amamentação. Em geral, a droga deve ser ingerida pela mãe imediatamente antes ou após a amamentação para reduzir a exposição ao lactente. (CHAVES e LAMOUNIER, 2004). Ao se prescrever uma terapia medicamentosa para uma lactante deve-se avaliar a real necessidade, escolher um fármaco que seja seguro para o bebê, sempre que possível optar pela terapia tópica ou local à sistêmica, programar o horário de administração do fármaco à mãe para se evitar níveis altos do medicamento no leite, evitar drogas de ação prolongada devido à dificuldade de serem excretadas pelo lactente, orientar a lactante sobre os efeitos colaterais que podem acometer o lactente, como agitação, alteração do tônus muscular e do padrão alimentar e distúrbios gastrintestinais ( LAMOUNIER et al., 2002). Muitos procedimentos odontológicos eletivos podem ser adiados para depois do parto, no entanto, o tratamento dentário da gestante que tem dor oral, doença avançada ou infecção não pode ser adiado. A paciente gestante que está com dor merece analgesia tanto quanto qualquer outro paciente. Eliminar a origem da dor por meio de drenagem cirúrgica ou abertura coronária em pulpites agudas são procedimentos mais resolutivos e reduzem a necessidade de administrar o fármaco sistemicamente. A decisão para seguir com analgésicos ou antibióticos é tomada após a realização do procedimento casa haja necessidade (HAAS et al., 2000). Nenhuma droga usada para tratar dor e infecção pode ser considerada livre de riscos, porém as consequências de não tratar uma infecção durante a gestação excedem o possível risco apresentado pelo medicamento ou tratamento dentário (MOORE, 1998). De acordo com a FDA, devem-se escolher medicamentos das categorias A e B para o uso durante a gestação. As drogas pertencentes à categoria C devem ser prescritas apenas quando os benefícios à gestante superarem os malefícios ao feto. Já a administração de fármacos da categoria D fundamenta-se quando há absoluta necessidade e aqueles classificados na categoria X estão proibidos durante a gravidez devido às eminências de efeitos maléficos ao feto (GIGLIO et al., 2009). 13 3.3.1 - Analgésicos O analgésico mais seguro e mais prescrito pelo cirurgião-dentista durante a gestação e lactação é o paracetamol, seguido pela dipirona, já que o primeiro se encontra em quantidades reduzidas no leite, e não apresenta problemas ao lactente, assim como a dipirona, quando utilizada em pequenas doses (POLETTO et al., 2008). O Paracetamol (categoria B) é o analgésico mais prescrito pelo cirurgiãodentista, podendo ser prescrito também a pacientes gestantes e lactantes (AMADEI et al., 2011), já que é o medicamento de primeira escolha para este grupo por ser considerado seguro (POLETTO et al., 2008; GIGLIO et al., 2009). Como o Paracetamol pode causar toxicidade hepática, ao receita-lo, é importante que o dentista repasse orientações sobre a dose diária máxima recomendada, não ultrapassando os 4 g/dia para adultos (GIGLIO et al., 2009). A Dipirona sódica é o analgésico de segunda escolha, uma vez que pode causar agranulocitose, ou seja, a redução do número de granulócitos no sangue periférico (neutropenia), podendo predispor a gestante às infecções (AMADEI et al., 2011). 3.3.2 - Antibióticos As infecções odontogênicas são comumente causadas por bactérias anaeróbias, anaeróbias facultativas ou aeróbias e, desse modo, as penicilinas são consideradas antibióticos de escolha para tratamento de infecções orais, salvo em pacientes que relatam hipersensibilidade a esse fármaco (NAVARRO et al., 2008). Em geral, todas as penicilinas estão na categoria B e apresentam ação específica contra substâncias da parede celular das bactérias, não causam danos ao organismo materno ou ao feto, sendo praticamente atóxicas (POLETTO et al., 2008). Outra vantagem é que as Penicilinas, assim como as Cefalosporinas e a Eritromicina, apresentam-se em pouca ou nenhuma quantidade no leite materno, podendo ser utilizadas com segurança também durante a lactação (AMADEI et al., 2011). Os antibióticos mais indicados durante a gestação são a amoxicilina e a ampicilina (categoria B). No caso de pacientes alérgicas às penicilinas, as cefalosporinas e macrolídeos são usualmente empregados, e também pertencem à categoria B de classificação da FDA (SILVA et al., 2006). A eritromicina na forma de estolato não deve ser administrada devido ao seu caráter hepatotóxico (GIGLIO et al., 14 2009). Sabe-se que em casos de infecções graves, muitos dentistas optam pela associação de penicilina ao metronidazol ou ao clavulanato de potássio, entretanto o metronidazol não deve ser administrado durante a gestação, pois este é