Balanço de água e calor durante a incubação e a

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Balanço de água e calor durante a incubação e a condutância da casca
Thomas A. C. Calil
Pas Reform do Brasil
Podemos dividir didaticamente o desenvolvimento embrionário em três fases:
Diferenciação, Crescimento e Maturação/Nascimento. Cada uma dessas fases pode ser descrita
brevemente da seguinte forma (Boerjan, 2006):
Diferenciação: Durante essa fase o embrião passa por uma seqüência complexa de
alterações morfológicas, bioquímicas e fisiológicas que o levam de um estágio unicelular
(imediatamente após a fertilização) a uma ave quase completamente formada. Esse indivíduo
unicelular sofre diversas divisões celulares e as fases iniciais da orientação embrionária (eixo
cabeça-cauda) ainda ocorrem no oviduto. Quando o ovo é posto, o embrião é um agrupamento de
células que se desenvolverá em tecidos e órgãos específicos. Durante os primeiros dias de
incubação a orientação do embrião (eixo cabeça-cauda) é definitivamente estabelecida, e
repetidas divisões e procedimentos de organização celular produzirão os variados tecidos e órgãos
da ave. Esse desenvolvimento embrionário gradual leva cerca de um terço do período total de
incubação. O crescimento das membranas extra-embrionárias e a formação e compartimentação
dos fluidos, os quais fornecem nutrientes e trocas de gases, também ocorrem nesta fase.
Crescimento: Esse intervalo ocorre após a primeira semana de incubação e pode sobreporse ao próximo estágio (Nascimento), uma vez que os diferentes tecidos embrionários apresentam
diferentes ritmos de maturação e complexidade. Ao redor da metade do período de incubação o
embrião já apresenta aproximadamente 95% dos seus órgãos e necessita apenas ganhar tamanho
e massa corporal para se preparar para o nascimento. A maturação dos tecidos continua até que a
ave esteja apta para eclodir. Os fluidos extra-embrionários também são utilizados nessa fase
conforme o embrião cresce.
Nascimento: Enquanto as duas primeiras fases ocorrem primariamente na incubadora, a
terceira fase deve ocorrer já no nascedouro. Neste período, o embrião passa por uma série de
eventos que o permite sobreviver fora do ambiente protegido que é o interior do ovo.
Primeiramente, o embrião faz a bicagem interna, o que permite a insuflação pulmonar que virá a
substituir a respiração através da membrana cório-alantoideana, presente até o momento. Essa
membrana, que está adjacente à casca do ovo, permitiu ao embrião respirar pelo maior tempo em
sua vida até então. Os pulmões estão completamente funcionais após cerca de 24 horas da
bicagem interna e seu descolabamento inicial. Entretanto, as condições inadequadas (para
respiração pulmonar) no interior do ovo forçam o embrião a quebrar a casca (bicagem externa)
antes de atingir essa funcionalidade. Após um curto período de descanso, o processo de eclosão
continua até que a ave consiga romper a barreira da casca e eclodir como um ser independente.
É de extrema importância associar essas fases ao balanço hídrico do embrião e
conhecermos, na prática, o que ocorre. Iniciaremos esse tópico discutindo o que ocorre nas
condições práticas para depois associarmos aos aspectos fisiológicos (teóricos) do
desenvolvimento embrionário. Nos incubatórios, é comum observarmos dois padrões de perda de
umidade relativa: linear e não linear. O padrão linear é utilizado em sistemas que trabalham com
umidade relativa constante e o observamos majoritariamente nas máquinas de estágio múltiplo
de incubação e algumas de estágio único. Já a perda de peso não linear ocorre nos sistemas em
que a umidade relativa da incubadora sofre alterações durante o curso da incubação, e para isso
citamos equipamentos de estágio único de incubação. Como nesses equipamentos a umidade
relativa é ajustada durante o ciclo de incubação é possível obter curvas não lineares de diversos
formatos, com maior ou menor perda de umidade, no início ou no final da incubação. Não é
comum encontrar sistemas que permitem uma perda maior de água no início e menor no final, já
o contrário é habitualmente visto.
De maneira geral essas três curvas do gráfico 01 descrevem o que ocorre em termos de
perda de umidade dos ovos durante o período de incubação:
Gráfico 01. Diferentes padrões de perda de umidade de ovos durante o ciclo de incubação
14,0
Linear
Não Linear1
Não Linear2
Perda de peso (%)
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
1
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12
Dias de incubação
13
14
15
16
17
18
19
Podemos observar os três formatos da curva de perda de umidade relativa, que é
manifestada através da perda de peso inicial dos ovos (em percentual). Entretanto, em máquinas
de estágio único, que trabalham fechadas no início da incubação, a perda real de umidade pode
não ser como demonstrada no gráfico, uma vez que a umidade relativa em máquinas seladas
facilmente chega a 80-85% até o terceiro dia de incubação. Logicamente essa umidade relativa
elevada se dá pela perda de água dos ovos com restrição à saída, pois as máquinas estão seladas.
Portanto, até que a umidade relativa atinja o pico (80-85%), ao redor de 1-3 dias de incubação, a
perda de peso dos ovos ocorre de forma linear e bastante forte, sobretudo no primeiro dia de
incubação. Quantificar teoricamente essa perda não é tarefa simples, pois pode haver
contribuição do sistema de umidade, dependendo do equipamento e programa de incubação
utilizado.
A discussão reside então em definir qual é a melhor curva para o desenvolvimento
embrionário. Já foi bastante discutido que o embrião precisa perder umidade, pois ele a produz
como resultado do seu metabolismo (Boerjan, 2006; Calil, 2007, Meijerhof, 2010). É lógico afirmar
que quanto mais linear a perda de umidade, menos balanço entre produção e perda de água
metabólica ocorrerá no embrião como um todo. Entretanto, este balanço hídrico geral do embrião
é apenas uma indicação grosseira das relações hídricas dentro do ovo e, mais importante do que
isso, é o que ocorre dentro de cada compartimento do embrião (Ar, 2004). Ou seja, a
movimentação hídrica entre os diferentes compartimentos embrionários deve endossar a razão
técnica para a eleição de um ou de outro modelo de curva de perda.
Os compartimentos hídricos do embrião se alteram temporal e espacialmente conforme a
incubação avança e o embrião se desenvolve. A maior parte da água contida no ovo está
inicialmente no albúmen, e essa se perde continuamente durante a incubação, como resultado da
perda por evaporação através dos poros e também devido à movimentação hídrica rumo a outros
compartimentos (Ar, 2004). Esse adequado fluxo hídrico é fundamental durante o
desenvolvimento inicial do embrião, na fase de diferenciação celular. Como o embrião transporta
minerais (íons de sódio e potássio) (Babiker & Baggott, 1995) para o espaço entre ele e o saco
vitelínico (gema), água também é transportada do albúmen para formar o fluido sub-embrionário
(Romanoff, 1967), e o fluido sub-embrionário desempenha papel fundamental nos processos
iniciais de diferenciação celular, pois atua no diferencial de pH entre a parte ventral do embrião
(onde está o fluído sub-embrionário) e a parte dorsal (entre o embrião e o albúmen/câmara de
ar), desencadeando a formação embrionária em terceira dimensão (Eixos cabeça-cauda e dorsoventre), o que é conhecido como princípio espacial-temporal do desenvolvimento (Boerjan, 2006).
Mais uma vez, essa diferença de pH é crucial ao bom desenvolvimento embrionário, e se dá
principalmente pelas trocas gasosas e diferenciais de concentração de CO₂ nos diferentes eixos
embrionários (ocorridas com a participação de anidrase carbônica (Babiker & Baggott, 1995), bem
como por processos dependentes de energia e reposição de íons de sódio do fluido sub-amniótico
(Gillespie et al, 2004) (Figura 01).