considerado um possível teratogênico para seres humanos, apesar de pertencer à classe B. Em casos de pacientes alérgicas à penicilina, deve-se empregar a clindamicina(600mg) (AMADEI et al., 2011; SILVA et al., 2006). O uso das tetraciclinas (categoria D) é desaconselhado na gestação e lactação, pois estes antibióticos atravessam com facilidade a membrana placentária, interagem com o cálcio dos tecidos dentários do feto em formação, o que acarreta na malformação do esmalte. Tais drogas também podem ser absorvidas pelo tecido ósseo do feto, o que pode desacelerar seu crescimento (POLETTO et al., 2008; SILVA et al., 2006). A maior parte dos antibióticos administrados a lactantes pode ser detectada no leite materno. As concentrações de tetraciclina no leite materno podem chegar a 70% das concentrações séricas maternas, dessa maneira, caso essa droga seja empregada em elevadas doses e por tempo prolongado, pode provocar manchas nos dentes e inibir o crescimento ósseo do lactente. Durante as primeiras semanas do pósparto, a tetraciclina pode induzir icterícia ou anemia hemolítica no recém-nascido (WANNMACHER, 2010). As penicilinas, cefalosporinas e eritromicina expressam-se em pequenas ou nenhuma quantidade no leite materno, podendo ser empregados com segurança pela lactante. O metronidazol, outro antibiótico amplamente prescrito pelo cirurgião-dentista não deve ser administrado durante a gestação e lactação, pois é considerado potencialmente teratogênico para seres humanos (WANNMACHER, 2010). 3.3.3 – Anti-inflamatórios Em geral, não se aconselha o uso de qualquer AINE por gestantes. Caso seja necessário utilizá-los, devem ser administrados nas menores doses eficazes, e retirados oito semanas antes do dia previsto para o parto (AMADEI et al., 2011). A administração de anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e ácido acetilsalicílico (AAS) deve ser realizada com muito cuidado durante a gestação, pois tais medicamentos podem causar hemorragias na mãe e no feto (SILVA et al., 2006), inércia uterina (contração insuficiente do útero durante ou após o parto) e fechamento 15 prematuro dos canais arteriais do feto (POLETTO et al., 2008). Além disso, geralmente, o uso dos AINES no último trimestre da gravidez está relacionado ao prolongamento do trabalho de parto, devido à inibição da síntese de prostaglandinas, importantes para que ocorram as contrações uterinas (AMADEI et al., 2011; SILVA et al., 2006). O uso de Ibuprofeno foi ainda associado a casos de defeitos glomerulares, o que pode levar à insuficiência renal (LEVY, 2005). O ácido acetilsalicílico não é teratogênico, mas pode causar hemorragias na mãe e no feto. Seu uso por um curto período no início da gravidez não parece ser prejudicial ao feto. Já em doses crônicas, especialmente durante o 1º trimestre da gestação, pode resultar no fechamento prematuro do ducto arterial, hipertensão pulmonar do feto e anemia. Por estas reações, o uso rotineiro deste medicamento não é recomendado durante a gravidez (ROTHWELL et al., 1987). Os corticosteroides estão classificados na categoria C da FDA e são considerados mais seguros que os AINES para o tratamento de lesões inflamatórias orais, quando empregados de forma tópica. Os corticosteroides preferidos durante a gestação são a Prednisona e a Prednisolona, pela dificuldade em atravessar a barreira placentária (SILVA et al., 2006; LEVY, 2005). No entanto, a administração desses corticoides em gestantes é relacionada de forma dose dependente com vários efeitos adversos para a gestante, tais como diabetes, edema, hipertensão arterial, préeclâmpsia, ruptura prematura de membranas, imunossupressão, osteopenia e osteonecrose (LEVY, 2005). Nos casos em que seja necessária a realização de procedimentos invasivos como endodontia e exodontia, corticosteroides como Betametasona e Dexametasona em dose única de 4mg devem ser empregados (XAVIER e XAVIER, 2004). Os corticosteroides devem ser empregados com bastante cuidado, pois em altas doses podem acarretar em anormalidade na curva glicêmica da gestante, insuficiência das suprarrenais e síndrome de Cushing (AMADEI et al., 2011). Deve-se evitar a prescrição de AINES às lactantes (ARMONIA e TORTAMANO, 2006). Porém, muitos acreditam que os AINES se encontram em pequena quantidade no leite, podendo ser administrados às lactantes. Em relação ao ácido acetilsalicílico, o lactente poderá ser afetado quando a dose diária utilizada pela mãe for maior que 8g (WANNMACHER, 2010). 