Figura 01. Ph localizado de embrião em estágio de seis somitos,
demonstrando o alto pH intersticial na região onde há a presença
dos somitos e sua queda rumo ao mesoderma ainda não
segmentado. Esse gradiente de pH ao longo do eixo cabeça-cauda é
condição para a adequada diferenciação celular, e participam
ativamente desse processo o diferencial de concentração de CO₂, o
+
transporte por meio líquido (concentração de água) de íon de Na ,
bem como processos dependentes de energia (Gillespie et al, 2004).
Nota: segundo Baggott, Deeming & Latter (2002), outros elementos
participam na adequada formação do fluido sub-embrionário, como
por exemplo: anidrase carbônica, que libera prótons e bicarbonato
(bem como CO2). Além de componentes químicos, os processos de
perda de umidade e viragem dos ovos são fundamentais na
movimentação dos fluidos embrionários (Baggott, Deeming & Latter
(2002).
Portanto, o conhecimento e determinação do perfil de perda de umidade (linear VS não
linear) na fase inicial de desenvolvimento (diferenciação) podem ser cruciais para o sucesso ou
não do adequado processo de diferenciação celular. O fluido sub-embrionário desaparece após o
segundo terço da incubação, momento no qual a água foi movida para novos compartimentos: o
conteúdo do saco aminiótico e alantóide, os quais atingem um pico de volume nesse momento,
atingindo cerca de 18-20% e 10-12% do volume total de água no ovo, de acordo com Romanoff
(1967) citado por Ar (2004). Por volta da metade da incubação o embrião tem cerca de 10% do seu
tamanho final e possui cerca de 13-14% de toda a água do ovo. Conforme ele cresce em volume,
sua quantidade total de água também amplia devido ao aumento de todos os seus
compartimentos e, no terço final da incubação, o embrião utiliza a água principalmente do
alantóide e do saco aminiótico. A produção de água metabólica também é acrescentada ao
embrião em desenvolvimento: no final da incubação a água metabólica resultante principalmente
do metabolismo lipídico da gema (Meijerhof, 2010) conta com aproximadamente 8-13% do
conteúdo hídrico embrionário total (Ar, 2004).
Embora o conteúdo de água do embrião aumente conforme ele cresce, sua proporção de
água diminui gradualmente a partir do meio da incubação, momento em que apresenta 95% de
água até uma proporção dependente das condições do nascimento, mas seguramente menos que
isso (Petit, Whittow & Grant, 1984), sendo citado por Ar, Girardi & Dejours (2004) como ao redor
de 82% no vigésimo dia de incubação. Por isso, os sistemas que promovem perda de umidade
maior no final do período de incubação (curva não linear) devem ser cuidadosamente manejados
para não extrair água do embrião durante os momentos em que proporcionalmente o volume
alométrico desse elemento já diminui de forma fisiológica.
A fase final do processo de desenvolvimento embrionário (nascimento) é uma das mais
críticas em toda a vida da ave. E é justamente nesse ponto que tocaremos nos assuntos
condutância e equilíbrio térmico do embrião.
Fisicamente, os modelos que descrevem e quantificam a maneira como a perda de
umidade ocorre estão fartamente disponíveis na literatura, mas é ponto comum entre os
pesquisadores que a difusão de vapores d’água do interior para o exterior do ovo obedece a lei de
Fick (Scala Jr, 2003, Paganelli, 2004) e a lei de Stefan (Paganelli, 2004), que relacionam o
espaçamento entre moléculas, a energia carregada por elas e, conseqüentemente, o grau de
colisão entre as mesmas. Outros modelos descrevem equações consagradas de física, como a lei
de Boyle-Marriot, em que a pressão no interior do ovo é tão maior quanto mais quente o mesmo
estiver e mais moléculas de água estiverem presentes no seu interior, dividido por um dado
volume de gases (considerando-se também o número de moléculas e a constante universal dos
gases). Neste raciocínio, há uma maior facilidade para o ovo perder água no terço final da
incubação em relação á primeira semana, pois está mais quente. Entretanto, na prática o que
prevalece em condições de incubação em estágio múltiplo é uma perda de peso linear, embora a
afirmativa anterior faça mais sentido biologicamente. A lei de Fick relaciona-se à estrutura da
casca do ovo através do que se denomina condutância da casca, que é a facilidade que a casca tem
em permitir todo esse fluxo gasoso em função da área dos poros, quantidade, espessura da casca
(ou comprimento dos poros) e diferencial de pressão (ΔP). A figura abaixo constata uma situação
real dos incubatórios em que variações na condutância da casca e na temperatura de acordo com
o posicionamento dos ovos na incubadora provocam uma grande dispersão na perda de peso
individual dos ovos incubados numa mesma bandeja.
Figura 02: Nota-se uma tendência de perda maior nos ovos posicionados no centro da bandeja. Este fato
provavelmente está relacionado à maior temperatura dos ovos nesta.
Corredor da Máquina
posição. O aumento de temperatura provoca aumento de pressão, pois
11,4
11,1
8,1
estão diretamente relacionados na equação PV=nR, e a literatura já
9,4
11,4
10,0
12,1
10,1
10,5
cita fisiologicamente um diferencial de pressão entre o interior do ovo
11,7
10,1
13,5
11,1
9,0
12,5
e o exterior de aproximadamente 10Pa (Ar, 2004). Com maior
9,8
9,5
10,9
12,8
10,7
12,8
pressão no interior dos ovos, maior o diferencial e,
Idade: 48
conseqüentemente, maior a perda, conforme a lei de Fick. Os
8,9
12,8
11,3
12,4
14,4
11,7
Média
11,3
ovos que perderam muita umidade e estiveram posicionados
12,2
11,2
10,9
13,1
11,0
11,3
Maior
18,5
nas laterais provavelmente não sofreram tanto diferencial
12,3
12,6
10,8
15,6
18,5
8,9
Menor
7,2
de pressão. Neste caso, a maior perda pode ser atribuída a
10,5
11,6
12,7
16,3
7,2
10,2
variabilidades na condutância da casca, ora favorecendo
CV
16,0
(casca fina, muitos poros, poros largos), ora prejudicando
10,0
10,4
10,7
11,2
12,2
9,7
(casca espessa, poucos poros, poros estreitos) a correta perda.
10,0
11,5
11,6
13,9
15,0
8,1
Fonte: banco de dados de campo do autor.
12,4
11,0
11,8
11,7
11,5
12,1
9,4
10,2
10,4
11,8
10,8
13,7
12,4
10,4
12,2
9,5
12,1
11,9
12,3
9,6
10,9
9,9
12,4
10,3
12,6
13,7
9,3
9,9
10,9
10,2
13,6
12,5
11,8
10,8
7,5
9,9
9,5
8,4
9,7
Outra Bandeja
Como vimos acima, uma perda de umidade média de aproximadamente 11% é o resultado
estatístico de uma grande dispersão de dados, já que facilmente encontramos ovos com perda
abaixo de 9% e acima de 14% (figura 02 e Gráfico 04). Tullet (1990) e French (2006) afirmaram que
a eclosão não é seriamente afetada por extremos na perda de umidade. Meijerhof (2010) citou
que é comum encontrarmos dispersão (definido pelo autor como desvio padrão) de 15 e até 20%
na condutância da casa de ovos de um mesmo lote. Essa dispersão na condutância pode ser
traduzida para dispersão na perda de umidade, como mostra o gráfico 02 abaixo.