16 3.3.4 - Outros fármacos Ansiolíticos como o Bromazepam, Lorazepam e Diazepam, estão contraindicados durante a gravidez, pois há evidências que estes medicamentos tenham um poder teratogênico moderado. O uso de medicação psiquiátrica durante a gestação pode acarretar em malformações no feto, toxicidade neonatal e sequelas comportamentais (CARVALHO et al., 2009). O uso de benzodiazepínicos durante a gestação pode estar relacionado ao aparecimento de fendas labiais e palatinas. Por tal motivo, estes medicamentos estão classificados pela FDA na categoria D (CARVALHO et al., 2009). Grande parte dos sedativos e hipnóticos podem atingir concentrações no leite materno capazes de desencadear efeito farmacológico no bebê. O uso de Diazepam pela lactante pode exercer efeito sedativo no lactente, além disso, apresenta meia-vida prolongada, que pode resultar em acúmulo significativo deste medicamento (AMADEI et al., 2011). Considerando que certos fármacos são potencialmente teratogênicos e abortivos, o profissional da área da saúde deve ter um amplo conhecimento dos efeitos benéficos e indesejáveis de cada medicamento para então prescrevê-los com segurança. Idealmente, nenhum medicamento deveria ser administrado no decorrer da gestação, porém, quando indicados, devem ser empregados somente nos casos de real necessidade. Felizmente, a maior parte das drogas habitualmente utilizadas pelo cirurgião-dentista não tem contraindicações durante a gravidez (TIRELLI et al., 2001). 17 4 - PROTOCOLO DE ATENDIMENTO - Período mais indicado para o tratamento odontológico A gestante pode ser submetida ao tratamento odontológico em qualquer período da gestação, principalmente em casos de urgência, em que os riscos da infecção se sobrepõem aos riscos do tratamento. No entanto, o segundo trimestre é considerado o mais indicado para procedimentos como exodontias e tratamentos endodônticos. Primeiro trimestre: período da organogênese, fase de maior risco de ocorrência de malformações. Segundo trimestre: período considerado mais estável. Terceiro trimestre: período desfavorável em decorrência do desconforto em posição de decúbito dorsal, hipotensão postural, frequência urinária aumentada e edema das pernas. Preferencialmente, as sessões clinicas devem ser curtas, as consultas marcadas na segunda metade da manhã e as gestantes devem ser atendidas em posição de decúbito lateral e terem seus sinais vitais monitorados. - Radiografias As radiografias odontológicas podem ser realizadas durante a gravidez desde que as medidas de proteção sejam tomadas: - Proteger o abdome com avental de chumbo; - Evitar angulações direcionadas para o abdome; - Usar filmes com tempo de exposição reduzido; - Evitar repetições por erro de técnica. Se possível, as radiografias devem ser evitadas no período da organogênese (primeiro trimestre). - Anestésicos Locais O uso dos anestésicos locais é seguro durante a gestação. A solução considerada mais segura é a lidocaína 2% com adrenalina 1:100.000. De acordo com a Associação de Cardiologia e o Conselho de Terapêutica Odontológica o uso de vasoconstritor é favorável: - Aumenta a duração da anestesia; - Diminui a absorção sistêmica; - Provoca hemostasia. 18 A benzocaína, prilocaína, procaína e articaína não devem ser utilizadas, pois podem causar metemoglobinemia. Além disso, a Bupivacaína e mepivacaína devem ser evitadas. Os vasoconstritores felipressina e fenilefrina, também, não são aconselhados. - Fármacos Sempre que for necessário prescrever um medicamento durante a gestação é essencial avaliar os riscos e benefícios, especialmente durante o primeiro trimestre da gestação, período em que ocorre a organogênese e é considerado crítico para a suscetibilidade teratogênica. No período fetal (do 60º dia até o final da gestação), em que ocorre o crescimento e aperfeiçoamento das funções, certas drogas podem causar alterações funcionais em alguns órgãos. Entretanto, o cirurgião-dentista deve levar em consideração se os riscos de não tratar uma infecção odontontogênica são maiores que os possíveis riscos que o medicamento possa apresentar. Quase todos os fármacos podem ser encontrados no leite materno. Felizmente, a concentração de fármacos presente no leite geralmente é pequena. O analgésico mais seguro para ser usado em gestantes e lactantes é o paracetamol, não devendo passar de 4g/dia. A dipirona sódica é o analgésico de segunda escolha, pois pode causar agranulocitose, predispondo a gestante a infecções. O ácido acetilsalicílico (AAS) não deve ser prescrito à gestante devido ao risco de causar hemorragias. O antibiótico mais indicado para a gestante é a amoxicilina, nos casos de alergia a penicilinas, deve-se prescrever algum antibiótico da família das cefalosporinas e macrolídeos ou a clindamicina. Desaconselha-se o uso de metronidazol, devido a