Gráfico 02. Diferentes perdas de umidade relacionadas à eclosão dos ovos (French, 2006).
n° Ovos
Eclosão
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
% perda de umidade
Com o gráfico 02 (French, 2006) podemos perceber que realmente a perda de umidade
individual não apresenta grandes complicações para a eclosão. Entretanto, como já publicado
(Calil 2007), uma perda de umidade exageradamente elevada ou baixa compromete pouco a
eclosão, muito a qualidade e demasiadamente a viabilidade dos pintos sobreviventes. Percebemos
também, ao analisar o gráfico que a perda de umidade exerce mais influência na eclosão quando
ela é baixa do que quando ela é alta, pois a inclinação da curva é maior quando os ovos perdem
pouca umidade (área circulada no gráfico). Por isso, em termos de eclosão é mais vantajoso buscar
perda de umidade alta, contrariando Tullet & Burton (1982), Carey (1986), Meir & Ar (1987) que
confirmaram que a maior perda de água tem piores conseqüências na mortalidade tardia. Embora
esteja claro que os embriões não são capazes de regular a própria perda de umidade, eles podem
metabolicamente compensar perdas sub-ótimas ao regular seu crescimento e alternar a presença
de água entre os diferentes compartimentos (Ar, 2004), entretanto, nos casos de perda excessiva
não existem mecanismos de compensação. Embriões com baixa perda de umidade armazenam
água sob a pele e entre os músculos (Davis et al, 1988) e embriões desidratados armazenam água
no fígado (Davis & Ackerman, 1987), utilizando principalmente, água do alantóide (Hoyt, 1979).
Trabalhando com dados de campo no Brasil percebemos que realmente a variação da
perda de umidade é muito grande e, quando comparamos a perda de umidade por ovo com a
mortalidade embrionária tardia, que é o principal fator da eclosão sob influência da perda de
umidade, percebemos que estes estão intimamente relacionados, o que é coerente e esperado,
pois na freqüência onde há menor mortalidade espera-se que haja também maior concentração
de ovos que perdem o ideal de umidade (vide Gráfico 03).
Gráfico 03. Tendência polinomial da freqüência de perda de umidade (linha vermelha) associada
com a mortalidade tardia (18-21 dias) de embriões (linha azul).
Frequência de perda e Mortalidade
tardia (ambos %)
18%
y = 0,0051x2 - 0,0525x + 0,1472
R² = 0,7094
y = -0,0081x2 + 0,0822x - 0,0453
R² = 0,7353
16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%
9
10
11
12
13
14
Perda de umidade (%)
15
16
17
18
Os dados acima são dados reais coletados no Brasil em amostra superior a 1.200 ovos
pesados individualmente e constata-se que a menor mortalidade embrionária tardia (linha azul) se
dá quando a perda de umidade se encontra ao redor de 13%. E é justamente ao redor de 13% que
se encontra a maior freqüência de perda de umidade no caso estudado, onde o trabalho foi de
redução da mortalidade tardia por aumento da média de perda de umidade. Ao se aumentar a
perda média de umidade, reduz-se a possibilidade de encontrarmos ovos com perda
extremamente baixa, o que, de acordo com o gráfico 02, traz piores conseqüências ao nascimento.
Portanto, quando aumentamos a perda de umidade, na verdade estamos buscando deslocar a
curva de perda para que os ovos com perda mínima não sejam prejudicados em eclosão (vide
Gráfico 04).
Gráfico 04. Curvas de perda de umidade de ovos incubados mostrando duas diferentes médias e
idêntica dispersão.
Frequencia de perda de
umidade
25,0%
Dados Iniciais X = 11,1%
Dados Finais X = 13,1%
20,0%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
4
6
7
8
9
10
11
12 13 14 15 16
Perda de umidade (%)
17
18
19
20
22
23
Observações: Curva da freqüência da perda de peso inicialmente encontrada (sugerida) e curva de peso obtida após
manejo de aumento de perda de umidade. Em geral, a freqüência e a dispersão da curva de peso são semelhantes, por
isso, o benefício de se aumentar a perda média não é pela média em si, mas sim por deslocar a curva para a direita,
excluindo (ou diminuindo) a freqüência de ovos que apresentam perda demasiadamente baixa, em concordância com
o que afirmou Merjeihof, 2010. Fonte: dados finais – base de dados do autor; dados iniciais – projeção de
deslocamento da curva com base nos dados finais.
Como a fase final é uma das mais críticas, nos concentraremos na discussão de outro ponto
importante, que é a condutância da casca e o equilíbrio térmico do embrião durante esse estágio
de desenvolvimento. Meijerhof (2001, 2007) e Lourens (2005), bem como técnicos de campo,
afirmam que a temperatura do embrião sobe ao final do período para valores além dos limites
fisiológicos normais devido ao metabolismo acelerado das linhagens modernas. Hamidu et al
(2007) estudaram extensivamente o metabolismo embrionário de duas linhagens modernas de
frango de corte (Ross 308 e Cobb 500), nos dando clareza sobre o metabolismo das linhas atuais.
Um de seus esclarecimentos nos ajuda a refletir sobre a perda de umidade e nos faz pensar que do
ponto de vista da condutância da casca é necessário alterar o ponto de controle da umidade
relativa das incubadoras quando utilizamos ovos de reprodutoras com idade avançada (que
necessitam maior perda de umidade) (vide Gráfico 05).
Gráfico 05. Condutância da casca dos ovos de reprodutoras de diferentes idades e duas linhagens
distintas de frango de corte (Cobb 500 e Ross 308) (adaptado de Hamidu et al, 2007).
Condutância da casca do ovo
(mg of H2O / mmHg)
20,00
19,50
19,00
18,50
18,00
17,50
17,00
16,50
Jovem (29 sem)
Pico (34 a 36 sem)
Pos-pico (40 sem)
Madura (45 sem)
Analisando o Gráfico 04 podemos concluir fisiologicamente que é necessário baixar a
umidade relativa das máquinas quando incubamos lotes velhos, pois se a condutância da casca cai
naturalmente, a perda de umidade será conseqüentemente menor. Isso é uma verdade, ou seja,
com menor condutância, menor fluxo de gases e água.
Entretanto, se analisarmos fisicamente as propriedades do ovo oriundo de aves mais
velhas, veremos que a proporção de água é menor, devido à fração lipídica (gema) aumentar
alometricamente com a idade da ave (Vieira e Moran 2008, citado por Traldi & Menten, 2010).
Isso nos faz questionar: se o ovo tem relativamente menos água, porque precisa perder
relativamente mais? Duas explicações: a primeira é que com a perda de umidade o ovo perde
constantemente cerca de 11mW de energia por evaporação (Boerjan & Calil, 2010, dados não
publicados) e isso o auxilia no processo de manutenção da adequada temperatura embrionária.
Ovos de aves mais velhas (leia-se ovos grandes) apresentam maior dificuldade em perder calor
devido à relação superfície:volume ser menor e por isso, ao promover maior perda de umidade,
será promovido também maior capacidade de resfriamento evaporativo oriundo de tal perda. Em
segundo lugar e mais importante, porque sabemos que há produção de água metabólica, e
somando-se ao conteúdo inicial do ovo, o budget hídrico do embrião em condições fisiológicas de
incubação sugere que a perda deva ser realmente maior, caso contrário haverá graves
complicações durante o processo de nascimento. Ou seja, se não perder mais, a produção de água
metabólica será maior proporcionalmente do que a perda, conseqüentemente a câmara de ar
ficará pequena para o processo de eclosão.
As possíveis complicações durante o processo de nascimento estão intimamente ligadas à
condutância da casca e ao equilíbrio térmico do embrião. Tais complicações são ainda maiores em
lotes velhos, haja vista o aumento da incidência de mortalidade tardia (18-21 dias) nos
incubatórios brasileiros nos últimos anos e a busca constante dessas unidades de produção por
maiores perdas de umidade média visando à correção dessa anomalia.