sua relação com efeito teratogênico em humanos e das tetraciclinas, pois é uma droga que atravessa facilmente a barreira placentária e interage com os tecidos duros do feto. O uso de anti-inflamatórios não estoroidais em gestantes não é aconselhado, pois tais medicamentos podem causar hemorragia, inércia uterina, fechamento prematuro dos canais arteriais do feto e prolongamento do trabalho de parto. Caso seja realmente necessário prescrever AINES a gestantes, devem ser administrados na menor dose eficaz e retirados oito semanas antes do dia previsto para o parto. Os corticosteroides são mais indicados que os AINES para tratar afecções bucais quando empregados de forma tópica. Nos casos em que seja necessária a realização de procedimentos odontológicos invasivos, recomenda-se o uso de Betametasona ou Dexametasona na dose única de 4 mg. Os corticosteroides devem 19 ser administrados com cuidado, pois em altas doses podem causar alterações na curva glicêmica da gestante, insuficiência das suprarrenais e síndrome de Cushing. O uso de medicamentos psiquiátricos está contraindicado durante a gestação e lactação. Os ansiolíticos apresentam um poder teratogênico moderado, os benzodiazepínicos podem estar relacionados ao aparecimento de fendas labiais e palatinas. Sedativos e hipnóticos podem atingir concentrações no leite materno capazes de provocar efeitos no lactente. O uso de Diazepam pela mãe pode causar efeitos sedativos no bebê. A maioria das drogas frequentemente utilizadas pelos cirurgiões-dentistas não possuem contraindicações na gravidez. 20 Tabela 2: Protocolo de atendimento à pacientes grávidas e lactantes Período gestacional mais indicado para o tratamento odontológico Radiografias Observação: Segundo trimestre Casos de urgência devem ser atendidos em qualquer trimestre Pode ser realizado em gestantes, desde que sejam seguidas todas as normas de proteção Observação: Evitar primeiro trimestre devido a organogênese. Contraindicados: Contraindicados: Indicado Anestésico Local soluções anestésicas Quantidade vasoconstritores Prilocaína, Procaína, Articaína, Benzocaína. Lidocaína 2% com adrenalina 1:100.000 2 tubetes no máximo Fenilefrina e Felipressina Evitar: Mepivacaína e Bupivacaína Primeira escolha Analgésicos Paracetamol Mais Indicado Contraindicado Segunda escolha Dipirona Em caso de alergia à penicilina Ácido acetil salicílico Contraindicados Antibióticos Amoxicilina Cefalosporinas, macrolídeos ou clindamicina AINES Antiinflamatórios Não se aconselha o uso em gestantes Caso necessário, administrar nas menores doses e retirar 8 semanas antes do parto Metronidazol e tetraciclina Lactantes Penicilinas, cefalosporinas e eritromicina expressam-se em pequenas quantidades no leite materno. Corticosteroides Mais seguros que AINES Caso seja necessária a realização de procedimentos invasivos como endodontia e exodontia empregar betametasona ou dexametasona em dose única de 4mg 21 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Não existe impedimento para o tratamento odontológico da gestante e lactante, porém, os cirurgiões-dentistas necessitam de um maior conhecimento e segurança para realizar esse tipo de atendimento. O tratamento endodôntico pode e deve ser realizado neste tipo de paciente, principalmente em casos de dor ou infecção, onde a manutenção destes fatores pode prejudicar a saúde da mãe e filho. Várias são as mudanças que ocorrem na gestação, portanto, é fundamental saber as características de cada trimestre gestacional e os cuidados e recomendações a serem tomados durante o atendimento odontológico, incluindo o exame radiográfico e a administração de fármacos. Dessa maneira, o atendimento da gestante será desmistificado e realizado com menor risco para a paciente e o feto. 22 6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMADEI, S.U. et al. Prescrição medicamentosa no tratamento odontológico de grávidas e lactantes. Rev. Gauch. Odontol., Porto Alegre, v.59, p.31-37, jan./jun. 2011. ARMONIA, P.L.; TORTAMANO, N. Como prescrever em odontologia. 7. ed. São Paulo: Santos, 2006. 167p. CARVALHO, A.C.A. et al. O uso de drogas psicotrópicas na gestação. Femina, Rio de Janeiro, v.37, n.6, p.331-338, jun. 2009. CENGIZ, S.B. The pregnant patient: consideration for dental management and drug use. Quintessence Int., Ankara, v.38, n.3, p.133-142, mar. 2007. CHAVES, R.G.; LAMOUNIER, J.A. Uso de medicamentos durante a lactação. J. Pediatr., Rio de Janeiro, v.80, n.5, p.189-198, set./out. 2004. CODATO, L.A.B.; NAKAMA, L.; MELCHIOR, R. Percepções de gestantes sobre atenção odontológica durante a gravidez. Cienc. 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