É fato conhecido da literatura que os embriões aumentam muito o metabolismo ao final do
desenvolvimento, e há evidências de que as linhagens modernas apresentam aceleração
metabólica tal, que sua demanda fisiológica passa a ser maior do que sua própria capacidade de
absorção de nutriente (O₂) e eliminação de catabólitos do metabolismo (H2O e CO₂) (Hamidu et al,
2007). Tazawa & Wittow (2000) publicaram os dados da Figura 03 evidenciando que aves precoces
ao nascimento apresentam mais dificuldades metabólicas ao final do processo de
desenvolvimento do que aves (espécie) que nascem em estágio menos maduro. Isso nos leva a
inferir que quanto mais precoce/madura for a ave (espécie) ao nascimento, mais propensa a
problemas metabólicos no final do desenvolvimento ela pode apresentar.
Figura 03. Indicação do metabolismo embrionário em duas espécies de aves, uma precoce ao
nascimento e outra imatura (Tazawa & Wittow, 2000).
Observações: Pela análise do gráfico,
verificamos que em aves precoces (do ponto de
vista espécie e não indivíduo) o metabolismo é
diminuído ao redor de 80% do período de
incubação (acima de 17 dias). Isso sugere que
haja uma limitação física ditada pela
condutância da casca não só aos vapores de
água, mas também aos gases vitais ao
embrião nesta fase de seu desenvolvimento
(Hamidu et al, 2007). Hamidu et al, 2004
encontraram comportamento semelhante do
metabolismo embrionário ao analisar a
geração de CO₂ de duas linhagens modernas
(Cobb 500 e Ross 308), encontrando o mesmo
perfil de desaceleração do metabolismo. O autor sugere que as propriedades físicas do ovo (leia-se condutância)
impeçam que o embrião tenha acesso aos gases vitais para seu desenvolvimento final (Gráfico 06) homeostático.
Gráfico 06. Produção de CO₂ em duas linhagens modernas de frango de corte (Cobb 500 e Ross
308) de acordo com o período de incubação (adaptado de Hamidu et al, 2007).
A condutância da casca não impede apenas o fluxo de gases vitais e água, mas também age
como isolante térmico para as trocas de temperatura do metabolismo embrionário conforme
Gráfico 06. Ou seja, quanto menor for a condutância (lotes velhos, de acordo com Hamidu et al,
2007), mais dificuldade em perder calor os ovos apresentarão, o que pode ser visualizado no
Gráfico 07, abaixo:
Gráfico 07. Temperatura embrionária (média das máximas) em ovos com diferentes qualidades de
casca inferida como condutância, através da gravidade específica dos ovos (Calil & Lourenço, 2009,
dados não publicados)
Pelo gráfico acima, verificamos que a temperatura embrionária apresenta tendência de se
elevar conforme a qualidade/espessura da casca aumenta (↑ qualidade/espessura de
casca:↓condutância de casca), indicando dificuldade na dissipação do calor metabólico e
comprometendo os controles fisiológicos durante os últimos dias do desenvolvimento
embrionário e dos processos de eclosão. Desses controles fisiológicos, o mais importante sem
dúvida alguma, é o da temperatura corporal, que elevada, nesses casos, promove um aumento
exponencial na demanda de O₂ e eliminação de CO₂ embrionário. Com incapacidade de absorver
toda a necessidade de O₂, o embrião entra em quadros críticos de hipóxia (pouco O₂) ou até
mesmo anaerobiose (anóxia: falta de O₂ nos tecidos). Esses controles e a transição da respiração
cório-alantoideana são muito delicados e o embrião não suporta a incapacidade de suporte de
oxigênio pulmonar após término da bicagem interna (Figura 04). Por essa razão, a perda de
umidade deve ser tal que permita ao embrião o completo preenchimento dos compartimentos
respiratórios (pulmões e sacos aéreos), fazendo com que o aporte de O₂ seja o melhor possível,
evitando que haja hipoxia/anaerobiose no momento da eclosão, causa comum de mortalidade
tardia com a denominação “bicado morto”. Em situações de baixa concentração de O₂, seja por
deficiência em absorção ou por baixos níveis atmosféricos há redução significativa do
metabolismo embrionário, sendo que Visschedijk, Ar, Rhan & Piiper (1980) encontraram redução
de 70% no metabolismo embrionário em ovos incubados com baixo teor de O₂ disponível e baixa
de até 50% quando tais baixos teores foram mantidos por 3 horas ininterruptas. Os autores
também afirmaram que a pressão parcial de O₂ no ambiente e a pressão atmosférica do ambiente
exercem efeitos independentes sobre as trocas gasosas dos embriões. Analisando os mecanismos
de trocas gasosas na membrana cório-alantoideana Piiper, Tazawa, Ar & Rahn (1980) concluíram
também que em condições de hipóxia a transferência sanguínea de O₂ (por difusão) pelos
embriões é significativamente limitada.
Isso tudo nos leva a confirmar a hipótese de que casos de hipertermia (elevação da
temperatura corporal) em embriões podem levar a insuficiência respiratória tardia, sobretudo no
momento pós-bicagem interna, quando há diminuição da respiração cório-alantoideana e o
surgimento da respiração pulmonar, ainda incompetente. Por essa razão, estimulamos a perda de
água maior em casos suspeitos de hipertermia, para que haja uma tentativa de “efeito
compensatório” ao inadequado aporte de O₂ pelo embrião durante a fase fisiológica denominada
Nascimento. Isso é recomendado, pois ao momento da bicagem interna, a capacidade de
insuflação pulmonar é tão grande quanto o espaço disponível na câmara de ar. Se não houver o
total descolabamento pulmonar, haverá sobra de agentes surfactantes, comprometendo
irreversivelmente o aporte de oxigênio (Calil, 2007).
Esse efeito compensatório em casos de hipertermia poderá auxiliar no nascimento, entretanto,
não corrigirá seqüelas oriundas da exposição embrionária às condições hipobióticas ou
anaeróbicas, que são a formação de ácido lático e o consumo (queima) de tecidos embrionários de
grande circulação sanguínea, como coração e musculatura de locomotores.
Figura 04. Embriões cuja câmara de ar foi bloqueada com esmalte atóxico (Calil & Stabellini, 2009,
dados não publicados) no momento da incubação.
Observações: Notar que após a bicagem interna, embora ainda em transição de respiração cório-alantoideana para
pulmonar, o embrião não é capaz de eclodir, morrendo minutos após o início do descolabamento pulmonar e sua
competência respiratória.
Conclusões
- A formação do fluido sub-amniótico (sub-embrionário) e a movimentação de água e íons é de
extrema importância para os processos de diferenciação celular e estabelecimento dos eixos
embrionários (cabeça-cauda e dorso-ventre).
- O fluxo de vapor de água do ovo para o ambiente (perda de umidade) deve permitir a correta
formação do fluido sub-embrionário e, por isso, o modelo de curva de perda de umidade (linear VS
não linear) deve ser cuidadosamente pensado.
- Independentemente do modelo de curva de perda de peso, a câmara de ar deve ser formada de
modo a não somente fornecer adequado aporte de O₂, mas também de modo a “tentar
compensar” a alta demanda desse gás vital, sobretudo em embriões oriundos de situações de
hipertermia.
- O valor da perda de umidade deve ser tal que evite a presença de ovos cuja perda tenha sido
insuficiente (abaixo de 9%, por exemplo), independentemente do sistema de incubação utilizado.
- Maiores valores de perda de umidade podem compensar deficiências no aporte de O₂,
entretanto, as conseqüências da exposição à hipóxia/anaerobiose são irreversíveis e afetam a
qualidade e desempenho final no campo.
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